Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Reforma da Saúde Militar - Uma Intenção muitas vezes adiada
Doutor
Alberto Rodrigues Coelho
Em Dezembro de 2005, em entrevista ao Correio da Manhã, o então Ministro da Defesa Nacional, Dr Luís Amado afirmava:
 
“Vejo a reforma da Saúde Militar já nas actas do Conselho da Revolução de 1975. Os próprios militares referiam a necessidade de integrar os diferentes hospitais. 
O sector da Saúde Militar, tal como as ADM, exige uma reforma que não é diferente do que já se passa à nossa volta. Tenho observado o que outros países estão a fazer e constato que em Portugal, e em relação às famílias dos militares, ainda preservamos um conjunto de procedimentos que outras Forças Armadas já mudaram há muito tempo. Até por força de termos tido uma guerra em África durante muitos anos. Vamos reestruturar de forma a procurar reduzir custos, mas também a racionalização do sector. Temos hospitais militares do Exército, da Marinha e da Força Aérea; no futuro teremos apenas um Hospital das Forças Armadas, integrando os três que existem.”
 
O reconhecimento da necessidade de mudança da Saúde Militar não é de hoje. Particularmente na última década, na decorrência de directivas minis­teriais específicas, têm sido desenvolvidos estudos com vista à reestruturação da Saúde Militar.
 
Não obstante, e embora a reestruturação da Saúde Militar tenha vindo a ser sistematicamente reiterada em diversos Programas de Governo e Grandes Opções do Plano, facto é que não tem havido a correspondente tradução em resultados práticos. E por isso, nas Grandes Opções do Plano 2005-2009, Principais Linhas de Acção e Medidas em 2005-2006, o Capítulo respeitante à Política de Defesa Nacional inserido na 5.ª OPÇÃO - VALORIZAR O POSICIONAMENTO EXTERNO DE PORTUGAL E CONSTRUIR UMA POLÍTICA DE DEFESA ADEQUADA À MELHOR INSERÇÃO INTERNACIONAL, enuncia, uma vez mais, a propósito da Saúde Militar:
 
Em 2005/2006, no âmbito de uma concepção mais alargada de segurança e uma concepção mais integrada da política de defesa proceder-se-á a:
- Criação de um órgão coordenador para promover a articulação funcional, inter-ramos e com o SNS, do SSM;
- Avaliação externa do SSM em coordenação com os ramos das FA com o objectivo de identificar outras medidas prioritárias para o sector.
 
Naturalmente que, no Programa do XVII Governo Constitucional, está, também uma vez mais, inscrita a “Reforma do Sistema de Saúde Militar, de modo a assegurar a continuidade da qualidade dos serviços e garantindo articulação funcional e optimização de meios, em especial com o Serviço Nacional de Saúde, com serviços de guarnição e utilização comuns e especial atenção à medicina militar e à sua capacidade de participação em missões internacionais.”
 
A necessidade de reforma da Saúde Militar continua, pois, na ordem do dia. Porém, o frequente recurso a ideias feitas e a constatações generalistas, ainda que em alguns casos eventualmente verdadeiras, têm ajudado a dissimular inércias de uma realidade que por natureza não se auto-reformará.
 
Ao abordar a mudança em sistemas consolidados e fortemente normativos, não podemos esquecer o seu paradoxo fundamental - quem tem poder para mudar, já tem poder e não tem, portanto, o principal incentivo da mudança que é a conquista desse poder. Além do mais, quem tem poder para mudar, consciente ou inconscientemente, tem sempre o temor de que a mudança signifique a perda ou a erosão desse mesmo poder.
 
Esta circunstância reforça a imprescindibilidade de um rigoroso diagnóstico de forma a permitir a identificação dos problemas e suas causas, bem como as potencialidades, incluindo vontades e capacidades de mudança no interior das situações organizacionais ou de trabalho.
 
Trata-se de uma análise fundamental para a passagem a projectos e acções de mudança que pressupõem a fixação de objectivos, de acordo com as consequências indesejáveis detectadas e as expectativas de melhoria consideradas realizáveis e a identificação de medidas adequadas à sua concretização.
 
Outra questão que não pode deixar de ser tida em conta diz respeito à necessidade de sistemas de monitorização permanente, assentes em adequados sistemas de informação, em consonância com modelos concebidos e em evolução de acordo com as necessidades de avaliação e controlo, o que exige um maior enfoque na avaliação do estado da organização, quer porque se concentraram problemas, quer porque se torna útil ponderar desafios emergentes e, consequentemente, (re)formular estratégias.
 
É assim importante ter presente um conjunto de indicadores pertinentes, referentes às diferentes variáveis em análise, capazes de, entre outros aspectos, medir os custos, incluindo os chamados custos ocultos, decorrentes de um mau funcionamento que um sistema de informação comum não detecta.
 
De resto, também em consonância com alguns dos grandes objectivos estratégicos definidos no Programa do Governo para o biénio 2005-06, em matéria de saúde:
1. Reforçar os mecanismos de planeamento estratégico de recursos;
2. Reduzir a despesa dos sistemas de saúde.
 
 
Princípios Orientadores para o Sistema de Saúde Militar
 
Um modelo de Saúde Militar deve respeitar um conjunto de valores e princípios fundamentais, conciliando instrumentos de desburocratização, de agilização e melhor uso de recursos, com os valores que o sistema de Saúde Militar (SSM) deve defender.
 
Assim, o SSM deverá subordinar-se aos seguintes princípios:
1. Acção orientada sobretudo para assegurar a prontidão dos efectivos militares nos vários cenários de actuação;
2. Articulação com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e outras entidades no sentido da sua complementaridade de modo a garantir sempre uma resposta eficiente e eficaz;
3. Cooperação com organismos, estruturas e sistemas civis e militares, no âmbito da defesa, tanto a nível nacional como internacional;
4. Organização interna assente em modelos não rígidos e, em cada momento, adaptáveis às necessidades produtivas de cada área de actividade, com preocupações acrescidas de rentabilidade, controlo de custos e qualidade;
5. Garantia de obtenção de significativas mais valias em matéria de eficiência e, particularmente, de satisfação dos utentes e profissionais;
6. Exigência de uma progressiva interdisciplinaridade através do trabalho em equipa e do reconhecimento mútuo da multiplicidade de formações diferenciadas e grupos profissionais envolvidos;
7. Racionalização e optimização dos recursos existentes através de um sistema integrado de gestão;
8. Responsabilização dos gestores, impedindo a transformação da gestão numa rotina sem objectivos, sem motivação e, por isso, necessari­amente desresponsabilizada;
9. Acompanhamento e avaliação sistemática do SSM;
10. Capacidade e sentido de mudança sustentada por uma massa crítica passível de ser mobilizada para apoiar e desenvolver projectos ino­vadores.
 
 
Algumas Medidas para o Sistema de Saúde Militar
 
A verdadeira razão de ser da Saúde Militar assenta na sua componente operacional, a qual visa a garantia das condições físicas e psíquicas dos efectivos militares, em particular no apoio às forças em operações ou em campanha.
 
Na vertente de prestação de cuidados de saúde primários, a Saúde Militar tem por finalidade não só a promoção e manutenção da saúde física e mental dos efectivos militares, como também a sua protecção dos riscos resultantes de factores adversos para a saúde, e ainda, a sua adaptação ao ambiente físico e psicológico característico do meio militar, de forma a permitir uma boa interface homem/máquina.
 
Integra ainda o SSM a componente de prestação de cuidados de saúde diferenciados, que se tem limitado a assegurar a prestação de cuidados de saúde hospitalares. Se a existência deste nível de cuidados de saúde pode ser questionada enquanto componente da saúde militar, quer por critérios de pertinência e coerência com a missão quer por razões de racionalização de custos, é verdade também que outras vertentes essenciais não parecem ter sido devidamente equacionadas: (1) promover a introdução das inovações tecnológicas que se revelem custo-efectivas; (2) apoiar a investigação; (3) avaliar a qualidade dos cuidados; (4) assegurar o aperfeiçoamento dos níveis técnicos dos seus profissionais e (5) procurar soluções alternativas à clássica hospitalização.
 
As medidas a seguir sugeridas foram agrupadas em três níveis - estratégico, táctico e operacional, - pese embora considerando que, aos níveis táctico e operacional, só um diagnóstico rigoroso da situação permite enunciar me­didas concretas de forma sustentada e credível.
 
(1) Ao nível estratégico
1.  Definição das componentes que integram o Sistema de Saúde Militar:
- Apenas a componente operacional; ou
- A componente operacional e a componente de prestação de cuidados de saúde primários; ou
- A componente operacional mais as componentes de prestação de cuidados de saúde primários e de prestação de cuidados de saúde diferenciados (situação actual).
 
(2) Ao nível táctico
2.  Definição dos utentes do SSM;
3.  Definição de um modelo de formação para os diferentes grupos profissionais de saúde do SSM;
4.  Implementação de um modelo da qualidade;
5.  Aproveitamento integral da capacidade do SSM, considerando, quando justificado, a sua articulação com outras entidades.
 
(3) Ao nível operacional
1.  Redução da duplicação de valências, sem prejuízo de salvaguarda da capacidade de resposta à missão do SSM nos diferentes cenários de actuação previsíveis;
2.  Revisão da localização das unidades de saúde, considerando, por um lado, a previsível distribuição dos utentes, e, por outro, o recurso a novas tecnologias que reduzam os inconvenientes da dispersão e potenciem a exploração plena das capacidades disponíveis;
3.  Harmonização da formação dos diferentes profissionais de saúde do SSM, nas suas várias vertentes;
4.  Racionalização do abastecimento de material de saúde e produtos farmacêuticos, considerando a sua integração no Sistema Integrado de Gestão.
 
 
A Finalizar
 
Gostaria de terminar dizendo que considero a Saúde Militar essencial ao funcionamento e eficácia do sistema de forças. No entanto, é indispensável levar a cabo a sua reforma, tantas vezes adiada.
 
Não se escamoteiem os problemas e não se iludam as questões de modo a evitar que se opere a mudança para que tudo fique na mesma.
 
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*      Director-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar do Ministério da Defesa Nacional.
 
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2006-10-21
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by CMG Armando Dias Correia