Nº 2548 - Nº Temático - Maio de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A defesa de Angola: A estratégia militar Portuguesa no período da Grande Guerra, do Capitão Gastão Sousa Dias
Coronel
Luís Manuel Brás Bernardino

Nota Introdutória

Escrevo esta nota introdutória para esclarecer o leitor que este texto, intitulado “A defesa de Angola”, foi escrito (publicado na Revista Militar) em 1932, pelo Capitão Gastão Sousa Dias (*), um africanista que acompanhou o período antes, durante e após a Grande Guerra, em Angola, onde elabora algumas considerações sobre os principais paradigmas da estratégia militar portuguesa, em Angola, ao longo da sua História. No complemento ou contraditório das ideias expressas pelo autor resultou um conjunto de anotações, em pé de página, que procuram, com recurso a literatura da época e a abordagens de autores recentes, fazer uma análise mais específica e detalhada e quiçá controversa, sobre as envolventes da “A estratégia militar Portuguesa no período da Grande Guerra”, em Angola.

Ao desafio lançado pela Direção da Revista Militar, procuramos, do vasto conjunto de artigos que foram publicados sobre a estratégia militar de Portugal no período da Grande Guerra em Angola, escolher aquele que nos pareceu melhor transmitir a forma como Portugal olhava para a sua colónia e refletia as principais dificuldades que os colonos sentiam por parte da Metrópole. Pelas eventuais omissões ou dessincronia entre a abordagem do autor (o texto está reproduzido na sua versão original) e os meus comentários ou modestos contributos, são certamente objeto da minha incapacidade de o perceber, ou de trazer para os dias de hoje as preocupações e visões de um Oficial que em Angola viveu intensamente o período da Grande Guerra.

Neste contexto, os sentimentos e valores que caracterizam esses episódios da História Militar de Portugal e de Angola de que tanto se escreve e que estamos agora a comemorar o seu centenário ficaram expressos por Alves Roçadas, no seu Relatório da Campanha no Sul de Angola (1914), onde salienta:

Patriotismo! É um termo que todos os bons portugueses desejariam ver declinado por cá com mais parcimónia; mas quem quiser encontrar belos exemplares da sua verdadeira significação prática folheie os anais de África.

 

1. O que foi no passado

Na carta-doação em que D. Sebastião confiava a Paulo Dias de Novais a conquista de Angola, dizia-se terminantemente que todas as operações deveriam ser realizadas «sem da minha fazenda lhe haver de ser dado ajuda alguma de dinheiro nem outras coisas»[1].

Tendo de combater um inimigo que supria a imperfeição das suas armas pelo número considerável em que se apresentava na acção, o conquistador de Angola, que teve consigo mais de 400 soldados brancos procurou o apoio incondicional de alguns sobas, que aproveitavam o momento para de eximirem à tirania do Rei de Angola, organizando assim a guerra preta de empacasseiros [soldados negros] e jágas[2], representados atualmente pelas forças indígenas de Angola. Parece que os cavalos, desconhecidos do gentio, e, portanto, exercendo sobre êle um verdadeiro terror, foram também um elemento de acção moral de que lançou mão esse guerreiro ilustre, que foi o 1º governador de Angola (1575-1589).

Pouco a pouco, os moradores de Luanda foram-se interessando pela guerra e as forças brancas foram organizadas em «companhias pagas de arcabuzeiros sem número determinado e de alguns ginetes mantidos pelos capitães e senhores mais ricos, por quem se repartiam em parte os despojos e a cuja sombra se fazia o negócio do sertão, de cujos presídios, feiras e distritos eram êles os capitães-móres». Mas as circunstâncias mudavam dentro em pouco: o inimigo passou a ser de consideração, porque em voltadas colónias rondavam franceses, ingleses e holandeses, atraídos pelos lucros do tráfico.

Após o duro cativeiro holandês (1641-1648), a criação de um organismo mais apto para defesa impunha-se claramente. Por isso em 15 de Abril de 1666, foi passada provisão de reforma à infantaria de Angola, que ficou constituída por 10 companhias, sendo 8 em Luanda a 100 homens, uma em Benguela, com o seu capitão, além do capitão-mór, também a 100 homens, e a última a 25 homens por cada um dos presídios de Ambaca. Cambambe, Massangano e Muxima «tudo de tropa paga a regular, afora os empacassadeiros». Em cada um dos fortes de S. Miguel, Nossa S.ª da Guia, Santo Amáro e Penedo, havia além de um capitão, morador benemérito, sem vencimento, sargento, cabo de esquadra e 10 soldados tirados da lotação de Luanda. A organização mantinha os cargos de capitão-mór do reino, substituído nos impedimentos pelo sargento-mór da praça, havendo mais um capitão de artilharia, que cumulativamente desempenhava as funções de refinador da pólvora.

Nas proximidades da Guerra da Sucessão, a par de uma grande atividade defensiva, pela qual se renovavam quasi todas as fortalezas de Angola, fôram tomadas medidas importantes, tendentes à valorização da força militar. Restringindo a isenção absoluta do serviço militar concedida aos moradores de Luanda em 1660, a provisão real de 29 de Janeiro de 1695 mandava organizar na capital um terço de ordenanças e mais 17 companhias das mesmas tropas aos distritos e presídios, organização que subsistiu até que, em 1752, o governador Conde de Lavradio, criou as milícias.

A qualidade das tropas angolanas pode aquilatar-se, sabendo que aos degredados, de longa data enviados para Angola para espiação dos seus crimes, era desde logo assentada praça, com êles se organizando as forças regulares, em cujas mãos se entregava a defesa e ordem duma colónia, na sua maioria constituída por traficantes, endurecidos pelos baixos interêsses da escravatura!

Mais de uma vez, de facto, a segurança das colónias esteve comprometida pela indisciplina dessas tropas; no governo de Tristão da Cunha (1666-1669), quando este projectava realizar uma campanha no Libolo, a infantaria, fazendo causa comum com a população agitada pelo lançamento de pesados impostos para dote da princesa D. Catarina, rainha de Inglaterra, revoltou-se, obrigando o governador a embarcar e a abandonar a colónia. Mais tarde, quando em 1694 foi introduzida na província a moeda de cobre, ainda, mais uma vez, as tropas se rebelaram, recusando-se a receber o seu pagamento na nova moeda[3].

Anos depois, quando o governador António de Vasconcelos (1758-1764), avisado pela metrópole das ameaças de guerra com Espanha e França (1762), mandou descer a Luanda tropas dos presídios, a situação militar da colónia mantinha-se no mesmo pé: «nesta certeza me acabei de confirmar com a ocasião de manda vir 20 soldados de cada presidio para recrutar este regimento, os quais não só vieram todos os preto, e assim os sargentos e alferes que os acompanhavam, mas tão bisonhos, que com grande paciência e trabalho vão principiando a saber apresentar a arma e mais manejo, para que têm tão crassa negativa e confusão, que nenhum modo é bastante a instrui-los».

E comtudo, apesar de disporem de tropas de baixa qualidade, em que o condenado constituía a base fundamental das unidades regulares, realisaram os portugueses feitos militares de grande envergadura. Lembramos a ocupação inicial de Paulo Dias de Novais, a resistência gloriosa de Massangano contra a invasão holandesa, a derrota em Ambuíla do grande exército do rei do Congo (1665), bem como a tomada das Pedras de Pungo-Andongo, em que sossobrou o poderío do rei de Angola (1671), ambas estas últimas levadas a cabo pelo valoroso guerreiro angolano Luíz Lopes de Sequeira[4].

O ilustre governador, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho (1764-1770), que a Angola trouxe o influxo renovador das doutrinas pombalinas, procurando como verdadeiro reformador, transformar as atividades da colónia, de exclusivamente mercantís em industriais e agrícolas, não deixou de encarar o problema da defesa da Província, como um dos mais dignos de atenção. As reformas por êle introduzidas no organismo militar foram profundas: reduzir o tempo de serviço das tropas; renovou os quadros pela promoção de oficias novos, usando das atribuições que lhe haviam sido conferidas para fazer nomeações até ao posto de capitão, e pela reforma de oficias incapazes; desenvolveu a instrução, introduzindo a táctica do Conde de Lippe, fiscalizando-a activa e pessoalmente, cuidou da disciplina, dando aos presídios por comandantes oficias brancos. E, a par destas medidas, vasou a organização militar da Província, em moldes que subsistiram até princípios do século XIX.

O exército passou a ser constituído por 3 escalões: a primeira linha, com 1 regimento de infantaria em Luanda, 4 companhias a 100 praças em Benguéla, Pungo-Andongo, Ambaca e S. José do Encoje, 4 companhias a 60 praças em Muxima, Mássangano, Cambembe e Novo-Redondo, 1 esquadrão de cavalaria em Luanda, e 3 companhias de Artilharia em Luanda, Benguéla e Caconda; a segunda linha (milícias), com 1 regimento de infantaria em Luanda, 8 companhias em Ambaca, formando um corpo com comandante próprio, e 20 companhias distribuídas pelo Dombe Grande da Quinzamba, Muxima, Mássangano, Pungo-Andongo, Cambambe, Encoje, Novo-Redondo, Calumbo, Icólo e Bengo, Dande, Golungo, Zenza e Quilengues, Dembos, Benguéla, Bailundo, Bié, Caconda, e outra em Benguéla de negros henriques; a terceira linha (ordenanças) com um terço em Luanda e mais 17 companhias nos locais onde havia milícias, bem como uma companhia em Ambaca. Como tropas de terceira linha eram igualmente considerados os 20.000 empacasseiros que os sobas eram obrigados a fornecer em caso de guerra.

 

Esboço nº 1

 

Apesar da introdução da moeda de cobre, o pagamento dos soldados do interior continuáva a efectuar-se em fazendas, panos de palha vindo do Congo, a que chamavam libongos; Sousa Coutinho tinha determinado que em Ambaca, Pedras, Cambambe, Mássangano, e Muxima, fossem pagos em sal muito abundante nas minas do Quissama.

No governo de Manuel de Almeida e Vasconcelos (1700-1795) foi publicado o Regimento de Fronteiras de Angola, criando um esboço de pagadoria, com védor geral, 4 oficiais de soldo, e outros tantos comissários de mostras «que servirão de as tomar aos soldados, e de fazer todos os papeis que fôrem necessários». O mesmo diploma estabelecia as condições para a nomeação (eleição) dos capitães de infantaria, «pessoa em quem concorra o haver sido 6 anos efectivos soldado, debaixo de bandeira, e 3 de alferes, ou 10 anos efectivos de soldado»; as condições para nomeação dos alferes «pessoa que tenha partes para o poder ser, e terá servido 4 anos efectivos» e ainda dos sargentos, que deveriam ter o mesmo tempo de serviço dos alferes e ser «deligentes, porque são o governo ordinário das companhias». As nomeações de alferes e sargentos eram feitas pelos próprios capitães de infantaria, mediante aprovação do Mestre do Campo, «em que se declare concorrêrem no nomeado as qualidades de reputação, e valor que convem».

Assim se mantiveram as forças militares até ao princípio do século XIX, tendo deixado por vezes de constituir elemento de segurança e ordem, para se transformarem em perigoso factor de indisciplina; e, se bem que no seu activo se contem feitos de guerra de incontestável valor; é certo que nos momentos difíceis sempre o recurso consistiu em solicitar da Metrópole o envio de expedições de socorro. Assim aconteceu, por exemplo, no início da conquista, quando em 1584 Castanho Velez trouxe de Portugal tropas a Paulo Dias, que achava em Mássangano, em posição desesperada; quando, quasi perdida a posse de Angola, do Brasil vieram os socorros de Souto Maior (1645) e de Salvador Correia (1648), que por fim a reconquistou ao holandês; e ainda quando, para a conquista das Pedras de Pungo-Andongo, o governador Francisco de Távora (1671) recebeu um importante auxilio enviado pelos governadores da Baía e de Pernambuco. E, na moderna história militar de Angola, estes exemplos foram, como é do conhecimento comum, frequentemente repetidos.

 

*

 

Em 1816, governando a província Luis de Mota Fêo e Torres (1816-1819), foi preciso adoptar medidas de excepcional rigor para conter em ordem as tropas brancas, cercando a cidade de Luanda por uma linha de barreiras, cuja guarda foi confiada aos empacasseiros, com ordem de «prender, e amarrar qualquer soldado ou individuo de desconfiança que observem querer sair fóra da linha». Os soldados na sua grande maioria degredados, vexavam os povos com contínuos roubos e assaltos, arrebatando aos pretos, nas estradas, os seus produtos.

Este estado de latente indisciplina atingiu a gravidade máxima por influência dos acontecimentos políticos da Metrópole. No dia 6 de Fevereiro de 1822 o povo insurgiu-se, depondo o governador e elegendo uma Junta Provisória [1822-1823]. Pouco tempo as tropas se mantiveram em sossego: o regimento de infantaria e a companhia de cavalaria sublevaram-se, obrigando a Junta a pedir socôrro para as Côrtes, Em 1823 chega a Luanda um batalhão expedicionário sob comando de Cristóvão Avelino Dias, a quem haviam sido confiadas as mais largas atribuições como Governador das Armas da Província. Nesse mesmo ano, pela quéda da Constituição, o Governador das Armas dissolve a Junta e toma conta do governo. Mas o próprio batalhão, que trouxera de Portugal, se insurrecciona, sendo necessário chamar a Luanda as tropas dos presididos, que o cercaram e renderam na fortaleza de S. Miguel. No ano de 1827 era a seguinte a distribuição das unidades de primeira linha em Angola (Vidé esboço nº 2).

 

Esboço nº 2

 

– Cidade de Luanda: Regimento de Infantaria de linha; Batalhão Expedicionário de Portugal; Esquadrão de cavalaria; Companhia de artilharia;

– Cidade de Benguela: Companhia de infantaria; Companhia de artilharia;

– Presídios: Cacondo, Novo-Redondo, Muxima, Massangano, Cambambe, Pundo-Andongo, Anbáca e Encoje.

As milícias e ordenanças mantinham sensivelmente a mesma organização planeadas por Sousa Coutinho. Mas o governador Nicolau de Abreu Castelo Branco (1824-1829) apontavam a sua inutilidade, aconselhando abertamente a sua substituição por empacasseiros. «Existe a denominação de diferentes companhias de ordenanças nos Presídios de todo este Reino: a saber, Muxima, Massangano, Cambambe, Pungo-Andongo, Ambaca, Encoge, Novo-Redondo, Calumbe, Icólo, Bendo, Zenza e Quilengues, Dembos, Cidade de Benguela, Caconda, Bailundo, e duas no Bié; cumpre porém notar que além de não têrem alguma realidade aquelas que são pertencentes a paizes não avassalados, tais como as do Bié e do Baillundo, ou serem meros títulos, bem como acontece às milícias dos mesmos lugares, que vem ainda a ser como não existentes todas as outras companhias de ordenanças mencionadas nos Presídios e Distritos do Pais avassalado; porquanto; à excepção das ordenanças de Luanda e Benguela, nenhuma outra companhia tem organização ou armamento; sendo os títulos de oficias deles todos puramente como graça honoríficas por arbítrio dos capitães generais antecedentes, sem a menor atenção à efectividade de serviço, porquanto acontece que a maior parte dos oficiais são pessoas existentes nesta cidade, ou em diferentes lugares daqueles de suas companhias.

Deve contudo advertir-se que existe uma classe de pretos, que se denominam empacasseiros, derivado este titulo do antigo emprego que tiveram seus antecedentes, da caça das empacassas e outros animais ferozes, os quais, tendo seus oficiais nomeado dentre si próprios, prestam ordinariamente serviços de policia, e mesmo de guerra, quando as circunstancias o exigem, tendo em remuneração o privilegio de serem isentos dos serviços de carregadores e outros mais. Esta classe é verdadeiramente útil; e por isso, devendo subsistir, deverão aniquilar-se as denominadas ordenanças, visto que os títulos dados de oficias delas no interior do país, além de imaginários só podem servir de autorizar alguma opressão aos desgraçados pretos, e de tornar em despreso as distinções militares».

Em 25 de Junho de 1834 é proclamado em Angola a realeza de D. Maria II e em Fevereiro de 1836 toma posse do governo de Angola o irmão do Marechal Saldanha, Domingos Saldanha de Oliveira Daun [1836]. Extintas as milícias e ordenanças, procurando criar uma força de apoio às idéas liberais, organizou o governador um batalhão de infantaria e um esquadrão de cavalaria nacionais, exemplo que foi seguido pouco tempo depois pelo governador de Benguela, Chateauneuf, que ali levantou igualmente um batalhão nacional. Mas a disciplina das tropas continuava sendo um grave problema. Uma nova rebelião foi sufocada pelo major J. Filipe de Andrade (1836), que depois foi assassinado, contando-se entre os assassinos um capitão Assis, a favor de quem em Dezembro de 1839 o Conselho de Governo resolvia suspender a aplicação da pena capital, até resolução da Rainha. O governador Manuel Bernardo Vidal vê-se na necessidade de criar em Luanda uma companhia de segurança pública, constituída por empacasseiros, que então fizeram um excelente serviço de polícia, companhia extinta em Fevereiro de 1841 pelo Conde de Bomfim, sob pretexto de ser «composta por negros buçais». O mesmo governador criou as chamadas companhias móveis nos presídios e distritos de Angola.

 

Esboço nº 3

 

Sá da Bandeira, procurando unificar a organização das tropas ultramarinas, dando-lhe composição idêntica ás da metrópole, determina em 7 de Agosto de 1838 «que o Regimento de infantaria de Angola seja organizado em um Batalhão com a mesma composição que tem os Batalhões de infantaria do Reino» e logo em 26 do mês seguinte é estabelecido o plano de organização da força militar de primeira linha, constituída por uma companhia de sapadores, uma companhia de artilharia, um esquadrão de cavalaria e um batalhão de infantaria. No mesmo ano era organizada a tropa de segunda linha «que por sua organização possa subsistir e preencher melhor os fins a que eram destinados as extintas milícias», criando os Batalhões Provisórios, comandados por um major de 1ª linha e nos quais deveriam ser alistados todos os habitantes dispensados de servirem o primeiro escalão do exercito.

Encontramo-nos nos papéis oficiais dessa época frequentes referências a várias organizações para defesa do constitucionalismo, tais como um batalhão de voluntários de Luanda, que ainda em 1849 recebia comandante e ajudante de 1ª linha, por achar «sem instrução militar, sem disciplina e com um sistema de administração muito irregular», e o batalhão de caçadores da rainha, para o qual Sales Ferreira foi nomeado comandante interino, ainda em 1852.

Em 1845 prevalecia a seguinte organização, pela qual as forças militares eram distribuídas por dois escalões (Vidé esboço nº 2):

 

1ª Linha:

Guarnição de Luanda: batalhão de infantaria de linha; companhia de sapadores; esquadrão de cavalaria e companhia de artilharia.

Guarnição de Benguela: companhia de infantaria; companhia de artilharia.

Guarnição dos Presídios: em Caconda (73 h.), Novo-Redondo (50 h.), Muxima (107 h.), Mássangano (58 h.), Cambambe (104 h.), Pungo-Andongo (99 h.), Duque de Bragança (122 h.), Encoje (95 h.) e Ambaca (50 h.).

 

2ª Linha:

– Governo de Luanda: batalhão nacional da cidade; companhias moveis em: Muxima, Cambambe, Massagano, Pungo-Andongo, Ambaca (4 companhias), Duque de Bragança (2 companhias), Encoje, Dande, Icólo e Bengo, Zenza e Quilangues, e Dembos.

– Governo de Benguela: batalhão nacional da cidade; (as companhias moveis que deveriam ser criadas no Bié, Dombe Grande, Caconda, e Quilangues, não chegaram a ser organizadas).

 

As tropas de 2ª linha apesar das constantes reformas, em pouco haviam mudado, é curioso lêr o «Itinerário de huma jornada de Loanda ao Distrito de Ambaca» de Manuel Alves de Castro Francina (1846) e comparar a descrição dos soldados das companhias moveis, com a feita pelo governador António de Vasconcelos, dos soldados dos presídios, que teve de chamar a Luanda. Pouco ou nada se avançára: a mesma falta de aspecto militar, a mesma carência de instrução, a mesma miséria de armamento!

E que assim era, pode concluir-se da necessidade frequente de lançar mão de tropas irregulares, tais como o Batalhão de Comercio de Luanda e a Companhia dos Empregados Publicos, organizada em 1851, para a manutenção da ordem. Mas mesmo assim, à medida que cresciam as necessidades da ocupação, novas unidades se iam criando: em 1855 estabelecia-se uma companhia móvel no Egito; em 1856 organizava-se uma companhia de linha no distrito do Ambriz, uma companhia móvel para o Alto-Dande e um corpo de empacasseiros (a 5 companhias) para Ambaca; e no ano seguinte um outro corpo de guerra preta era estabelecido no Golungo-Alto.

É que realmente na segunda metade do século XIX e princípios do século XX, desenvolve-se uma intensa atividade de ocupação, em que ao explorador sucede o militar, numa sequência de esforços verdadeiramente admiráveis![5] Em 1855 Coelho do Amaral toma o Ambriz; em 1856 Sales Ferreira ocupa o Bembe; em 1859 o domínio português atinge o Humbe e a Camba; em 1860 Baptista de Andrade, toma S. Salvador do Congo; em 1883 os portugueses estabelecem-se nos territórios de Cacongo e Massabi e reocupam Santo António do Zaire; em 1885 Cassinga cai em nosso poder; em 1886 Artur de Paiva ocupa os territórios do Cunéne e o Alto-Cubango e em 1890 o Bié; em 1893 realizam-se os primeiros trabalhos de conquista do Libolo (A Conferência de Berlim ocorria em 1884-1885).

Tantos anos de luta tinham-nos trazido ensinamentos definitivos: «a formas de conseguir uma ocupação eficaz dos vastos territórios das nossas províncias ultramarinas é escalonar do litoral para o interior unidades tácticas independentes, as quais, constituindo centros de ocupação de onde irradiem as forças destacadas para os postos militares, formarão as malhas da rêde que deve estender-se em todo o território ocupado». Conforme, refere o preambulo do Decreto de 14 de Novembro de 1901.

Nesse sentido fôram já organizadas as forças ultramarinas, por decreto de 16 de Agosto de 1895, que não chegou a ter inteiro cumprimento. E seis anos depois, porque o problema continuava sem solução satisfatória, visto que «quando a ordem pública é perturbada, quando a Bandeira Portuguesa é desrespeitada, ha necessidade de recorrer às expedições extraordinárias dispendiosíssimas», novamente se reorganizaram as forças do ultramar, por decreto de 14 de Novembro de 1901, cujos largos benefícios se estão ainda sentindo eficazmente[6]. A composição das forças em Angola passou a ser a do quadro seguinte.

Tropas de 1ª Linha:

– Bateria mixta de artilharia de montanha (1)

– Companhia mixta de artilharia de montanha e infantaria (2)

– Esquadrão de Dragões (1)

– Companhia europeia de infantaria (1)

– Companhias indígenas de infantaria (16)

– Batalhão disciplinar (1)

– Companhias de depósito (4)

As tropas de 2ª linha constituídas pelas forças que só prestavam serviço militar em circunstâncias excepcionais, de revolta, insurreição, guerra interna ou externa, e pelos corpos irregulares formados exclusivamente de elementos indígenas, cujos quadros dirigentes não estavam em proporção com a força enquadrada, segundo as regras da tática.

Com forças assim constituídas se realizou a campanha do Bailundo (1902), se ampliou a ocupação do planalto de Benguela, e se desenvolveram as operações a sul, de Angola (1904). Mas, nem por isso fôra vencida a antiga deficiência, que obrigava à pratica do envio das dispendiosas expedições metropolitanas[7]. Assim Roçadas ocupa definitivamente o Cuamato em 1907[8],[9].

Mas os serviços prestados pelas forças da Província tornam-se por sua vez valiosíssimos: a ocupação do Evale e do Baixo-Cubango até ao Mucusso (1909), bem como a pacificação do distrito de Huila, a elas se devem. Em 1913 são extintas definitivamente as tropas de 2ª linha; e, tendo-se iniciado o regimen de ocupação civil, foi possível montar a nova máquina administrativa sobre as sólidas bases deixadas pela rêde de ocupação militar.

Na Europa estalára a Grande Guerra. As operações militares no sul de Angola (1914)[10],[11] haviam conduzido à acção indecisa de Naulila, que tivera como consequência a inutilização da soberania no Cuamato, no Humbe e no Evale[12]. Nova expedição metropolitana chega a Angola em 1915, sob comando do General Pereira d’Eça[13], e desta vez a ocupação atinge a atual fronteira a sul[14], abrangendo os territórios perdidos no ano anterior e o Cuanhama[15] até então impenetrável[16].

Como lição desta rápida resenha das organizações militares de Angola, podemos tirar os seguintes ensinamentos que, constituirão as bases para o prosseguimento do nosso trabalho[17]:

– É inconveniente a organização de forças brancas com carácter permanente, recrutadas na Província que cedo se transformam em perniciosos elementos de indisciplina;

– Há na Província uma forte tradição de organização de forças brancas de carácter miliciano;

– As forças indígenas, que sempre constituíram preciosos recursos de guerra e de manutenção da ordem, e ainda hoje representam o grosso das tropas de ocupação da Província, são elementos indispensáveis para o delineamento de qualquer organização militar;

– Até hoje, nas grandes crises, foi impossível dispensar o auxílio da Metrópole, podendo, sem probabilidades de erro, considerar-se que de futuro, esse auxílio continue a ser igualmente indispensável.

 

2. O que poderá ser o futuro

Examinado, o esboço nº 4, que contem esquemáticamente a distribuição actual (1932), das unidades militares na Província de Angola, uma conclusão ressalta imediatamente: o critério que presidiu à colocação das unidades em dispersão foi o da defesa contra o inimigo interno, procurando acudir prontamente a qualquer ponto de agitação indígena.

Ora a pacificação de Angola é quási perfeita, pois que o gentio, completamente desarmados, não manifesta quaisquer tendências de insubordinação, nem poderia levantar-se que não fôsse logo dominado. A modelar rêde de estradas, lançadas por Norton de Matos, facilitou consideravelmente o acesso das forças militares aos pontos mais afastados do sertão e a intensificação da ocupação administrativa permitiu uma permanente fiscalização das intenções e dos sentimentos do indígena[18]. Também o número de estrangeiros em Angola não apresenta uma proporção alarmante. No distrito de Huila, onde outrora eles se achavam estabelecidos em quantidades considerável, é hoje apenas 22 para 5.070 portugueses, o número de estrangeiros fixados.

Em contraposição, creio ter demonstrado, por outros trabalhos repetidamente insistentes sobre este ponto, que outras ameaças de caracter externo impedem sobre a nossa colónia da África Ocidental, bem mais sérias e bem mais perigosas. E para essas precisamente não vejo que tenham sido tentados quaisquer remédios! O momento é de economias. Mas há economias que podem transformar-se repentinamente em avultadas despesas, porque, quando de longe deixam de se prevêr os acontecimentos, estes, no seu momento próprio, precipitam-se, obrigando a gastar o que há e o que não há.

 

Esboço nº 4

 

Desde a campanha do Cuamato que se reclamava a continuação do caminho de ferro de Mossamedes, parado na base do Chéla, lançando-se no sentido das terras recentemente conquistadas. Assim se poderia ter feito a ocupação pacífica dessa região e se teria facilmente estendido a ocupação ao Cuanhama. Tal obra não se fez, a título de economia. Passados anos, poucos anos, tudo se perdia, sendo necessário enviar do continente a expedição do General Pereira d’Eça, com cujo dispêndio se poderiam ter feito quatro linhas férreas…E a linha férrea continua por fazer…

Em França, onde presentemente se olha com o maior interesse para o império ultramarino, pois êle foi uma das fortes razões da sua salvação[19], o efectivo global do exército antes de 1914, era de 800.000 homens e 32.000 oficiais, dos quais 100.000 homens e 2.000 oficiais serviam no ultramar. Hoje [1932] para 317.000 homens na metrópole, há 205.000 no ultramar com 9.000 oficias, tanto metropolitanos como coloniais. Despesas: em 1931-32 o exército da metrópole custou 4.745 milhões de francos; o das colonias 2.440 milhões. O esforço é dividido entre a metrópole e as colonias na proporção de 3/5 para efectivos e 1/2 para despesas. Desde 1900, a organização, recrutamento, instrução e equipamento das forças além-mar estão confiadas ao Ministério da Guerra, reservando-se a sua utilização local aos governadores ou residentes gerais.

Mas a política de restrições, conjugada com as consequências da pacificação colonial, está ferindo, quere-nos parecer, a alma do próprio exército. DE facto, com as colónias, absolutamente dominadas, deixaram de ser campo de façanhas temerárias, os oficiais portugueses vão perdendo o interesse por elas e, a dentro do exército, vai deixando de se sentir aquêle salutar influxo exercido pelos oficiais que serviram no ultramar, onde ganhavam faculdades de iniciativa, de acção e de confiança, como em nenhuma outra parte poderiam adquiri. Essa educação militar, que criára a pleiade admirável de coloniais da escola de António Ennes levou ainda à Grande Guerra verdadeiros valores de comando e heroísmo[20].

Depois, o verdadeiro amôr pelas colónias, só se ganha conhecendo-as e deixando nelas uma parcela da nossa existência. E a fermentação desse amôr é um factor de valorização que não é lícito desprezar…Sob pena de se dar razão aos pessimismos que se afirmam – o que não é verdade – que a metrópole não dá as colónias nem capitais, nem missionários, nem colonos, nem militares! Mas, tornemos de novo ao fio do nosso trabalho, procurando tirar das premissas estabelecidas ao fim do primeiro capítulo, as conclusões práticas que elas comportam. Dada a impossibilidade de dispensar as expedições enviadas pela metrópole nas horas críticas, o que convém fazer? Evidentemente organizar as forças da colónia, de forma a dispensar o mais possível o envio de forças metropolitanas e, ao mesmo tempo, a poderem prestar-lhes uma eficaz colaboração, quando, por força maior, se tenha de recorrer a esse remédio externo. Para esse fim, vejamos em separado a questão, primeiramente para as forças indígenas e de seguida para as europeias a recrutar na colónia.

O que vamos dizer não tem intenção de ser, sequer, um esboço de organização. Limita-se a um conjunto de sugestões, cuja adopção, queremos crê-lo, nalguma coisa poderia contribuir para aumentar a capacidade das forças angolanas. Falamos de forças indígenas, cuja organização a nosso vêr apenas necessita de aperfeiçoamento. Até aqui, o seu recrutamento foi orientado pelo Regulamento Provisório para o Recrutamento militar na Província de Angola (Portaria Provincial nº 34 de 16-2-1917)[21]. Esse diploma não conseguiu evitar que o recrutamento, à falta de um prévio e regular recenseamento, continuasse a ser uma verdadeira fonte de violências. As normas do seu artº 50º eram impossíveis de cumprir, e o próprio parágrafo único do artº 51º dava claramente a perceber.

Sem recrutamento regular, elemento de salvaguarda de todas as injustiças, o serviço militar, perdido o seu caracter de plena obrigatoriedade, era imposto apenas àqueles que o cipaio, o soba, ou o chefe do posto entregavam anualmente, correspondendo assim a uma imposição pela qual o gentio manifestava uma profunda repugnância. Por outro lado um processo tão primitivo de recrutar só trazia às fileiras os piores. A essa repugnância somava-se a rude particularidade de os recrutados sofrerem imediatamente uma deslocação de meio, os do Congo para o Huila, os da Huila para Luanda…E isto operado por vezes em épocas do ano em que as diferenças do clima eram fatais para muitos! Nestas condições o voluntariado era naturalmente nulo.

– Não seria possível fixar a época do recrutamento de modo a que estas desvantagens graves pudessem atenuar-se?

– Não seria possível efectuar um recrutamento semi-regional, que desfizesse no espirito do indígena grande parte da sua má vontade pelo serviço militar?

– Não seria possível instruir as unidades nos próprios locais de recrutamento e fazer depois a sua deslocação, se esta fosse indispensável, com os seus graduados, já quando o espirito de corpo tivesse fundido os elementos heterogéneos, constituindo unidades?

Eis três perguntas que parecem dignas de alguma meditação. O decreto-lei nº 19.220 de 9 de Janeiro de 1931, que lançou as bases para o recrutamento militar nas colonias procura remediar já alguns inconvenientes apontados. Na mira de promover o voluntariado (artº 52º 1.), permite aos mancebos nesta condição escolha das unidades de incorporação e manda (artº 52º 4.) atender às condições climatéricas da origem e da unidade de destino. Oxalá tais determinações sejam respeitadas como convém! Também o mesmo decreto manda organizar nas unidades indígenas aulas de português, é esta uma medida de transcendente alcance, pois, bem aplicada apressará a nacionalização de Angola pela difusão da língua.

 

 

Mas há outros pontos que, à primeira vista aparecem como de restrito alcance, e que, aos olhos de quem conhece a psicologia do indígena, assumem uma importância fundamental. A questão do uniforme é aqui de uma importância capital. Estamos convencidos de que um dos meios que em Moçambique facilitou a regulação do serviço militar indígena foi o rigor do asseio, e correcção, importa no vestuário do soldado. O uso de distintivos e medalhas brilhantes, a organização de frequente festas desportivas, o estabelecimento de prémios de licenciamento, as reduções moderadas do tempo de serviço como prémio de comportamento e aplicação, o acesso aos postos inferiores, tudo contribuiria para afastar progressivamente a má vontade indígena pelo serviço militar.

Como valorização nas próprias unidades, urgia dotar as companhias indígenas com, pelo menos, uma metralhadora ligeira por pelotão, metralhadoras possivelmente do tipo Lewis, por ser muito conveniente o seu processo de arrefecimento e fácil a aprendizagem e o funcionamento. A exagerada independência das companhias indígenas tem grandes inconvenientes, mormente sob ponto de vista da instrução. O seu agrupamento em batalhões, embora separadas nos seus actuais quarteis, permitiria exercer sobre elas uma importante acção e fiscalização, unificando o comando, que presentemente não têm. Na época em que as companhias realizam os seus habituais exercícios de marcha, a unificação táctica do batalhão poderia efectuar-se com facilidade. Por último desejaríamos vêr estabelecida uma mais íntima ligação das tropas negras que a vida do continente e das outras colónias, de forma que a noção de Pátria se impusesse ao espirito do indígena com toda a sua impressionante grandeza.

Falámos um dia no Cuanhama com um velho cipaio que acompanhou Serpa Pinto na sua travessia e depois foi por este levado à metrópole. Com o navio que o transportou tivesse tocado exclusivamente em portos portugueses, o bom do negro traduzia as suas impressões por esta forma deslumbrada: «Maniputo muito rico! Muita casa grande! E tudo Portugal!...»

 

*

 

Tratemos finalmente das tropas brancas a recrutar na colónia.

O decreto nº 11.664, que estabeleceu as bases para a reorganização das forças ultramarinas, contem a expressão inconveniente de exército ultramarino. Não deve haver exército ultramarino. O exército é um só: o Exército Português. Mas as bases desse decreto encerram doutrina excelente, em especial a da sua base IX, que torna o serviço militar obrigatório para os mancebos brancos nascidos ou residentes das colónias. Injustiça inexplicável seria, de facto, continuar a exigir ao preto um pesado sacrifício, de que o branco se achava e acha, por enquanto, dispensado, Mas não é este o único aspecto grave da questão. Está-se criando na colónia – e não sei se infelizmente na metrópole também – uma geração que, absorvida pelos desportos, não dá mostras de alimentar qualquer outra preocupação nem de acalentar qualquer outro ideal! Não sabemos mesmo até que ponto este alheamento das altas obrigações cívicas, que condicionam a nossa existência colectiva, levará um dia esta mocidade, a quem nunca foi exigido o cumprimento de qualquer dever para com a Nação, se um grande estremeção a viér arrancar à existência descuidada que vai vivendo…

Um pequeno exemplo para demonstrar o fundamento das nossas apreensões. No distrito de Huila deve haver cerca de 1.500 brancos em idade de pegar em armas; desses estão recenseados aproximadamente 716. E existindo em Sá da Bandeira sede de distrito, uma carreira de tiro, a sua freqúencia limita-se a números exíguos (1928: 91 inscritos e 26 com aproveitamento). É esta a única instrução militar que os mancebos brancos poderiam ter recebido!

Felismente que o decreto 19.220 de 9 de Janeiro de 1931 estabelece as nórmas de recrutamento militar, determinando que cada colónia elabore com brevidade o seu regulamento privativo de recrutamento, estabelecendo desde logo (artº 7º) que «os mancebos, filhos de europeus e seus descendentes, nascidos nas colonias e nelas residentes, são obrigados à prestação do serviço militar na colonia da sua naturalidade». E no artº 67º indica que «os mancebos europeus serão incorporados e instruídos em depósitos provisórios junto das unidades existentes». A execução, porém, desta última determinação oferece enormes dificuldades. Em primeiro lugar as unidades existentes, em condições de receber brancos, são em número limitadíssimo. Deverão os mancebos receber a sua instrução nas unidades indígenas, com armamento e equipamento de indígenas?

Pensamos que, antes de lançar qualquer regulamentação sobre o assunto, se deveria estudar cuidadosamente a organização das «Defense Rifle Associations» da União-Africana e a sua aplicação a Angola. Por outro lado estamos convencidos da impossibilidade de realizar a incorporação dos mancebos brancos para efeitos da instrução, sem que gravíssimos inconvenientes resultem para a economia da Província. Mas, o Estado pode e deve intervir na vida interna dos clubs desportivos, que por toda aparte se multiplicam, obrigando-os a incluir nos seus estatutos, o dever, fiscalizado por agentes oficias, de ministrarem aos seus associados a instrução militar e, muito em especial, a instrução e tiro.

Entre os mancebos existentes na colónia, dado o nível bastante elevado da sua ilustração, seria possível recrutar em quantidade suficiente, não só os graduados precisos para o enquadramento das forças indígenas e brancas, mas inda os próprios oficias subalternos indispensáveis à organização das unidades de carácter miliciano. Para isso bastaria por a funcionar nas Províncias as necessárias escolas preparatórias, orientadas pelas suas congéneres metropolitanas. Exercícios periódicos de conjunto, com os instruendos das escolas e dos clubes devidamente comandados por oficias dos quadros permanentes, complementariam a instrução ministrada dentro desses organismos. De resto, foram sempre estes os moldes tradicionais das forças brancas recrutadas na Província de Angola.

Mas, para tudo isto se poder levar a cabo, seria indispensável pôr em prática, quando antes, a base V do decreto 11.746 de 16 de Junho de 1926, que estabelece comandos gerais nas províncias de Angola e Moçambique, separado de vez as funções administrativas das funções militares, com vantagens para ambas. Os governadores de distrito, por vezes de classe civil, outras vezes de graduação inferior a capitão, não podem continuar a ter atribuições e competências militar elevada sobre tropas que necessitam de permanente instrução e de permanente acção fiscalizadora e orientadora. Mas sobretudo, para que as medidas preconizadas pudessem ter eficácia, seria necessário que os oficiais metropolitanos de novo procurassem as colonias onde o campo é largo para o exercício da sua atividade. Uma legislação apropriada, incluindo a obrigatoriedade da vinda às colonias dos subalternos, como condição de promoção a capitão, animaria talvez essa corrente, tão favorável à valorização das tropas ultramarinas e igualmente à das metropolitanas.

Para um outro ponto desejamos chamar a atenção de quem nos lê. A expe-riencia diz-nos que a organização das expedições ao ultramar realizadas quási sempre sob a pressão do tempo, peca por forçada improvisação no recrutamento do seu pessoal. O próprio soldado ou vem como voluntário, o que nem sempre é de recomendar, ou vem convocado após um período mais ou menos alargado de ausência das fileiras e portanto desvalorisado. Não conviria manter na metrópole unidades coloniais de composição mixta, fortemente dotadas de metralhadoras e artilharia ligeira, prontas a embarcar á primeira voz para onde as reclamasse a insegurança de qualquer das nossas colónias?

Não podemos fechar esta série de sugestões sem falar na aviação. Parecendo à primeira vista, uma arma cara, ela será neste caso um valioso factor de economia, pois um avião nas operações que por ventura tivesse de realizar-se contra qualquer núcleo de rebelião indígena, corresponderia bem à vontade, pelos efeitos morais da sua acção, a um batalhão. Tomadas as lições da primeira tentativa realisada em Angola em 1918 para o estabelecimento da aviação no planalto da Humpata e depois em 1921 no Huambo, queremos crêr que altos serviços estariam reservados a essa arma, hoje imprescindível em qualquer operação de mediana envergadura.

 

*

 

Começamos por fazer a resenha de várias organizações pelo tempo fóra experimentadas em Angola. Dissemos de seguida o que nos pareceu resultar das lições do passado. Que progressos se conseguiram, depois de tão longos e por vezes sangrentos ensinamentos?

Um grande passo se deu em frente pela extinção das tropas de 2ª linha (1913) e, paralelamente, pela criação das companhias indígenas, que prestaram e prestarão ainda excelentes serviços. Um outro passo é expresso pelo seguinte facto: durante séculos, as forças brancas foram constituídas por degregados, a que se assentava praça mal punham pé na colónia. Pois o decreto 19.220, pelo artº 36º, veio excluir terminantemente do serviço militar os condenados a pena maior. É um pregresso incontestável; mas outros têm de realizar-se urgentemente.

Na nossa vizinhança desenham-se acontecimentos cada vez mais graves, perante os quais não poderemos deixar de estar em guarda bem vigilantes e bem atenta! Os jornais anunciam que na União Sul-Africana o movimento de separação e independência assumiu um caracter agudo: «trata-se de um vasto movimento nacional e quasi mística que alastrou a todas as camadas do povo». Evidentemente, nós não temos que contrariar nem que favorecer esse movimento. Cada um em sua casa governa-se como quere e entende. Mas temos obrigação de nos precaver, porque essas convulsões de caracter místico cegam os povos, dando-lhe a ilusão de serem impelidos por Deus para caminhos, por vezes, bem inesperados.

E a fórma mais eficaz de precaução consiste por um lado em valorizar o nosso organismo defensivo e por outro em promover, como tantas veses temos aconselhado, a colonização do Sul de Angola, mormente dos planaltos da Huíla e de Benguéla, directamente expostos a qualquer investida do sul. Um dia alguém perguntou ao Marechal Foch se entendia que as colónias portuguesas corriam perigo…. O Marechal, um pouco surpreendido pela inépcia da pergunta, respondeu: – «Correrão perigo, se os senhores as não souberem defender». Não é verdade que esta resposta na sua luminosa simplicidade, contem uma grande dose de sabedoria?

 

Notas Conclusivas

Esta análise, breve, sintética mas estruturada e até inovadora abordagem das incongruências da estratégia militar portuguesa para Angola e da relação entre a Metrópole e a Colónia, explicada e analisada nesta parceria pouco comum, procura retractar e trazer para a reflexão pública, neste momento, alguns elementos que podem contribuir para se melhor perceber como se chegou ao dispositivo militar em Angola no período antecedente à Grande Guerra, quais as consequências e que orientações politicas saírem dessas vivências.

Reparamos que muitas das questões e problemas apontados são comuns ao longo dos séculos, um dispositivo pouco apoiado por Portugal, reforços e períodos de muito empenhamento com um esquecimento quase total, conduziu frequentemente a conflitos internos na disputa por influência e na sequência da conferência de Berlim, numa disputa externa com potenciais interesses. Nomeadamente a presença dos alemães no sul de Angola que nos impeliu a uma participação na Grande Guerra, em que a defesa de Angola, feita em teatros e de forma diferente teve impacto na História de Portugal e de Angola e trouxe ao mundo, o conhecimento de bravos militares portugueses que, como referia o General Pereira da Eça, na época, “Patriotismo! É um termo que todos os bons portugueses desejariam ver declinado por cá com mais parcimónia; mas quem quiser encontrar belos exemplares da sua verdadeira significação prática folheie os anais de África”.

No pós Grande Guerra, fruto das experiências vividas, alguns ajustamentos foram feitos, contudo, o autor, critico e conhecedor dos problemas vividos, nesse período, aponta um conjunto de propostas e iniciativas, que tem ao mesmo tempo a virtude de nos retractar os principais problemas vividos na relação colónia-metrópole-colónia no período da Grande Guerra, contribuindo, em nossa opinião, para melhor percebermos a “A estratégia militar Portuguesa no período da Grande Guerra” e “A Defesa de Angola”.

 

Bibliografia Auxiliar

BENDER, Gerald J. (2004) – Angola Under the Portuguese’s-The myth and the reality. Africa World Press, 2004, ISBN 1-592-212-581.

BIRMINGHAM, David (2003) – Portugal e África. Lisboa: Veja Editora, 1ª Edição – 2003, ISBN 972-699-717-8.

CAETANO, Marcello (1965) – Portugal e a Internacionalização dos problemas Africanos (História duma batalha: Da liberdade dos Mares às Nações Unidas). Lisboa: Edições Ática, 3ª Edição revista e aumentada, 1965.

CAVAZZI, João António (1965) – Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 2 Volumes – 1965.

DIAS, Jill R. (1984) – Uma Questão de Identidade: Respostas Intelectuais às Transformações Económicas no Seio da Elite Crioula da Angola Portuguesa entre 1870 e 1930. Lisboa: Revista Internacional de Estudos Africanos Nº 1, janeiro/junho 1984.

IVENS Roberto e CAPELLO Hermenegildo (1886) – De Angola à Contra-Costa – Descrição de uma viagem através do Continente Africano. Lisboa: Imprensa Nacional, Volume I e II, 1886.

MORAES, Major Artur de (2007) – Memórias de Angola. Casal de Cambra: Editora Caleidoscópio, Comissão Portuguesa de História Militar, ISBN 978-989-8010-62-9.

PÉLISSIER, René (1986) – História das Campanhas de Angola: Resistência e revoltas, 1845-1941. Lisboa: Editorial Estampa, 2 Volumes (II Volume – 1987), ISBN: 972-33-1224-7.

WHEELER, Douglas e PÉLISSIER, René (2009) – A História de Angola. Lisboa: Editora Tintada China, 1ª Edição, 2009, ISBN 978-989-671-005-7.

 


 * Artigo publicado pelo Capitão Gastão Sousa Dias (1887-1955) na Revista Militar, em Set/Out de 1932 (pp. 598-620), no qual elabora uma perspetiva histórica do dispositivo para a defesa militar de Angola, desde a sua descoberta e povoamento até ao período pós Grande Guerra, e no qual se incluem alguns comentários com vista a perceber-se como se chegou à estratégia militar portuguesa no período da Grande Guerra em Angola. O Capitão Gastão Sousa Dias nasceu em 1887 e passou parte da sua vida em Angola, onde serviu o Exército Português, nomeadamente no período da Grande Guerra. Foi distinto professor no Liceu Nacional da Huíla e conta com vasta publicação de artigos sobre Angola, como se pode constatar na base de dados da Biblioteca do Exército, destacando-se as seguintes obras «No Planalto da Huila», «Africa Portentosa», «Cartas de Angola» e o presente artigo, publicado na Revista Militar em Setembro/Outubro de 1932, sob o título de «A defesa de Angola». O Capitão Gastão Sousa Dias faleceu em 1955.

 

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[1]  A colónia portuguesa de Angola viria a formar-se em fevereiro de 1575, com a chegada de Paulo Dias de Novais, com cerca de 100 famílias de colonos e 400 soldados, às designadas terras do “Reino do Congo”. Luanda seria cidade em 1605, sendo Paulo Dias de Novais o primeiro Governador e Capitão-Geral de Angola (1575-1589). Através de bula papal de Clemente VIII, “Super Specule”, de 20 de maio de 1656, Angola e a região do “Reino do Congo” viriam a ser integrados no Bispado do Funchal, sendo o primeiro Bispo, D. Frei Francisco de Soveral (Selvagem, 1999, p.332). Neste período, o comércio na colónia era na maior parte feito com a outra margem do Atlântico Sul, o Brasil, e os navios europeus eram os mais numerosos nos portos de Luanda e Benguela, David Birmingham refere a este propósito que “…os mercados de escravos eram a vanguarda da penetração europeia em África, mas exibiam poucas provas de cultura, língua, literatura, religião, tecnologia, e moeda europeia, ou de qualquer outro componente desse conceito efémero chamado civilização…” (Birmingham, 2003, p.51)

[2]  Elias Alexandre da Silva Correa define os “jágas” como guerreiros itinerantes, considerando que “…os jágas são governadores de gente belicosa e ambulante que admitem variedade de nações, e debaixo do mesmo nome se entendem os governadores e os governados que forma este corpo…”, In, História de Angola, 1782, volume II, p. 50.

[3]  Interpretando, fielmente, a pobreza militar da colónia e a conveniência inquietação dos sertões, Coelho de Carvalho [Governador de Angola] empenhou-se em fugir a grandes cometimentos, receoso de algum insucesso, tanto mais que a prudência, perante a grave concorrência de holandeses, franceses e ingleses, aconselhava a concentração permanente de todo o poder mobilizável, para assegurar a integridade territorial. Referia o governador «Faço todo o possível para evitar guerras em ocasião que se fazem tão prejudiciais e arriscadas – explicou ele para Lisboa – pela falta em que nos achamos de poder para elas». In, Ralph Delgado, História de Angola, 4º Volume (1648-1836), Editado pelo Banco de Angola, 1946, p. 298.

[4]  Luiz Lopes Sequeira, ilustre cabo de guerra, crioulo, natural de Luanda, filho de Domingos Lopes de Sequeira, que em 1643 fora a Portugal pedir socorro para os defensores de Massangano e que, regressando a Angola, com este socorro veio a morrer massacrado pelos jagas, em junho de 1645, quando à testa da guarda avançada dessa coluna, demandava o rio Cuanza. Depois de vencer o rei do Congo em Ambuíla, Luiz Lopes Sequeira dominou o rei de Dongo nas Pedras de Pungo-Andongo (1671) e, ainda o rei de Matamba, caindo morto nesta última acção (1681). [http://quitexe-historia.blogs.sapo.pt/93629.html]

[5]  Neste contexto, referia-se Marcello Caetano, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, ao poder de influência exercido pelas novas potências europeias sobre o continente Africano, na busca de novos mercados para a expansão do comércio europeu, estimulado pelo aumento e embaratecimento da produção que o processo industrial provocara. Na demanda africanista, começavam a surgir na imprensa da época, relatos e crónicas de novos exploradores que demandavam a África no intuito de darem a conhecer ao mundo os segredos de um continente conhecido antes do século XV mas, no século XVII ainda pouco explorado. Luciano Cordeiro, na sua obra “L’hydrographie Africaine aux XVIémeSiécle d’après les premières explorations Portugaises”, nas palavras ainda de Marcello Caetano, referia por ironia, as regiões que os portugueses já haviam percorrido séculos antes e que estavam guardadas nas narrativas inéditas, de pequena tiragem e num estilo rude, sem sedução para o grande público, aspeto que não impediu contudo a multiplicação da realização de expedições geográficas ao continente Africano neste período. (Caetano, 1965, p. 72). Para aprofundar a temática recomenda-se a leitura da expedição geográfica portuguesa (1877 e 1880) empreendida, segundo Marcello Caetano e citando Luciano Cordeiro “...já muito tardiamente...” (Idem, p. 76) por Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, oficiais da Armada Real Portuguesa à região dos Rios Congo-Zaire, entre Angola e Moçambique (lei de 12 de abril de 1877), patrocinada pela Sociedade de Geografia de Lisboa e pelo Governo Português (com destaque para João de Andrade Corvo e o Visconde de S. Januário, no Ministério da Marinha e do Ultramar). Viagem descrita nos dois volumes da obra “De Benguela às Terras de Iaca” (13 de abril de 1881) republicado em 1996 pela Editora Publicações Europa-América (ISBN 972-1-04104-1) e ainda nos dois volumes “De Angola à Contra-Costa – Descrição de uma viagem através do continente Africano”, Imprensa Nacional (1886) e as narrativas de Serpa Pinto – “Como eu atravessei a África do Atlântico ao Mar Índico...” (1881).

[6]  A política de transporte de condenados e exilados políticos para a África Portuguesa, concretamente para a Província de Angola, foi um factor essencial e constante ao longo da história de Angola. Ainda assim a presença de exilados políticos republicanos não seria suficiente para desencadear uma revolução ou uma revolta separatista, que viria a acontecer em 5 de outubro de 1910, com impacto no governo de Angola e na postura militar na colónia. Douglas Wheeler e René Pélessier, In “História de Angola”, Edições Tinta da China, 2009, p.161.

[7]  Carlos Selvagem refere, a titulo de exemplo, sobre as campanhas militares no sul de angola, o balanço da acção de ocupação de João de Almeida, à data, Governador de Huíla, referindo «…durante o tempo que estivemos à frente do governo do distrito de Huíla, fizemos avançar a ocupação desde as margens do Cunene às do Cuito e Cuando, isto é, 300 a 1200 quilómetros, e a área pacificada de 14.000 quilómetros quadrados, que a pouco mais se estendia do que aos núcleos de população branca e aos postos e às curtas e estreitas faixas de comunicação, nem sempre seguras, foi estendido o nosso domínio efectivo a uma área muito superior a 100.000 quilómetros, como se pode ver pelo esboço de ocupação e pacificação em 1907 e 1910…». Carlos Selvagem, “Portugal Militar – Compêndio de História Militar e Naval de Portugal, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1999 (reedição), p.680.

[8]  Em agosto de 1907 a coluna de Alves Roçadas ocupa o Cuamato, e recolhe as ossadas dos militares portugueses falecidos em combate no vau do Pembe a 25 de setembro de 1904, vestígios de um dos momentos mais marcantes das campanhas do sul de Angola e superiormente descrita pelo Major Artur de Moraes (um dos únicos 4 sobrevivente dessa batalha), em “Memórias de Angola”, reeditado pela Editora Caleidoscópio, 2007, pp. 126-132.

[9]  Recomenda-se pelo testemunho e pelas fotografias o livro da campanha do Cuamato e do despenho de Paiva Couceiro, a obra escrita pelo alferes Velloso de Castro, intitulada “A campanha do Cuamato em 1907 – Breve narrativa acompanhada de photographias”, Loanda, Imprensa Nacional, 1908, existente nos arquivos da Revista Militar.

[10]  No dia 18 de Agosto de 1914, o general Pereira de Eça, Ministro da Guerra, voltaria a convidar o agora tenente-coronel do Corpo do Estado Maior Alves Roçadas a aceitar o comando do primeiro daqueles corpos, constituído por um quartel general, um batalhão de infantaria, uma bateria de metralhadoras, uma bateria de artilharia de montanha, um esquadrão de cavalaria, serviços de saúde, engenharia, administração militar, transportes e de etapas, e tendo por missão assegurar a obediência do gentio e vigiar a fronteira sul nos pontos importantes. A campanha foi organizada pelos Decretos de 18 e 20 de Agosto de 1914 (respectivamente O. E. nºs 19 e 20 – pp. 1212 e 1222), o efectivo total desta força expedicionária era de 61 oficiais, 1534 praças e 335 solípedes. O tenente-coronel do Corpo do Estado Maior Alves Roçadas era um oficial já experimentado e notabilizado no serviço das Colónias, pois tinha sido Governador do Distrito da Huíla e dominara os Cuamatos em 1907 – o que lhe havia valido a promoção a tenente-coronel por distinção, viria a ser promovido a coronel em 1915, e em 1918, foi graduado em general, para assumir, em França, o comando da 2.ª Divisão do C.E.P. (V. cap. XXVII, 2.º vol. p. 115). Cf. Coronel António Maria Freitas Soares, «A Campanha de Angola» in General Ferreira Martins (dir.), “Portugal na Grande Guerra”, Vol. 2, Lisboa, Editora Ática, 1934, pp. 193-205.

[11]  Alves Roçadas escreve no prólogo (25 de outubro de 1915) do “Relatório sobre as Operações no Sul de Angola em 1914” a este propósito, refere o seguinte: “…Tivemos em vista, embora sacrificando a concisão do presente trabalho, apresentarmos, não só aos nosso camaradas mas a todos os nosso concidadãos, uma narrativa das operações militares realizadas no Sul de Angola, no ano de 1914, emolduradas numa sucessão de factos que, quer pelo lado histórico, quer pelo militar, quer pelo lado politico e mesmo pelo lado internacional, constituem o mais belo testemunho do que tem sido a obra nacional deste pequeno mas glorioso pais que se chama Portugal; obra que representa uma verdadeira operação mundial, ininterrupta desde a origem da nossa nacionalidade até hoje, e sempre honesta, desinteressada e lial em prol do progresso e da liberdade…”, Lisboa, Imprensa Nacional, 1919.

[12]  No começo do ano de 1915 «beligerância não estava nitidamente declarada» embora a Província de Angola tivesse sido invadida por forças alemãs em 1914. Como consequência de Naulila e da retirada do tenente-coronel Alves Roçadas em finais desse ano, ficaram ao abandono, todos os postos da região Além-Cunene, originando a ocupação temporária dos alemães (antes da retirada para a Damaralândia) consequente sublevação do gentio que deu origem à campanha do general Pereira d’Eça, no comando das Tropas Expedicionárias ao Sul de Angola, que culminou em 20 de Agosto de 1915 com os combates da Môngua, na região dos Cuanhamas, contra a coligação dos povos do sul de Angola chefiados pelo soba Mandume. In, Coronel Emygdio Duarte Cadima, “Môngua 1915”, publicado na Revista Militar em Agosto/Setembro de 1958, pp. 433-466 e Capitão Zarco da Câmara, “Campanhas do Sul de Angola em 1915”, publicado na Revista Militar em Abril de 1940, pp. 226-242 e pp. 645-652.

[13]  O general Pereira de Eça tinha as seguintes intenções político-estratégicas e que se repercutiram na estratégia operacional montada para a maior operação militar desencadeada por Portugual, até essa época, em Angola: 1. Recuperação de todo o território abandonado e conjuntamente a reconquista directa do nosso prestígio sobre o gentio do Sul de Angola e indirecta sobre a população indígena de toda a Província; 2. Fazer face a qualquer investida dos alemães, ou mesmo penetrar no território, vingando o insucesso de Naulila, se a situação permitir adoptar, sem perigo, uma atitude ofensiva; 3. Simultaneamente preparar a ocupação do território Cuanhama e 4. Cooperar com os nossos aliados da África do Sul, se eles forçarem os alemães a dirigir-se para a nossa fronteira. Relatório do general Pereira de Eça, que no ponto 2 seria ajustado (para aprovação) em «fazer face a qualquer incursão no território da Província e defender a sua integridade e a honra da nação».

[14]  Em termos operacionais, era importante realizar a companha com urgência, pois as operações teriam de ser realizadas num reduzido espaço de tempo, pois deveriam estar terminadas antes do início da época das chuvas (setembro). Em segundo lugar existia também alguma urgência em que as operações tivessem bom êxito nesse ano de 1915, pois para o Portugal era absolutamente necessário que desaparecessem os efeitos da política alemã no sul da Província e se anulassem igualmente os efeitos causados na população indígena pelo insucesso da expedição do ano anterior. Era importante ainda obter a submissão completa dos Cuamatos – vencidos 7 anos antes (1907) de se manifestarem abertamente contra o domínio português após a retirada de Naulila e o consequente abandono de todos os Fortes do Cuamato e finalmente, garantir a ocupação da vasta região habitada pelo aguerrido povo Cuanhama, onde apenas os alemães tinham livre circulação, e comerciavam em grande escala, distribuindo armamento aos indígenas e fazendo a sua política contra a ocupação portuguesa do sul de Angola. Cf. Coronel Emygdio Duarte Cadima, “Môngua 1915”, Revista Militar, 1958, p. 435-466.

[15]  Para melhor se compreender os incidentes relacionados com o Cuanhamo, na sequência “…de uma vingança…” aos acontecimentos de 25 de setembro de 1904, onde a coluna do capitão de artilharia Pinto de Almeida na região de Cunéne foi praticamente, segundo o autor, “…quasi aniquilada…” (p. 8), recomendamos a leitura do livro “A questão do Cuanhama”, de Eduardo da Costa, Lisboa, Typographia Universal, 1906, disponível nos arquivos da Revista Militar.

[16]  Por iniciativa do governador-geral, a totalidade das forças metropolitanas, requisitadas e estacionadas a partir de 28 de março de 1915 no Sul da província, era de 5 batalhões de infantaria, 1 batalhão de marinha, 3 esquadrões de cavalaria, 5 baterias de artilharia montada, 3 de artilharia de montanha e 8 de metralhadoras. In, João Freire, “Olhares Europeus sobre Angola. Ocupação do território, operações militares, conhecimentos dos povos, projectos de modernização (1883-1918) ”, Edições Culturais da Marinha, Lisboa, 2011.

[17]  Sintetiza o autor nestes quatro pontos as principais aspectos do dispositivo militar existente em Angola no período da Grande Guerra, donde me permitem salientar (e acrescentar), os seguintes aspectos da estratégia militar portuguesa em Angola que contribuíram para as reflexões nacionais que conduziram à implementação da Portaria Provincial nº 34 de 16 de fevereiro de 1917 (relativa ao recrutamento) e mais tarde, o decreto-lei nº 19.220 de 9 de Janeiro de 1931, relativo aos aspectos da defesa militar de Angola, nomeadamente: A concentração de unidades, tipo companhias, em Fortes ou Presídios, resultante de uma exígua e pouco articulada ocupação do território, associado às dificuldades na mobilidade, matriz que vinha do século XVII, revelou-se insuficiente e contribuiu, em nossa opinião, para o incentivo à revolta das populações e para a incursão alemã a sul de Angola. O dispositivo militar assente em tropa negra, com poucos quadros e em que a tropa branca era de baixo valor ético, resultou na incapacidade para responder às situações de emergência na colónia, levando recorrentemente à criação de expedições militares vindas da Metrópole, costume que já vinha desde o século XVII e que teve a máxima expressão com o envio das “Tropas Expedicionárias ao Sul de Angola” comandadas pelo general Pereira d’Eça. E considera-se ainda as deficientes condições da instrução militar e do equipamento e armamento, mais nas unidades de base negra, a sua maioria (de 2ª linha que viriam a ser desactivadas) que impossibilitava uma adequada capacidade de fazer face a situações mais complexas de ocupação, como veio a acontecer. Conclui-se, em suma, pensarmos que Angola não representava uma prioridade e uma preocupação constante para a metrópole, que viu na participação militar no período da Grande Guerra, a par da presença no teatro de operações de França, lhe permitiu na Conferencia de Paz subsequente manter a posse dos territórios ultramarinos por mais umas décadas.   

[18]  Norton de Matos, governador de Angola [1912 –1915] reconduzido em 15 de Agosto de 1914 (cumpriu dois mandatos seguidos), teve uma importância no incremento das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias em Angola, procurando colmatar umas das maiores fragilidades (condicionamento) para a mobilidade, fazendo com que a dispersão das unidades pela colónia tornasse possível uma maior flexibilização e ajustamento do dispositivo quando necessário. Segundo o autor, teve um impacto directo na estratégia militar de Portugal para Angola no período inicial da Grande Guerra.

[19]  Esta ideia é reforçada por Armelle Enders, que refere «...Para ter hipótese de conservar as suas colónias, Portugal abandona a sua neutralidade em Abril de 1916 e alinha com os Aliados. Infelizmente, porém, para os Portugueses, o principal teatro de operações situa-se na África Oriental, onde os Britânicos desde 1914 que tropeçam na resistência obstinada do responsável militar do Leste africano alemão, Paulo von Lettow-Vorbeck (1870-1964). Assim que entram em guerra as tropas portuguesa atravessam o Rovuma, caminho que voltarão a fazer em sentindo inverso, alguns meses mais tarde, abandonando o seu material, prosseguidas por uma companhia Schutztruppe, De Novembro de 1917 a Setembro de 1918, vários colunas alemãs jogam às escondidas com as forças aliadas…». «…Por seu lado os, os Portuguese perdem tantos homens (cerca de 2000) nesta guerra africana, quantos os que morreram na frente europeia. Para os Africanos, o balanço das vítimas é, por vezes calculado em cerca de 130.000…», In “História da África Lusófona”, Editora Inquérito, 1977, p.71.

[20]  O autor faz uma clara alusão aos feitos e bravuras dos militares portugueses que nas campanhas de pacificação do sul de Angola tinham feito Escola e os Oficiais ganho uma experiência e bravura que tinha contribuído para o bom desempenho no teatro de operações europeu durante a Grande Guerra.

[21]  O Regulamento Provisório para o Recrutamento militar na Província de Angola (Portaria Provincial nº 34 de 16 de fevereiro de 1917) seria publicado na sequência do Regulamento para a Instrução na Guarnição Militar de Angola, aprovado e mandado pôr em execução por Portaria Provincial nº 21 de 22 de janeiro de 1917 (que pela sua relevância para melhor se compreender a estratégia militar adoptada por Portugal em Angola se reproduz no final do texto).

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Coronel

Luís Manuel Brás Bernardino

Diretor-gerente e Sócio efetivo da Revista Militar.

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