Nº 2599/2600 - Agosto/Setembro de 2018
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Deterrence no século XXI. Desafios para a estratégia contemporânea
Tenente-coronel
João Manuel Pinto Correia

Introdução

A deterrence é uma palavra que provém do latim deterre, cujo significado é assustar ou afastar, algo que podemos ver materializado nas descrições da Guerra do Peloponeso de Tucídides ou na obra “Leviatã” de Thomas Hobbes.

Como conceito, a deterrence desenvolveu-se antes da Segunda Guerra Mundial (IIGM) por teorizadores do poder aéreo[1]. Foi, porém, na década de 1950 e do advento das armas nucleares, em particular da bomba de hidrogénio, que a deterrence adquiriu um sentido instrumental que induzia a cautela face a uma ameaça de punição. A comunicação desta capacidade foi essencial para por termo à Guerra da Coreia, em 1953, após cerca de dois anos de impasse (Leffler e Westad, 2010, p. 382).

Se recuperarmos um excerto do filme “Dr. Strangelove”[2], de Stanley Kubrick, de 1974, vemos que a deterrence é “a arte de produzir na mente de um inimigo o medo de um ataque”. O termo “medo” remete-nos para uma perceção negativa que, na Guerra Fria, era construída com base num conjunto de princípios, também designados por “três C’s” – Capacidade, Credibilidade e Comunicação – assentes num denominador comum definido pela racionalidade e pela intenção para materializar uma ameaça, caso uma linha vermelha, entretanto fixada, fosse transgredida. Certamente recordamos a crise dos mísseis de Cuba de 1962 e a posterior necessidade de Kennedy e Khrushchev estabelecerem uma linha direta de comunicação para se evitar a ascensão aos extremos de uma guerra nuclear.

A deterrence assumiu-se como o “conceito mestre” da Guerra Fria e, embora pudesse basear-se também em meios convencionais, foi a dimensão nuclear e os seus potenciais efeitos que mais desafiaram a postura político-estratégica dos blocos em confronto. O peso das armas nucleares rotulou este período bipolar como a Primeira Era Nuclear e trouxe os Estudos Estratégicos para o seu período de ouro, de onde emergiram nomes como Schelling, que teorizou sobre a “diplomacia da violência”. O termo “diplomacia” pressupõe um interesse em evitar o conflito recorrendo à coerção[3].

Com o fim da Guerra Fria, os EUA emergiram como a única superpotência mundial e advogou-se mesmo o fim da história! Porém, em resultado do aprofundamento da globalização, o ambiente estratégico sofreu uma “transformação sísmica”, que não só facilitou o aparecimento de atores não-estatais e incrementou a proliferação nuclear como atentou contra o equilíbrio do sistema unipolar que emergira. Transitaram para o século XXI sintomas de incapacidade da Comunidade Internacional (CI), que não foi capaz de conter a nuclearização da Índia e do Paquistão, em 1998, e que, logo em 2001, se iria confrontar com o 11 de setembro.

O ataque às torres gémeas fez despertar o mundo para uma realidade bem mais complexa, onde se observam dinâmicas interdependentes e geradoras de mutações que se propagam à escala global. Mas não só! O século XXI confrontou-nos também com uma evolução tecnológica galopante, com informação em quantidade, com a Doutrina Bush e o abandono pelos EUA do Tratado de Defesa Antimíssil (ABM)[4], com o ressurgimento da Rússia de V. Putin, com o aparecimento da China, com a saída da Coreia do Norte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, com o acesso a novos espaços e com uma miríade de novos riscos e ameaças de cariz disruptivo e transnacional. O momento unipolar pós-Guerra Fria parecia ter sido transitório, cedendo o lugar a um ambiente difuso e ao início de uma Segunda Era Nuclear. Tal constatação impõem uma reavaliação da deterrence[5] e dos seus princípios: os “três C’s” herdados da Guerra Fria; e outros dois princípios trazidos da análise de uma vasta literatura contemporânea – a Estabilidade, pela possibilidade de atores não-estatais ou estados frágeis possuírem, ou virem a possuir, capacidade nuclear; e o Interesse Geopolítico (móbil), pelo peso que a geografia tem nas atuais dinâmicas de poder.

Esta temática reveste-se, portanto, de uma grande pertinência e atualidade. Pertinência, porque trata de aspetos que têm colhido grande relevância securitária[6]. Atualidade[7], porque assistimos a um processo de proliferação nuclear em curso, que continua a desafiar as imensas fragilidades da CI e que, ao expandir o campo das possibilidades de emprego de estratégias assimétricas, expõe o mundo a um perigo incalculável. Quantas linhas diretas serão necessárias, hoje e no futuro, para evitar crises como a dos mísseis de Cuba? A tudo isso, a estratégia contemporânea não pode ser indiferente.

Pretende-se, assim, neste artigo, avaliar os princípios de base da deterrence em confronto com as dinâmicas do século XXI e identificar desafios para a estratégia contemporânea. Desta forma, procuraremos responder a três questões: (1) Qual a validade dos princípios de base que caracterizam a deterrence no século XXI? (2) Estamos na presença de um novo paradigma? (3) Que desafios se colocam à estratégia contemporânea?

A resposta a estas questões e a melhor compreensão deste artigo implicam um olhar de relance para alguns conceitos. Começamos por destacar que a deterrence é uma das quatro[8] dimensões de coação num quadro amplo de dissuasão. A deterrence é a forma punitiva[9] da dissuasão e tem como objetivo convencer um adversário a não desencadear uma ação face a uma ameaça de punição caso isso ocorra (don’t you dare, or else / esta é a linha vermelha). Um exemplo de deterrence foi materializado em 19 de setembro de 2017 pelo Presidente dos EUA, D. Trump, na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), quando ameaçou destruir a Coreia do Norte, caso esta atentasse contra os norte-americanos e os seus aliados. Ao expandir a sua proteção aos aliados, Trump remeteu a deterrence central para a sua versão alargada[10]. A deterrence é geral ao regular a relação e o equilíbrio de poder com um adversário num período de tempo. É imediata quando este equilíbrio é colocado em causa e se equaciona um ataque e uma eventual retaliação (Morgan, 1977, pp. 28-29).

Propomos dividir este artigo em duas partes: uma primeira, que abarca as dinâmicas do século XXI em confronto com os princípios da deterrence, Credibilidade, Capacidade, Comunicação, Estabilidade e Interesse Geopolítico, cuja validade iremos questionar; e uma segunda, que aponta os principais desafios da deterrence para a estratégia contemporânea.

 

 

1. Das dinâmicas do século XXI e dos princípios da deterrence

1.1. Da Credibilidade

A Credibilidade, assenta num continuum de ações do passado que dão valor à ameaça, embora parte ou a totalidade destas (ações) possam ter sido observadas em circunstâncias e com atores diferentes. O grande desafio à credibilidade dá-se na dissuasão alargada no que respeita a atores estatais e, de uma forma geral, face a atores não-estatais.

Para Sagan e Waltz (1995), o comportamento de um ator (desafiador) que demonstre pouca prudência ou ponderação com os interesses vitais de outro torna credíveis as ameaças deste último. Interesses secundários ou principais estão conotados com uma menor credibilidade das ameaças. A credibilidade está intimamente ligada com a capacidade. É a capacidade de materializar as ameaças que sustenta a credibilidade. Esta deve também ser observada numa perspetiva mais alargada. Hoje, assiste-se a uma maior postura de desafio por parte de atores estatais no desenvolvimento de arsenais pois, no passado, muitas promessas, realizadas pelas grandes potências, num quadro de influência e/ou persuasão, não foram cumpridas. Vejamos dois exemplos: (1) Em 1 de junho de 1996, a Ucrânia entregou as últimas 1900 ogivas nucleares à Rússia no âmbito do Tratado de Budapeste[11]. Cerca de duas décadas depois, algumas fontes referem que a anexação da Crimeia foi uma violação[12] desse mesmo Tratado; (2) O mesmo se passou com a Líbia de M. Kadhafi, quando este procurou desenvolver um programa nuclear. As promessas de proteção e pressões do Ocidente, levaram-no a abandonar o programa de desenvolvimento de armas químicas e nucleares, o que viria a ser fatal para a sobrevivência do regime, tendo conduzido, inclusive, à morte do ditador[13].

Podemos questionar se estes dois desfechos teriam ocorrido, caso ambos os estados (Ucrânia e Líbia) possuíssem capacidade nuclear. Se revisitarmos a crise da Coreia podemos tentar perceber porque é que um regime autoritário como o norte-coreano procura insistentemente obter uma capacidade nuclear. Muitos autores e analistas têm defendido que Kim Jong-un vê nessa capacidade a sua sobrevivência[14]. Mas, não estaria essa sobrevivência assegurada com a aliança que a Coreia do Norte mantém com a vizinha China? A resposta é “não”, por duas razões. Em primeiro lugar, porque não existem alianças eternas, como a história facilmente demonstra. A segunda razão assenta na postura chinesa de neutralidade face a uma iniciativa norte-coreana na crise que a opõe aos EUA. A China somente interviria em apoio da Coreia do Norte caso os EUA tomassem a iniciativa. Em síntese, temos aqui um princípio realista claro de auto-preservação. Ou seja, Kim Jong-un sabe que, no limite, apenas pode contar consigo. Surge, portanto, mais uma questão: até que ponto a falta de credibilidade dos estados face aos factos expostos coloca em causa a credibilidade americana perante os seus aliados Japão e Coreia do Sul, a quem os EUA se comprometeram a proteger no quadro dos Tratados de Defesa Mútua[15]?

O ataque dos EUA a uma base da Síria, em abril de 2017, de onde, alegadamente, saíram as aeronaves sírias para lançarem o ataque químico com gás sarin em Idlib, terá sido uma tentativa americana para restabelecer a credibilidade posta em causa em agosto de 2013[16], quando Assad recorreu a armas químicas, perto de Damasco, desafiando, sem qualquer consequência, uma “linha vermelha” definida por Obama no ano anterior. É certo que, à data, Putin[17] se comprometeu em desmantelar o programa de armas químicas da Síria. Ao fazer esta concessão, Obama expôs-se, pois, a “linha vermelha” por si definida não deixou de ser transposta. Percebe-se também o porquê de, quatro anos depois, a Rússia ter negado a utilização de armas químicas em Idlib pelo regime de Assad. É que, sendo verdade, também a promessa de Putin a Obama se traduziu em deceção, expondo a Rússia. Por aqui se vê que é mais credível assegurar a deterrence central do que a alargada, uma vez que é mais difícil para um estado com a capacidade de deterrence arriscar uma guerra para proteger um aliado.

 

1.2. Da Capacidade

A Capacidade pretende demonstrar se o sujeito da deterrence possui instrumentos para materializar uma ameaça. Os estados podem, no entanto, dissimular ações ameaçadoras que exigem capacidades que não possuem ou reivindicando capacidades que também não possuem. No século XXI, as capacidades que enformam a deterrence envolvem vários instrumentos de poder como o económico, o diplomático e, em última instância, o militar. A invasão da Crimeia pela Rússia e, mais recentemente, a crise na Coreia do Norte deram-nos a conhecer o peso dos instrumentos diplomático e económico, de que resultaram condenações internacionais, encerramento de representações diplomáticas e sanções económicas. Porém, ainda que as crises não devam ultrapassar o patamar destes dois instrumentos, o que é facto é que o século XXI nos colocou em mais um paradoxo. Ou seja, por um lado, a deterrence é, hoje, apenas uma componente de uma estratégia total, quando na Guerra Fria era a estratégia per se. Por outro lado, a globalização, caraterística do século XXI, transforma, ela própria, em ineficazes, os instrumentos que reivindica como alternativos à ameaça militar. Putin tinha razão quando, após a última aplicação de sanções à Coreia do Norte, no início de setembro de 2017, referiu que não surtiriam efeito[18]. Mas há também um fundo de verdade que se mantém desde a Guerra Fria. É que as sanções impostas pelos EUA à Rússia em resultado da invasão da Crimeia não abrangiam, por exemplo, a tecnologia espacial[19], necessária ao programa espacial dos EUA. Esta postura faz-nos recordar o famoso Byrd Amendment que excluía a venda de crómio das sanções aplicadas à Rodésia de Ian Smith (atual Zimbábue), logo após a sua Declaração Unilateral de Independência, em 1965[20]. Ou seja, as fragilidades reveladas na aplicação dos instrumentos diplomático e económico retiram credibilidade ao ato, levando à necessidade de expor o instrumento militar.

Numa entrevista recente de V. Putin a Oliver Stone, o presidente russo referiu que ninguém seria capaz de sobreviver se ocorresse uma guerra entre a Rússia e os EUA[21]. Esta observação demonstra uma consciência clara das capacidades de ambos os países. Hoje, no patamar dos mais desenvolvidos e capazes, destacam-se os EUA, a China e a Rússia, os três principais competidores[22] militares globais com tríades nucleares[23] de primeira linha que combinam: forças nucleares e não-nucleares ofensivas; sistemas de defesa ativos e passivos; e infraestruturas de proteção. No centro desta tríade, adjetivada como “nova” face à Guerra Fria, encontra-se um sistema de comando, controlo, informações e planeamento[24].

Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (2017), em 2016, estas três potências alocaram para a defesa 3,3%, 1,9% e 4,1% do seu Produto Interno Bruto, respetivamente[25]. Ocuparam ainda os três primeiros lugares, e por esta ordem, entre os países que mais investiram em defesa, o que se reflete em programas ambiciosos de modernização dos seus arsenais nucleares, convencionais, cibernéticos e espaciais[26]. No caso particular dos EUA, a modernização do programa nuclear suplanta os 900 mil milhões de dólares[27].

No quadro do princípio Capacidade, destacam-se dois domínios relativamente “invisíveis”, mas determinantes para a deterrence: o cibernético e o espacial. Ao nível espacial, os EUA, a Rússia e a China[28] têm programas de exploração do espaço ambiciosos, incluindo sistemas de navegação independentes e com cobertura praticamente global. A este propósito, são várias as referências as armas antissatélite, a estratégias de counter-space e a literatura que conota este domínio como “fantasma” (ghost fleet – frota fantasma)[29].

No contexto das três potências, todos os domínios têm sido apresentados e testados em demonstrações de força[30], nomeadamente através da distribuição de bases militares pelo mundo (onde os EUA dominam), em paradas militares[31], em movimentação de forças, em testes nucleares e de sistemas de defesa antimíssil (SDA)[32] e em exercícios, entre outros.

Uma palavra final para de referência à crise da Península da Coreia e que versa sobre a Capacidade. A Coreia do Sul é “prisioneira da geografia” e Kim Jung-un, o líder norte-coreano, sabe disso ao posicionar milhares de peças da sua artilharia junto ao paralelo 38. É extremamente difícil anular a artilharia norte-coreana, seja pela quantidade, seja pela inexistência de sistemas eletrónicos vulneráveis às medidas de guerra eletrónica. Nada evitaria uma catástrofe sobre Seul. No entanto, ter somente capacidade convencional não permite a Kim Jung-un depender somente de si contra um adversário maior!

 

1.3. Da Comunicação

A Comunicação reside na capacidade de um ator transmitir as suas ameaças ou condições. Se um desafiador não tem conhecimento que uma ação não é permitida, não pode ser dissuadido de tomar essa ação. A “transmissão de uma ameaça” pode não ser intencional. Ou seja, pode ocorrer sem se pretender que seja interpretada de tal forma. Dão-se como exemplos: o abandono do Tratado de Não-Proliferação Nuclear pela Coreia do Norte e do Tratado de Defesa Antimíssil por parte de Bush, já referidos. Para os principais competidores americanos, nomeadamente a Rússia e a China, esta atitude americana foi encarada como uma ameaça, levando a uma nova era entre estes três atores. O processo de “capacitação” militar multi-domain, que daí adveio, resultou na procura de um reequilíbrio do sistema[33].

Ter capacidade para magoar, mas que não é comunicada através dos melhores canais, ou porque o emissor é pouco claro ou ainda porque o recetor não está bem definido, limita o alcance da “diplomacia da violência”. Há até o risco de um agente da deterrence ficar descredibilizado por um limite ter sido ultrapassado sem que daí tenha resultado uma consequência, quando o que pode ter falhado foi a comunicação. Por outro lado, sem uma comunicação clara podem surgir interpretações erradas conducentes a tomadas de posição extremadas (brink) e a eventuais ações preemptivas, ou seja, uma falha da deterrence.

Se efetuarmos uma pesquisa no Google com as palavras “brink”, “U.S.” e “North Korea” encontramos mais de dois milhões de resultados. Encontramos também referências à comunicação “direta” entre os EUA e a Coreia do Norte, segundo palavras do Secretário de Estado Rex Tillerson[34]. Outras notícias dão-nos conta do pedido de ajuda da Coreia do Norte para poder compreender as palavras de Trump[35]. Porém, em 19 de setembro de 2017, o presidente dos EUA proferiu um discurso na AGNU perante os mais de 190 países. Foi um momento ímpar e que ficará na história, porque, a partir daquele palco global, sem existência de barreiras entre o emissor e o recetor, o representante da maior potência mundial dirigiu uma séria ameaça à Coreia do Norte referindo que os EUA “(…) tinham uma grande capacidade e, SE tivessem que se proteger, a si e aos seus aliados, não teriam outra hipótese senão destruir a Coreia do Norte”[36]. Trump falou em capacidade, destacou o papel da assurance ao referir-se aos seus aliados colocando-os no quadro de uma deterrence alargada. Numa tentativa de avaliação da credibilidade desta mensagem, destacamos o elemento condicional “…SE…”, que se traduz num género de “dar a ação ao inimigo”, a Coreia do Norte, esperando desta uma iniciativa que, a ser cinética, resultaria numa retaliação. Resulta desta mensagem de Trump uma concessão, a de posse de armas nucleares por um rogue state (estado desalinhado). Em consequência, nesta fase do conflito podemos concluir que houve uma falha da deterrence geral. Ou seja, os instrumentos de influência, de persuasão e de coerção falharam, pois a perceção de probabilidade de uma punição e o custo associado não foram suficientemente dissuasores para impedir que a Coreia do Norte chegasse a este patamar. A deterrence destina-se agora a demover a Coreia do Norte de atacar os EUA ou os seus aliados, como Trump referiu no seu discurso.

Mas, e se forem atores não-estatais, mais propriamente terroristas, a desafiarem a ordem internacional? Que acontecerá à deterrence? Ao nível da comunicação, será extremamente difícil alcançar resultados totalmente dissuasores com atores não-estatais, pois, não obstante a demonstração de capacidade, visível através de numa maior presença militar nas ruas, ou associada à projeção de forças para teatros dominados pelo terrorismo[37], há por parte dos terroristas uma capacidade de first strike sem que desta ação resulte objetivamente uma ação de retaliação atendendo às caraterísticas complexas de tais grupos.

Um outro domínio preponderante na comunicação é o cibernético, seja pela afetação exponencial que confere aos instrumentos da deterrence, seja pela surpresa, inerente ao seu cariz virtual, ou pela incerteza quanto ao emissor, ao permitir-lhe recolher perceções e, se necessário, reajustar a estratégia. Vejam-se as ações que ocorreram em Talin, na Estónia, em 2007, e no Irão, em 2009. Podem estas sinalizações[38] ser atribuídas a uma entidade, estatal, ou não-estatal? Trata-se de um ato de guerra? Como podemos interpretar esta ação no quadro amplo da dissuasão? A comunicação de uma capacidade cibernética ofensiva implica abdicar dos princípios da surpresa e da incerteza. Porém, pode conduzir a ações retaliatórias desmedidas ou até indesejáveis dada a dificuldade de identificação do emissor.

Em síntese, estabelecer linhas de comunicação diretas como a da Crise dos Mísseis de Cuba, será um processo muito difícil pela tipologia de atores e pelas caraterísticas dos meios envolvidos.

 

1.4. Da Estabilidade

A Estabilidade está relacionada com a vulnerabilidade a que os atores estão expostos, seja por ausência de capacidades ofensivas ou de sobrevivência, seja pela putativa instabilidade interna ou regional. Para esta instabilidade contribui um novo quadro de ameaças que emanam da mistura de estados frágeis com atores não-estatais, particularmente grupos terroristas, e do acesso fácil à tecnologia. Estas ameaças, que se assumem pela desterritorialização, transnacionalidade, interdependência e impacto global, exponenciam a proliferação de Armas de Destruição em Massa (ADM), geram instabilidade no Sistema Político Internacional (SPI) e expõem os princípios já referidos.

Neste contexto, assistimos a uma deterrence complexa num sistema de multinível, que inclui: (1) grandes potências nucleares; (2) novas potências nucleares; (3) grandes potências nucleares e potências regionais com capacidade ADM; (4) estados nucleares e atores não-estatais; e (5) atores coletivos com capacidade nuclear e outros atores (Paul, 2009, pp. 9-18). Assim:

(1) No caso da deterrence entre grandes potências nucleares, a procura de capacidades defensivas (e.g.: SDA) e ofensivas (e.g.: militarização do espaço)[39] sugere que a deterrence se tornará multi-domínio e, portanto, mais complexa. Se uma grande potência obtiver uma vantagem na designada Revolução dos Assuntos Militares poderá sentir-se tentada a quebrar com as restrições impostas pela paridade;

(2) Relativamente à deterrence entre novas potências nucleares, como a Índia e o Paquistão, ou, no futuro, entre Israel e o Irão, ou entre a Coreia do Norte[40] e o Japão, a ausência de diálogo político, a probabilidade de cálculos militares errados, as diferenças culturais e os ressentimentos históricos podem prejudicar a comunicação numa crise. Estes aspetos não revelam a estabilidade que é característica dos atores nucleares. O Paquistão é também um exemplo de como a volatilidade interna poderá externalizar-se e colocar em causa o princípio da estabilidade;

(3) Em relação à deterrence entre grandes potências nucleares e potências regionais com capacidade ADM (como a Síria e o Irão), os estados nucleares (como Israel) reservam-se no direito de responder com armas nucleares, caso seja materializada uma ameaça com armas químicas ou biológicas. Mas, será que um ator disposto a aceitar riscos não desafiará as capacidades de deterrence de potências mais fortes sob certas circunstâncias? A Coreia do Norte tem provado que a deterrence assimétrica é possível, através da comunicação de capacidades convencionais grandes e nucleares limitadas, como sendo capazes de causar uma destruição inaceitável no Japão e na Coreia do Sul. A expectativa dos estados regionais que tentam adquirir ADM é de que não serão facilmente suscetíveis a uma intervenção coerciva, especialmente a ataques destinados a depor regimes não-democráticos;

(4) Quanto à deterrence entre estados nucleares e atores não-estatais[41], entramos num patamar de complexidade elevado porque atores terroristas como a Al Qaeda não são passíveis de retaliação, pois, tendencialmente, não se lhes conhecem as infraestruturas como a do ator estatal. Ademais, estes grupos operam em estados frágeis com fraca capacidade do estado central para controlar a situação. A incapacidade de retaliação coloca em causa a credibilidade do agente da deterrence. O mesmo se passa com a comunicação, pois as capacidades e as intenções deste tipo de atores são desconhecidas ou difusas[42];

(5) Finalmente, destaca-se a deterrence entre atores coletivos com capacidade nuclear e outros atores. Neste caso, há uma propensão para que estados relevantes cedam à deterrence para evitarem consequências exponenciadas no quadro de uma organização internacional. Porém, a deterrence coletiva deve atender à diversidade de atores da organização, sendo, por vezes, condicionada por políticas internas e restrições económicas dos membros, bem como pelas consequências de uma hipotética intervenção. Estes aspetos são um desafio à credibilidade, à coesão e à estabilidade dos atores coletivos. O que aconteceria à estabilidade da NATO, se numa hipotética ação hostil da Coreia do Norte contra os EUA estes invocassem o Artigo 5º do Tratado?

Em síntese, caso nada seja feito, a proliferação nuclear horizontal será um problema sério por três razões. A primeira, pela legitimação que uma Coreia do Norte nuclear confere a estados como o Irão[43]. A segunda, pelo medo que a existência destes estados com capacidades nucleares pode gerar noutros que são seus vizinhos e inimigos: Japão, Coreia do Sul[44], Arábia Saudita e Israel. Passaríamos a ter um Hemisfério Norte nuclearizado com uma concentração de potências nucleares em duas regiões altamente estratégicas para o mundo: o espaço Ásia-Pacífico e o Médio Oriente. E, finalmente, pela maior probabilidade de atores não-estatais poderem obter estes meios. Seria um mergulho da CI na incerteza!

 

1.5. Do Interesse Geopolítico

Para José Fernandes (2017), a geopolítica[45] está de regresso. Só podemos concordar, antevendo as dinâmicas de poder que surgirão em redor da evolução tecnológica, das alterações climáticas e da escassez de recursos, entre outros. A maximização de poder sempre foi um denominador comum nas Relações Internacionais, seja num quadro estatal, ou não-estatal. Esta lente permite-nos perceber: (1) o efeito de um Plano Marshall à escala económica e geopolítica; (2) a NATO como instrumento de política externa; (3) o Plano One Belt One Road[46], como instrumento do soft power chinês no plano euroasiático; (4) as mais recentes manobras de “angariação” de aliados no Médio Oriente, onde observámos a Arábia Saudita, o Irão e a Turquia (membro da NATO) a negociarem sistemas de defesa antimíssil com a Rússia que, por sua vez, tem procurado projetar o seu poder energético para a Europa[47]; (5) a mudança de foco dos EUA do espaço euro-atlântico para o espaço Ásia-Pacífico, onde, em 2016, o número de bilionários passou a ser o maior do globo[48].

Vários indicadores evidenciam que, com a entrada no século XXI, a segurança global se entrelaçou na segurança regional do Médio Oriente e da Ásia, um tabuleiro explosivo onde se concentra a maior densidade de potências nucleares (Israel, Paquistão, Rússia, Índia, China e, mais recentemente, a Coreia do Norte). A geopolítica leva também à conquista e à competição pelos novos espaços, com destaque para o Ártico, para as várias camadas da atmosfera e os oceanos na sua profundidade. A ausência de um quadro legal consistente permite que muitos global commons sejam transformados em território de alguém.

No caso do Ártico, a Rússia tem sido o ator mais ativo, tendo inclusivamente definido, em 2008, uma estratégia para que esta região se tornasse uma base estratégica de recursos num horizonte 2020[49]. Em consequência, tem-se assistido a uma militarização deste espaço através da construção de bases militares russas[50], o que se constitui como uma manobra de expansão geopolítica que controla recursos, rotas de passagem e, além disso, nega acessos e permite ganhos de profundidade estratégica (Wezeman, 2016, pp. 13-16). Nestes espaços podem inclusivamente instalar-se os SDA, o que são uma ameaça à deterrence americana nesta região. A perceção russa da deterrence do Ocidente assenta no princípio de uma Rússia ativa e um Ocidente reativo, de contenção e de prudência, com receio que os seus atos denunciem que continua a ver a Rússia como um inimigo tradicional. Adicionalmente, a Rússia procura tomar partido da não-justificação, ou justificação plausível, de determinadas ações tomadas pelos EUA/NATO na Europa que, em teoria, são para se defenderem do inimigo de Leste. Dá-se como exemplo a aceitação pelo Irão em não desenvolver capacidade nuclear bélica, o que levou a que Putin questionasse, em 2016, o “porquê dos EUA continuarem a querer um SDA instalado na Roménia?”[51] A justificação americana havia sido atribuída à ameaça que o Irão representava. Ora, se o Irão deixara de ser uma ameaça, porquê manter o sistema antimíssil? Para Putin, a ausência de uma resposta denunciava que o Ocidente estava a mentir. Em consequência, a Rússia vê nestas atitudes do Ocidente como que um diferimento tácito à sua postura mais desafiadora, como se vê no Ártico e na Ucrânia.

Uma atitude idêntica à russa de ocupação de espaços está a ser levada a cabo pela China, através da construção de ilhas artificiais no mar do Sul. Trata-se de uma manobra de expansão e de projeção de poder que terá fortes impactos no comércio mundial. Além disso, estas ilhas estão a ser também militarizadas[52].

A exploração da atmosfera nas suas várias camadas marca uma distinção clara entre os mais e os menos capazes. Apenas países como a China, a Rússia[53], os EUA, e talvez a Índia, terão possibilidade de aceder a esta dimensão e de a explorar, ofensiva ou defensivamente. Quanto aos oceanos, também aqui teremos desenvolvimentos, nomeadamente através da exploração de novos sistemas de armas. Como temos observado na crise entre a Coreia do Norte e os EUA, os submarinos têm-se assumido como uma arma estratégica, dada a sua capacidade altamente dissuasora. A exploração em profundidade, no que concerne à navegabilidade destes meios, tenderá a ser dinamizadora de vantagem estratégica em complemento com outras dimensões, sistemas de armas[54], ou isoladamente.

Em síntese, a eficácia da deterrence do século XXI será condicionada pela erosão dos princípios “Credibilidade” e “Comunicação” que acabam por diminuir o peso do princípio “Capacidade”. Estes três princípios ficam ainda mais expostos em situações de ausência de “Estabilidade” e em resultado das dinâmicas e dos “Interesses Geopolíticos”.

 

 

2. Um novo paradigma?

Numa tentativa de resposta, podemos constatar duas coisas. A primeira é que talvez não vivamos numa Nova Era Nuclear, mas sim numa Desordem Nuclear, como a classificou Stephen Cimbala (2015). A segunda é que que NÃO estamos na presença de um novo paradigma por várias ordens de razão. Em primeiro lugar, porque o atual paradigma, que configura a atual Desordem Nuclear, ainda não está maturado[55] nas suas várias dimensões. Os critérios de sucesso da deterrence ainda não estão corretamente definidos ou caraterizados, em resultado da erosão dos seus princípios de funcionamento. Além disso, se na Guerra Fria o paradigma da deterrence passou por um período de 25 anos de maturação[56], como poderemos pretender, num ambiente estratégico mais complexo, interdependente, não-linear e aleatório, ter a ousadia de avançar com um novo paradigma? Em segundo lugar, porque o atual SPI tem uma estrutura que tende a ser multipolar com atores estatais e não-estatais. Face a estes últimos, apenas podemos esboçar uma hipotética validação dos princípios da deterrence e pressupor que agem de forma racional. Em terceiro lugar, porque, a deterrence passou a incluir-se num quadro mais amplo, onde coexistem outros instrumentos de poder. Ao nível militar, a sua operacionalização inclui vários domínios: o convencional; o nuclear (estratégico); o cibernético e o espacial[57]. Estes últimos dois tipos conotam a deterrence com um certo grau de virtualização (ou não-mensurabilidade).

Desta forma, a deterrence no século XXI é multi-vetorial[58]. Pode ser classificada em seis vetores. Ou seja: (1) é multidirecional (ou multi-player), pois passou a direcionar-se para um conjunto amplo de atores, e numa versão de “todos contra todos”[59]; (2) é multi-domínio[60] (ou vertical), porque inclui os vários ambientes de batalha (terra mar, ar, ciberespaço e espaço) onde operam os vários instrumentos militares (naval, terrestre, aéreo, cibernético, nuclear e espacial); (3) é multi-agência (ou horizontal), que decorre da inclusão de outros instrumentos de poder, particularmente o diplomático e o económico, e aos quais se podem juntar entidades não-governamentais; (4) é multi-simétrica, pois ocorre entre atores com poder simétrico (EUA e Rússia ou Índia e Paquistão) e entre atores com assimetria de capacidades (EUA e Coreia do Norte ou entre EUA e grupos terroristas com capacidade ADM); (5) é multinível, no que respeita à tipologia de atores, estatais e não-estatais; e (6) é multi-temporal, porque, em resultado das dinâmicas aceleradas, terá que atender às circunstâncias estratégicas atuais e futuras, e em ciclos muito curtos.

 

 

3. Dos desafios para a estratégia contemporânea

A eficácia da deterrence depende de uma integração global dos seus vetores caraterizadores, havendo que procurar respostas na estratégia contemporânea para esse fim.

Tim Marshall (2016), na sua obra “Prisioneiros da Geografia”, refere que o mundo sempre foi instável e que o futuro sempre foi imprevisível. Esta crua evidência diz-nos que vivemos num espetro que vai do conformismo de uma instabilidade permanente ao inconformismo ponderado, em resultado de uma interdependência de múltiplos fatores que tornam o futuro imprevisível. Caberá à estratégia responder perante a política e fixar-se no inconformismo. Para o General Cabral Couto (2014), a estratégia é a ciência e a arte da dialética das vontades na consecução de objetivos num sistema político-social complexo. Murray, et al. (1994), entendem a estratégia como um processo de constante adaptação às condições e circunstâncias de um mundo onde dominam as oportunidades, a incerteza e a ambiguidade. Estas duas definições adjetivam de forma clara o ambiente estratégico contemporâneo e referem dois outros aspetos essenciais para a temática em assunto. Por um lado, a dialética de vontades, atendendo a que a deterrence é a “arte de produzir na mente de um inimigo o medo de um ataque” e, por outro, a adaptação às condições e circunstâncias, de um mundo globalizado e interdependente, dominado por forças impessoais, disruptivas e perigosas que coexistem e se alimentam numa dinâmica tecnológica acelerada. Em linha com a necessidade de resposta ao poder das circunstâncias, vimos que as principais potências analisadas têm programas de modernização ambiciosos. Mas, não obstante essa “revolução em curso”, que desafios surgirão deste “novo normal”?

No contexto do vetor multidirecional, que remete para o número de atores, numa postura de “todos contra todos”, o grande desafio da estratégia contemporânea será diminuir o número de atores com postura desafiadora, ou, se possível, conter o seu aumento. A contra-proliferação e a não-proliferação são centrais neste processo. Mas não só! Também a deterrence alargada, da qual Portugal e a Coreia do Sul usufruem no âmbito da NATO e do Tratado de Defesa Mútua, respetivamente, terá que ser objetiva. Daí as tão faladas assurance measures[61] da NATO que são promotoras de um sentimento de segurança, que demonstram determinação e compromisso, que salvaguardam a relação de equilíbrio no seio da Aliança e que são dissuasoras[62] de posturas mais agressivas provenientes de Leste. Daí os exercícios conjuntos entre os EUA, a Coreia do Sul e o Japão na Península da Coreia e no Mar do Japão. São vários os exemplos. Mas, será que a deterrence alargada dos EUA na Europa não ficará comprometida perante a deslocalização dos interesses norte-americanos do eixo Euro-Atlântico para o eixo Ásia-Pacífico? Também a retórica já existente no Japão e na Coreia do Sul acerca da necessidade de um programa nuclear pode contrariar a não-proliferação.

A crise da Coreia do Norte tem potencial para gerar desequilíbrios em cadeia pois, à semelhança da nuclearização da Índia e do Paquistão, há duas décadas, expõe a vulnerabilidade dos princípios da deterrence. Em síntese, apenas temos deterrence alargada caso se promova um reforço das alianças e haja um maior comprometimento com a segurança. Só num quadro multilateral será possível combater ameaças transnacionais, bem como prosseguir os esforços de contra-proliferação[63] e de não-proliferação.

O vetor multi-agência (ou horizontal) é extremamente importante pelas opções que oferece além das militares, particularmente a diplomática e a económica. No caso da diplomacia, a deterrence do século XXI exige entidades capazes de integrar processos de negociação. As designadas terceiras entidades devem primar pela neutralidade, pela imparcialidade e pela credibilidade. Ao nível económico, as medidas deverão considerar quem será afetado. No caso, da Coreia do Norte, as restrições económicas têm um forte impacto sobre as populações[64]. O instrumento económico também pode envolver estímulos para que se altere uma atitude. Quer na via diplomática quer na via económica, o isolamento deverá ser o último recurso. Por um lado, porque poderá precipitar um extremar de posições e, por outro, porque nenhum país do mundo fica totalmente isolado após uma aplicação de sanções, como a crise da Coreia do Norte nos tem demonstrado[65]. Também a luta contra o Daesh nos tem mostrado que nenhum grupo terrorista vive sem financiamento. Ou seja, a persuasão, ou até a coação, terão que ser indiretas. Mas até que ponto é que estas ações indiretas não colocam em causa outros interesses? Várias fontes[66] indicam que, em 2015, o Daesh ganhava cerca de 50 milhões de dólares por mês com a venda ilegal de petróleo que tinha como destino a Turquia, onde era revendido. Em síntese, no vetor multi-agência, o principal desafio é perceber as consequências imediatas e de médio prazo da falha dos instrumentos diplomático e económico. No caso da Coreia do Norte, a consequência imediata poderá ser uma guerra de proporções inimagináveis. No médio prazo, poderemos ter uma Coreia do Sul e um Japão nucleares, algo que desagrada, quer à China quer aos EUA. Ademais, o fracasso da deterrence geral na Coreia do Norte poderá ser um elemento moralizador para o Irão que, sob o chapéu russo, subirá o patamar de desafio à CI.

O vetor multi-domínio é dedicado ao instrumento militar, enquanto meio de negação e de punição por excelência. Neste patamar, Gray (2007, p. 79) observa que a estratégia deve ser orientada para a integração dos cinco ambientes geográficos – terra, mar, ar, espaço e ciberespaço –, cujas características físicas únicas levarão a que a guerra seja conduzida “na geografia e à geografia”. A lógica da deterrence não só está a mudar a face da guerra[67] como trará enormes desafios às escolas de pensamento militar[68]. Talvez o maior desafio, ainda que difícil, será a obtenção de um género de teoria unificada adaptável à natureza dinâmica da guerra por forma a expandir ou melhorar o campo de aplicação das teorias clássicas que nos surgem de forma parcial cada uma com aplicabilidade e alcance limitados[69].

Christopher Yeaw (2015, p. 5) recorre às várias escolas de pensamento (convencional, cibernética, nuclear e espacial), articuladas numa escalada[70] em vortex para operacionalizar a Nova Tríade Nuclear. Lehman e Livermore (2015, pp. 15-16) dão o seu contributo associando a escalada de meios à tipologia de armas. Ou seja, consideram que o domínio cibernético é o primeiro a ser operacionalizado por ser não-cinético, seguindo-se o convencional (ou cinético) e, por último, o nuclear (ou hipercinético)[71]. Esta escalada é uma última tentativa para evitar níveis de destruição catastróficos, caso as hostilidades parem no domínio cibernético. Um outro desafio passa por comunicar uma capacidade como a cibernética por forma a evitar uma subida ao patamar convencional ou nuclear.

A deterrence dará grande ênfase ao domínio espacial. Será como que um dejá vu[72], mas que reduz o jogo a somente quatro atores nucleares dos atuais nove: os EUA, a China, a Rússia e a Índia. Em abril deste ano, o General Jay Raymond, do Comando Espacial da Força Aérea norte-americana, referiu que o espaço é um domínio da guerra fulcral[73]. Contudo, é sabido que qualquer programa espacial implica muito dinheiro. A queda do bloco soviético foi em parte precipitada por julgar como verdadeiro um bluff da administração Reagan, em 1983, que envolveu o famoso Programa de Guerra das Estrelas[74]. O modelo económico soviético foi incapaz de evitar o fosso tecnológico gerado entre blocos, e que se estendeu ao instrumento militar. Atendendo a que, pela primeira vez, em 2016, a Ásia ultrapassou os EUA em número de bilionários[75] e que, destes, três quartos são indianos e chineses, podemos antever quem mais irá investir no espaço.

Os desafios deste vetor não ficam por aqui. Há toda uma necessidade de integrar atempadamente, e em tempo real, as operações em vários domínios e teatros, e em sinergia com aliados e parceiros. Pensemos na seguinte questão: Quem no futuro, e num quadro de parceria ou aliança (ex. NATO), terá a capacidade para acompanhar este avanço que remete para uma virtualização da guerra? Uma parte substancial da deterrence será apoiada em arsenais virtuais. Este ritmo acelerado de evolução será acompanhado por apenas alguns, que começarão a ver os outros a um fosso de distância. Eis o desafio dos desafios!

O vetor multinível diz respeito à tipologia de atores, estatais e não-estatais. Neste âmbito, o principal desafio é conseguir antecipar o comportamento de um ator não-estatal na posse de dispositivos nucleares, biológicos ou químicos. Até agora, todas as observações efetuadas à deterrence de atores não-estatais, nomeadamente terroristas, são meramente hipotéticas e nunca foram testadas. Outro desafio será conter e controlar o acesso à tecnologia, quando assistimos ao desenvolvimento de programas espaciais civis como o da SpaceX, de Elon Musk. Ou seja, se antes se temia o acesso a material nuclear de fissão/fusão, agora há também o risco dos próprios vetores estarem acessíveis a curto-médio prazo.

O vetor multi-simétrico refere-se à diferença nas relações de poder dos atores e tem uma estreita relação com o vetor multidirecional. Nesta perspetiva, existem várias combinações, com destaque para as cinco já referidas aquando da abordagem ao princípio da Estabilidade. Ao nível da simetria, destaca-se que a paridade nuclear conduz ao paradoxo da estabilidade-instabilidade, pois induz um dos atores a iniciar conflitos de baixa intensidade e manobras indiretas, assegurando que o outro não intervém face ao risco de uma escalada nuclear (Steff, 2013, p. 15). Os hipotéticos ganhos do desafiador prejudicam a estabilidade. A guerra híbrida conduzida pela Rússia na Ucrânia é um exemplo (Chivvis, 2017, p. 2)[76]. O grande desafio que se coloca no vetor multi-simétrico é saber responder à questão (ao estilo Paradoxo Sorites): Qual é o dissuasor mínimo credível para que a deterrence seja eficaz?[77]. A virtualização das capacidades torna muito difícil saber responder a esta questão. Estas incertezas poderão conduzir a um “aumento” do dilema de segurança e, consequentemente, a uma corrida ao armamento e até à formação de novas alianças. Desta forma, acreditamos que as grandes potências não estarão dispostas a abdicar dos seus arsenais por mais tratados já ratificados[78].

Um outro desafio deste vetor é conter a proliferação horizontal em contra-ciclo com uma cada vez menor capacidade de influência, de persuasão e de dissuasão da CI. Perante este cenário, há que enveredar pela deterrence por negação e por punição. No caso de um ator não-estatal, a capacidade para se impedir (negar) que este transponha uma linha vermelha é, em primeiro lugar, obtida através da cooperação internacional (Steff, 2013, p. 182). É também importante a exploração da proveniência dos apoios por este recebidos[79], o que implica a existência de um sistema de partilha de informações sólido, resiliente e à escala transnacional. Caso se evidencie que os apoios provêm de atores estatais, deverá atuar-se sobre estes com recurso à dissuasão nas várias formas de coação, incluindo a punitiva (deterrence indireta)[80].

O vetor multi-temporal tem como principal desafio avaliar os ciclos temporais cada vez mais curtos, no sentido de criar um instrumento militar transformado, integrado com os demais instrumentos de poder, multi-domínio, pós-moderno, flexível, redundante (capaz de colmatar disrupções tecnológicas), com elevada capacidade expedicionária e eficaz (Muzalevsky, 2017, p. 82)[81] no seu objetivo de promover uma deterrence geral para evitar a deterrence imediata. É ao planeamento estratégico[82] que o vetor multi-temporal se dirige na procura de soluções.

De uma forma geral, ficou evidenciado ao longo destes seis vetores que a deterrence no século XXI se irá deparar com desafios complexos, interdependentes e que implicarão uma visão pragmática e não apocalíptica[83], bem como tomadas de decisão em ciclos temporais muito curtos. Aqui reside um (pen)último desafio para o Ocidente se pensarmos que, tradicionalmente, os ciclos de decisão são mais prolongados em democracias do que noutros regimes políticos.

 

 

Conclusões

“A deterrence é uma arte incerta, não uma ciência precisa”

Keith Payne (2010, p. 219)

 

Neste artigo propusemo-nos avaliar os princípios de base da deterrence em confronto com as dinâmicas do século XXI e identificar desafios para a estratégia contemporânea.

Concluímos que a deterrence do século XXI decorre num ambiente de multipolaridade difusa, que não tem um paradigma ainda totalmente definido nem maturado nas suas várias dimensões, que é multi-vetorial (multi-direcional, multi-agência, multi-domínio, multi-simétrico, multinível e multi-temporal) e que está fortemente afetada por uma erosão dos seus princípios de funcionamento (Credibilidade, Comunicação, Capacidade, Estabilidade e Interesse Geopolítico) que operam numa equação que envolve a deterrence entre: (1) grandes potências nucleares; (2) novas potências nucleares; (3) grandes potências nucleares e potências regionais com capacidade de ADM; (4) estados nucleares e atores não-estatais; e (5) atores coletivos com capacidade nuclear e outros atores.

Em consequência, a eficácia da deterrence depende de uma integração inter e intra-vetorial o que traz vários desafios para a estratégia contemporânea, de onde se evidencia a necessidade de: (1) promover um reforço das alianças e assegurar um maior compromisso com a segurança, ambos atinentes a uma deterrence alargada necessária à prossecução dos esforços de contra-proliferação e de não-proliferação; (2) perceber as consequências, imediatas e de médio prazo, da falha dos instrumentos diplomático e económico, por forma a evitar a guerra e nuclearização horizontal; (3) integrar as várias escolas de pensamento militar através da criação uma teoria unificada adaptável à natureza dinâmica da guerra; (4) conter e controlar o acesso à tecnologia de fusão/fissão e de vetores de lançamento por parte de atores não-estatais; (5) perceber qual é o dissuasor mínimo credível para que a deterrence seja eficaz; e (6) criar um instrumento militar transformado, flexível, multi-domínio e integrado com os demais instrumentos de poder, capazes, no seu conjunto, de assegurar deterrence geral para evitar a deterrence imediata.

Os desafios estratégicos resultantes dos seis vetores têm, porém, um fator limitador na sua operacionalização e que ficou vincado numa recente intervenção no Instituto Universitário Militar por parte de Reis Friede[84], que se referiu ao confronto entre a guerra legítima e a guerra justa com que nos deparamos nos dias de hoje. A matriz ocidental é a da guerra legítima que fixa toda uma fronteira moral, além da qual, as opções estratégicas, particularmente as de resposta militar caem no domínio do inaceitável. A estratégia contemporânea deverá por isso que ser debatida num quadro de legitimidade moral, mesmo sabendo que as armas nucleares ultrapassam, em efeitos, esse limite.

Ao longo deste documento, ficámos com a ideia de que os atores do SPI procuram na nuclearização a sua salvaguarda. Se observarmos as últimas sete décadas, concluímos que não houve guerra entre potências nucleares. Estaremos na presença de um género de Pax Nuclear? Arriscar uma resposta positiva a esta questão é um desafio, se pensarmos que, quanto maior for a proliferação horizontal maior é o risco de irracionalidade de um dos atores[85] e de uma consequente ascensão aos extremos. Em síntese, o maior desafio da estratégia contemporânea é a não-proliferação e a contra-proliferação no contexto de uma abordagem holística que reúna todos os instrumentos do poder nacional e um comprometimento supranacional e à escala global. Um comprometimento que adote o pragmatismo da procura de soluções para evitar o apocalipse das consequências.

Em 1999, William S. Cohen[86] referia que uma Revolução em Assuntos Militares (RAM) ocorre quando as Forças Armadas de uma Nação aproveitam uma oportunidade para transformar a sua estratégia, a doutrina militar, o treino, a formação, a organização, os equipamentos, as operações e as táticas, por forma a obterem resultados militares decisivos de novas formas. Cerca de duas décadas volvidas, podemos questionar se estamos na presença de uma nova RAM, sendo certo que vivemos num período de ansiedade atómica ou nuclear. Esta ansiedade levou inclusive a que o Boletim dos Cientistas Atómicos[87], que tem associado o risco de uma guerra nuclear ao tempo em minutos que dista para as zero horas do dia do juízo final, tenha dito que neste preciso momento o mundo se encontra a dois minutos e meio do juízo final. Apenas em 1953[88], que marcou o início da deterrence, enquanto teoria, o relógio do juízo final havia ficado mais próximo, em concreto, a dois minutos. Desde 1980 e até 2016, a maior proximidade foi de três minutos. Será caso para referir que vivemos algures no espetro entre o admirável e o “assustador mundo novo”!

 

 

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*  O presente artigo constituiu a base da lição inaugural da Abertura Solene do Ano Letivo 2017/18 do Instituto Universitário Militar (IUM), em 20 de dezembro de 2017.

 

[1]  Como Douhet e Mitchell. O’Neill, em “The Four Forces Airpower Theory” (2011, pp. 23-25). Também Quester (1966), em “Deterrence before Hiroshima: The Airpower Background of Modern Strategy”, destaca o surgimento do conceito antes da IIGM. Douhet e Mitchell advogavam que o bombardeamento estratégico provocaria o medo e o pânico nas populações, tendo como consequência um estado de caos e de anarquia nas regiões atacadas (Freedman, 2013, p. 157).

[2]    “Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”. Disponível em: , [Consult. em 15 de setembro de 2017].

[3]    A coerção destina-se a levar um ator a fazer algo contrário à sua vontade face a uma ameaça de uso da força. O termo original é armed suasion (ou persuasão armada) que, segundo Luttwak (1985, p. 84), são todas as reações, à existência, exibição, manipulação ou utilização simbólica de qualquer instrumento do poder militar, independentemente de tais reações refletirem, ou não, qualquer intenção deliberada do ator promotor da exibição, manipulação ou utilização do poder militar. Além de Schelling (2008, pp. 1-34), outros autores como Brodie (1958) e (1959), Khan (1960a) e (1960b), Wohlstetter (1958), Snyder (1961), Beaufre (1964), Jervis (1982-1983 ) e (1979) e Gray (1999), (2003) e (2005), também se debruçaram sobre as teorias da dissuasão na Guerra Fria.

[4]    Ocorreu em junho de 2002. A saída do Tratado ABM sinalizou o abandono de uma estratégia de defesa por parte dos EUA que perdurava desde 1972. Por outro lado, alterou o contexto de interação estratégica entre os estados, uma vez que o Sistema de Defesa Antimíssil pode potencialmente ameaçar a eficácia das capacidades dissuasoras das outras potências. Disponível em: , [Consult. em 22 de setembro de 2017].

[5]    Académicos da Guerra Fria não afirmam que a ausência de um desastre nuclear naquele período se deveu à dissuasão mútua. Destacam ainda que não existem certezas que os sistemas de dissuasão tenham sido testados entre 1947 e 1989. As teorias estiveram presentes, mas terão afetado as decisões políticas? Esta interrogação remete para a centralidade do ocaso, do risco e da incerteza na guerra, caraterizados por Clausewitz. Porém, como refere Gray, seria também um exagero atribuir a ausência de um conflito violento entre blocos a um mero conjunto de circunstâncias descartando o papel e a eficácia da dissuasão (1999, pp. 78-79).

[6]    De que são exemplo: a ciberdefesa, o armamento convencional e o armamento de destruição maciça.

[7]    O imenso impacto dos ataques nucleares já ocorridos fez supor que pessoas, grupos ou estados não pudessem voltar a fazer tal coisa. Porém, essa é uma ideia errada. A ameaça é hoje ainda mais real (Wirtz, 2016, p. 20).

[8]    Além da deterrence (ou dissuasão punitiva), temos: (1) a dissuasão (ou despersuasão, ou dissuasão negativa ou por negação), que visa convencer o adversário a não desencadear uma ação transmitindo-lhe a ideia de que os seus objetivos não serão atingidos devido à nossa intervenção (please don’t / don’t/estas são as nossas objeções); (2) a persuasão, que se destina a convencer um ator (que pode ser um adversário) a tomar uma decisão ou a conduzir uma ação (please do / do / estas são as nossas preferências); e (3) a compellence, que visa levar um ator a tomar uma decisão contrária às suas preferências (pode ser uma ação já em curso), através da ameaça ou do recurso ao instrumento militar, político ou económico (do, or else / estas são as nossas imposições ou o nosso ultimato) (US Air Force Studies Board, 2014, p. 25) e (Angeren, 2006, p. 187).

[9]    Vimo-la presente em várias formulações estratégicas da Guerra Fria, em concreto, na “retaliação maciça” (década de 1950) e na estratégia de McNamara (década de 1970), bem como na Destruição Mútua Assegurada, na Doutrina Schlesinger e na estratégia countervailing de H. Brown (décadas de 1970 e 1980).

[10]    Nas suas várias formas de coação, a dissuasão pode ser: alargada, ao expandir a cobertura dissuasora a aliados e amigos; ou central, ao dissuadir ataques ao território nacional (Gray, 2007, p. 214). Em linha com a dissuasão alargada temos o conceito de assurance (ou garantia), destinada a convencer um aliado acerca das capacidades de dissuasão alargada com a finalidade de o dissuadir de desenvolver o seu próprio arsenal nuclear.

[11]    Consultar Budapest Memorandum, disponível em: e , [Consult. em 3 de outubro de 2017].

[12]    Disponível em: , [Consult. em 3 de outubro de 2017].

[13]    As pressões foram encetadas pelos EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália e França (CNS, 2011). Segundo o Arms Control Association (2016), o Ministro dos Negócios Estrangeiros líbio anunciou publicamente o abandono do programa de desenvolvimento de armas de destruição maciça, em 19 de dezembro de 2003. Nesse mesmo dia, Bush prometia apoiar a construção de uma Líbia mais próspera. Em 6 de janeiro de 2004, a Líbia assinou o Comprehensive Test Ban Treaty. O programa nuclear líbio, tal como o iraniano e o norte coreano, foi apoiado secretamente pelo cientista paquistanês Abdul Qadeer Khan, o “pai” da bomba atómica paquistanesa.

[14]    “Graças à Líbia, a Coreia do Norte, nunca poderá negociar acerca de armas nucleares”. Título de um artigo de Doug Bandow, in National Interest, September 2nd, 2017, disponível em: , [Consult. em 4 de outubro de 2017].

[15]    O Japão e os EUA assinaram um Tratado de Cooperação e Defesa Mutua, em 1951. Disponível em: , [Consult. em 4 de outubro de 2017]. Desde 1953 que os EUA têm um Tratado de Defesa Mútua com a Coreia do Sul. Disponível em: , [Consult. em 4 de outubro de 2017]. Também a China celebrou um Tratado de Amizade, Cooperação e Ajuda Mútua com a Coreia do Norte, em 1961. Disponível em: , [Consult. em 4 de outubro de 2017].

[16]    Disponível em: , [Consult. em 4 de outubro de 2017].

[17]    Disponível em: , [Consult. em 27 de outubro de 2017].

[18]    Disponível em: e em , [Consult. em 27 de outubro de 2017].

[19]    Disponível em: , [Consult. em 26 de outubro de 2017].

[20]    Disponível em: , [Consult. em 3 de novembro de 2017].

[21]    Disponível em: , [Consult. em 6 de novembro de 2017].

[22]    Bellamy (2016, p. 243) refere que, como sempre, numa oposição de ‘A’ com ‘B’, ‘B’ provavelmente terá, ou procurará ter, algo semelhante a ‘A’. Refere contudo que a disparidade entre os estados mais desenvolvidos e menos desenvolvidos possa tornar-se mais decisiva do que anteriormente.

[23]    Disponível em: , e , [Consult. em 5 de novembro de 2017].

[24]    Critchlow (2006, p. 9), em “Nuclear Command and Control: Current Programs and Issues”.

[25]    Disponível em: , [Consult. em 30 de outubro de 2017].

[26]    Rússia – Fontes: Kristensen & Norris (2017) e Defense Intelligence Agency (2017). China – Fontes: Kristensen & Norris (2016b), Heginbotham, et al. (2017) e IISS (2016, p. 222).

[27]    Inclui: (1) a modernização de sistemas de lançamento, que podem ser: terrestres, como Intercontinental Ballistic Missiles (ICBM); navais, como os Submarine-Launched Ballistic Missiles (SLBM); e aéreos, com destaque para os bombardeiros estratégicos, tripuláveis e não tripuláveis; (2) renovação de ogivas; (3) modernização do complexo de produção; e (4) sistemas de comando, controlo e alerta antecipado que visam o incremento das capacidades defensivas, de que é exemplo o sistema de defesa antimíssil. A capacidade de negação de acesso (Area Denial), assegurada pelos sistemas de defesa antimíssil, tem sido um dos principais focos de tensão que opõe os EUA à Rússia. Esta última, pretende impedir que os EUA instalem o sistema junto da fronteira leste da Europa. De igual forma, os sistemas Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), recentemente instalados na Coreia do Sul para defesa de um hipotético first strike norte coreano, têm provocado um aumento de tensão, e até discordância do povo sul-coreano. A tecnologia permite ainda que o THAAD tenha outros dois sistemas redundantes: o sistema AEGIS Ballistic Missile Defense (ABMDS), instalado nas fragatas americanas localizadas na Península da Coreia e que recorre a um radar muito sofisticado (AN/SPY-1); e o sistema Patriot Missile Defense System, instalado no Japão. Por norma, após a deteção de um míssil hostil, é acionado o THAAD. Disponível em: , [Consult. em 6 de novembro de 2017].

[28]    A China tem inclusive um novo sistema de lançamento, o “Long March-6” (IISS, 2016, p. 221).

[29]    Disponível em: , [Consult. em 9 de novembro de 2017].

[30]    Disponível em: , [Consult. em 25 de outubro de 2017].

[31]    China, disponível em: ; Rússia, disponível em: , [Consult. em 13 de novembro de 2017].

[32]    Em agosto de 2017, os EUA testaram um míssil intercontinental desarmado e o sistema de defesa antimíssil, ambos com sucesso. Disponível em: ; , [Consult. em 23 de outubro de 2017].

[33]    O equilibriuum de Nash, onde nenhum dos atores está interessado em desviar-se da sua estratégia ‘x’. Contudo, quando um jogador utiliza a estratégia ‘y’ em vez da ‘x’, os seus ganhos podem diminuir, resultando numa desvantagem, caso os outros jogadores continuem a perseguir a estratégia ‘x’ (Petrosyan & Zenkevich, 2016, p. 174). É um jogo que se baseia em três elementos: um conjunto de atores; um conjunto de ações (ou estratégias puras) por cada jogador e uma recompensa por cada jogador. Nenhum jogador pode obter a máxima recompensa desviando-se unilateralmente da estratégia pura (Darity-Jr, 2008, pp. 540-541).

[34]    Disponível em: e em , [Consult. em 3 de novembro de 2017].

[35]    Disponível em: e , [Consult. em 14 de outubro de 2017].

[36]    Disponível em: , [Consult. em 18 de outubro de 2017].

[37]    Afeganistão, Iraque, Síria, Somália, República Centro Africana e Mali, entre outros.

[38]    Stocker (2017) sublinha que a sinalização e as perceções são tão importantes como a comunicação direta. Como tal, a deterrence é uma atividade humana, profundamente humana, sujeita à psicologia das perceções, valores, determinação, pressupostos, motivações e tomada de decisão.

[39]    Disponível em: , [Consult. em 10 de outubro de 2017].

[40]    A evidência sugere que a Coreia do Norte e o Irão são potenciais de risco com base racional. Haverá para tal que prosseguir uma dissuasão não-provocadora. Ou seja, prevenir a proliferação ao reconhecer que a raiz da questão reside no senso de vulnerabilidade de um estado “não-alinhado” face ao poder americano (Steff, 2013, p. 179).

[41]    Disponível em: , [Consult. em 8 de outubro de 2017].

[42]    Outros grupos, nomeadamente os independentistas, têm uma atitude diferente, pois, frequentemente, procuram o reconhecimento internacional (Hamas, grupos independentistas da Chechénia, …).

[43]    Os estados e os movimentos terroristas procuram ADM, em especial as nucleares, porque estas mantêm a sua utilidade estratégica para certas missões de combate ou para prossecução de objetivos políticos vitais que, de outra forma, não conseguiriam alcançar. Como Gray observa, as armas nucleares, mesmo quando não-utilizáveis para alcançar objetivos políticos razoáveis, funcionam pela sua presença nos arsenais. São armas de influência estratégica que podem promover a política e os objetivos de um beligerante (1999, p. 306–313).

[44]    Numa sondagem conduzida pelo jornal Korean Times, entre 25 e 26 de outubro de 2017, a um universo de mil cidadãos sul-coreanos, 59,3 % da amostra apoia a posse de armas nucleares pela Coreia do Sul para deter a Coreia do Norte. Disponível em: , [Consult. em 5 de novembro de 2017].

[45]    Estudo das constantes e das variáveis do espaço acessível ao homem que, ao objetivarem-se em modelos de dinâmica do poder, projeta o conhecimento geográfico no desenvolvimento e na atividade da ciência política (IAEM, 1993, p. 9)

[46]    Fonte: Dentons (2016). Disponível também em: e em: , [Consult. em 6 de novembro de 2017]. O Plano One Belt One Road é também designado de Plano Marshall chinês.

[47]    Através dos South Stream e North Stream. Disponível em: , [Consult. em 25 de outubro de 2017].

[48]    Três quartos dos novos bilionários do mundo provêm a China e da Índia. Disponível em: , [Consult. em 3 de novembro de 2017].

[49]    Disponível em: , [Consult. em 7 de novembro de 2017].

[50]    Disponível em: , [Consult. em 5 de novembro de 2017].

[51]    Disponível em: />, [Consult. em 15 de outubro de 2017].

[52]    Disponível em: , [Consult. em 5 de novembro de 2017].

[53]    Disponível em: , [Consult. em 5 de novembro de 2017].

[54]    Há indícios de que a Rússia esteja a desenvolver a capacidade de implantar bombas nucleares adormecidas nos oceanos (sleeper nukes), próximo dos EUA, de modo a, se necessário, provocarem tsunamis. Disponível em: , [Consult. em 5 de novembro de 2017].

[55]    Um termo idêntico, “maturidade”, foi utilizado por Frankel, et al. (2016, p. 7), em “The New Triad. Diffusion, Illusion, and Confusion in the Nuclear Mission”, acerca da eficácia da Nova Tríade Nuclear no que concerne aos seus novos instrumentos.

[56]    Como refere Payne (2003, p. 5), em “Deterrence: A New Paradigm”.

[57]    Como referem Blackwell (2011) em “Deterrence at the Operational Level of War” e Payne (2001), em “The Fallacies of Cold War Deterrence and a New Direction”. Os novos domínios cibernético e espacial são a consciencialização de que o convencional (leia-se terrestre, naval e aéreo), bem como o nuclear/estratégico não são suficientes e que passamos a ter uma deterrence multi-domínio.

[58]    Também as ameaças contemporâneas podem ser assim classificadas por analogia às ameaças multi-vetoriais que decorrem do ambiente cibernético. Disponível em: “Cybercrime and Espionage. An Analysis of Subversive Multivector Threats” (Gragido & Pirc, 2012).

[59]    Ainda que organizações como a NATO congreguem várias potências nucleares.

[60]    Tal como o define o Lawrence Livermore National Laboratory (2015, p. 11).

[61]    Disponível em: , [Consult. em 25 de outubro de 2017].

[62]    Também o debate acerca do “regresso” de forças pesadas à Aliança se insere neste âmbito.

[63]    Russell (2006, p. 206), em “Proliferation of Weapons of Mass Destruction in the Middle East: Directions and Policy Options in the new Century”, destaca os aspetos envolvidos na contra-proliferação e no contra-terrorismo, que passam por dissuadir competidores, deter adversários/desafiadores (ex. Coreia do Norte) e, caso a dissuasão e a deterrence falhem, ou não produzam os resultados desejáveis, conduzir, ou ameaçar conduzir, ataques preventivos ou preemptivos.

[64]    Disponível em: , [Consult. em 16 de outubro de 2017].

[65]    Mesmo com a imposição de sanções, como as de 21 de setembro de 2017, a Coreia do Norte continua a assegurar a obtenção de moeda estrangeira através da venda de ouro em Macau e outros locais. A Coreia do Norte tem uma das maiores reservas de ouro do mundo. Disponível em: , [Consult. em 15 de setembro de 2017].

[66]    Disponível em: , e em (p. 91), [Consult. em 20 de setembro de 2017].

[67]    Disponível em: , [Consult. em 1 de outubro de 2017].

[68]    As convencionais, que agregam a terrestre, a naval, a aérea, a irregular e a conjunta; a cibernética; a nuclear; e a espacial. Divisão adotada por Sloan (2012) em “Modern Military Strategy”.

[69]    Seja pela geografia (continental, marítima, urbana, selva), pela dimensão (ar, terra, mar) ou pela tecnologia e pelo método de combate (nuclear, terrorismo, contrainsurgência, guerrilha), etc. (Osinga, 2007, p. 14).

[70]    Ao nível convencional, a intensidade da escalada varia entre os níveis mais baixos de postura pré-conflito e os níveis muito elevados de ataques massivos. A intensidade de escalada cibernética varia entre os níveis mais baixos de postura pré-conflito (com as informações, vigilância e reconhecimento) e os níveis muito elevados de ataques cibernéticos ofensivos “de contravalor”. No domínio espacial, a intensidade varia entre o nível “modesto” de interferência local até altos níveis que implicam ataques antissatélite (ASAT) e contra estações terrestres. A escalada nuclear varia entre o nível relativamente elevado de força nuclear (contra-força) como alerta para os níveis mais elevados e absolutos de destruição (contravalor) (Yeaw, 2015, p. 5).

[71]    No seu conjunto, haverá que: (1) melhorar a colaboração entre os meios de STRATCOM que incrementem uma capacidade de Comando e Controlo global ao nível de todos os vértices da Tríade; (2) melhorar as práticas de gestão eficiente e integrada dos recursos ISR, através de uma potenciação dos meios não-tripuláveis; (3) determinar os elementos essenciais de C2 que assegurem uma abordagem mais integrada de todos os domínios para melhor compreensão da situação; (3) desenvolver uma capacidade de C2 global mais coerente e uma estrutura em rede que garanta mais informação ao planeador e, consequentemente, ao decisor, (4) melhorar o acesso ao espaço; (5) integrar as capacidades aéreas e espaciais com as capacidades de vigilância espacial; (6) obter maior precisão e flexibilidade das armas convencionais e nucleares; (5) assegurar melhores sistemas de deteção de agentes biológicos ou químicos hostis; e (7) assegurar um SDA eficaz (Russell, 2006, p. 207) e (US Air Force Studies Board, 2014, p. 91).

[72]    Iniciado com o lançamento do Sputnik pela URSS, em 1957. Disponível em: , [Consult. em 20 de novembro de 2017].

[73]    Disponível em: e , [Consult. em 20 de setembro de 2017].

[74]    Iniciado em 23 de março de 1983. Seria designado de Strategic Defense Initiative ou Star Wars Program. O programa colocava em causa o Tratado de Mísseis Antibalísticos de 1972 e o Strategic Arms Limitation Talks (SALT II) de 1979. Disponível em: , [Consult. em 22 de setembro de 2017].

[75]    Disponível em: , [Consult. em 12 de novembro de 2017].

[76]    O mesmo se passou entre a Índia e o Paquistão. Disponível em: , [Consult. em 27 de setembro de 2017]. Em 25 de março de 2000, esteve próxima uma escalada nuclear entra a Índia e o Paquistão. Disponível em: , [Consult. em 20 de setembro de 2017]. Atualmente, há especialistas que defendem que a guerra entre ambos é uma forte possibilidade. Disponível em: , [Consult. em 20 de setembro de 2017].

[77]    Questão igualmente formulada por: Payne (2010), em “Future of Deterrence: The Art of Defining How Much is Enough”; por Harrington & Englert (2014), em “How Much Is Enough? The Politics of Technology and Weaponless Nuclear Deterrence”; e por Nalebuff (1988, p. 412), em “Minimal Nuclear Deterrence”. Segundo Haffa Jr et al. (2009, p. 12). Vários teóricos americanos acreditam que mil armas nucleares estratégicas asseguram a credibilidade da deterrence nuclear.

[78]    SORT – Strategic Offensive Reductions Treaty, START – Strategic Arms Reduction Treaty. Disponível em: e em: , [Consult. em 3 de outubro de 2017].

[79]    Na visita de D. Trump à Arábia Saudita, em 21 de maio de 2017, este referiu-se ao apoio dado pelo Qatar e pelo Irão ao terrorismo. Disponível em: , [Consult. em 23 de outubro de 2017].

[80]    Ideia defendida por Long (2008, pp. 83-84), em “Deterrence. From Cold War to Long War. Lessons from Six Decades of RAND Research”.

[81]    Ideia também partilhada por Haffa-Jr. et al. (2009, pp. 31-32) em “Deterrence and Defense in “The Second Nuclear Age””.

[82]    Ver “planeamento em situação de incerteza” em “U.S. Air Force Strategic Deterrence Analytic Capabilities: An Assessment of Tools, Methods, and Approaches for the 21st Century Security Environment”, de US Air Force Studies Board (2014, p. 38).

[83]    “Would he see events apocalyptically rather than pragmatically?” (US Air Force Studies Board, 2014, p. 40).

[84]    Cientista político brasileiro que, em 20 de outubro de 2017, efetuou uma preleção ao Curso de Estado-Maior Conjunto 2017-18, subordinada ao tema “A crise na Península da Coreia”.

[85]    Para Schelling (2008) existe sempre a possibilidade de um ator nuclear ser irracional. A nuclearização horizontal aumenta essa possibilidade.

[86]    Secretário de Defesa dos EUA. In “Annual Report to the President and the Congress” (Washington, DC: US Government Printing Office, 1999), p. 122. (Gray, 2002, p. 1).

[87]    Disponível em: <https://thebulletin.org/timeline>, [Consult. em 3 de setembro de 2017].

[88]    Essencialmente devido ao teste da primeira bomba de hidrogénio (12 de agosto de 1953) pela União Soviética, em resposta a uma ação idêntica dos EUA, em 1952 (1 de agosto de 2017).

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Tenente-coronel

João Manuel Pinto Correia

Oficial de Engenharia Militar do Exército Português. Docente Área de Estudo das Crises e dos Conflitos Armados do Departamento de Estudos Pós-Graduados do IUM. Investigador Integrado do Centro de Investigação e Desenvolvimento do IUM. Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

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