Nº 2488 - Maio 2009
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Os Zombo na Tradição, na Colónia e na Independência (III Parte). O Comércio de Fronteira em Tempo de Guerra
Professor
José Carlos de Oliveira
Amendoim e Kikuanga Versus ‘Ração de Reserva’
 
Este título não tem outra intenção senão chamar a atenção das diferenças e similitudes, entre a dieta do guerrilheiro da UPA e a ração de reserva tipo E, como se chamava, a ração do militar português, durante as acções de combate no Norte de Angola, a partir de 1961.
 
Quando a 5ª Companhia de Caçadores Indígenas se incorporou na Companhia de Comando do Batalhão 92 (Setembro de 1961), um episódio se passava que ainda hoje vem à nossa memória - a distribuição da ração de reserva, pelo soldado cantineiro, aquando da saída de cada coluna em serviço operacional. Cada embalagem de cartão continha o suficiente para a alimentação de um dia, variando muito o seu conteúdo de remessa para remessa. Era comum, o sumo concentrado; o leite condensado muito açucarado, em bisnaga, que dava para mais de meio litro de leite; um pacote de bolacha Maria; uma tablete de chocolate; uma embalagem de sobremesa de geleia compacta; uma lata de carne ou de dobrada enlatada, outras vezes, ainda uma lata de sardinhas ou atum e, até mesmo, feijoada com chispe.
 
Todas as sobras eram deixadas a esmo no lugar onde se tinha feito a paragem, sem qualquer preocupação em disfarçá-las. O comandante da coluna decidia se uma paragem seria oportuna ou não e aproveitava-se o repouso para comer algo que aconchegasse o estômago. Era muito difícil comer com as viaturas em andamento pois a poeira levantada ao longo da coluna, caía inexoravelmente sobre os corpos dos militares que, nestas circunstâncias, usavam lenços para taparem a boca e o nariz a fim de evitarem a assimilação do pó e de conseguirem respirar. A poeira invadindo tudo, dificultava a deglutição de qualquer alimento.
 
Uma das principais preocupações das chefias militares portuguesas, traduzia-se na ordem dada aos grupos de combate para cortarem, cercearem ou destruírem os bens alimentares encontrados nas aldeias, que naturalmente serviriam aos operacionais da UPA, impedindo assim, o apoio às suas unidades instaladas nas matas do norte de Angola destruindo, por exemplo, as lavras de mandioca e celeiros de amendoim.
 
Este apoio era de vital importância para a sobrevivência dos guerrilheiros. Os chefes clãnicos zombo estavam expressamente orientados para esta tarefa. Deles dependia a manutenção da operacionalidade dos seus combatentes. Uma forma que devemos apreciar nas relações sociais dos grupos guerrilheiros é que eram e continuam a ser apoiados pelo seu clã e não pelas populações. Esta forma de entender a questão faz a diferença e coloca em causa a afectividade do clã pela comoção de ter em perigo um elemento da sua linhagem.
 
Outros produtos constituíam a base da alimentação zombo, tanto em tempo de paz como em tempo de guerra e, neste caso, eram regularmente utilizados na dieta dos guerrilheiros da UPA, organizados em células de comandos operacionais em zona de combate. Este termo operacional não tem a ver senão com a aprendizagem (desde muito cedo) referente à arte da caça aprendida precocemente pelos jovens kongo.
 
 
 
Em lugar de destaque, situa-se o amendoim, a n’guba, no dizer kongo (os ataques da UPA começaram a 15 de Março com a colheita por fazer). Pouca gente sabe que o amendoim é um dos alimentos mais completos em nutrientes, proteínas, vitaminas, lípidos, carbo-hidratos e sais minerais, de baixo custo e ao nosso alcance. O amendoim pode ser largamente aproveitado na alimentação, principalmente como suplemento proteico de qualidade. Além disso, é mais barato que outras proteínas como as castanhas, o leite, a carne e o queijo. É também um alimento funcional que pode actuar como inibidor do apetite.
Sabemos, existirem estudos científicos que comprovam os benéficos efeitos, após a ingestão de uma pequena porção de amendoim. Os níveis de saciedade elevam-se e mantêm-se por mais de duas horas, ou seja, mais do dobro da saciedade quando comparado com pequenas refeições hipocalóricas normalmente recomendadas em planos alimentares de redução de peso. Como refeição intercalar, entre as principais refeições do dia, desde que consumido com moderação, pode ser um saboroso aliado na manutenção de peso durante o Verão. Confirmámos tudo isto, quando de visita à diocese do Uíje, em 2005. Num aparador da sala de jantar, estavam sempre presentes e, à nossa disposição, dois ou três frascos com amendoim torrado. Fizemos questão de perguntar ao Sr Bispo D. Francisco da Mata Mourisca sobre o valor do amendoim e o mesmo confirmou-nos o que atrás deixámos dito.
 
O mais tradicional de todos os alimentos é a célebre kikuanga e tem como base a mandioca que depois de fermentada e muito bem amassada, é cozida e envolvida em folhas de bananeira. Trata-se de uma espécie de ração de reserva em combate que, ocasionalmente se serve (quando o há) com o molho de óleo de palma. Os restantes alimentos básicos como cana-de-açúcar, gengibre, gindungo e kola eram igualmente fornecidos aos guerrilheiros pelo clã.
 
 
 
Como apontamento interessante, apresentamos acerca da fotografia de Margot Dias (1992:411), que ilustra o artigo “Nota sobre o Almofariz Horizontal da Província de Uíje, Angola”, a seguinte citação:
“(…) No caminho entre Damba e Maquela do Zombo, da povoação de Luaia para diante, o almofariz horizontal é o mais frequente. Encontrámo-lo quase diante de cada casa, como igualmente, no dia seguinte, no caminho de Maquela do Zombo para Cuimba (…).”
 
 
 
A cana-de-açúcar, cortada em segmentos de 20 a 30 centímetros (para mais fácil transporte do caminhante), é um suplemento alimentar natural muito eficaz, não apenas para o rendimento físico, como também para a recuperação da massa muscular dos caminhantes. Possui importantes fontes de sacarose, sendo também, um elemento natural de baixo custo, encontrada em todos os mercados kongo. Os restos da cana-de-açúcar, às vezes espalhados nas nzila, (neste caso carreiros de pé posto) sempre passaram despercebidos aos observadores dos grupos de combate dos batalhões da ZIN (Zona de Intervenção Norte), que operavam nos trilhos de ligação à fronteira. Quem anteriormente visitasse os mercados nzandu, verificaria que, no final do dia, os restos fibrosos da cana ficavam espalhados à toa pelo chão. Os caçadores profissionais, reconheciam pela forma apresentada por esses detritos, há quantos dias, determinado grupo tinha passado por eles. Se aparentassem ter as fibras unidas e ainda húmidas, o grupo tinha passado nesse dia. Caso os restos se apresentassem secos, mas ainda unidos, o grupo teria passado acerca de dois dias. Se, enfim, as fibras parecessem estar em vias de separar-se, era sabido que tinham passado há cerca de uma semana.
 
O gengibre era e continua a ser utilizado tanto na cozinha tradicional como nas caminhadas de infiltração dos guerrilheiros. É um produto de origem asiática e um remédio tradicional utilizado na medicina popular de todos os continentes. Porém, ainda são necessárias investigações detalhadas que comprovem cientificamente os efeitos desta raiz. De qualquer forma, sempre fez parte da dieta do povo kongo, que acredita nele como estimulante para quem caminha e ainda um anti-reumatóide. As suas propriedades terapêu­ticas como chá feito a partir de pedaços do rizoma fresco, fervido em água, é usado no tratamento contra gripes e, em compressas quentes, é aconselhado pelas velhas curandeiras zombo (comerciantes especialistas no ramo de toda a bacia do rio Zaire), para aliviar sintomas de gota, artrite, dores de cabeça e coluna, além de diminuir a congestão nasal e as cólicas menstruais. Sabemos, por contactos posteriores, com japoneses que, na sua terra, o óleo de gengibre é utilizado nos tratamentos tradicionais e famosos para problemas de coluna e articulações.
 
Outro alimento, o gindungo, é o famoso fruto conhecido no norte de Angola, por ndungo. Os zombo utilizam-no na culinária como tempero mas acreditam que usado na carteira junto ao dinheiro atrai os bons negócios. É conhecido cientificamente por Capsicum. Os seus arbustos não atingem mais de um metro de altura e os frutos são os pimentos ou pimentões, que constituem as variedades doces. As variedades picantes são as pimentas, também chamadas de piri-piri ou malaguetas, sendo frequentemente utilizadas em África, com fins medicinais e culinários.
 
 
 
A banana é produzida, pela grande maioria dos agricultores africanos, em agricultura de baixa escala e de subsistência, ou seja, para consumo próprio e venda em mercados locais. Este fruto não é sazonal, estando disponível durante todo o ano, pelo que pode ser utilizado nas estações mais susceptíveis de escassez alimentar, especialmente nas alturas em que o produto de uma colheita já foi consumido e o produto da seguinte ainda não está disponível. É por esta razão que o cultivo da banana tem uma importância fulcral em qualquer sistema de luta contra a fome. Acerca deste fruto, deixamos, como nota final, um facto passado durante uma fortíssima crise de paludismo que nos atacou, nos finais de Setembro de 1961. Tendo a 5ª Companhia de Caçadores Indígenas do Batalhão de Caçadores nº 3 sido integrada no Batalhão de Caçadores 92, vínhamos, desde a povoação do Bungo sendo medicados pelo furriel enfermeiro com comprimidos de Camoquina, à razão de dois comprimidos/dia, durante 15 dias; quando chegámos a Sanza Pombo, foi-nos receitada uma forte dose de injecções de Atebrina. Não conseguíamos pôr-nos de pé e qualquer golo de água era imediatamente rejeitado. Por sorte, um jovem médico, ao verificar a nossa delicada situação, restituiu-nos a saúde com uma dieta de oito dias de banana macaco - trata-se de uma banana pequena (cerca de dez a doze centímetros) de um sabor inigualável, daí que sejam as escolhidas pelos macacos. O médico começou por segurar a pequena banana e dizer-nos que a devíamos chupar lentamente. Retemos na memória que, ao fim de uns dez minutos, tínhamos ingerido, quase sem dar por isso, uns três centímetros da banana. Meia hora depois, o médico deu por terminada a refeição, com meia banana ingerida. Nesse dia, comemos exclusivamente uma banana. No dia seguinte, passámos a duas bananas. Ao terceiro dia, já comíamos, embora não tivéssemos força para nos levantar, uma banana a cada refeição. Passada uma semana, já conseguíamos comer sopa de legumes. E foi assim que uma dieta de bananas, nos salvou, provavelmente a vida.
 
Outro alimento de grande tradição social é a noz de kola, o reputado makesu ou luumisu lua kanda, dos kongo e dos kimbundo. Possuindo um gosto acre e algo amargo, contém grande quantidade de cafeína sendo usada, por muitas culturas do oeste africano, tanto individualmente quanto em quaisquer reuniões sociais. Frequentemente, ainda é usada cerimoniosamente e ofertada como sinal de afecto aos convidados. Divide-se em gomos e, antes de cada refeição, é ingerida lentamente, misturando-se com a saliva, promovendo uma melhor digestão. A sua ingestão vai permitindo fazer a caminhada sem haver necessidade de beber água. Tem acção estimulante provocando a regularização da circulação. Além disso, constitui um tónico revigorante e, até mesmo, um excitante do sistema nervoso e muscular, tendo ainda propriedades antidiarreicas, sendo aconselhada, em casos de anemia, de convalescença de doenças graves, de problemas estomacais, em certas enxaquecas e, sobretudo, nas perturbações funcionais do coração.
 
Não ficaria esta secção completa se não abordássemos a questão da alimentação dos militares portugueses nesta zona de intervenção de combate. A nossa experiência prende-se com o conhecimento directo do fornecimento às companhias estacionadas, ao longo da fronteira dos zombo, nomeadamente em Maquela do Zombo, Nzadi, Béu, Kuilo Futa e Sakandika e, para o lado do noroeste, com os fornecimentos dos mesmos viveres à Roça São José, Koma, Luvaca, Buela, Kuimba e Pangala.
 
No difícil período de 1961 e 1962, foi complicadíssimo o contacto com a fronteira do Congo, senão impossível. As fronteiras pelos postos de Kimbata e de Banza Sosso estavam ‘encerradas’. Formalmente, ninguém as passava, durante esse período. Os transportes eram feitos, em colunas de camiões civis, apoiados por viaturas militares. Após 1963, o percurso entre Luanda até Maquela do Zombo, via Negage, já não requeria cuidados específicos. Porém diga-se, em abono da verdade que, aqueles camionistas continuavam a ser os camionistas do impossível.
 
Durante este longo período de catorze anos, os comerciantes, os militares, os funcionários públicos e os zombo, todos, absolutamente todos, viveram este ambiente de ambiguidade social só percebido, por aqueles que, em tempo de guerra, habitam qualquer fronteira política.
 
 
 
Comecemos por analisar um documento de espectacular ineficácia, a célebre guia de transporte, que a administração do concelho local passava (atestando a necessidade local dos produtos) aos comerciantes que deslocavam os seus camiões a Luanda, a fim de adquirirem os bens que posteriormente venderiam onde estivessem sedeados. À saída da cidade, pela estrada de Catete, operava uma barreira policial fiscalizadora que exigia que lhe fosse mostrada a dita guia de transporte. O fiscal tentava então, com ar verificador, certificar-se que a mercadoria transportada estava conforme a guia. Algumas vezes, mais por incúria do que por outra coisa, era encontrada mercadoria não mencionada na guia. Nessa altura, a viatura e respectivo condutor eram conduzidos ao comando policial, na baixa da cidade, e aí se procedia à minuciosa inspecção da mercadoria transportada. Não pretendemos de forma alguma ridicularizar o trabalho das autoridades, mas garantimos a sua ineficácia. Todavia, um paradoxo factual tornava-se evidente: a barreira fiscalizadora tinha que existir visto que a sua simples presença dissuadia parte dos infractores.
 
Passemos então a verificar que mercadorias transaccionavam os comerciantes de Maquela do Zombo. Em primeiro lugar, produtos requeridos pelo seu negócio de fronteira e que tinham, desde 1963, como destinos prioritários a exportação para Kinshasa. Entre esses produtos, destacavam-se: o vinho embalado, em garrafões de cinco e dez litros, das mais reputadas marcas portuguesas, como por exemplo das regiões do Ribatejo, do Oeste e do Dão; dezenas e dezenas de embalagens de cebolas, em sacos de 25 quilos; garrafões vazios (os mais apreciados eram os incolores) para que acondicionassem, mais tarde, o célebre malafu ou malavu, isto é, o vinho de palmeira, essencial nas grandes festas das famílias kongo; centenas de fardos de peixe seco, com o selo do grémio de pesca, especialmente um que era a merma ou judeu, muito apreciado porque, sendo da família do atum, era bastante saboroso, segundo os kongo e de grande valor proteico e, finalmente, produtos para venda às companhias operacionais, estacionadas na zona de Maquela. Além disso, chegavam semanalmente, dezenas de camiões, muitos vindos da zona do planalto de Malange outros de Benguela e Moçamedes transportando milhares de embalagens de trinta quilogramas de peixe seco, que valiam na altura, com o dólar a custar aproximadamente 22$00, milhares de contos, centenas de toneladas de feijão, das qualidades branco e catarino, a cerca de 5$00/quilo e a batata a rondar o mesmo preço.
 
Os combustíveis, destinados aos dois batalhões estacionados ao longo da zona de intervenção dos zombo, que percorria uma faixa de mais de duzentos e cinquenta quilómetros de fronteiras (quando apresentarmos os dados do batalhão 88, teremos oportunidade de fornecer mais detalhes), eram exclusivamente fornecidos por duas firmas: JOJ e Socozol. Só este facto era uma guerra! Era ver quem oferecia mais presentes aos responsáveis pelo abastecimento das viaturas militares, normalmente um sargento da especialidade de trem auto, alguns deles, com duas e três comissões de serviço.
 
Um dos produtos que exigia uma especialização era o fornecimento de peixe fresco às unidades. O seu ‘certificado de sanidade era passado, pelas autoridades (in)competentes, no dia anterior, o que nos parece, no mínimo, estranho, visto que o peixe, comprava-se em Luanda, fresquíssimo, na praça do Kinaxixi, desde as quatro horas da madrugada desse dia (as peixeiras envolvidas neste negócio eram brancas). Preparavam-se então as caixas isotérmicas que levavam aproximadamente cento e vinte a cento e cinquenta quilos de peixe, cada uma. O chão da caixa levava uma camada de gelo moído de cerca de dez centímetros e o peixe era acondicionado de barriga para baixo por camada, imediatamente coberta por nova camada de gelo e assim sucessivamente até levar a última camada de dez centímetros de gelo. Ao fim de três ou quatro horas, o peixe estava envolvido por uma única bolsa de gelo, o que nos faz colocar a seguinte questão: como poderiam então as ditas autoridades garantir a sanidade do peixe? No entanto, esta mercadoria fazia uma viagem de três dias, embora durante o trajecto lhe fosse acrescentado novo gelo (de uma caixa provida unicamente com gelo de substituição), uma vez que no fundo e lateralmente cada caixa tinha um orifício de purga para o gelo que entretanto se tinha liquefeito. Todavia, a chegada a Maquela do Zombo estava, a partir de 1963, (porque foi a partir desta altura que se começou a viajar sem coluna militar de acompanhamento) sempre prevista para coincidir com as colunas de reabastecimento que saíam das suas unidades às terças e quintas-feiras, tudo isto sob o controlo de um sargento ‘Vagomestre’, muito experiente e manobrador da sua situação de privilégio. Os restantes produtos eram os de compra imediata e local, pelas unidades, uma vez que a cerveja, o vinho, o bacalhau, entre outros produtos eram comprados, em Luanda, pela Manutenção Militar e enviados, em colunas MVL, em camiões militares.
 
Durante onze ininterruptos anos, vivemos esta vida de fronteira. Às tais terças e quintas-feiras, o dia era destinado ao comércio com os militares que entretanto se espalhavam pela vila, nos bares, pensões e ainda pelos arredores. A determinado momento, começou a florescer o comércio de louça chinesa, em serviços de chá ou café, e outras recordações, como jogos de copos em bambu, quadros de madrepérola vindos de Macau (sabíamos que a sua verdadeira origem era a China Nacionalista ou Japão). Estes presentes haveriam de vir a estar em posição de destaque na sala da casa de seus pais mas especialmente de namoradas e futuras esposas após o seu regresso. Às segundas, quartas e, por vezes, às sextas-feiras deslocávamo-nos com os nossos motoristas zombo até à fronteira do Banza Sosso e Kimbata.
 
Estamos convencidos que os comerciantes de Maquela do Zombo, neste último período de 1963 a 1975, tiveram oportunidade de repensar as suas vidas e sabemos de fonte segura que colocaram o que (com o maior ou menor risco de vida) conseguiram amealhar, (aqueles que souberam, e foi a maioria) fora de Angola.
 
Este processo vivencial levaria inevitavelmente à especialidade de uma parceria muito perigosa entre os comerciantes europeus e os seus ‘parceiros’ zombo e que virá a constituir base do próximo capítulo.
 
 
Esparsos Acerca da Guerra Colonial Entre os Zombo - Ana landa e Lau, Ngeye mpe kitukidi lau
 
O velho provérbio kongo ‘Ana landa e lau, ngeye mpe kitukidi lau’ que, traduzido livremente, será - Ao acompanhares um louco, também tu te tornas louco - reflecte bem, na nossa opinião, o fenómeno dos conflitos bélicos.
 
Alguns acontecimentos relevantes no período
entre Dezembro de 1960 a 1964
Dezembro, 15 de 1960 - A XV Assembleia Geral da ONU aprova a Declaração sobre a Independência dos países e povos sob regime colonial, incluindo nesses os territórios portugueses “ditos províncias ultramarinas”, tendo havido abstenção dos E.U.A. e da “velha aliada” Grã-Bretanha(…)
Dezembro, 31 de 1960 - Factos a destacar ainda: - diversos jovens congoleses deslocados para o Norte de ANGOLA, organizaram uma rede clandestina para preparar a revolta geral; no ZAIRE surge um “Movimento” desses refugiados, designado “ALLIANCE DES RESSORTISSANTS DE ZOMBO (ALLIAZO)” com ligações a outros “Movimentos”; em CABINDA surgira a “Association des Ressortissants de L’ Encleve de Cabinda” e o “Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda” (MLEC) de carácter moderado, desejando um “protectorado”; aparecimento do partido “Nto’BAKO” de tendências moderadas com a colaboração do Governo Português e adversário da UPA, sendo chefiado por Angelino Alberto e ainda o partido “M.D.I.A”, com as mesmas características e chefiado por JEAN PIERRE M’BALA, dissidente da UPA (…).”
Janeiro, 1961 - Massacre na BAIXA DO CASSANJE contra os produtores de algodão que haviam declarado greve. Foram efectuados bombardeamentos aéreos. Os grevistas eram chefiados pelo angolano ANTÓNIO MARIANO, da “Guerra de Maria”, contra a COTONANG.
Fevereiro, 04 de 1961 - Ataque dos “nacionalistas” angolanos (com alguns belgas) orientados pelo MPLA, às cadeias policiais do BAIRRO DE S. PAULO (Casa da Reclusão) ao Quartel da Companhia Móvel da Polícia e Emissora Oficial de ANGOLA, em LUANDA. Seguem-se ataques aos Postos Policiais para libertação de alguns dirigentes e no Cemitério de LUANDA durante o funeral de algumas das vítimas. Era uma antecipação aos planos arquitectados pela UPA (para executar a partir do dia 20).
Nota: Hoje sabe-se que a autoria dos ataques não foi do MPLA mas sim da UPA.
Fevereiro, 07 de 1961 - Alteração da política dos Estados Unidos da América contra a situação das “províncias ultramarinas” portuguesas. (…)
Fevereiro, 28 de 1961 - HOLDEN ROBERTO envia jovens congueses para provocarem revoltas em ANGOLA, onde existiam 10 mil militares e entre eles apenas 2 000 europeus enquanto a UPA tinha cerca de 400 mil Bacongos e 100 mil angolanos. (…)
14/15 Março 1961 - A UPA inicia os seus ataques e massacres no norte de ANGOLA, com o apoio do CONGO (BELGA,) contra os brancos, seus serviçais e trabalhadores indígenas das fazendas, sob a orientação de HOLDEN ROBERTO e ainda com a ajuda dos Bakongos e dos americanos! Atacam os postos da guarda-fiscal situados na fronteira de MAQUELA DO ZOMBO e S. SALVADOR DO CONGO, bem como as casas comerciais, fazendas e residências dos proprietários e dos empregados ao seu serviço, quer fossem brancos ou negros! Foram mortos 800 civis, na sua maioria mulheres e crianças! (…)
Março 1961 - No prosseguimento desses ataques os “revoltados” da UPA mataram, só na zona Norte e por iniciativa própria, cerca de oito mil angolanos, incluindo muitos dos elementos afectos ao MPLA que tentaram passar do CONGO BELGA para ANGOLA! 2
Outubro 9 de 1961 - As Igrejas protestantes norte-americanas dava apoio à UPA (de HOLDEN). A missão de QUIBOCOLO, da Sociedade Missionária Baptista, foi encerrada, acusada de ter colaborado na rebelião de Março, não obstante os Zombo, não terem tomado parte. Foram expulsos os seus missionários, evacuada a população e destruída a Missão. O mesmo já tinha acontecido no BEMBE e noutros locais depois dos respectivos saques! 3
Nota: Para maior precisão os referidos postos da guarda-fiscal assaltados ficavam fora da área dos zombo e dentro da área dos Axikongo4. Este pormenor revela as diferenças de interesses entre os dois sub-grupos.
Telegrama cifrado, 16 de Março de 1961 do Governo-geral da Província de Angola, para Governador de Carmona.5
“209 - Ref comunicação telefonica Vexa esta manhã e estranhando reduzido numero munições peço atenção Vexa confidencial de 28 de 9 Julho e telegrama 591 de 26 Agosto ambos ano passado. Seguem avião amanhã destinadas esse governo 100 espingardas e respectivas munições.
SECGERAL”
Telegrama cifrado, 13 de Outubro de 1962 do Governo-geral da Província de Angola, para Governador de Carmona.
“Estando previsto regresso fronteira Quimbata cerca de 420 Tocos para Colonato Loge com duração máxima operação dois dias. Agradece-se preparação operação recepção tendo atenção especialmente transporte, alimentação e alojamento colonato. Solicita-se comunicação data em que operação poderá ter efeito. Há máxima urgencia interesse efectivação esse regresso rodeado melhores condições fim projecção internacional.”
Telegrama cifrado, 9 Maio de 1963 de SCCIA, Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola.
133/oper Encontram-se Maquela Cinco Chefes Costumeiros pretendendo deslocar-se Damba afim contactarem regressados PT exposto assunto SEXA Secretário Geral não concordou ida mesmos Damba nem permanencia Maquela SCCIA
Pelo Director do SCCIA
Eduardo Alberto Silva e Sousa
Major c/CEM”
 
Apresentamos seguidamente uma carta que, pela sua oportunidade, merece destaque. Foi-nos endereçada pelos ‘Chefes Costumeiros’ a que se refere o último telegrama. Estamos naturalmente a referir-nos a determinados zombo, os já referidos nsondody nzila6 que melhor conheciam as nzila (caminhos de pé posto) percorridos, no mínimo, semanalmente para conduzirem populações que, vindas sobretudo do interior do norte de Angola, poderiam cair em emboscadas preparadas pelas companhias operacionais portuguesas, destacadas na área, que começavam a ter razoáveis conhecimentos da ‘guerra de guerrilha’, que a UPA começava a praticar.
 
Explicitemos um pouco melhor: a carta demonstra de forma inequívoca a importância dos Chefes Costumeiros, durante os anos de guerra, entre as populações que se mantiveram nos arredores de Maquela do Zombo (num raio de 40 quilómetros aproximadamente a partir da vila), na fronteira, em ‘aldeias recuperadas pela acção da psico-social militar portuguesa’. Assim, o mfumu a vata continuava a representar uma espécie de rei, no sentido da linhagem, embora subordinado ao soba que regia os assuntos em qualquer das aldeias que lhe tivessem adstritas.
 
O mfumu é que conhecia os meandros da vata, indicando e seleccionando ideias que apresentava ao soba. Se, por exemplo, o soba recebesse das autoridades portuguesas ordem para executar determinada tarefa, reunia-se com mfumu a vata e expunha-lhe a “agenda do dia”, ou seja, o luta ntangu. Este, por sua vez, em forma de aviso, contava aos aldeãos e, especialmente ao nsondody nzila, se havia ou não algo de novo a tratar. Estas comunicações ainda se dão ao alvorecer ou ao deitar de cada dia. Portanto, nunca deixou de haver uma profunda e eficiente relação entre os responsáveis das vata. A este assunto será dada a devida relevância na secção “5ª Companhia de Caçadores Indígenas versus Batalhão de caçadores 88”.
 
Os interessados sobre o tema populações de fronteira em tempo de guerra, deverão consultar, por comparação, documentação sobre o assunto como, por exemplo, “O Salto para França”.
 
A carta vem endereçada de Leopoldville, hoje Kinshasa. O remetente é Bunga Paul (Paulo) chamando a atenção que é o pai () e a curiosidade maior é que, antes de assinar, escreve: A Bem da Nação.
 
Há necessidade aqui de um esclarecimento acerca de quem eram os ‘Chefes Costumeiros’: tratavam-se de alguns mfumu a nsanda (chefes das matrilinhagens) e até sobas, a que as autoridades administrativas portuguesas da região, distribuíam cargos, como por exemplo, o de regedor e que inclusivamente se vestiam de forma apropriada à moda das autoridades coloniais, de que é exemplo, o regedor Nankinsi, que a administração de Maquela do Zombo contrapunha ao poder do mfumu a nsanda de Banza Pette, ficando este deveras prejudicado no seu poder real tradicional.
 
 
A antropologia portuguesa aplicou então o termo ‘Chefes Costumeiros partindo do princípio do poder do chefe da família extensa e do território político e religioso que representava. Convinha à administração colonial, de acordo com as suas necessidades, apoiar-se nestas ‘chefias’ para complementar o seu domínio. Mais tarde, o termo deixou de ter o significado que, na altura, manifestamente detinha. Se olharmos atentamente a fotografia ao lado, de nossa autoria (tirada por volta de 1959), veremos que o domínio exercido pelo ‘chefe costumeiro’ dava-lhe a prerrogativa de escolher de entre as mulheres mais jovens, as mais bonitas para suas companheiras. Além disso, o caso do regedor Nankinsi, era o caso paradigmático do poder discricionário. Enviar gente do seu povo ou não, para o contrato, bastava que o desgraçado tivesse uma mulher bonita.
 
 
 
 
Como podemos facilmente constatar, só são transcritos documentos referentes à zona política zombo e por eles se confirma a influência dos zombo no processo de independência de Angola. Estimava-se que, na altura, residiriam na zona de Kinshasa cerca de sessenta mil angolanos. Também sabemos, por tudo que já foi dito, que a sua maioria eram pequenos e médios comerciantes de origem zombo.
 
Seguidamente parafraseamos a carta de Bunga Paul, visto que o seu domínio da língua portuguesa, torna o documento de difícil leitura, aproveitando ainda para tecer algumas considerações.
 
“Exmo Senhor José Oliveira,
Informamos a Vª. Exª., senhor José, que chegámos muito satisfeitos. Só chegámos, por volta das 20H00, porque o avião teve um problema técnico (pane) e só saiu de Luanda às 18h30. Embora não tenhamos qualquer resposta sua desde 24/3/1962, nós, os Chefes do Distrito da Província do Kongo Português, tivemos uma conferência informando a delegação dos C.C.K.P, que não tivemos qualquer resposta do governo Português, em Luanda. Para os C.C.K.P é um facto incompreensível, todavia apresente a nossa declaração ao pessoal do distrito da província do Kongo Português, endereçando-lhes um abraço.
Ficaremos muito gratos pela forma como o governo português está oficialmente a tratar da nossa documentação. Fizemos a apresentação da carta de 30/03/1962 ao senhor Cônsul Geral de Portugal (em Leopoldeville) continuando a reiterar os nossos agradecimentos ao nosso governo português.
A Bem da Nação
 
Esta carta traduz, de forma inequívoca, a sabedoria tradicional zombo e senão, notem-se as referências e relações que René Péllissier lhes aponta:
“(…) les Bazombo sont, on l’a vu, essentiellement tournés vers les activités commerciales, ce qui leur donne une souplesse et une mobilité assez remarquables. L’intérêt qu’ils manifestent pour les joutes de São Salvador est devenu pratiquement nul. Leur ville de référence est non pas la chétive São Salvador mais Maquela do Zombo. La mission baptiste de Quibocolo est leur phare car, alors que les Baxikongo protestants du concelho de São Salvador sont minoritaires chez eux, les Bazombo baptistes du concelho de Maquela do Zombo y sont largement majoritaires.
C’est au sein de leur communauté d’émigrés que Simão Toko a fondé son église, et son exemple est à l’origine indirecte de la création le 23 décembre 1956 de l’Assomizo ou Association mutuelle des ressortissants de Zombo, sous l’autorité d´Emmanuel Kunzika et d’André Massaki. Reconnue légalement par les autorités belges, l’Assomizo doit, pour se maintenir en vie, faire preuve de prudence et limiter statutairement ses activités sociales à l’intérieur de sa communauté, jusqu'à l’indépendance du Congo. Grâce à ces deux dirigeants, auxquelles on ajoutera Ferdinand Ndombele ou Dombele, l’ALLIAZO, qui sera la transformation de l’Assomizo après l’indépendance du Congo, se définit comme suit : « un parti ethnique créé pour l’union et la défense des intérêts de Zombo, mais dont l’ésprit se double d’un nationalisme plus large 7(…)».
 
O sublinhado é nosso e pretende reforçar os elementos apontados. Todo o discurso vai no sentido de demonstrar a secular capacidade dos zombo, para interferirem eficazmente, na política regional. Os portugueses residentes na zona sofreram profundamente as consequências da actuação dos zombo e da descolonização a que estiveram sujeitos.
 
Tentaremos justificar tanto quanto pudermos, o que escreveremos nesta secção. Contudo, alguns dos dados estarão certamente contagiados pela subjectividade e são o resultado do nosso ângulo de visão e de opinião actual. Uma coisa é consultar documentos históricos sobre guerras, povos, contactos de culturas e ouvir até testemunhos credíveis e depois dissertar sobre o assunto, outra é viver profundamente os acontecimentos política, social e economicamente relevantes, durante longos anos, e depois, ter a rara oportunidade de procurar, conferir e analisar documentação e, a partir daí, sermos o mais isentos possível em dissertação científica acerca dessa investigação.
 
 
Nenhum país colonizador deixou de arcar com os conflitos consequentes das suas recentes descolonizações. Basta-nos citar a França e a Bélgica (pela sua fronteira com o norte de Angola) como potências colonizadoras e os casos de sua responsabilidade, respectivamente na Argélia, Indochina e no Congo Brazzaville, agora, República Popular do Congo e Congo Belga, actualmente República Democrática do Congo.
 
Revisitemos, neste momento, a obra Política indígena de Sampayo e Mello (1910:501): “(…) quando, porém, as populações indigentes forêm civilisadas e manifestarem uma certa tendência para reivindicar a sua independência politica, é razoável e prudente manter n’essas colónias os effectivos europeus suffcientes para prevenir ou sufocar qualquer revolta (…).”
Questionamo-nos então o que se passaria caso os portugueses estivessem bem armados, como propunha Sampayo e Mello, e a administração colonial portuguesa tivesse aumentado os seus efectivos militares, em qualidade e quantidade, na zona norte de Angola, naquela época crucial dos destinos de Portugal. Nesse momento, os conflitos armados teriam sido muito mais devastadores, teriam tido repercussões internacionais muito mais sérias porque, em resposta, à investida dos guerrilheiros da UPA, as forças armadas portuguesas e a população civil teriam dizimado grande parte da população kongo.
 
Os acontecimentos, que se seguiram à Independência do Congo ex-Belga e que resultaram no êxodo dos europeus do Baixo Congo, tiveram certamente muita influência no caso. Os reflexos dos relatos dos acontecimentos transmitidos aos residentes da zona do Zombo puseram de sobreaviso a população branca, embora as autoridades administrativas locais (incluindo o intendente) levassem-na a sentir que estavam bem defendidas.
 
Admite-se hoje que, os ideólogos da preparação das bases independentistas, não faziam a menor ideia do banho de sangue que o 15 de Março de 1961 traria consigo. Nesses interesses, estavam especialmente envolvidos os EUA onde a Fundação Ford teve e tem grandes responsabilidades, a União Soviética, passando pelos Não Alinhados, incluídos os interesses dos oligopólios portugueses, até às diferentes Igrejas operantes no terreno. Todos tiveram grandes e graves responsabilidades, no desenrolar dos acontecimentos, especialmente a Igreja Evangélica Baptista (do norte de Angola), por um lado, e a Igreja Católica, por outro.
 
 
 
Sentimos aqui a necessidade de dar um primeiro esclarecimento quanto à área dominada pelas elites zombo. A povoação comercial do Kibokolo nunca foi atacada. Houve de facto uma cena de tiros, cerca da meia-noite de um dos dias finais de Março de 1961, em que se pensou que umas luzes que se aproximavam, vindas do lado do Mavoio, seriam a linha da frente dos guerrilheiros da UPA. O que se passou, na verdade, foi que os mineiros da Empresa do Cobre de Angola que viviam na área, também muito amedrontados, traziam os seus gasómetros acesos e levantados ao alto, sobre as suas cabeças, a fim de avisarem os residentes da povoação comercial da sua presença. Os residentes assustadíssimos atiraram em direcção às luzes e tudo não passou disso. Porém, a coberto da noite, eram arremessadas pedras para cima dos telhados e ouviam-se assobios que deixavam os nervos dos residentes europeus em frangalhos.
 
Pelo que afirmámos anteriormente, nos primeiros tempos, a UPA deixaria o corredor de Maquela do Zombo, Damba e Camabatela, livre de ataques, por interesses estratégicos.
 
Devemos acrescentar que, por volta de Junho 1961, justamente em Banza Pette, a povoação que delimitava o concelho de Maquela do Zombo, pertencente ao concelho da Damba, houve uma enorme concentração de gente da UPA que se dirigia para o ataque à vila da Damba. Esta aglomeração foi detectada pela aviação civil da D.T.A. As autoridades militares, em Maquela, foram avisadas via rádio (como as comunicações eram em AM, os aparelhos de transmissão-recepção da UPA tinham acesso às conversas). Saiu então da vila, uma coluna e aí sim, houve de facto confrontos. Um comerciante que acompanhava a coluna, caiu de uma das viaturas, refugiou-se no ainda alto capim e esgueirou-se, rastejando pelos seus tufos. A coluna quando regressou a Maquela deu por falta do comerciante, voltou atrás, sem grandes esperanças de o encontrar vivo. O espanto foi enorme quando chegados ao local da refrega e, nessa altura, já sem vivalma por perto deram com o europeu gritando, em cima de uma árvore próxima da estrada.
 
Na defesa da povoação do Kibokolo tinham ficado oito pessoas, incluído o chefe de posto. As mulheres já tinham recolhido a Maquela do Zombo, que, nessa altura, era um lugar aparentemente mais seguro.
 
 
Na dita povoação de Kibokolo, passaram-se factos que, por serem quase inconcebíveis, merecem registo também aqui. A empresa do Cobre de Angola usava petardos especiais para rebentamentos nas suas minas. Alguns desses petardos, talvez uns vinte, foram oferecidos aos ‘sitiados’ de Kibokolo. Com os petardos fabricaram-se bombas, aproveitando latas de leite da marca Nido de cinco libras. Colocou-se, em cada uma, quatro petardos e preencheram-se os espaços vazios com parafusos, porcas e cavilhas. Na ponta do primeiro petardo colocaram-se então dois fios de cobre fortemente unidos (fio para electrificar casas). Duas latas foram enterradas à entrada e as outras duas à saída da povoação, a uma distância cerca de 100 metros. Os fios enterrados estavam, por sua vez, preparados para serem ligados aos bornes de uma bateria de doze volts colocada perto do rádio P 19 que o chefe de posto tinha trazido quando abandonou o cargo, deixando ficar no posto alguns cipaios. Por volta de 15 de Maio, quando ocorre sistematicamente na região, todos os anos, a última trovoada, a povoação foi abalada por um tremendo estrondo. As bombas tinham rebentado, um raio da dita trovoada tinha caído sobre elas. Em todas as portas e janelas bem como nas paredes ficaram as marcas dos pregos e dos parafusos. A maioria dos vidros das janelas rebentou.
 
Teria este acontecimento sido responsável para que a povoação Kibokolo nunca tivesse sido realmente atacada? Estariam os responsáveis locais do núcleo da UPA esperando que nos meses entre Março e Maio se resolvesse tudo? Talvez nunca se saiba.
 
 
 
Seremos o mais sucintos possível, esta dissertação não é seguramente dedicada à guerra colonial e mesmo estes testemunhos só os deixamos para não sermos, mais uma vez, acusados de não falarmos sobre a guerra colonial tal como aconteceu com a nossa dissertação de mestrado, ‘O Comerciante do Mato’. Fica então o testemunho do sofrimento que muita gente passou, de ambos os lados da barricada e das mazelas que nunca se livrou.
 
Muito recentemente, quisemos ouvir a esposa de um antigo professor da Missão Baptista do Kibokolo, que estava destacado na Vila do Bembe, quando esta foi atacada pela primeira vez.
 
“Os rapazes (com idade entre os catorze e dezasseis anos) armados de catanas entraram-me pela casa adentro. Ouvimos um grande alarido, agarrei no candeeiro Petromax e fomos até à encosta tentar perceber o que se passava. «Vai-te deitar senhora, leva os teus filhos (o meu filho mais velho devia ter 11anos) nós ficamos a guardar, ficamos aqui na sala». Pedras começaram a cair em cima do telhado de lusalite. Peguei na caçadeira de meu marido e comecei a rezar. Não desejava matar ninguém, mas se fosse necessário, para defender os meus filhos, usaria a espingarda. O clarear do dia chegou e eu não disparei a arma. Não sei com que intenções me guardaram, soube depois que estava destinada a um homem importante da missão. O que mais me ficou guardado na memória foi a expressão dos miúdos que me vigiaram, os olhos vidrados, semicerrados, posso dizer maus. Cheiravam a ‘Kaxipemba’, a aguardente de cana-de-açúcar. Mesmo que quisessem disfarçar não podiam. Percebi que alimentavam a transmissão de um ódio antigo, de um ódio que tinha muitas décadas. Aqueles rapazes eram os mesmos por quem o meu marido tinha lutado contra o chefe de posto, subtraindo-os ao contrato9, e fazendo com que fossem bons alunos. Eram mesmo bons alunos, aprendiam com facilidade. Também sabia que o ódio não era só dedicado aos brancos mas também aos Baxikongo, aliás o sentimento era recíproco. Havia uma profunda rivalidade entre Bazombos e Baxikongos. Tudo isto pela preferência que os missionários tinham por certos auxiliares de pastor. Alguns iam mesmo para a Europa estudar. Recordo-me especialmente de um rapaz extraordinário chamado Makondékua da BMS do Kibokolo. Recordo-me de me dizerem, mais tarde, que só iam com destino a países do leste.
Dias antes, tinha recebido um telegrama do meu marido por intermédio do chefe de posto e entregue por um cipaio. Dizia mais ou menos isto: ‘Vem-te embora com os nossos filhos e traz dinheiro’.
Entretanto, apareceu o mecânico da vila, olhou-me furioso, pedi-lhe que me fizesse o favor de me levar com as crianças ao Toto, que distava do Bembe, cerca de 30 quilómetros e onde havia um campo de aviação. Voltou-se para mim rancoroso e disse: Quem fez esta guerra foram vocês os protestantes, ensinaram os miúdos e agora eles andam a matar pessoas. Porém, e apesar do ódio, teve pena de mim e levou-me com os meus filhos. Não sei como coubemos todos na cabine incluindo a mulher dele. Na missão, ficaram duas enfermeiras inglesas e o seu director. Mais tarde, refugiaram-se no Congo ex-belga, em Kimpese, um pouco antes da missão ser destruída. Fomos metidos, à pressa, num pequeno avião da D.T.A. Durante o trajecto, o capim ardia, o avião voava muito baixo, vi perfeitamente, aqui e além, corpos junto às povoações comerciais. Vi fazendas a arder, mais corpos abandonados na estrada e até no capim.
Chegados a Luanda, a nossa igreja mandou-nos para Portugal. Diziam que a guerra ia acabar em breve. Mais tarde, visitámos os nossos antigos companheiros da missão em Inglaterra. A enfermeira inglesa que falava correctamente português, disse-me que perdoasse mas tinha-se esquecido de falar português, por isso falámos em inglês. Tempos depois, soaram-me aos ouvidos uns ‘zum zun’s da responsabilidade de David William Grenfell, director da Missão Baptista do Kibokolo, em todos os acontecimentos. Jurei nunca mais falar inglês. Anos depois, soube que um cónego católico, mestiço, Manuel das Neves, guardava catanas debaixo do altar e era um alto responsável da UPA, mas não foi só ele, o Padre Joaquim Pinto de Andrade também esteve envolvido. Afinal não eram só os protestantes os responsáveis, os católicos também não o foram menos, comecei a tentar novamente falar inglês.”
 
Passaremos agora a narrar o que, em 1995, David José nos relatou acerca da fuga de sua mãe, levando consigo então o David, com 10 anos aproximadamente. Devemos acrescentar que bastava olhar para o David José para se saber não estar na presença de um homem qualquer, tinha uma firmeza de carácter fora do comum.
Meu pai era um homem muito rico ‘tinha 17 malas cheias de colchas e ngudikamas’, além da sua fazenda de café. Sabemos que todos os zombo e povos adstritos convertiam o dinheiro que ganhavam, em colchas e cobertores, era a história antiga da riqueza dos panos. Fugimos sem nada, a minha mãe sabia o caminho, fazia-o muitas vezes a passar panos de contrabando. Os guardas-fiscais portugueses jamais conheceram aquelas passagens. Tínhamos muito medo de ser apanhados pelos militares portugueses, eles só viam o lado do combate, estavam ali para lutar contra o inimigo. Estavam ali mais para cumprir do que ter consciência dos actos que praticavam. A disciplina militar é das mais duras que existe. (…)
Quando fugimos de Angola em direcção a Moerbeke (já do lado do Congo Belga e a cerca de 90 quilómetros da fronteira) fizemos a viagem sempre de noite, sempre pelo capim. Lembro-me um pouco de Maquela (lâmpadas florescentes). Demos com um controle militar mas a minha mãe mentiu dizendo que ia visitar um tio. O que nos mantinha era a força da comida africana ‘unkiabun’, isto é, segurar os intestinos, Funje, feito de forma a que não cozesse e amassado como se fosse pão de padaria, pondo-se um pouco de farinha crua por cima, embrulhava-se e cozia-se de novo, e punha-se ao sol. Dura vinte dias. Com essa ração, podíamos andar mais de trinta dias, comia-se como se fosse funje de casa. Também havia a ‘kikuanga’, a diferença é que esta mastiga-se. São ambas ração de combate. Do lado de Moerbeke, no Congo ex-Belga, estava já a UNICEF, era lá que o director da missão protestante nos esperava. Ali, aprendi a 1ª frase ‘Shop Shop’ - ‘comida’ - deram-nos um cartão de refugiados. Recebemos também uma guia que nos permitia entrar na capital, em Kinshasa, onde tínhamos parentes.
 
 
 
O último testemunho que apresentaremos de memória refere-se ao português ‘Joaquim do Kusso’. Em 1953, foi abrir uma sucursal comercial em Sakamo (kusso), a cerca de 70 quilómetros da Damba e outros tantos da povoação de Kibokolo, na bifurcação entre os concelhos de Maquela e Damba. Iniciada que foi a guerra, o administrador da vila da Damba mandou que a população comercial do Sakamo recolhesse urgentemente à vila, integrando-se no reforço da sua protecção.
 
Dois defensores da povoação de Kibokolo e pertencentes à mesma entidade patronal, não sabendo que o Joaquim já não estava no Kusso, deslocaram-se numa carrinha, sem mais apoios, à povoação. À sua chegada, constataram que o Joaquim tinha ido para a Damba, segundo o relato dos miúdos ‘que tinham ficado a tomar conta da casa’. O espanto dos dois europeus foi enorme, quando viram surgir do caminho de pé posto, que levava à serra da Kanda, um branco seguido por uma branca trazendo atrás o seu caçador com a carabina às costas. Foi-lhes perguntado se sabiam que havia uma guerra, espantados, disseram que não sabiam, foram aviados das mercadorias que necessitavam e voltaram pelo mesmo caminho.
 
Em 1963, o ‘Joaquim do Kusso’ propôs à sua entidade patronal que o autorizasse a recuperar a casa comercial do Kusso. O negócio foi feito, a troco de parte dos ordenados em atraso, incluídos os meses que esteve ao serviço do administrador da Damba. Restaurada a casa, passou a ir à Damba, reabastecer-se de mercadorias. De 1963 a 1974, nunca teve problemas com a UPA nem com o administrador da Damba. Assim que começou a trabalhar, levou consigo uma filha do soba Luvumbo. Foi a sua inseparável companheira durante onze anos. Um dia, nos finais de 1974, o ‘Joaquim do Kusso’ informou-a que desejava visitar os seus familiares, em Portugal, uma vez que, há vinte anos que não os via. O que o Joaquim não sabia é que a sua companheira sabia de muita ‘mãe preta’ que tinha ficado na vila da Damba e mesmo de Maquela porque, segundo ela, os brancos fizeram os filhos, casaram depois com brancas e nunca reconheceram nem a companheira nem os filhos de ambos. É certo que ela sabia de alguns que levaram para Portugal as suas companheiras, mas foram poucos, comparados com os outros. Um dia, o Joaquim começou a sentir-se mal do estômago, foi duas ou três vezes consultar o médico militar à Damba, infelizmente pouco tempo depois piorou, não recuperou da doença e morreu.
 
Como podemos facilmente constatar, só foram transcritos documentos referentes à zona política dos zombo e, por eles, se confirma a sua influência no processo de independência de Angola. Estimava-se que, nos finais da década de 1950, residissem na zona de Kinshasa cerca de sessenta mil angolanos, sendo a sua maioria pequenos e médios comerciantes de origem zombo.
 
Os testemunhos descritos demonstram, como essa mesma época foi vivida pelos portugueses, entre os zombo. Nos últimos anos da década de 60, a intuição de alguns comerciantes (e não só) portugueses ‘falava-lhes ao ouvido’ para se despacharem. Tinham na mão um instrumento: transformar o resultado das suas transacções comerciais em escudos ou francos belgas para não dizer dólares americanos. Foram acautelando o que podiam (é certo que nem todos, mas os poucos que não acautelaram os seus bens, mesmo publicamente avisados, se fosse hoje tê-lo-iam feito. Pedro fez o mesmo: Jesus mandou avisá-lo três vezes e ele não O ouviu (Mateus 26:34). Quem não teria compreendido ao longo de 14 anos de guerra que “os ovos não se colocam todos debaixo da mesma galinha”? Quem não teria compreendido que antes de chover o “ar cheira a chuva”?)
 
Os comerciantes zombo residentes em Kinshasa, todos eles informados pela ALIAZZO11, especialmente os mais esclarecidos politicamente, já mandavam há algum tempo os seus filhos espreitar pelas vilas de Maquela e Damba e pelos postos sede de Kibokolo, Beu, Kuilo Futa e Sakandika, o que de melhor lhes caberia após a independência.
 
Será então razoável ponderar sobre o seguinte pensamento de Neto, (1964:248) quanto aos ‘avisos à navegação’ ao afirmar a certa altura do texto:
“ (…) o que de certo modo invalida a opinião de Herskovitz, de que em África as tensões raciais aumentam na razão directa do crescimento da população branca”.
Tudo indica que bem fizeram os portugueses residentes no Zombo em se acautelar.
 
Transcrevamos então agora a totalidade do excerto da obra do autor supra citado - ‘Angola Meio Século de Integração’:
“De facto, neste período praticamente não se constataram referências a atitudes discriminatórias da população branca para com a não branca, de tal forma que até os mais acérrimos dos nossos detractores, por mais voltas que dêem ao assunto e por mais ilações que pretendam tirar de certos pormenores, como fez por exemplo Duffy, no seu último livro, não conseguem demonstrar a existência de práticas discriminatórias por parte dos europeus, o que de certo modo invalida a opinião de Herskovitz, de que em África as tensões raciais aumentam na razão directa do crescimento da população branca. É possível que assim aconteça integralmente noutros territórios, mas em Angola, neste período, essa constante não se verificou no domínio das relações sociais e da vida do dia-a-dia.”
 
Antes de terminarmos, reiteramos o nosso apreço por quantos de forma dedicada trabalharam por Angola nesta fase tão delicada da vida portuguesa, limitando-nos a dizer, o que não é de nossa autoria mas subscrevemos inteiramente: “Muito se engana quem cuida”.
 
 
A 5ª Companhia de Caçadores Indígenas versus Batalhão de Caçadores 88
 
Toda a memória que vai transmitir-se, nesta secção, é fruto de recentes entrevistas (1991, 1995 e já 2007), de fotografias e de filmes realizados, aquando da nossa prestação de serviço, durante dois anos (1960/1961), na 5ª Companhia bem como de algumas cartas e notas trocadas com familiares, nessa altura, conservadas no nosso arquivo particular. Para a consolidação da estrutura desta secção consultámos os registos do Arquivo Histórico Militar, em 2005, e perguntámos aos responsáveis por esse mesmo serviço se possuíam algum tipo de documentação sobre as Companhias Indígenas de Angola, desde 1950 a 1961. A resposta foi clara: “Não existe nada em arquivo”.
 
O que subsiste, na realidade, acerca deste assunto é muito pouco ou quase nada. Por exemplo, na História do Batalhão de Caçadores 88, desde 15 de Maio a 16 de Outubro de 196112, encontramos, na referência da data de Setembro de 2005, registo do seguinte:
“Já em Maquela, no dia 14 de Julho num patrulhamento feito ao rio ZADI foi feito um prisioneiro que confessou ser chefe de oitenta Lumumbistas. Seguiram-se patrulhamentos para Luango Quimbata e Zadi; assim como o patrulhamento da vila durante toda a noite, colaborando assim a companhia na defesa da vila em conjunto com a 5ª Companhia Indígena.”
 
Nenhum militar da 5ª Companhia de Caçadores Indígenas saía do quartel sem que fosse verificado o seu aprumo. Só saíam, se estivessem impecáveis: botas engraxadas, botões reluzentes e a farda sem nódoas. Era assim que apareciam pela vila e vagueavam, pelos arredores, à procura de namoradas ou visitando a família. Às vezes, chegavam um pouco depois do recolher mas, por norma, esses atrasos eram punidos unicamente com repreensões ou com castigos simbólicos como, por exemplo, pequenos exercícios a que os militares se prestavam (não com submissão) com a maior dignidade. A noção de alvorada, ‘vamos lá rapaziada começar o novo dia’, era respeitada em formatura, mais ou menos, aprumada, àquela hora da manhã (sete horas).
 
Sabemos como será difícil ser entendido hoje que um kuanhama (um membro de uma das etnias do sul de Angola) se pusesse em sentido, perfeitamente aprumado (isto após a independência do Congo ex-Belga), para honrar a bandeira portuguesa. O que talvez já se possa compreender é que os tropas assimilavam os valores próprios da disciplina militar com orgulho.
 
A citação a seguir reproduzida será motivo de reflexão. Trata-se do pensamento de Joaquim Moreira Silva Cunha, Ministro do Ultramar (1965/1974), no seu estudo Movimentos Associativos na África Negra (1956:40,41):
“Não se pode, porém, esquecer que o contacto entre os vários grupos é o contacto entre culturas diferentes, quer dizer é, em ultima análise, um contacto de culturas.
Este contacto produz efeitos diferentes, dos quais os mais importantes são os efeitos de transformação e os efeitos de protesto. Os efeitos de transformação traduzem-se na adopção recíproca de usos dos grupos em contacto. Os mais típicos, porém, são os que resultam da imitação pelos nativos primitivos dos usos dos civilizados.
A esta imitação, que é a mais intensa e que produz a evolução cultural dos primitivos, dá-se o nome de imitação de baixo para cima. A sua forma extrema é a ‘assimilação’.”
 
A citação serve dois propósitos: primeiro e, no mínimo, é razoável admitir que o serviço militar provocou e, no bom sentido, uma mudança de carácter nos indivíduos das diversas etnias angolanas que, em tempo de guerra ou de paz, sofreram a sua influência. Segundo, a instrução ministrada valeu-lhes o estatuto suficiente para servirem os valores militares debaixo da sua futura bandeira, sendo que bastantes oficiais generais, dos diferentes partidos Angolanos, foram antigos militares no regime colonial.
 
O facto incontornável da subversão a que os incorporados estiveram sujeitos, especialmente nas companhias indígenas, originárias dos regimentos de infantaria de Luanda, Nova Lisboa ou Sá da Bandeira, fez com que os oriundos dos diversos grupos étnicos angolanos fossem perdendo lentamente parte desses valores, porém, e por mais paradoxal que pareça, passaram a conviver debaixo do mesmo tecto, representantes de todas as etnias angolanas não havendo notícia de litígios referentes a questões de identidade dos diversos sub-grupos. Todavia, até 1961 e, mesmo depois, embora já de forma diferente, foi possível fazer com que assimilassem com gosto, qualidades, como por exemplo: a dedicação integral ao serviço que lhes era destinado, a irrepreensível apresentação individual, o espírito de sacrifício, o gosto pelo trabalho bem executado, a satisfação do dever cumprido, o orgulho em pertencer a um grupo e que, nas companhias indígenas, era exteriorizado, (fazendo esquecer o magríssimo pré recebido ao fim do mês) por exemplo, por canções como uma só quadra o exemplifica:
“Oh Laurinda, oh Laurinda, não vale a pena chorar,
Tu bem sabias Laurinda, que eu ia para militar,
Que eu ia para militar, que eu ia para o regimento
oh Laurinda, oh Laurinda, não me sais do pensamento.”
 
Compreendemos que hoje seja dificilmente entendida a razão dos versos, mas os militares quando, duas vezes, por semana, iam em marcha acelerada tomar banho ao rio (que distava do quartel cerca de dois quilómetros) cantavam alto e com grande satisfação, olhando pelo canto do olho, se alguma moça  os via e ouvia. De seguida, tinham lugar as aulas regimentais, onde lhes era ministrado o ensino do português escrito e falado, através da Cartilha Maternal de João de Deus (1830/1896). As lições de aritmética e ginástica, além dos trabalhos de campo, com armamento, perfaziam o que restava do dia. Sobre a alimentação, que era vigiada com rigor satisfatório, não se tem notícia de qualquer queixa.
 
Metade do armamento distribuído ao pessoal pode ser considerado ‘restos’ de carabinas ‘Enfiels’ da Primeira Guerra Mundial. Já a outra metade, eram Mausers 7.9 da Segunda Guerra Mundial. Aos sargentos e oficiais estavam destinadas as pistolas-metralhadoras FBP. Explicando-nos melhor: a 120 homens de diferentes grupos étnicos angolanos eram atribuídas carabinas; se não estamos em erro, existiam entre 3 a 4 metralhadoras ligeiras Madsen, entregues a primeiros-cabos, europeus ou mestiços. Para deslocações, existiam aproximadamente 5 viaturas Jeep, (de quatro lugares); quatro ‘Jeepões’ (viatura que permitia transportar 9 homens, ou seja, uma secção) e dois camiões Dyamond, também da Segunda Guerra Mundial, que gastavam entre 100 a 150 litros de gasolina, a cada 100 quilómetros, o que dava muito jeito para justificar compras de gasolina, quando os senhores oficiais se deslocavam à caça, nas baixas do Paza, na região do Kusso. Todo este material fazia parte das sobras da Segunda Guerra Mundial do exército americano. Entenda-se que tudo isto era utilizado para a vigilância de um território do tamanho de metade de Portugal continental.
 
Pelo que deixamos dito, parece-nos ser razoável admitir que, entre os zombo, seja preferível aplicar o termo assimilação utilizado por Silva Cunha, em prejuízo do termo integração, preferido por Neto (1964:20). Aqui, novamente, se tornam incontornáveis as recomendações de Sampayo e Mello (1910:511).
“(…) Os oficiais portugueses e os graduados que comandarem indígenas não devem de limitar o seu esforço à obtenção de bons atiradores, de soldados valentes, disciplinados e fiéis. É necessário e é possível fazer muito melhor. Em vez de simples machinas de guerra, será mil vezes mais meritório e praticamente proveitoso tornar esses soldados em verdadeiros patriotas, substituindo-lhes o automatismo inconsciente do próprio valor pelo estimulo sagrado ao amor da pátria, e fazer d’esses patriotas outros tantos trabalhadores honrados e indefesos. É indispensável que os europeus estudem as línguas indígenas para melhor perscrutar a índole das populações, os costumes tradicionais e as tendências do seu espírito, mas quando o typo de colonisação propender à assimilação politica - e é o caso da colonisação portugueza- não se pode deixar de generalisar intensamente no elemento nativo a língua dos dominadores.”
 

Sampayo e Mello estava a ‘soprar na estopa ao pé do lume’. Em Maio de 1960, a 5ª Companhia Indígena destacou, para a fronteira (justamente para a zona da Kibenga), um pelotão para acompanhar uma secção dos Serviços Geográficos e Cadastrais, a fim de se localizar um marco geodésico que o almirante Gago Coutinho e o comandante Moura Brás, em 1910, tinham colocado como sinal de fronteira. Fora esse lugar onde, meses depois (entre Maio e Junho de 1961), se instalaria a primeira central da UPA, em território angolano, junto ao rio Fuleje.

Estava-se a escassas três semanas da independência da futura república do Zaire, quando, por volta da meia-noite, se chegou à vata da Kibenga, uma das mais emblemáticas kandas dos kongo, (bem assinalada nos mapas do Batalhão 88) e, após as dezasseis horas de caminho utilizadas para percorrer os quarenta e oito quilómetros que iam de Maquela do Zombo à Kibenga. Não se encontrava lá vivalma. A única coisa estranha é que à porta do mfumu a nsi e dentro do telheiro, estavam religiosamente agrupadas algumas coroas fúnebres de flores metálicas, que se colocavam antigamente nas campas (católicas).
 
A cozinha dos militares deslocados na Kibenga (Maio/Junho 1960)
 
No pelotão, iam incorporados soldados zombo, dois condutores auto que, à vista das coroas de flores, ficaram petrificados. O respeito que o sinal dos seus antepassados lhes impunha, passou despercebido à maioria dos europeus. Montou-se o acampamento e, ao alvorecer, deu-se pela presença de um único habitante, um pigmeu baka-baka ou ba-aka, reconhecido porque, em kikongo, disse ser baka-baka. Ficou no acampamento até que se cumprisse a missão da procura do marco geodésico. Posteriormente, o comandante da coluna foi informado de que a população se tinha deslocado dois quilómetros para lá do marco, mais propriamente para a vata do Ina, já em território daquela que viria ser dentro de dias, a nova República do Zaire.
 
Diga-se de passagem que, para acompanhar nove homens dos Serviços Geográficos Cadastrais de Angola, ia um pelotão da 5ª Companhia de Caçadores Indígenas. Porém, como se tratava de uma zona de contrabando, incorporou-se uma secção da guarda-fiscal, mas não foi tudo, juntaram-se dois elementos da PIDE. Não houve qualquer incidente porém, note-se a incoerência de que os agentes da PIDE não sabiam a língua kongo (o kikongo) nem levavam intérprete (o célebre ‘língua’).
 
Entre missões de reconhecimento aos postos de fronteira, incluindo Sakandika, a leste, e Luvaka, a oeste, nada de assinalável se passou na companhia até que rebentou o 15 de Março de 1961.
 
 
 
Repare-se nas instalações do quartel: desde a acomodação dos sargentos às praças, destas às instalações do paiol e deste às camaratas dos soldados, tudo tinha mais de quarenta anos de vida e era coberto de colmo. Em Maio de 1961, os quatro militares zombo, todos condutores auto, desertaram. Estavam de sentinela e às seis horas da manhã, entregaram as armas com que tinham estado no posto. Nunca mais ninguém os viu, só se deu pela sua falta, quando tocou para a formatura do café e, à chamada, não responderam. Admitimos que, pela sua especialidade de condutores auto, foram incorporar-se nas hostes da UPA. Estaremos recordados da primeira fotografia na Kibenga, com os condutores auto e um deles o Nzambitala com uma catana em riste. Fica-nos a indelével impressão de que já estariam a par das movimentações da UPA. Não nos podemos esquecer que os condutores auto eram imprescindíveis nos reconhecimentos aos postos fronteiriços.
 
Esta companhia não era, de forma alguma, operacional e para seu bem, nunca fora atacada. Quando tal aconteceu, foi já a caminho da Damba, a 4 de Setembro de 1961, com viaturas requisitadas aos comerciantes. Metade das armas, feito o primeiro tiro, deixou de disparar. O cabo quarteleiro tinha entregado munições 7.9 para as armas Enfield. Deixavam, para trás e para sempre, o aquartelamento novo (entretanto construído), à companhia de comando e serviços do batalhão 88 que os foi render.
 
Facto notável para satisfação dos militares e população, em geral, aconteceu em Julho de 1961. Chegava a ‘1ª Caravana da Saudade’, constituída por uma pequena orquestra, que acompanhava artistas que se tinham oferecido respondendo a um apelo do ministério da defesa. Iam cantar para os militares e população na zona de combate, no norte de Angola. O governo português sabia que estas acções eram de extrema importância para manter elevado o moral dos militares.
 
 
Até à chegada do Batalhão 88, estiveram em operações, na zona de Maquela do Zombo, serra da Kanda, grupos de caçadores especiais e de pára-quedistas, para além de um corpo de polícia móvel. Repetimos, além do que adiante se relatará, que as acções em que o Batalhão 88 interveio, foram levadas a cabo nas povoações ocupadas pelos descendentes de Buta, (1916), factos esses já relatados, em pormenor, aquando da I Parte, na secção ‘Do Advento da Civilização Técnica e da Ciência Aplicada à Consequente ‘Situação Colonial’. A todas estas movimentações estavam atentos diversos comissários políticos zombo, confiantes do poder político-religioso dos seus ancestrais, que não deixariam, (segundo a sua crença) de forma alguma, de proteger os seus filhos. É também verdade que se sentiam seguros pela sua prestação de serviços à organização da ‘Casa Nogueira’ ou melhor Nogueira e Reis Lda. René Pélissier, em La Colonie du Minotaure (1978:265), menciona que os proprietários da organização comercial referida eram donos de cerca de uma centena de filiais espalhadas pelo antigo Congo Belga e que tinham empregado Roberto Holden (futuro presidente da UPA), já se sabendo, em 1959, que o mesmo era aspirante ao título do Ntotila, sem que, para isso, deixasse de ter o consentimento do ramo da sua família Nekaka, bem como da Baptist Missionary Society e inclusivamente de Simão Gonçalves Toco, o ‘Profeta’.
 
Acima de tudo, este movimento de libertação tinha o privilégio do forte apoio de grandes grupos económicos dos EUA. Por mais paradoxal que pareça, também certos grupos económicos portugueses, com sede em Lisboa, estariam a par da generalidade dos desenvolvimentos políticos, como se verá pela descrição de René Pélissier (1978:273):
“L’ascention de Robert Holden”
“(…) Pendant tout ce temps Holden Roberto a poursuivi son initiation politique à Accra où il travaille comme traducteur au Ghanaian Bureau of African Affairs. Encadré par un entourage dont le militantisme révolutionaire est suffisamment actif pour se dispenser d’analyser les forces en présence en Angola, Roberto, qui vit sous le pseudonyme de José Gilmore, représente à lui seul l’UPA en exil hors du Congo Belge. Il obtient de Conakry de faire partie de la délégation guinéenne à la Quatorzième session des nations Unies en septembre 1959. Sorti de Léopoldville depuis un an, Robert retrouve à New York les correspondants de son oncle au sein de l’American Committee on Africa. Il est raisonnable de penser que la présence de Roberto aux Etats-Unis ne va pas sans certaines visites dans les ministères intéressés et aux sièges des sociétés privées qui n’ont rien à voir avec l’église baptiste mais qui, en revanche, pourraient bien avoir un soudain intérêt pour les richesses minières du Nord-Ouest de l’Angola et peu-ètre de L’Angola tout entier. (…)”
 
 
 
As informações, esclarecimentos e argumentos de René Pélissier são vastíssimos e podem ser compulsados em toda a vasta literatura, que dedica à colonização portuguesa, entre outra. Todavia, um certo ‘sombreado’ passa pela importante acção do director da missão baptista de Kibokolo, David William Grenfell, em todo o processo. Por exemplo, um sobrinho e companheiro de Grenfell, J. James Grenfell (1998:257) escreve o seguinte:
“(…) As celebrações dos Cinquenta Anos da missão da B. M. S. em Kibokolo tiveram lugar em Julho de 1949. Foi uma semana inteira de reuniões e eventos especiais, nos quais participaram mais de 2.000 membros da igreja e seus amigos. Vieram visitantes de todos os distritos das igrejas Zombo. Mais de duzentos caminharam durante cinco dias desde Quilo Futa, e mais de duzentos e cinquenta andaram dois ou três dias desde Damba, Outros viajaram desde Bembe e S. Salvador para representarem igrejas irmãs. Simão Toco trouxe o seu coro de duzentas vozes masculinas de Leopoldville (…).”
 
Precisamente, em Julho de 1949, por coincidência ou não, desce ‘O Espírito Santo’ sobre Simão Toco, mais precisamente, a 25 de Julho de 1949 e, mais uma vez, nos apoiamos (embora tenhamos outras fontes) em René Pélissier (1978:174) que, depois de se referir ao cinquentenário da BMS - Baptist Missionary Society, reconta exactamente que Simão Toco, depois de uma prece nocturna, acompanhado pelo seu coral, “(…) lui et ses fidèles sont visités par le Saint-Esprit : glossolalie, tremblements, citations bibliques dans l’assistance, le tout suivi de prières au domicile de Toko.”
 
O que continua a ser o fio condutor deste poder político e religioso zombo, é que Simão Toco iniciou a criação da L’ASSOMIZO, em 23 de Dezembro de 1956 mas, fora da esfera da sua influência, existia a forte pressão de um zombo, muito influente - Ferdinand Ndombele ou simplesmente Dombele. A partir desta parceria, forma-se a L’ALLIAZO, que passaria a ser o farol dos zombo, após a independência da República do Zaire.
 
Como nota final, deixamos aqui registado também um facto relevante: a firma Léo-Motors e o seu sócio gerente Edmundo Morais Monsanto passaram a ser um forte e privilegiado apoio para a ALLIAZO, contudo não podemos desligar a ALLIAZO da UPA, porque o então português Edmundo (que se veio a naturalizar belga ‘por coincidência’) seria o padrinho do filho mais velho de Holden Roberto. Passa-se que um camião, conduzido por José Alves Mavakala, filho de Pedro Alves Mavakala, uma autoridade muito importante da serra da Kimbumba, tinha regressado a Kibokolo de uma rápida viagem a Kinshasa, a 13 de Março de 1961, para entrega de um carregamento de feijão aos comerciantes zombo que o tal Edmundo conhecia. Assim que chegou, José Mavakala pediu para se ausentar, com urgência, à zona do Kusso pois tinha de ir visitar seu pai que, segundo notícias recebidas, estava muito doente. Se não estamos em erro, a 16 de Março, José Mavakala foi procurado e preso pela PIDE de Maquela do Zombo, em Kibokolo.
 
Aqui temos descrito o ambiente político, social e económico que o Batalhão de Caçadores 88 teve de enfrentar quando substituiu, a 4 de Setembro de 1961, a 5ª Companhia de Caçadores Indígenas que, por falta de viaturas suficientes, requisitou à população civil camiões e partiu com destino incerto, segundo informação do seu capitão, que só sabia que iam passar pela Damba. Foi nesta viagem que, ao quilómetro 35, antes da Damba, à passagem de uma frondosa mata, soaram tiros de kanhangulo. A Companhia respondeu e, sensivelmente, como já se referiu, metade dos soldados deixou de ripostar pois as suas armas Enfields, encravaram ao primeiro tiro, porque as munições que lhes tinham sido distribuídas eram para as carabinas Mausers. Só um Alferes ficou ligeiramente ferido numa orelha, presume-se que o ataque fosse simbólico porquanto quando o comandante da coluna mandou cessar-fogo, não viram nem ouviram, qualquer sinal do inimigo. Até Dezembro de 1961, a 5ª Companhia de Caça-dores Indígenas esteve adstrita ao Batalhão de Caçadores 92, (de que não há história no Arquivo Histórico Militar, porque a sua pasta se encontrava na altura da consulta (2005) pura e simplesmente vazia) sem nunca entrar em combate.
 
 
 
Zona de acção do Batalhão de Caçadores 98 - 1961-1962
 
Este batalhão de caçadores recebeu ordem para embarcar para Angola a 14 de Abril de 1961. A exiguidade de tempo que dispunha para se apresentar a embarque, não permitiu que muito do seu pessoal se despedisse dos seus familiares. O navio que os transportou a Angola foi o Niassa que, a 22 de Abril levantou ferro15 de Lisboa.
 
O pessoal só foi vacinado a bordo dada a exiguidade de tempo para embarcar. De mencionar foi a dificuldade de adaptação do pessoal às condições de acomodação nos porões no navio que não permitia a respiração de muitos homens vendo-se obrigados a pernoitar na coberta. A 2 de Maio o navio aportou em Luanda e o batalhão foi alojado no liceu feminino. A 13 de Maio, reforçado por dois pelotões da 81ª Companhia de Caçadores Especiais, marcha para o norte de Angola. No dia 19 de Maio, e já a caminho do Negage, tinham removido cerca de trezentas árvores e tapado algumas valas. Entretanto, iam tomando contacto, por diversas vezes, com as hostes dos guerrilheiros da UPA, tendo havido feridos de ambos os lados. Apesar da coluna ir apoiada por caterpillars que, por vezes, iam sobre as Dyamonds, a marcha foi muito lenta. Entre o Bungo e a pequena vila comercial de 31 de Janeiro (80 quilómetros) levaram dois dias. À aproximação da vila da Damba, começaram a aparecer aldeias com bandeiras brancas apesar de, a partir daí, os obstáculos serem maiores. Quando chegaram a altas horas da noite, à Damba, já esta vila tinha sofrido quatro ataques. Um pelotão do regimento de infantaria de Luanda ocupava a administração do concelho.
 
Fazemos aqui uma pausa, para referir, em pormenor, o ataque de 1 de Julho de 1961 e que se processou justamente da mesma forma como há 45 anos atrás (se pensarmos bem não é muito tempo, existiam velhos ‘Chefes Costumeiros’, e outros notáveis que se lembravam desses acontecimentos). O relato da história do Batalhão de Caçadores 88 coincide com a entrevista que nos foi concedida, há dias (Março de 2007), por um militar do pelotão do Regimento de Infantaria de Luanda e que estava na altura na Administração do Concelho, no topo norte. De registar que os guerrilheiros, apesar de saberem da presença do batalhão decidiram fazer o ataque do mesmo modo. As respostas ao seu tiroteio de kanhangulos e algumas espingardas foram feitas dos parapeitos das janelas. O assalto deu-se com nevoeiro cerrado e ao alvorecer, chegando os guerrilheiros aproximar-se cerca de 10 metros das primeiras viaturas. Entretanto, outro grupo desfechou uma incursão vinda do lado sul.
 
 
 
“(…) Porque o terreno era muito coberto e o farto cacimbo ainda concentrado na baixa, que se situa a seguir ao largo, tornava a perseguição cega e pouco lucrativa. Foi uma acção surpresa após duas horas de lutas para no dia seguinte se estudar o terreno e iniciar os ataques às sanzalas da estrada do Lucunga, nomeadamente às da Quiperenda e Quianica, onde o inimigo se encontrava há largos meses instalado e de onde fazia base para os seus repetidos ataques à povoação da Damba (…).” 16
 
 
Das ditas vata desfechavam os guerrilheiros da UPA os seus ataques à Damba, persuadidos que estavam da incapacidade de resposta dos sitiados da vila. Pelas 10H00 da manhã do dia 4 de Junho de 1961 e já levantado o cacimbo preparou-se a 99ª e a 98ª Companhias do Batalhão 88 e avançaram pela estrada, que liga a vila da Damba à povoação do Lukunga, não sem terem que se defrontar com profundas valas e frondosas árvores que obstruíam a estrada. Após alguns tiros, as ditas companhias entraram nas vata Kianica e Kiperenda, onde encontraram instalado um hospital de campanha, no qual não faltava inclusivamente remédios, como por exemplo, penicilina. Os celeiros de amendoim e farinha de mandioca estavam repletos, procedeu-se então à destruição das instalações e dos celeiros.
 
Como poderá constatar-se pelas manchas a tracejado no mapa acima, a situação geográfica das vata, construídas, destruídas e voltadas a construir, assumiam uma posição estratégica para prestar auxilio aos guerrilheiros que entravam pela zona Kimbata e Kibenga, com destino ao núcleo da serra da Kanda, e daí partiam para os diferentes comandos de ataque ao norte de Angola.
 
Tivemos o cuidado de ler em pormenor toda a história da unidade porém não encontramos qualquer vestígio de terem tido qualquer recontro com as hostes da UPA no trajecto da Damba para Maquela do Zombo, passando por Kibokolo, o que reforça a nossa tese de que aos zombo nunca interessou que as nzil’a Kimbata/Maquela e Banza Sosso/Maquela bem como Maquela/Kibokolo, fossem alvo para desferirem os seus ataques, conclusão retirada mais tarde desta frase da história do batalhão:
“No dia 5 de Junho a Companhia partiu para Maquela do Zombo, onde chegou à noite, depois de ter passado por Kibokolo e sem incidentes com os terroristas”.17
 
Mas não foram só as mencionadas nzil’a bazombo, que os dirigentes políticos quiseram preservar “Quilo Futa foi ocupada em 12 de Setembro de 1961 às 08h00 por um pelotão reforçado que partindo do Béu em 11 necessitou de construir dois pontões não tendo entrado em contacto com o inimigo. A povoação não foi saqueada e praticamente a casa do Chefe de Posto estava intacta. Nas cubatas onde viviam os cipaios estava escrito numa parede exterior «o cabo de cipaios foi-se embora no dia 18 de agosto de 1961»”.
 
Quando da sua saída prudente e calculada do posto administrativo ele quis acompanhar os brancos porque dizia também o ser, mas já na jangada do ZADI recebeu ordem para ir guardar o posto o que fez fazendo todo o percurso a pé (90 kms aprox.). Ali permaneceu até 18 de Agosto de 1961”.18
 
Entretanto, as populações zombo, foram-se instalando a escassas centenas de metros do lado de lá da fronteira e, mais uma vez, recebendo ordens dos seus novos chefes os comissários políticos que lhes prometiam que a guerra ia durar pouco, que não deviam fazer a guerra, essa não era a sua forma de combate, iriam continuar a fazer o seu negócio, o seu contrabando. Não podiam perder a possibilidade que tinham de malembe malembe, ‘devagar, devagar’ ir entabulando conversações com os portugueses através da nzil’a Kimbata e nzil’a Banza Sosso.
 
Terminamos esta secção com mais uma referência da história do Batalhão 88 a reforçar a nossa tese:
 
Tendo havido comunicação do Posto Fiscal de Banza Sosso de que havia grande concentração de indígenas a cerca de 500 metros do Posto foi mandado seguir de Maquela uma força de efectivo de 1 pelotão de caçadores (+) que atingiu o referido posto em 31JUL61 às 23H45. Na manhã seguinte foi feito patrulhamento a pé em direcção à fronteira tendo-se verificado: um numeroso grupo de indígenas, nacionais e congoleses trabalhavam nas lavras situadas junto à fronteira. Os mesmos fugiram precipitadamente à aproximação da tropa, tendo transposto a fronteira. A força capturou uma mulher o que provocou um grande alarido dos restantes indígenas. Como vissem que a tropa não a maltratava, aproximaram-se tendo o comandante da patrulha entrado em contacto com os mesmos. Os indígenas, no entanto, recusaram-se a atravessar a fronteira para o território nacional, pelo que o comandante da patrulha depois de tomadas as devidas precauções e de se assegurar não haver elementos militares estrangeiros na proximidade, avançou alguns metros para território estrangeiro, tendo contactado com o soba da região, o qual explicou que a concentração assinalada tinha sido motivada por um funeral.”19
 
Os kongo, em geral, sempre entenderam que os militares portugueses nunca os atacariam se utilizassem a figura de estilo ‘Estamos a fazer um óbito’. Desde o final do século XIX, que registamos na dissertação a evidência desses factos.
 
Enfim, os zombo foram percebendo que a situação política não se definia, que era extremamente vantajoso para eles continuarem a negociar com os portugueses pois a ajuda alimentar que os EUA estavam supostamente a prestar às populações carenciadas da República do Congo, era desviada para armazéns de comerciantes zombo, sedeados especialmente, em Kinshasa. Ora isto, punha à prova a sua capacidade de concorrência no negócio de fronteira, no qual continuavam a fazer jus à qualidade da sua ancestral profissão como dos melhores e mais eficientes comerciantes de Angola e do Congo.
 
 
O Comércio Legal e Contrabando de Fronteira em Tempo de Guerra
 
Uma das principais preocupações das chefias militares portuguesas era a de limitar, ao máximo, o acesso de bens alimentares bem como dificultar a logística do armamento às unidades de guerrilha da UPA, instaladas nas matas do norte de Angola.
 
Dois produtos eram vitais para os guerrilheiros da UPA (células de comandos operacionais em zona de combate): o sal e o peixe, uma vez que os restantes alimentos, como a kikuanga, o óleo de palma, a cana-de-açúcar, o gengibre, o gindungo e a kola lhes eram fornecidos pelas respectivas famílias, como já tivemos ocasião de abordar a questão.
 
O peixe, em especial, o judeu ou merma, da família do atum, fazia parte, desde há muito (como o bacalhau para os portugueses), dos alimentos mais apreciados por estas populações e o sal era permanentemente procurado. Logo no início de 1963, se recomeçou a normalizar o fluxo de entrada e saída de pessoas e bens essenciais à vida das populações, pelos postos fronteiriços de Kimbata e Banza Sosso (especialmente pelo primeiro). As autoridades administrativas e militares procuravam facilitar as condições de apaziguamento das populações envolvidas pela guerra na zona e, por sinal, essa situação era também altamente favorável aos desígnios da proverbial política comercial zombo.
 
Um dos melhores negócios, na fronteira com o vizinho Congo, era a venda de sal, peixe seco e feijão branco, tanto na povoação mercantil de Kimpangu em frente da povoação fronteiriça de Kimbata do lado português (repare-se na similitude do termo Mbata) e ainda nos mercados do Malele, (já no interior da então República do Congo na fronteira de Kindopolo-Banza Sosso). Já nos meados dos anos sessenta do século passado, foi construído o posto fiscal do Béu onde se efectuava periodicamente o ‘Mercado Internacional do Beú’, no fundo um pequeno nzandu, (que não devemos confundir com a povoação comercial do Béu, situada a cerca de vinte quilómetros para o interior, no percurso de Kuilo Futa, Sakandika). Os nzandu (mercados) do lado da República do Zaire estiveram sempre activos e, nesta circunstância, duplicaram a sua azáfama, uma vez que os minkiti ou kankitas (os comissionistas zombo), que tinham deixado de operar do lado dos portugueses, passaram a fazê-lo do lado de lá da fronteira.
 
 
‘Monsieur Vincent’ deslocava-se do seu posto fronteiriço para tributar as mercadorias que passavam a ‘fronteira’ sessenta quilómetros adiante. Uma pequena secretária, duas cadeiras e um coberto de colmo constituíam o precário e improvisado posto fronteiriço zairense, logo a seguir às longarinas de um pontão, que separava fisicamente o espaço internacional entre as duas fronteiras. Era uma situação bizarra, difícil de descrever, mas que as fotografias anexas a esta secção, traduzem, para quem venha a investigar a situação, aspectos quase incompreensíveis da vida entre os zombo, note-se que a sua fraca qualidade deve-se a terem sido retiradas de quadrículas de um filme de 8mm, uma vez que, no nosso mercado, que saibamos, não existem digitalizadoras que permitam captar melhor os ‘frames’ de oito milímetros. Todavia, estes documentos fotográficos parecem-nos da maior oportunidade e relevância para apoiar o nosso texto, duvidamos até que existam outros que se refiram ao contexto desta secção.
 
 
 
Como entender um vastíssimo planalto, com um cabeço, em que estava instalado o novo posto do Beú? De um lado e de outro desse pequeno posto da autoridade portuguesa, existiam dezenas de quilómetros de ‘fronteira que nunca fora fronteira’. Nada, absolutamente nada, impedia que as populações, os guerrilheiros da FNLA, os minkiti, os comerciantes portugueses, que todos os dias a pé, de bicicleta ou de camião, passavam, sem qualquer espécie de controlo, os seus panos do Kongo, os perfumes Mamiwata, o gengibre, a kola, os sabonetes Lifeboy e Assepso, enfim tudo, para que depois todos cumprissem aquele ritual de atravessar legalmente a fronteira de ambos os lados. Para evitar confusões, diremos que os mais respeitadores eram os portugueses e a explicação é muito simples: eram os únicos brancos, a cor da pele e as outras características frenológicas, facilmente os denunciariam, se sem a conivência dos zombo, se lembrassem de atravessar a fronteira.
 
 
 
Algumas linhagens, por interesses próprios circunstanciais, passaram a residir quilómetros adiante, do lado de lá da fronteira, bastando-lhes atravessar a fronteira, para continuarem em ‘casa’. Este fenómeno, só agora (passados quase cinquenta anos), começa a revelar-nos alguns dos seus contornos (próprios de populações de fronteiras políticas). Assim como se é professor, engenheiro ou agricultor, também se é comerciante, mas sê-lo, em zona de fronteira, entre dois Estados é o que pudemos apelidar de ‘especialista em mercados de fronteira’. Quando os postos fronteiriços (por exemplo, de Valença do Minho ou de Elvas) estavam em actividade, em Portugal, passava-se o mesmo tipo de fenómeno. Ainda hoje, essas populações sentem uma certa saudade dos benefícios que usufruíam no seu pequeno negócio de fronteira.
 
No posto do Beú, estava destacada uma pequena unidade militar da companhia constituída por uma secção de nove homens que viviam na ‘Paz do Senhor’. Mais uma vez, se prova a proverbial técnica dos zombo ‘A guerra não deve interferir no nosso negócio’. Os homens da FNLA, não tinham de andar sempre fardados, além de que isso seria impossível de acontecer no mercado do Béu. Usavam, por norma, casacos que eram vendidos também nos nzandu, em fardos importados dos EUA. Vestiam-se também de calções e camisa, em cujos bolsos traziam as munições, em conjunto com carteiras de documentos, para além da secular saca às costas, onde transportavam os alimentos para a viagem, como a kikuanga e os pedaços de cana-de-açúcar, de kola e de gengibre.
 
 
A partir de 1960, logo após a independência do Zaire (a agora República Democrática do Congo), os Estados Unidos da América começaram a activar fortemente o seu auxílio às populações carenciadas da nova república. Dezenas de milhares de toneladas de farinha de trigo; de arroz, de leite Nido e de leite condensado Nestlé, de sabonetes Lux, de bacalhau miúdo em fardos, entre outros, eram desembarcados, todos os meses, em Matadi e Kinshasa, como amparo às populações, em situação de precariedade.
 
Uma elite muito especial estava atenta e ‘procedia em conformidade’ - os comerciantes zombo. Desviavam pura e simplesmente, através da conivência e benefício de partilha com altos funcionários do governo Congolês, os produtos oferecidos. Uma parte chegava à fronteira portuguesa e a troca, por peixe seco ou sal, era inevitável e urgente. Aliás é perfeitamente compreensível pois de que lhes servia o arroz se tinham a farinha de mandioca? De que lhes servia também o bacalhau miúdo se o peixe preferido era o Judeu ou Merma? Recomeçaram então, para além desses dois produtos, a solicitar a troca, por cebola, por feijão, por garrafões vazios (de preferência incolores para acondicionarem o seu vinho de palmeira e o seu óleo de palma) e ainda por sabonetes medicinais da mais apreciada marca, o já referido - Assepso - para combate à sarna e outras doenças de pele, adquiridos nas farmácias de Luanda.
 
 
 
Como explicar que, em pleno teatro de guerra colonial, tenha lugar este fenómeno? As explicações que nos ocorrem, pela nossa experiência de vida, já as demos. Hoje, nenhuma guerra poderia ter estes contornos.
 
Os pequenos comerciantes zombo (kankita ou minkiti) tinham aprendido, pela tradição secular nos nzandu, que deveriam evitar (quando pudessem) trazer dinheiro de volta a casa. A alternativa era o velho ‘bula táxi senhor chefe’. Este termo relacionava-se tanto com os guardas-fiscais portugueses, bem como com os funcionários congoleses da douane (alfândega). Para que a ‘paz fiscal’ fosse conseguida, havia que pagar direitos de importação e exportação de uma parte dos artigos que vendessem e comprassem, tanto de um lado como do outro da fronteira. Porém, torna-se necessário prestar aqui um esclarecimento: este outro tipo de contrabando tratava-se do contrabando de sobrevivência. O mesmo não se podia aplicar a este novo tipo de negócio. A partir de 1963, os ‘commerçants zairois de Kinshasa’ começaram por aparecer na fronteira e, até 1974, passaram a vir reabastecer-se com os seus camiões a Maquela do Zombo, isto tudo debaixo da ‘vigilância’ dos operacionais militares, do administrador do concelho, do chefe da alfândega e do chefe da guarda-fiscal.
De um lado, os zombo, com as suas relações familiares no espaço político de contrabando, beneficiavam da consanguinidade, da parentela por aliança, das particularidades linguísticas, da cultura geral kongo e do espírito religioso dos diversos clãs zombo (neste caso os Kanda). Do outro lado, os portugueses que, há muito anos, tinham deixado de rezar um Padre-nosso ou uma Avé Maria, aliás, já os tinham esquecido, o que não era de admirar, uma vez que, a Igreja Católica, na zona dos zombo (excluída a vila de Maquela do Zombo), não se mostrava interessada no apoio religioso aos comerciantes do mato. Claro que, a seguir aos acontecimentos do 15 de Março, todos passaram a ser fervorosamente católicos.
 
Voltemos às relações entre os dois comerciantes: o zombo e o português. Aqui, abrimos um parêntesis para recordar que, quando se estava, para lá da fronteira, e se perguntava a um kongo de onde era, ele respondia sempre ‘mono bazombo’, ou seja, pertenço ao povo zombo. Por outro lado, quando se perguntava a um europeu de onde era, mesmo que fosse natural de Maquela do Zombo, ele não dizia que era de Maquela, dizia sim: ‘sou português’. Estas posições eram assumidas com a maior naturalidade, tanto por um como por outro. Talvez resida um pouco aqui, por mais paradoxal que pareça, a proximidade entre ambos, afinal mestres do mesmo ofício. Esta dicotomia entre o pensar tradicional e o pensar do português, seria, digamos, uma solidariedade mecânica, apesar do etnocentrismo de ambos, jogava um papel deveras importante, nas relações sociais, entre os diferentes interesses dos dois grupos étnicos intervenientes no Zombo. Formavam um ‘tecido composto de fibras sintéticas e de fibras têxteis’, faziam parte do mesmo sistema planetário Kongo. Enfim, a abordagem que se pretende tecer, nesta secção, permita-se-nos a expressão, é o eterno Estado das Trocas, ou melhor, o Estado Planetário do Comércio, a que Fernand Braudel (1985:9) chama o Valor de Troca:
“(…) Entre «vida material» (no sentido de economia muito elementar) e vida económica, a superfície de contacto, que não é contínua, materializa-se em milhares de pontos modestos: mercados, quitandas, lojas…Cada um destes pontos é uma ruptura: de um lado a vida económica com as suas trocas, as suas moedas, os seus pontos nodais e os seus meios superiores, praças de comércio, bolsas ou feiras; do outro lado, a «vida material», a não-economia, sob o signo repetitivo da auto-suficiência. A economia começa no limiar do valor de troca”.22
 
A análise da trajectória dos diferentes actores, comerciantes locais portugueses e commerçants zombo da então República do Zaire mostra que, apesar das profundas divergências de pertença política e comercial, estavam ambos unidos, numa experiência comum, com o novo sistema de trocas, criado pela guerra, e de que ambos começavam a tirar partido, especialmente os zombo, do lado de lá da fronteira, através da acumulação de riqueza e prestígio provenientes da circunstância que a guerra lhes proporcionava.
Admitimos ou estamos quase certos, que os portugueses da fronteira norte de Angola seriam os que mais consciência tinham do perigo em que viviam, mas embalados pelo lucro imediatista, (muito oportuno) condicionados pela apetência para este tipo de negócio, só em caso de extremo perigo, abandonariam a sua longa e sofrida vida. Mantinham a esperança de uma convivência pacífica, preconizada pelo conceito do Luso Tropicalismo, que se traduzia na ideia de que encaminhar os povos colonizados para a independência não era incompatível com uma sã convivência, segundo Adriano Moreira (1960:138,139):
“(…) seja incompatível com a regra da igualdade do género humano, parece todavia certo que o objectivo da assimilação se apresenta como uma afirmação muito mais vigorosa de tal princípio, com o qual não pode logicamente conceber-se que esteja em contradição, em quaisquer circunstâncias. Sendo uma tradicional atitude portuguesa, por toda a parte onde a acção colonial portuguesa se fez sentir se verificou um fenómeno não só de interpenetrarão cultural, mas também de mestiçagem. Desde que o fenómeno colonial se mostrou geograficamente localizado nas zonas tropicais, que hoje constituem o centro das acções colonialistas, esta conduta aparece como um fenómeno revestido de unidade, que Gilberto Freyre pôs em evidência, com felicidade, falando no Luso Tropicalismo (…).”23
 
Porém, os zombo, politicamente mais evoluídos, que a maioria dos sub-grupos étnicos de Angola, não permitiriam, com uma independência à vista e há tanto tempo esperada, que os europeus continuassem a usufruir das maiores e mais apetecíveis vantagens comerciais. Iriam preparar o assalto ao poder, mas até lá os membros seniores das suas famílias iriam receber os seus conselhos que visavam, acima de tudo, acautelar os seus parcos bens e especialmente a nova elite que começava a aprender a lutar por uma bandeira. No local de trabalho e em casa, recomendavam, constantemente aos seus, que evitassem disputas entre si e não discutissem as ordens dos seus patrões europeus. Além disso, que se afastassem de amizades duvidosas (com outros sub-grupos). Os zombo que não sabiam “conter a língua”, acabavam frequentemente nas mãos da PIDE. Esta forma de estar dos zombo ‘mais velhos’ era respeitada pelos mais novos, que percebiam a vantagem de absorverem os ensinamentos dos mais experientes.
 
Contudo, a vida dos comerciantes europeus não era só desvantagens. O facto da população nativa ter desaparecido foi colmatado pela necessidade que os batalhões na ZIN (Zona de Intervenção Norte) tinham na satisfação das necessidades básicas. Os militares das companhias acantonadas, na zona do Zombo, vinham, duas vezes por semana, à vila de Maquela do Zombo abastecer-se e uma boa parte do comércio local foi-se adaptando para responder às novas exigências, desde o aproveitamento dos exímios alfaiates zombo, que trabalhavam, nas suas casas comerciais, na confecção de vistosas camisas, calças e até casacos de paletó que os militares, nas suas idas, aos cabarés de Luanda, faziam questão de exibir. Parte do comércio misto, assim se chamava o comércio do mato, por ter um pouco de tudo, transformou-se em provisórios e precários restaurantes e bares.
 
A firma JOJ, por exemplo, fazia os seus pedidos de requisição de mercadoria, para Luanda, via rádio e diga-se de passagem, por um instrumento de ‘recepção/transmissão’ tão sofisticado como os mais modernos equipamentos de transmissões das companhias militares metropolitanas a actuar na altura no terreno. No espaço máximo de dois dias, tanto militares portugueses como clientes congoleses tinham os seus pedidos satisfeitos.
 
Uma mais valia estava à mão de todos os comerciantes que se tinham acantonado na vila de Maquela pois cedo começaram a lidar com câmbios das diferentes moedas com que o mercado zombo lidava. Raramente se transaccionava com a moeda angolana. A preferência ia sempre para a moeda zairense e a razão era simples: a desvalorização da moeda zairense face à moeda belga (o Franco Belga) era muito menor que a desvalorização do Escudo angolano face ao Escudo metropolitano. Todos os comerciantes portugueses começaram a perceber (nos cerca de doze anos que tiveram de experiência, 1963 a meados de 1975) a vantagem que tinham à mão. Talvez fosse esse o maior motivo que os forçasse a não terem enveredado pela compra clandestina de diamantes. Algum, poucos é verdade, chegavam a deslocar-se por avião, via Joanesburgo, a Bruxelas a fim de cambiar a moeda zairense. Na zona da bolsa, havia sempre corretores que, de imediato, faziam a conversão e até aconselhavam a abertura de contas bancárias, chegando a haver casos em que os mesmos indivíduos que tinham procuração para negociar contas de comerciantes portugueses, negociassem também contas de gente do ‘núcleo duro’ da FNLA. Todavia, alguns europeus, especialmente os funcionários públicos portugueses não tiveram essa sorte, viriam a beneficiar, contudo, com a reforma em Portugal. Há bem pouco tempo (2005), estivemos em Valença do Minho e, trocando impressões com um velho amigo guarda-fiscal, ao serviço na área do Zombo entre 1966 e 1970, confessou-nos, com alguma amargura, não ter podido aproveitar o que tantos outros aproveitaram.
 
Aqui estão algumas das razões que faziam do mercado da vida zombo, um mercado especial. Este ajudou a prevenir muitos dos comerciantes portu­gueses locais para a fatalidade que se aproximava: o seu adeus definitivo à terra onde pensavam e gostavam de ser enterrados. Permitiu, acima de tudo, que alguns dos ditos retornados pudessem albergar nas suas casas, compradas à pressa em Portugal, outros em dificílima situação, contribuindo assim, com a sua estabilidade, para se apoiarem mutuamente. Assimilavam lentamente a nova cultura, (não nos esqueçamos que muitos já tinham duas, três e quatro gerações nascidas em Angola) e agora, passados que são trinta e dois anos após a independência de Angola, a esmagadora maioria, ainda viva, acabou por absorver os valores vigentes e está perfeitamente integrada.
 
Começa-se, com demasiada frequência, a utilizar a Internet para obter informações sobre todo o tipo de matérias e os académicos não fogem à regra. Por aquilo que nos diz respeito (como conhecemos “o mar em que esta dissertação navega”) não desprezamos os seus motores de busca. Porém, é necessário estarmos prevenidos para as apetecíveis mas muito escorregadias ‘dicas’ que por lá andam. Neste caso, vale a pena tomar em linha de conta um texto publicado por Nsimba Joani Dias, em Outubro de 200624, sobre o contexto político, social e económico zombo actual, mais propriamente dos municípios do Béu, Kuilo Futa e Sakandika, de 1974 a 2006 e dele extraímos textualmente o seguinte:
 
“(…) Circulava-se, em forma de múrmuros, numa tradição de boca para boca a notícia da breve independência de Angola. Os poucos assimilados da terra se escondiam sob uma máscara com um silêncio desconfiador. Os amigos portugueses, comerciantes como militares também com olhadas silenciosas se enrolavam num incognito comportamento que ninguém podia na altura adivinhar. Os autóctonos que tinham radios foram negados o direito de comprar pilhas. Portanto a mudança física era tão notável que mesmo cegos podiam descrever. Houve um fluxo de nossos filhos que regressavam da cidade de Carmona ou talvez de Luanda. Alguns comerciantes brancos sumiram e certas lojas fecharam eternamente suas portas. As idas e voltas de tropas coloniais diminuíram nos corredores das pequenas cidades das terras santas do norte de Angola. O sururu sobre a breve independência vinha soprando desde os ventos da rádio congolesa (…). Ao amanhecer de um dia tranquilo, os sobas foram surpreendidos quando carros da administração passavam para recolher todas as bandeiras verdes de orgulho-português que flutuavam o espaço aéreo de todos os kimbos desafiando a lei física da natureza. O sinal foi apercebido e a festa vai começando. O efetivo militar começou a emagrecer e o contingente de civil brancos entrofiou-se sem pressões. Contrariamente o vulto de filhos mercenários, civis como militares vai duplicando-se diáriamente até quando um dia começaram misteriosamente desfilar ruidos estranhos rompendo os ares e quer com o tempo se familiarizaram na audição do povo. Não eram ruidos mas apenas vrombissos de grandes mercêdes que vinham do Congo transportando o nossos filhos, netos, primos e sobrinhos que lá refugiram, nasceram ou cresceram. (…)”
 
Apesar do mau português e do descabido floreado, Nsimba Dias deu um contributo que reputamos de inestimável, porquanto, conhecendo nós perfeitamente a zona e tendo acompanhado a questão até finais de 1975, fomos actualizando informações em 1991 e 2005. Pensamos ser este, dos documentos consultados, o mais interessante. Dele extraímos a referência à vantajosa cooperação entre populações portuguesas (durante a vigência colonial) e os zombo. Infelizmente, o futuro não seria para os zombo o desejado, embora tivesse havido um período de cerca de cinco anos após independência de excelentes oportunidades, proporcionadas pelos bens deixados pelos portugueses. Os zombo não adivinhavam o pesadelo que se aproximava com a guerra civil que arrasou por completo as infra-estruturas deixadas pelos portugueses. Quem mesmo poderia imaginar as terríveis consequências das marcas deixadas, nestas populações, pela violentíssima guerra civil fratricida de vinte anos?
 
 
O ‘Tocoismo’ e o Pensamento Político Religioso Zombo Contemporâneo
 
 
 
Embora já tenhamos, por diversas vezes, citado o conceito Zeitgeist, temos aqui, mais uma vez, a oportunidade de apelar para a sua relevância, por se tratar da ideia do "espírito da época" ou "espírito dos tempos" e daí partirmos para o estudo do fenómeno do tocoísmo.
 
No princípio do capítulo referente à colonização, ‘Algumas Especificidades da ‘Situação Colonial’ entre os Zombo Desde 1910 até ao final da 2ª Guerra Mundial (1945)‘, mencionámos os autores que suportariam a análise e o nosso pensamento sobre os zombo. Cabe agora a vez de nos auxiliarmos do pensamento do quinto e último autor: Arthur Ramos de Araújo Pereira, médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo, folklorista e antropólogo. Evidenciamos que o que mais nos aproxima deste autor são as comparações que podemos estabelecer, muito nitidamente, com os kongo e, por consequência, com os zombo através de três obras de sua autoria: O Negro Brasileiro (1934)25, O Folklore Negro do Brasil (1935)26 e finalmente Estudos de Folk-Lore (1951)27.
 
Demos a preferência ao citado autor, neste capítulo, para nos aproximarmos dos conceitos do profeta Simão Gonçalves Toco e da sua obra, dentro das igrejas cristocêntricas predominantemente existentes no Congo e especialmente entre os zombo.
 
Se Arthur Ramos, em 1934, na obra ‘O Negro Brasileiro’, não receia debruçar-se sobre as propostas do pensamento de Lévy Bruhl, através do ‘método etno-comparativo’ sobre A Mentalidade Pré-lógica28 e a Lei da Participação e, com elas, construir o seu próprio pensamento, também nós, embora com ‘luvas de veludo’ mas mão firme e, apesar dos riscos inerentes à questão da Mentalidade Pré-lógica, onde estão sempre presentes os termos civilizado e o primitivo ou selvagem, expressões que nos obrigam a enquadrar o significado na linguagem da sua época, começamos por, acerca deste último conceito citar Ramos (1934: 208) quando ele propõe:
“(…) É essa persistencia da mentalidade pre-logica que vem a explicar todos os factos de survival fetichista entre os negros bahianos de nossos dias. Em outro logar, procurei demonstrar que as praticas do curandeirismo, nos meios incultos do Brasil, revelavam a persistencia desta mentalidade pre-logica, ou como diz Bleuler, do “pensamento indisciplinado e autistico”. O “paganismo contemporaneo”, o folk-lore das sociedades adiantadas, evidenciam a persistencia destes elementos pre-logicos que podem coexistir ao lado dos pensamentos logicos.
Mas o pensamento logico não pode pretender supplantar inteiramente a mentalidade pre-logica. Os responsaveis pela cultura e progresso sociaes devem attentar bem nesse problema (…)”.
 
Aqui temos uma achega bem forte para compreender o pensamento religioso e político zombo e tudo mais que acerca deles temos vindo a escrever. Porém, o outro pensamento que é a lei da participação (1934:207) vai entroncar no conceito mencionado acima:
“(…) A ligação das representações, no primitivo, foge, assim, às leis da logica formal. Ha nella, relações mysticas que implicam uma participação entre sêres e objectos entreligados nas representações collectivas. Lévy-Bruhl deu o nome de lei da participação ao “principio proprio da mentalidade primitiva que rege as ligações e as préligações destas representações”. Só com muita difficuldade apprehende a nossa mentalidade a significação desta lei, e, por esse motivo, torna-se difficil enunciá-la sob forma abstracta. (…)”
 
Em 31 de Julho de 2005, fomos convidados, mais uma vez, por anciãos conselheiros, para assistir e participar no congresso tocoísta desse ano, que se realizou nos arredores de Lisboa, em sede própria, na rua Senhor Roubado LT1, Vale do Forno, Odivelas (será simples coincidência o nome da rua?). Relataremos o que nos parece essencial, a fim de construirmos o corpo desta secção. Por feliz permissão da direcção da mesa, foi-nos concedido o registo em vídeo de toda a cerimónia, por isso, as considerações que fazemos são cópia fiel do que ali se passou.
Os trabalhos foram iniciados com as seguintes palavras:
“– Zulumongo é a cidade santa do Ntaya em Maquela do Zombo (…)”
 
O termo Zulumongo, pela tradução à letra, sugere-nos o seguinte: Zulu quer dizer céu e Mongo significa monte. Ocorre-nos então fazer uma breve extrapolação: Zulu Mongo significaria para os tocoístas, o que o Monte Sinai significa para os judeus (Êxodo 19:20).
 
Da cerimónia, retiramos dois excertos que nos parecem reflectir o seu espírito. Um dos participantes, com cerca de sessenta e cinco anos de idade, deu o seu testemunho sobre factos passados há cinquenta anos atrás, (previamente autorizado pela mesa a usar da palavra) proferindo as seguintes palavras:
“(…) - Quando Simão Toco no norte começou a percorrer as aldeias, as populações que acompanhavam Simão Toco eram vestidas de branco. Nós, naquela altura éramos muito crianças, mas ouvimos a canção que cantavam era GUNGA GUELA, que quer dizer “o sino tocava’ e tinha um significado: era o despertar das populações para um reino melhor. Eu acho que a canção GUNGA GUELA, GUELA, era uma canção fetiche que despertava as almas das populações. Não me alongo mais porque estou totalmente comovido pelos cânticos que hoje ouvimos. (…)“
 
Esta intervenção terminou com a referência ao termo fetiche que nós transferimos para o kikongo por nkisi e ao qual nos referimos, em pormenor, no capítulo quatro, na secção Particularidades do Processo Mágico.
 
A leitura do discurso do dia esteve a cargo do ‘irmão’ José António Malanga, de que salientamos as seguintes palavras:
“(…) Ao 56º aniversário da descida do Espírito Santo sobre a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, com Sede Espiritual, em Sadi Zulumongo, Ntaya Makela do Zombo, a direcção Nacional da Igreja, em Portugal, no dia 25 de Julho de 2005, informa:
Em Julho de 1946, realizou-se a conferência missionária internacional das missões protestantes de todo o mundo, em Leopoldville, capital do ex-Congo Belga, com a presença de indivíduos de todas as partes do globo, na qual se tratou a educação em geral dos Africanos, o aumento da civilização, dos direitos cívicos e outros e finalmente o aumento da luz do Evangelho de Cristo. Antes do encerramento da conferência foram escolhidos três nativos de Angola para dirigirem petições a Deus.
O 1º interveniente o Reverendo Gaspar de Almeida da missão episcopal Evangélica de Luanda que orou a Deus para aumentar a instrução, educação e progresso de unificação entre brancos e negros. O 2º orador pedia a melhoria das condições sociais e que os negros pudessem ganhar dinheiro como os brancos. Esse africano chamava-se José Jesser Chipenda. O terceiro orador foi Simão Gonçalves Toco, foi-lhe dito pelos missionários nomeadamente pelo Dr. Tocker (?) da missão do Dondi, província do Huambo, e o Dr. Brech (?) da missão Africana de Kalukembe, província da Huíla, que pedisse apenas ao Espírito Santo afim de converter o povo africano que se encontrava nas trevas do pecado visto que sem a força do Espírito Santo, África continuaria nas trevas, assim procedeu o orador, pedindo ao Espírito Santo o aumento da luz do Evangelho em África.
Em Julho de 1949, Simão Gonçalves Toco reuniu um grupo de 3*12, que corresponde a 36 pessoas, em Leopoldville, de noite a fim de perguntar a Deus se ouviu ou não a oração dirigida, em 1946, com o pedido do Espírito Santo. À meia-noite ouviu-se um grande ruído e viu-se uma luz. Muitos tremiam, outros falavam muitas línguas, coisas se passaram naquela noite. (…)”
 
 
1991, Luanda, festa tocoista que não se realizava há dezassete anos e a que assistimos.
 
Muito significativo é um relatório que encontrámos no Arquivo Histórico Militar com a referência 69 02 08, já desclassificado, com o título ‘Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da missão de Kimpangu ex Congo belga’, mencionado por Eduardo dos Santos (1972:365), na obra Movimentos Proféticos e Mágicos de Angola. Este autor deverá, na nossa opinião, ser consultado, sempre que se estudem os aspectos mágico religiosos zombo. O que importa aqui referir é a persistência com que, de tempos a tempos, (como se se tratasse de uma doença endémica), de acontecimentos revolucionários, nesta zona, a região banhada pelo rio Fulége, por nós assinalado na secção ‘A 5ª Companhia de Caçadores Indígenas versus Batalhão de Caçadores 88’ e aqui grafado como Mfuelesi, com povoações célebres como o Kimpangu com o seu mercado Kiantanu, o posto de Masseke e também de Sadi Kiloango, sendo interessante reflectirmos por momentos, no conteúdo das duas secções. Por nós, que conhecemos muito bem a região, embora deixássemos de por lá passar, vai para trinta e dois anos, admitimos que as suas características geográficas, a riqueza do seu solo e subsolo, bem como o significado simbólico que ela comporta fará com que os factos vividos e a viver pelas populações zombo, nela perdurem por muito tempo.
Do relatório, acima referido, extraímos o seguinte trecho:
“(…) Durante a leitura da Bíblia, sobretudo de noite, verificam-se frequentemente casos de pessoas iluminadas, dizem eles, as quais recebem a inspiração sagrada do Alto. Os Iluminados começam a tremer e a ter esgares; os tremores acentuam-se, o inspirado agita-se fortemente e indica aos leitores da Bíblia o capítulo cuja inspiração ele acaba de receber. Os leitores lêm então o capítulo indicado… os assistentes cercam o iluminado e excitam-no a comunicar-lhes as ideias inspiradas…É depois aclamado e levantado pelos assistentes em sinal de honra e veneração. Acontece com frequência que na mesma reunião se assiste a dois ou três casos de iluminados, inspirados pelo “Mpeve a Mvuluzi” - Sopro divino.29(…)”
 
O sublinhado é nosso, procedemos assim para reforçar a ideia.
Ao falarmos de Simão Toco não podemos deixar de referir a figura central do profeta Simão Kimbangu, porventura, a mais representativa personagem da Teologia Cristã Africana Kongo. Não receamos colocar o termo profeta porque os teólogos católicos e protestantes kongoleses e angolanos referem-se tanto a Simão Kimbangu como a Simão Toco como profetas, tendo nós assistido, há dias, a uma tese de doutoramento na Universidade Católica em Lisboa em que aquelas personagens foram textualmente referidas naqueles termos. São, especialmente eles, que norteiam as convicções políticas e religiosas dos zombo. A seguir daremos testemunho, com o devido destaque, a factos vividos entre os zombo, desde meados da década de cinquenta do século passado até aos anos noventa seguintes, de situações que tiveram como protagonistas destacados tocoístas de então.
 
 
António Povoa, o Mensageiro Tocoista
 
Muitos mfumu a kanda, chefes e ao mesmo tempo conselheiros tradicionais kongo, faleciam de velhos ou de doença, sem poderem transmitir os seus segredos rigidamente guardados. Desses segredos, dependia o equilíbrio da vida do clã. A sabedoria de viverem sob a tutela da administração colonial portuguesa, fazia com que aparentemente a vida não tivesse nada para transmitir. Ora, é exactamente a história da ‘Vida Vivida’ que tem o poder de orientar os povos. Alguns responsáveis transmitem às gerações seguintes conselhos que, para eles, são paradigmas do seu tempo e do que vem a seguir, escolhem então entre os seus, o que, por vezes, tem a ver com indivíduos que não pertencem por consanguinidade ao grupo de parentesco.
 
Foi o que aconteceu connosco. António Povoa, responsável tocoísta e pertencente ao ‘conselho de anciãos’, na época em que pertencer ao grupo religioso era extremamente delicado, foi-nos educando de forma muito especial. Em carta que nos dirigiu a 20 de Julho de 1986 e com uma relação de muita proximidade diz-nos, a determinado momento, o seguinte:
“Apesar de ser esta a primeira vez que lhes escrevo peço-lhes que não deixem de ter confiança em mim pois tal facto deve-se à falta de alguém que pudesse entregar a carta pessoalmente, porquanto como é do vosso conhecimento nem todos os segredos devem de ser revelados a toda a gente e em qualquer momento. Como o caso concreto desta conversa que constitui segredo religioso e que em nada agradaria a indivíduos não crentes. (…)”
 
Em 1991, por ocasião das grandes festividades tocoístas (realizadas nesse ano, pela primeira vez, após a independência) durante a nossa estada em Luanda, ficámos alojados no hotel Panorama, situado na ilha. António Povoa fez questão de ‘conversar’ connosco. Não o fez no hotel, fomos ‘conversar’ para a praia. Do muito que continuou a ensinar-nos, ficou a forma de nos prepararmos para encontrar os caminhos que nos permitiram discernir e encarar muitos assuntos sobre os zombo, em geral. As conversas só aconteceram depois de se ter realizado a tal grande festividade tocoísta que não tinha lugar há mais de dezassete anos. Para que pudéssemos assistir às celebrações, teve lugar uma reunião especial, em casa do, na altura, ‘Velho Simão’. Nas festividades estiveram presentes grupos tocoístas de toda a Angola, foi um privilégio termos assistido, a tantos momentos que ficaram registados em fotografias.
 
 
O agora pastor António Mário a apresentar-nos à Assembleia
 
António Povoa era um professor tradicional zombo e, além de conselheiro, entre os doze do ‘Mais Velho Simão’, ou seja, do profeta Simão Gonçalves Toco era ainda um excelente alfaiate, ‘tailleur’, como gostava de ser chamado. Conhecia toda a metodologia da modelagem do vestuário masculino.
 
Este aspecto da profissão teve sempre grande relevância entre os zombo tocoistas. Para Simão Toco, a realização económica do seu povo e logicamente a sua auto-suficiência, face a outros aglomerados populacionais, era factor de primordial importância. Para que se possa avaliar a forma, como já na altura, escolhia o seu ‘Conselho Director’ citamos do relatório30 do padre católico Alberto Ndandu o seguinte trecho:
“(…) Em Sadi, povo natal de Simão, a seita funciona sob a direcção de Nkemi, o mesmo Mbongo-Mpassi, sucessor imediato de Minguiedi Mfinda.
Este Nkembi é assistido por um conselho formado por um tesoureiro, por um económico, por alguns anciãos, por um secretário, por catequistas que ensinam nas aldeias, pelos alfaiates, etc. (…)”
 
 
Aliás, os melhores alfaiates zombo foram, nos anos cinquenta, sessenta e setenta do século passado, quase todos tocoístas. O perfil humanista de António Povoa, no que se refere ao respeito que guardava àqueles com quem convivia, fossem o que fossem, fazia dele um homem muito respeitado. Foi-nos apresentado por Samuel Eduardo, outro tocoísta, condutor auto de profissão, que com António Bala constituíam a nossa protecção, eram os nossos informadores e companheiros de confiança. Deixemos aqui muito claro que nunca fizeram o mínimo gesto para atraiçoar os seus, bem pelo contrário, se de algum modo, a nossa actuação os prejudicava, não deixavam, estamos certos, de ponderar sobre a questão e resolvê-la, em conformidade. A fotografia que acima foi tirada, por volta de 1965, na povoação de Taya, a célebre Zulu Mongo dos seguidores de Simão Toco. Hoje, entre a sua gente, é tratado por Sua Santidade. A postura do grupo, homens, mulheres e crianças, não deixam margem para dúvidas. Estava-se naquele tempo, perante o melhor das elites zombo e até kongo.
 
Mais tarde, o acima referido António Bala ao apresentar-se para servir em determinada firma comercial, (sabemo-lo fidedignamente) informou com a maior naturalidade, a sua entidade patronal que teria que faltar, uma manhã por semana, para se apresentar à Policia de Defesa do Estado, em Maquela do Zombo. Em 1975, fazia parte dos duzentos e cinquenta trabalhadores da fábrica de vestuário CIV, em Luanda.
 
Uma manhã de Fevereiro, desse ano, o pessoal da fábrica encontrava-se todo reunido, à porta principal do estabelecimento fabril. O técnico responsável pela produção, à chegada, perguntou-lhes o que faziam à porta. Foi-lhe respondido que faziam greve. Inquiridos se sabiam o que significava a palavra greve, responderam que não, só sabiam que não podiam entrar. O director de produção chamou então, de lado, António Bala e pediu-lhe que o ajudasse a resolver a questão. Este, muito calmo, abriu a Bíblia protestante que trazia sempre consigo (escrita em kikongo) e com ar de quem os reprovava (apesar de ele mesmo se encontrar à porta quando o responsável chegou) dirigiu-se aos colegas de serviço, mais ou menos, por estas palavras:
“Conheço muito bem a palavra de Jesus. Quero lembrar-vos a seguinte passagem e começou: Vocês, para serem admitidos ao serviço, entraram por aquela porta estreita, se querem sair pelo portão largo e espaçoso estão a ir pelo caminho que conduz à perdição, não façam isso, vamos ao trabalho”
 
Referia-se à passagem do Novo Testamento, Mateus 7:13. Entre os trabalhadores estavam vários tocoístas, que perceberam a intenção do seu conterrâneo. Assim que Bala entrou, todos o seguiram. Até que, em 1975, os partidos políticos começaram a defrontar-se gravemente, nunca mais houve problemas na fábrica e António Bala continuou a apresentar-se impreterivelmente todas as semanas à PIDE. Sabemos que, por volta dos finais dos anos oitenta, faleceu.
 
 
António Povoa explicava-nos então que, as famílias zombo não tocoístas, dividiam os seus filhos para seguirem a religião católica ou protestante. De uma forma geral, este procedimento era seguido por todos. Por exemplo, o pai ia à igreja católica mas a mãe e a avó iam à igreja protestante. Havia uma grande diferença nas missas. A igreja protestante adoptou, desde muito cedo, um ritual mais africano, com cânticos que compreendiam, por isso as mães e avós gostavam mais de ir lá, fazendo-se acompanhar pelos netos. Ultimamente, deu-se um facto curioso na igreja católica no norte de Angola - foi introduzido na missa o batuque. Após o início da guerra colonial, os elementos responsáveis pela igreja evangélica baptista foram expulsos e parte das suas instalações destruídas. Os zombo daquele tempo, ainda hoje, têm saudades dos cânticos cantados em kikongo pela congregação protestante.
 
A fotografia, ao lado, foi tirada no dia do casamento de António Povoa, já em Luanda. Pensamos que não seria o seu primeiro casamento. A correspondência, que trocámos até 1995, é testemunha de uma amizade recíproca. Depois de todos estes anos, temos muita dificuldade em aceitar que, alguma vez e propositadamente, o António Povoa quisesse deliberadamente prejudicar-nos. Apesar disso, ele sempre soube que a sua gente disputou, utilizando todos os argumentos, segundo os zombo válidos, as instalações ‘abandonadas’ pelos comerciantes europeus do zombo.
Para a frase ‘utilizando todos os argumentos’ recorremos a M. L. Rodrigues de Areia31 (1974:35) quando, a propósito da figura estruturante do sistema mágico religioso kongo, refere:
“(…) Nos princípios deste século John Weeks, estudando os Kongo, foi um dos primeiros autores a reconhecer que os nganga exercem uma acção benéfica, positiva, no seio da comunidade: «Eles (os nganga) libertam o povo dos maus espíritos e curam as doenças» (Weeks, 1909a:182). A competência destes operadores benéficos viria, segundo o mesmo autor, do recurso à medicina tradicional e também do efeito psicossomático exercido pelas danças, cânticos e imprecações aos espíritos malignos, elementos que acompanham a aplicação dos remédios ritualizando a doença e a cura (Weeks, 1909:53). (…)”
 
A estas linhas de Areia podemos, pelo seu valor documental, acrescentar o que o testemunho ocular do padre Alberto Ndandu32, em 1951, diz a determinada altura do seu relatório:
“Foi assim que neste dia pudemos encontrar ao longo do caminho do nosso percurso vários grupos de homens e mulheres, com os bébés às costas que iam consultar o afamado Nganga Ngongo. Na varanda de sua casa, feita de blocos, pudemos reconhecer algumas pessoas do Ngongo, acocoradas ou assentadas em troncos de árvores, à espera de serem atendidas. Atravessando o Mfwelesi e subida a montanha, eis-nos chegados à aldeia de Sadi-Kiloango. O escriturário Alberto que conhecia bem a aldeia onde havia estado várias vezes, e até no domingo anterior, disse-me: ‘É aqui. Acolá está a casa deixada por Simão Toco. Serve actualmente de templo da seita.’ (…)”
 
Uma outra oportunidade para reflectirmos sobre o assunto desta secção apresentou-se-nos, em 1995, com a satisfação de conhecermos David José, estudante finalista de Sociologia, numa universidade de Lisboa. Tivemos longas conversas, aproveitávamos jantar e conversar. Entre cerca de trinta horas de conversa gravada, falamos de tocoístas e do fenómeno da possessão. David disse a certa altura:
Os tocoístas tiveram a possibilidade (paradoxalmente), uma vez que foram dispersados em pequenos grupos de ao “serem concentrados” enriquecerem todos os seus conhecimentos da vida. Em grupo, foram mais fortes que todos os outros grupos que conseguiram juntar o pai a mãe e os filhos. Nos seus cânticos sentiam e comungavam do mesmo tipo de sentimento e isso trazia-lhes alegria, ou melhor, parece que, desse modo, transbordavam o seu “ser” para o Além. É como que fossem possuídos pelo Espírito, é como se estivessem tão livres, tão à vontade, tão felizes que a voz lhes brotava com alegria. Talvez por isso, algumas pessoas às vezes levantavam-se a saltitar e um indivíduo estranho ao assunto, era capaz de ir a passar e, inadvertidamente, dizer que aquele fulano estava exagerar, porém o que estaria dentro de tal pessoa, é por o de fora do grupo ignorado, pensar-se-ia que estaria bêbado. Há até pessoas que ficam muito concentradas e são até capazes de saltar e bater em alguém. Nós podemos até dizer que de tanto saltarem perdem a atenção, mas geralmente a perca de atenção é também uma grande concentração. A minha filosofia é que quando vejo alguém na rua a andar e vendo o poste à sua frente vai lá bater. Nós dizemos que ele ia muito distraído, mas não! Eu sou capaz de responder que ele ia demasiado concentrado. As pessoas libertam-se, criam um mundo à sua volta, concentram o pensamento, estão tão concentrados que o que os rodeia não interfere em nada no que estão a fazer e no geral nós dizemos que as pessoas estão com falta de atenção (...)”
 
Nunca mais nos saiu do pensamento esta lição, consideramo-la extraordinária. Será bom que reflictamos um pouco, porque também faz sentido para o que se passou com os “retornados” portugueses que vieram em difíceis condições, para Portugal, em 1975, referindo-nos só aos que trouxeram de seu a roupa do corpo e, hoje, conseguiram, a pulso, orientar (os que puderam ou quiseram) as suas famílias.
 
 
Bibliografia Consultada
 
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Carta de Bunga Paul de 3 de Abril de 1962 enviada a José Carlos de Oliveira
Correia, Roberto (2001) Angola, Datas e Factos. 4º Volume (1912-1961) Edição do autor. Coimbra.
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Telegrama cifrado, 13 de Outubro de 1962 do Governo-geral da província de Angola para o Governador de Carmona (Arquivo Histórico Militar - Divisão, 2ª Secção, Caixa 182)
Telegrama cifrado, 9 Maio de 1963 de SCCIA, Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola (Arquivo Histórico Militar - Divisão, 2ª Secção, Caixa 182)
 
A 5ª Companhia de Caçadores Indígenas versus Batalhão de Caçadores 88
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O Comércio Legal e o Contrabando de Fronteira em Tempo de Guerra
Braudel, Fernand (1985) Os Jogos das Trocas. Edições Cosmos. Lisboa.
Dias, Nsimba Joani (2006) Com o Pé Esquerdo nas Terras Santas do Norte de Angola In http://www.caaei.org/anexos/121.doc
Moreira, Adriano (1960) Política Ultramarina. Junta de Investigações do Ultramar. Lisboa.
 
O ‘Tocoismo’ e o Pensamento Político religioso Zombo Contemporâneo
Ndandu, Alberto (s/d) “Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da Missão de Kimpangu (Congo ex-Belga)”, Arq. Histórico Militar, 2ª Secção, Caixa 162, nº. 24, Ref. 69 02 08.
Ramos, Arthur (1934) O Negro Brasileiro. Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro.
Ramos, Arthur (1935) O Folklore Negro do Brasil. Livraria da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro.
Ramos, Arthur (1951) Estudos de Folk-Lore. Livraria Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro.
Santos, Eduardo dos (1972) Movimentos Proféticos e Mágicos em Angola. Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Lisboa.
 
António Povoa, o Mensageiro Tocoista
Areia, Manuel Laranjeira Rodrigues de (1974) “Estrutura Mágico Religiosa de uma Trilogia Tradicional”. Memoriam António Jorge Dias, Instituto de Alta Cultura, Junta de Investigações Científicas do Ultramar. Lisboa.
Ndandu, Alberto (s/d) “Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da Missão de Kimpangu (Congo ex-Belga)”, Arq. Histórico Militar, 2ª Secção, Caixa 162, nº. 24, Ref. 69 02 08.
 
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*      Doutorado em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Coimbra. africaprint@sapo.pt
 
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 1 Zona do Zombo. Notem-se as bananeiras e mangueiras, em redor, da casa, constituída por habitação coberta a zinco e anexo, revestido a capim, destacando-se, em primeiro plano, os blocos de adobo (barro amassado com capim) para posterior cozedura.
 2 Correia, Roberto (2001) Angola, Datas e Factos. 4º Volume (1912-1961). Edição do autor. Coimbra, pp. 361-364.
 3 Correia, Roberto (2002) Angola, Datas e Factos. 5º Volume (1961-1975). Edição do autor. Coimbra, p. 20.
 4 Os Axikongos são os sub-grupos oriundos da Área de Banza Kongo
 5 Todos os telegramas, bem como outros documentos, têm como origem o Arquivo Histórico Militar, em Lisboa - 2ª Divisão, 2ª Secção, Caixa 182.
 6 A personagem está descrita na secção ‘Panza, Panza’ de Lavadeiro a Guerrilheiro.
 7 Pélissier, René (1978) La Colonie du Minotaure. Edições Pélissier, Paris, pp. 276, 277.
 8 Finais de Abril de 1961. Como se pode observar, foi aberta uma precária porta, no sótão, e aí se dormia. As pessoas que observam as instalações são militares da 5ª Companhia de Caçadores Indígenas.
 9 O Contrato era o trabalho compelido e obrigatório que as populações prestavam especialmente à Administração Colonial e às grandes companhias, agrícolas, industriais e mineiras.
10 Em Buenga Norte, na zona dos Sosso, por volta de Novembro de 1961. Veja-se que a maioria são muito jovens, entre estes, estão muitas crianças.
11 Leia-se o que transcrevemos de René Pélissier logo ao início desta secção.
12 Batalhão de Caçadores 88, História da Unidade, Desde 13 de Maio a 16 de Outubro de 1961. Arquivo Histórico Militar. Lisboa, p. 25.
13 Grenfell, F. James (1998). História da Igreja Baptista em Angola, 1879-1975, Edição da Baptist Missionary Society. Portugal.
14 Ao seu lado e logo à frente está, senão estamos em erro João Pedro Bala, reputado ‘pacifista’ e presidente do MDIA. Em cima do tejadilho do Land-Rover, o furriel Oliveira traduz para o Comandante do Batalhão 92, Duarte Pinto Coelho, o que Angelino Alberto vai dizendo.
15 Batalhão de Caçadores 88, História da Unidade, Desde 13 de Maio a 16 de Outubro de 1961. Arquivo Histórico Militar. Lisboa, p. 2.
16 Batalhão de Caçadores 88, História da Unidade, Desde 13 de Maio a 16 de Outubro de 1961. Arquivo Histórico Militar. Lisboa, pp. 16 e 17.
17 Batalhão de Caçadores 88, História da Unidade, Desde 13 de Maio a 16 de Outubro de 1961. Arquivo Histórico Militar. Lisboa, p. 2.
18 Idem, p. 42
19 Idem, p.36.
20 Era um homem de trato fino, um dos poucos funcionários Congoleses que, podendo beneficiar pessoalmente do lugar que ocupava, pura e simplesmente não o fazia. O europeu é o autor.
21 À esquerda, outro soldado misturado com a gente do mercado e, à direita, ao fundo, vemos ainda outro soldado que parece estar interessado em comprar algo.
22 Braudel, Fernand (1985) Os Jogos das Trocas. Edições Cosmos. Lisboa.
23 Moreira, Adriano (1960) Política Ultramarina. Junta de Investigações do Ultramar. Lisboa.
24 Dias, Nsimba Joani (2006) Com o Pé Esquerdo nas Terras Santas do Norte de Angola In http://www.caaei.org/anexos/121.doc.
25 Ramos, Arthur (1934) O Negro Brasileiro. Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro.
26 Idem (1935) O Folklore Negro do Brasil. Livraria da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro.
27 Idem (1951) Estudos de Folk-Lore. Livraria Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro.
28 Idem (1934) O Negro Brasileiro. Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro, pp. 204-209.
29 Ndandu, Alberto (s/d) “Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da Missão de Kimpangu (kongo ex-Belga)”, Arq. Histórico Militar, 2ª Secção, Caixa 162, nº. 24, Ref. 69 02 08.
30 Ndandu, Alberto (s/d) “Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da Missão de Kimpangu (Congo ex-Belga)”, Arq. Histórico Militar, 2ª Secção, Caixa 162, nº. 24, Ref. 69 02 08.
31 Areia, Manuel Laranjeira Rodrigues de (1974) “Estrutura Mágico Religiosa de uma Trilogia Tradicional”. Memoriam António Jorge Dias, Instituto de Alta Cultura, Junta de Investigações Científicas do Ultramar. Lisboa.
32 Ndandu, Alberto (s/d) “Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da Missão de Kimpangu (Congo ex-Belga)”, Arq. Histórico Militar, 2ª Secção, Caixa 162, nº. 24, Ref. 69 02 08.
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2009-09-28
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Professor

José Carlos de Oliveira

Doutorado em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Coimbra. africaprint@sapo.pt.

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