Nº 2656 - Maio de 2023
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A transferência das Tropas Paraquedistas da Força Aérea para o Exército… um olhar, 30 anos depois
Tenente-coronel
Miguel Silva Machado

Agradeço ao Instituto Bartolomeu de Gusmão e à Sociedade Histórica da Independência de Portugal a oportunidade que me dão de poder abordar este assunto relativamente esquecido, mas relevante na nossa história militar recente. Espero conseguir mostrar a sua importância, sobretudo para o Exército Português que recebeu as Tropas Paraquedistas, o impacto que isso teve no ramo terrestre e depois, brevemente, a evolução destas unidades até à actualidade.*

 

Introdução

Dedico estas linhas, esta conferência, a todos os paraquedistas militares que serviram na Força Aérea Portuguesa (FAP), mas também a todos os que depois, no Exército, deram continuidade às Tropas Paraquedistas Portuguesas. São estes últimos que as mantêm vivas, têm o meu reconhecimento.

Em 30 de Dezembro de 1993, sendo eu capitão, com 14 anos de serviço na Força Aérea, assisti em Tancos às cerimónias de extinção do Corpo de Tropas Paraquedista, no período da manhã, e à de activação do Comando das Tropas Aerotransportadas e da Brigada Aerotransportada Independente, no período da tarde.

O ramo terrestre estava a receber um enorme reforço como nunca tinha acontecido desde o final da Guerra do Ultramar, nem haveria de conhecer até hoje! O efectivo total do Exército aumentou instantaneamente 15,6% e, se considerarmos apenas as praças voluntários e contratados, esse aumento foi de 37%!

Tancos, 30 de Dezembro de 1993, os principais protagonistas da fase final do processo de transferência, na cerimónia de extinção do CTP e activação do CTAT/BAI, presidida pelo Ministro da Defesa Nacional, Fernando Nogueira.

Foto José Tó

 

A Força Aérea acabava de perder 24% do seu efectivo, e apesar dos elogios aos que tinham sido os seus paraquedistas, durante 38 anos, sentia-se resignação perante a decisão do poder político. Há mesmo quem diga que também algum alívio trespassou a sua hierarquia, afinal de contas, o importante mesmo eram os meios aéreos, e o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), General Mendes Dias, disse isso claramente na alocução desse dia, de algum modo, normalizando a decisão política:

«…A Força Aérea continuará a colaborar na instrução e no treino da Brigada Aerotransportada como até aqui tem feito com os seus pára-quedistas (…) continuará a colaborar com os outros ramos com aquilo que é a essência da Força Aérea, isto é, com aviões que consegue por no ar em condições de cumprirem missões operacionais, sejam elas de defesa área, de ataque, de transporte, de busca e salvamento ou outras. São estas missões especificas que, executadas de forma independente ou em operações conjuntas, justificam a existência da Força Aérea como ramo das Forças Armadas.»

General Mendes Dias, CEMFA, BETP, 30DEZ1993.

A hierarquia do Exército sabia do estado de espírito do pessoal envolvido neste processo e o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), General Cerqueira Rocha, na mesma Parada, justificava «…ainda que estas transformações sejam fundamentadas, face à imprescindível necessidade de acompanhar a evolução da situação internacional e os seus reflexos na postura da Defesa Nacional e da Organização Geral das Forças Armadas, são processos com aspectos complexos e dificuldades, em especial de natureza psicológica, que compreendemos…».

O CEME foi muito claro no que significava para o Exército esta integração das Tropas Paraquedistas no ramo terrestre:

«…Esta cerimónia figurará como importante referência na História Militar do país, por se tratar do acontecimento que o Exército considera como o mais importante dos que decorrem das profundas reformas estruturais das Forças Armadas (…) por razões conjunturais, o Corpo de Tropas Pára-quedistas foi criado e se desenvolveu na Força Aérea, (…) nunca deixou de manter importante vínculo ao Exército, já que os seus quadros permanentes de oficiais foram quase exclusivamente provenientes da Escola do Exército/Academia Militar e no Exército fizeram os seus cursos de qualificação e promoção (…) portanto, no momento em que esta transferência há longos anos aguardada, se concretiza, o Exército sente-a com naturalidade mas com sentida emoção e legitima satisfação…»

General Cerqueira Rocha, CEME, ETAT, 30DEZ1993.

 

Antecedentes

Em que ramo deviam ficar inseridas as Tropas Paraquedistas levantou sempre dúvidas e debate. Na maioria dos países ocidentais acabaram por se integrar nos exércitos (ao contrário dos países de leste onde, por regra, ficaram nas forças aéreas). A maioria das forças aéreas ocidentais, contudo, mantiveram, até hoje, capacidade paraquedista em unidades de forças especiais ou as Escolas de Paraquedismo, como é o caso de Espanha e Reino Unido, em que todos os paraquedistas independentemente do ramo a que pertencem são formados nas respectivas forças aéreas.

Em Portugal, para abordar a mudança de ramo em 1994, comecemos então por conhecer antecedentes iniciais que nos remetem para a criação destas tropas nos anos de 1950; antecedentes próximos que tiveram expressão no início dos anos de 1980, com estudos a nível do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA); e antecedentes imediatos que começaram, em 1989, por iniciativa do Exército e levaram à decisão política irreversível de 1991.

 

A criação das Tropas Paraquedistas, antecedentes iniciais

Em Portugal, as primeiras decisões e estudos que levariam ao processo de criação das Tropas Paraquedistas foram iniciados no Exército, em 1951, passando depois para a dependência directa do Ministro da Defesa Nacional. A Força Aérea, contudo, manifestou-se então frontalmente contra a sua inserção no recém-criado ramo das Forças Armadas (1952). O Chefe de Estado-Maior das Forças Aéreas, como então se designava, General Carlos da Costa Macedo, em Abril de 1955, fê-lo em termos duros, por escrito, num documento com cinco páginas enviado ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA). Foi, no entanto, firme o Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos Santos Costa, o qual assumia pessoalmente este processo, e impôs à Força Aérea a nova unidade.

Alcantarilla, Espanha, 1955, militares portugueses do chamado “Curso de Espanha” que viria a permitir constituir o Batalhão de Caçadores Paraquedistas, oficialmente a 1 de Janeiro de 1956.

Foto Arquivo Alfredo Serrano Rosa

 

Kaúlza de Arriaga, também oficial do Exército como o ministro, que, como Major, foi seu Ajudante de Campo e depois Chefe de Gabinete e, como Tenente-Coronel, o primeiro Subsecretario de Estado da Aeronáutica, deixou escrito sobre a decisão «…mas o ministro acabou for fazer vigorar, através de um critério pragmático, a concepção da existência de um corpo de forças especiais – as Tropas Paraquedistas – na Força Aérea...» e mais adiante desenvolve os motivos que justificam a decisão «…a posição então solidamente vigente no Exército, ou mais precisamente nos seus Chefes, e não na Força Aérea, contra as forças especiais, o que aconselhava a colocação das Tropas Paraquedistas nesta Força Aérea e não naquele Exército, onde estariam condenadas a dissolução precoce…». Não foi, portanto, uma questão doutrinária a decidir a inserção, mas a perceção do Ministro da Defesa Nacional sobre a “mentalidade do ramo terrestre”.

Assim nasceu o Batalhão de Caçadores Paraquedistas (BCP), oficialmente em 1 de Janeiro de 1956, unidade da Força Aérea, mas com dependência repartida com o Exército para determinados aspectos, o que dificultava o desenvolvimento da unidade. Passados três anos, em 31 de Dezembro de 1958, com Kaúlza de Arriaga como Subsecretário de Estado da Aeronáutica, sendo agora Ministro da Defesa Nacional o General do Exército Botelho Moniz, o BCP passa a ter dependência única da Força Aérea.

Assim permaneceu sem sobressaltos de relevo em relação à questão da tutela durante a Guerra do Ultramar, entre 1961 e 1975.

Se, até 1961, os paraquedistas eram considerados uma tropa especial pelas suas aptidões, nomeadamente as que advinham da seleção e do treino para o salto em paraquedas e de uma instrução rigorosa, o desempenho na guerra do Ultramar transformou os boinas verdes numa apurada tropa de elite, com muitos deles considerados exemplos de excelência operacional difíceis de igualar.

 

Anos de 1980, antecedentes próximos

Depois dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, no qual os paraquedistas tiveram uma actuação discreta e do PREC1 (11 de Março a 25 de Novembro de 1975), no qual, ao contrário, estiveram profundamente envolvidos e à beira da extinção, o Corpo de Tropas Paraquedistas, oficialmente constituído em 1975, encetou com grande sucesso a regeneração das Tropas Paraquedistas. Foi um salto qualitativo enorme, nomeadamente em comparação com o Exército que continuava com enormes problemas para se modernizar.

Logo no início dos anos de 1980, esta realidade era visível e reconhecida fora da Força Aérea. Aqui fica a insuspeita opinião do então Director da Arma de Infantaria do Exército, o General Aurélio Trindade, em 1982:

“…Julgo mesmo que os paraquedistas constituem actualmente as melhores unidades de infantaria, porque são melhor enquadradas, as mais eficientemente instruídas e as mais adequadamente armadas. Seria, portanto, uma honra para a Direcção da Armada de Infantaria (DAI), poder contar sob a sua dependência técnica, com uma tropa de élite como os paraquedistas. Os problemas mais prementes que se poriam à DAI, se os paraquedistas regressassem ao Exército, seriam a garantia da existência e manutenção dos meios materiais que permitissem o seu helitransporte, aerotransporte ou lançamento de paraquedas, bem como as estruturas de treino actualmente existentes…”

(Azimute, n.º 2, 1982, Escola Prática de Infantaria).

Em 1982 e 1983, sendo CEMGFA o General do Exército Nuno de Melo Egídio2, foi acordado «…constituir um Grupo de Trabalho (GT) no âmbito do Departamento de Operações do EMGFA, para um estudo profundo do problema “Estudo de viabilidade de inserção dos Paraquedistas no Exército…». Este GT foi extinto por decisão do Conselho de Chefes de Estado Maior de 19 de Outubro de 1983, cerca de oito meses depois «…sem se ter chegado a uma conclusão…».

Em 1982, o General Aurélio Trindade, Director da Arma de Infantaria, não tinha dúvidas na avaliação que fazia dos paraquedistas da Força Aérea e disse-o numa entrevista à revista da EPI, o Azimute.

 

Além dos helicópteros, outro argumento iria juntar-se a esta firme vontade do Exército de (como diziam) “fazer regressar” os paraquedistas: os Comandos. Tropa especial que se havia distinguido na Guerra do Ultramar e depois na consolidação do regime democrático em 25 de Novembro de 1975 de modo decisivo, criava agora problemas vários ao Ramo terrestre, na sequência de acidentes e incidentes com grande repercussão pública. Mas este seu passado limitava muito as opções da chefia do Exército e mesmo do poder político sobre o destino a dar à unidade.

 

Anos de 1990, antecedentes imediatos

Ainda os anos de 1980 não tinham terminado, em 1989, tendo o General da Força Aérea José Lemos Ferreira deixado o cargo de CEMGFA3 há menos de quatro meses (e, sabe-se, que era defensor acérrimo dos paraquedistas na FAP), quando o General Firmino Miguel, CEME desde 1987, relança publicamente, no Dia do Exército desse ano, a 25 de Julho, o assunto “Paraquedistas & Helicópteros”4.

Por esta altura, o CTP e a sua Brigada de Paraquedistas Ligeira atingiam o ponto mais alto em termos de capacidades (pessoal treinado; material; armamento; infraestruturas).

Nos anos de 1990, os militares do CTP estavam preparados, armados e equipados para emprego operacional, quer usando as técnicas de salto automático quer de salto manual (na imagem).

Foto Alfredo Serrano Rosa

 

Agora, o CEMGFA era o General do Exército António Soares Carneiro5, por sinal um oficial ‘Comando’, e Ministro da Defesa o Eng.º Eurico Silva Teixeira de Melo6, mas, em breve, a 5 de Março de 1990, seria o Dr. Joaquim Fernando Nogueira a assumir o cargo.

Não que tudo estivesse pacífico nos paraquedistas com Força Aérea, convém lembrar, por esta altura, havia alguns pontos de fricção do ponto de vista dos paraquedistas. Exemplos: questões de orçamento que os paraquedistas achavam curto para as necessidades da brigada que se estava a equipar; as vagas para promoção de coronéis da especialidade PARAQ7 (oriundos da Academia Militar) que se sentiam prejudicados em relação aos PILAV8 com formação académica igual e muito mais vagas para coronéis, brigadeiros e generais; o não envio de oficiais do SGPQ9 ao Curso Geral de Guerra Aérea, por desculpas várias, como alegada “falta de capacidade das salas” o que atrasava depois as suas promoções, quando comparados com alguns outros quadros técnicos da Força Aérea; a revisão da “Gratificação de Serviço Aéreo – Paraquedista” para Sargentos que consideravam desfasada da sua actividade aeroterrestre, por regra, de muito maior carga horária que os oficiais e as praças; ou ainda o facto da Força Aérea não considerar dispor de um general (hoje seria Tenente-General, ‘três estrelas’) para o comando do CTP, mantendo um brigadeiro na Brigada. Recordo que o CTP tinha um único brigadeiro, os oficiais da Academia Militar que faziam carreira nos Paraquedistas, por regra, terminavam-na em coronel.

Dito isto, o sentimento por parte da generalidade dos paraquedistas, ninguém duvide, era de pertença ao ramo onde nos encontrávamos inseridos desde 1956 e no qual a integração vinha sendo sempre aprofundada em todas as áreas. E só não era total porque havia uma excepção: os oficiais da especialidade PARAQ eram oriundos da Academia Militar do Exército. Este foi aliás mais um dos argumentos usados pelo Exército para justificar e normalizar a mudança de Ramo10. No entanto, é justo lembrar que os jovens oficiais do Exército, ao manifestar nas suas Armas ou Serviços o desejo de concorrer às Tropas Paraquedistas, era imediatamente sinónimo de pressões e mesmo ameaças para não o fazerem. O ramo terrestre fazia de tudo para evitar “perder” oficiais para os paraquedistas, sabendo que nunca mais regressariam e, na realidade, poucos optaram por regressar ao quadro de origem, até 1993, embora o pudessem fazer em qualquer momento.

 

C – Decisão política, concordância militar, facto consumado

Em 29 de maio de 1991, o Ministro da Defesa Nacional, Joaquim Fernando Nogueira11, tendo a seu lado o CEMGFA, General ‘Comando’ Soares Carneiro12, anuncia, em Bruxelas, no decorrer de uma conferência de imprensa, a intenção de criar uma «nova brigada para-comando». Isso iria ser conseguido com a transferência das Tropas Paraquedistas da Força Aérea para a tutela do Exército. Segundo o ministro, «a nossa ideia é aproveitar a experiência destas duas forças especiais, fundi-las, e conferir-lhes melhor equipamento e melhor instrução, com menos efectivos»13. Nas unidades paraquedistas a notícia caiu como uma “bomba”. Ninguém nos paraquedistas – do Brigadeiro Ferreira Pinto ao soldado mais moderno – conhecia as intenções ministeriais nem se conhecia qualquer estudo sobre o assunto. Na ocasião, Fernando Nogueira deu alguns detalhes, que causavam perplexidade.

A intenção era reduzir cerca de 3.000 efectivos, ou seja, menos 3.000 militares entre as duas forças e a nova unidade poderia ter 3.500 efectivos, dizendo o ministro, inclusive, que o princípio era “reduzir, melhorando”! Mas como tal se poderia fazer se as duas forças juntas nesse ano tinham menos de 3.000 efectivos? Mistério!

Na sua declaração pública, Fernando Nogueira referiu ainda “…haverá o cuidado de ter em conta as tradições de cada corpo militar envolvido (…) espera-se que cada uma das forças componentes mantenha algumas das suas características, como a cor das boinas por um período transitório…”. Algo enigmática ainda a referência que “a assimilação dos paraquedistas vai provocar uma revisão de procedimentos no Exército”, como quem diz, “vocês vão obrigar o Exército a evoluir”, o que era naturalmente algo incrível de se ouvir! O Exército iria mesmo evoluir como o ministro parecia desejar? Ou, ao contrário, seriam antes os paraquedistas a terem de se adaptar ao ramo terrestre?

Ainda nesse dia 29 de Maio de 1991, em Bruxelas, Fernando Nogueira quando questionado se a Força Aérea iria recriminar o processo, foi lacônico: “Não, é claro que não!”

No entanto, logo na quarta-feira seguinte à declaração do ministro, a 4 de Junho de 1991, o CEMFA, General Conceição e Silva, veio levantar dúvidas sobre as certezas de Fernando Nogueira. «…o assunto nunca foi analisado em profundidade, em Conselho de Chefes de Estado Maior com a presença do actual CEMFA (ele próprio) (…) nas abordagens superficiais (…) ao longo dos tempos, iniciadas ainda com o anterior CEME14, a posição do CEMFA foi sempre de inequívoca discordância face a uma eventual transferência dos Pára-quedistas para o Exército. Afinal o que se passou aqui? Não sabemos.

O “Sistema de Forças de Médio Prazo”, aprovado pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior (CCEM), em 17 de Abril de 1991, e que o CEMFA aprovou, incluía no seu ponto 6. Forças de Reforço Geral, o seguinte articulado:

«…

a. Corpo de Fuzileiros

 1 Batalhão Ligeiro de Desembarque

 1 Destacamento de Acções Especiais

b. Brigada Para-Comandos

A criar com base nos actuais batalhões de Comandos e de Paraquedistas…»

 

D – Estudos

A directiva do CEMGFA de 20 de Junho de 1991 determinava a constituição de um Grupo de Trabalho que, até 15 de Setembro desse ano (ou seja, tiveram pouco mais que dois meses de trabalho – Julho e Agosto), deveria «… apresentar um estudo aprofundado do problema em epígrafe – Estudo visando a futura constituição de uma brigada de Pára-comandos».

«…1.º Fase: Conducente à criação da Brigada Para Comandos mas mantendo subunidades integradas nos ramos que as levantam…

Esta manutenção nos ramos não poderá constituir impeditivo a que as forças possam actuar de imediato sob comando operacional de um comando terreste;

2.ª Fase: Conducente à integração dos paraquedistas no Exército. Esta 2.ª fase terá como limite máximo de prontidão o final de 1993 devendo o respectivo reequipamento ser considerado na revisão da 2.ª LPM…»

É curioso notar que, o que agora publicamos a negrito, mostra o receio do CEMGFA que uma missão internacional de grande dimensão nos fosse solicitada. Se uma organização internacional pedisse o empenhamento de Portugal… só havia os paraquedistas da Força Aérea para a cumprir! E, nesse caso, se ainda estivessem na Força Aérea, seriam colocados sobre um comando do Exército para uma missão expedicionária! Para perceber a importância deste detalhe é necessário colocarmo-nos na época, ainda com o SMO15. Em 1993, antes da transferência, o CEMGFA perguntou ao Exército e ao CTP sobre os efectivos disponíveis no imediato para uma missão internacional. O CEME respondeu que, em Santa Margarida, a principal brigada do Exército tinha 130 militares em RV/RC16 disponíveis e o Comandante do CTP respondeu que tinha um batalhão com 718 militares prontos, todos do QP17, RC, RV.

Entre Maio de 1991 e Dezembro de 1993, escreveram-se milhares de páginas de estudos, sucessivamente refeitos, nos quais intervieram muitos actores. Tratava-se de integrar “dois mundos muito diferentes” que, olhando de cima, os decisores políticos e mesmo alguns militares julgavam algo semelhantes, mas, afinal, com inúmeras particularidades.

Logo no primeiro estudo, ao fazer-se o inventário do que havia, surge a realidade do que se estava a querer “fundir”! Embora publicamente se alegasse ser a futura força composta pela “fusão dos paraquedistas e dos comandos”, isso estava longe de poder ser uma realidade. É, aliás, incrível que, ainda hoje, se aceite isso como tendo acontecido! Não é verdade!

O CTP tinha mais de 2.000 militares especializados em paraquedismo e o Regimento de Comandos tinha 227 militares com o curso de comandos e destes (e de outros comandos que estavam em várias unidades do Exército) menos de uma centena veio a integrar a nova força.

O CTP dispunha de 1.191 praças paraquedistas e 341 em instrução, no Regimento de Comandos havia 76 praças com o Curso de Comandos e 336 em formação18. A diferença era abismal.

Cedo se abandonou a hipótese defendida por Soares Carneiro de criar a brigada e só depois proceder à transferência de ramo, tudo tinha de ser feito em simultâneo. Os meses de estudos assentaram muito no futuro dispositivo territorial, ou seja, em que Regimentos ficariam as sub-unidades operacionais da Brigada Aerotransportada Independente (BAI), com muitas alterações ao longo do tempo, e também nas questões relativas ao futuro ciclo de instrução que os militares iriam ter de ultrapassar para integrar a BAI.

Havia ainda uma grande preocupação e muito trabalho com a 2.ª LPM e isso tinha uma forte razão de ser. Tratava-se de concretizar um ambicioso reequipamento com vários programas que totalizavam 19 milhões de contos (94.770.000 euros), a gastar em apenas 5 anos (1993-1997).

Para se ter uma ideia do que era este volume de dinheiro, nessa altura, o CTP tinha um orçamento anual total 17.500.000 euros. O Regimento de Comandos tinha um orçamento anual de 3.500.000 euros.

Assim, o que se anunciava era que, só em verbas da 2.ª LPM, a nova brigada iria receber, além do seu orçamento anual, mais 19.000.000 euros/ano. Ou seja, o dinheiro total anual do CTP na Força Aérea agora mais do que duplicava. O que se pretendeu era muitíssimo ambicioso como se haveria de constatar e não foi alcançado.

De realçar que a FAP, no 1.º Grupo de Trabalho no EMGFA, tinha um representante, depois deixou de ter, os estudos passaram para a esfera do Exército. Este, manifestou discordância – e justificou – com alguns aspectos da organização, nomeadamente «…a inclusão de unidades estranhas aos pára-quedistas e aos comandos não conforma com a directiva de criação da Brigada Pára-Comando e colide com a orientação publicamente expressa pelo Senhor Ministro da Defesa Nacional…». Ninguém ligou, mas era verdade.

A nova brigada tinha regimentos por todo o país, muitos mais que as unidades de paraquedistas e comandos. Já tinham sido esquecidos os 3.500 militares que o Ministro da Defesa tinha referido como objectivo e o número necessário só para a brigada, sem contar com o dispositivo territorial, era agora superior a 4.000 militares.

Outro aspecto relativo a este processo, alvo de debate dentro dos paraquedistas, qual foi a reação do Comando do CTP? Cedo percebeu que, atendendo ao posicionamento da Força Aérea, nada havia a fazer para contrariar a decisão política. Podemos dizer assim que a sua actuação, pragmática, teve uma vertente interna e outra externa ou pública.

Internamente, leia-se no EMGFA e Exército, teve a maior intervenção possível nos Estudos em curso, nomeando oficiais para os diversos grupos de trabalho e propondo caminhos. Tratava-se de tentar garantir uma futura organização dos paraquedistas no Exército, o mais semelhante possível à que havia na Força Aérea; e ainda salvaguardar, na letra da legislação a criar, os direitos que os seus militares tinham na Força Aérea.

A vertente pública concretizou-se basicamente em alocuções críticas de comandantes em cerimónias militares e mobilização das Associações de Paraquedistas19, sem grande sucesso, o que acabou por ter alguma expressão na comunicação social, embora limitada. Houve ainda um ou outro artigo de opinião nos jornais para tentar mostrar alguma insatisfação e aviso.

Em 3 de Setembro de 1991, no Dia da Base Operacional de Tropas Paraquedistas (BOTP) 2, o seu comandante, Coronel Paraquedista Manuel Bação da Costa Lemos, referia o seguinte no seu discurso público:

«…também a incerteza e a apreensão nos vêm, ultimamente, invadindo o espírito, ao sermos confrontados com as momentosas e inesperadas alterações a operar no posicionamento, supostamente controverso, das tropas pára-quedistas em Portugal. A apetência pela nossa integração noutro ramo que compreendemos e respeitamos, já vem de longe, e por paradoxal que pareça, enche-nos de orgulho… … oxalá o futuro não nos desminta, provando não haver cabimento para estes laivos de aproximação ao pensamento de Herbert Spencer quando definia a tragédia como «uma bela generalização assassinada por uma horrenda realidade» ... ... é nossa convicção que não adianta chorar no leite derramado e que como militares disciplinados que nos orgulhamos de ser, não nos resta senão acatar, serenamente, as decisões e opções já assumidas por quem de direito e contribuir com abertura de espírito e de forma firme, mas construtiva para o seu aprimoramento e consecução…»

Na realidade, no panorama político de então, com a maioria absoluta do PSD na Assembleia da República, sem o interesse dos partidos políticos da oposição, nomeadamente o maior, o Partido Socialista, não havia alternativas.

Tancos, 30 de Dezembro de 1993, o Presidente da República, Mário Soares, discordando da transferência, mas não querendo interferir, optou por forçar duas cerimónias, esta de manhã onde esteve presente, a condecoração do Corpo de Tropas Paraquedistas e outra na parte da tarde, a extinção do CTP e activação do CTAT/BAI.

Foto José Tó

 

Em 1992, os estudos em curso já tinham abandonado a expressão “pára-comando” e designavam-se agora Levantamento do Comando de Tropas Aerotransportadas/Integração dos Paraquedistas no Exército. “Aerotransportados” foi a designação possível de encontrar na altura para evitar a Pára-Comandos e foi fundamentada na doutrina do Exército, na qual a Pára-Comandos era expressão estranha.

Houve muitos aspectos previstos nos estudos que foram sendo alterados e nunca se concretizaram: da possibilidade de opção pelo ramo para os oficiais e sargentos oriundos da Força Aérea, aos aumentos das gratificações de serviço aéreo, da integração dos sistemas informáticos com a FAP, à prontidão a 100% em pessoal e material dos novos batalhões em 1995.

 

E – Comando das Tropas Aerotransportadas e Brigada Aerotransportada Independente

No dia 1 de Janeiro de 1994, “apresentaram-se” no Exército 2.174 militares paraquedistas no Activo, 74 na situação de Reserva fora da efectividade de serviço e 108 militares em preparação, totalizando 2.356 militares, além de 191 funcionários civis. A estes, juntaram-se 144 militares das várias armas e serviços do Exército, incluindo Comandos, que frequentam o curso de paraquedismo militar em Tancos, ainda no final do ano de 1993.

Tancos, 30 de Dezembro de 1993, o Estandarte Nacional do Corpo de Tropas Paraquedistas da Força Aérea desfila pela última vez na sua história. Actualmente, está no Museu das Tropas Paraquedistas.

Foto José Tó

 

De acordo com o planeamento do Exército, a BAI deveria estar a 100% em pessoal e material em 1997, ou seja, em quatros anos, seria alcançado um efetivo de 4069 paraquedistas, só para a brigada. A estes ainda se teria que acrescentar os destinados às unidades territoriais do Corpo de Tropas Aerotransportadas (CTAT).

Inicialmente, o CTAT foi constituído por:

– Comando e Estado-Maior (a funcionar em Monsanto, no antigo CCTP, e transferidos, ainda em 1994, para a antiga Base Aérea (BA) 3, em Tancos, entregue ao Exército fruto de reformulação do dispositivo da Força Aérea)

– Escola de Tropas Aerotransportadas – ETAT (a antiga BETP);

– Área Militar de S. Jacinto – AMSJ (a antiga BOTP2).

O CTAT tinha como força operacional a BAI com a seguinte constituição orgânica, a implementar gradualmente:

– Comando e Estado-maior (Tancos – CTAT);

– Companhia de Comando (Tancos – CTAT);

– 1.º Batalhão de Infantaria Aerotransportado (Tancos – CTAT);

– 2.º Batalhão de Infantaria Aerotransportado (S. Jacinto – AMSJ);

– 3.º Batalhão de Infantaria Aerotransportado (Tancos – ETAT);

– Grupo de Artilharia de Campanha (não ativado, ficando, no entanto, o pessoal da CMP a constituir uma Bateria de Bocas de Fogo, na AMSJ);

– Batalhão de Apoio de Serviços (Tancos – CTAT);

– Companhia de Transmissões (S. Jacinto – AMSJ);

– Companhia de Engenharia (não ativada);

– Companhia Anticarro (S. Jacinto – AMSJ);

– Bateria de Artilharia antiaérea (não ativada);

– Esquadrão de Reconhecimento (não ativado).

Estava consumada a transferência, ia começar a integração. Nos anos seguintes, as sub-unidades operacionais foram sendo activadas e uma nova unidade, o Regimento de Infantaria 15 de Tomar integrou o CTAT.

 

F – O previsto e a realidade

A 5 de Fevereiro de 1994, o Decreto-Lei n.º 27/94 consagra este processo de transferência, e de facto, do ponto de vista legislativo, não sendo perfeito, foi muito completo. Foram genericamente acautelados os interesses do pessoal que, até 31 de Dezembro de 1993, estava colocado no Corpo de Tropas Paraquedistas, por força do Decreto-Lei n.º 180/94, de 29 de Junho. Estou a referir-me, por exemplo, às questões relativas à manutenção da qualificação aeroterrestre, a qual garante, como se sabe, um aumento do tempo de serviço e uma gratificação.

Infelizmente, na altura, não foi acautelada uma questão importante que estava na legislação desde a fundação dos paraquedistas, o uso da boina verde. Com a revogação de toda a legislação anterior, nomeadamente a da fundação e ainda, naturalmente, a Portaria do Regulamento de Uniformes da Força Aérea, onde esse artigo de uniforme estava previsto, alteraram-se no Exército as condições de atribuição e de uso boina verde. Ainda hoje, não estão totalmente resolvidas e tem dado, como é público, muitos problemas. O Exército teima em regulá-la por um mero despacho do CEME e não por Portaria, como, aliás, está, por exemplo, a azul da Força Aérea (Polícia Aérea) ou a Azul-ferrete da Marinha (Fuzileiros). É uma das “pontas soltas“da transferência… há 30 anos! Há outras.

Militar paraquedista em serviço no Kosovo (2007), ostenta na boina verde, a insígnia criada em 2003 para as tropas paraquedistas.

Foto Miguel Silva Machado

 

De um modo geral, nos primeiros anos, tudo se manteve semelhante para os paraquedistas oriundos da Força Aérea, das unidades em que prestavam serviço às questões relativas a vencimentos e gratificações, tudo estava na mesma. A maior diferença, em termos individuais, em relação à Força Aérea, teve a ver com promoções e progressão nas carreiras, o que naturalmente influenciou o nível de vida dos envolvidos, para melhor e para pior. Sem entrar em grandes detalhes, mas generalizando (o que tem sempre riscos!), pode dizer-se que os oficiais oriundos da Academia Militar que voltaram às suas armas de origem foram, genericamente, beneficiados (bem sei que a alguns aconteceu exactamente o contrário); os oriundos do Serviço-Geral Paraquedista, que pertenciam ao QP da Força Aérea, foram pontualmente prejudicados, com mais anos nos postos do que os outros oficiais técnicos do Exército; os Sargentos Paraquedistas, todos oriundos do QP da Força Aérea foram genericamente prejudicados com muitos mais anos nos postos do que os sargentos das armas do Exército. Só para dar um exemplo, o CTP tinha 10 sargentos-mores, em 1993, hoje há 3 sargentos-mores paraquedistas. Há uma unidade, o Regimento de Infantaria n.º 10, que há mais de dois anos que não tem Sargento-Mor, não se percebe porquê. É uma coisa impensável no tempo do CTP!

O Exército como ramo das Forças Armadas foi naturalmente o grande beneficiado neste processo. Além dos efectivos, material de todo o tipo, armamento e infra-estruturas, aumentou o seu potencial de combate de modo expressivo como nunca mais até hoje. Imagino mesmo que nem voltará a aumentar nunca na sua história, exceto em caso de guerra generalizada na Europa! Isto conferiu-lhe a possibilidade que não tinha de participar, no imediato, em missões expedicionárias com efectivos de 1 batalhão reforçado. Recebeu uma capacidade – o paraquedismo militar – que nunca tinha tido, a qual, recorda-se, é muito especializada e difícil de criar e desenvolver no ponto em que estava no CTP, igual às unidades congéneres europeias: quer para grandes efectivos com o salto automático quer para forças especiais com os saltos manuais, mesmo os realizados a grande altitude. A grande limitação nacional era, então e é hoje, a disponibilidade meios aéreos em quantidade.

Em 1994/96, as tropas aerotransportadas foram de facto a prioridade do Exército, esta foi uma promessa cumprida. Formaram muitos novos paraquedistas – os constrangimentos orçamentais que limitavam o número de incorporados, na época, da Força Aérea terminaram. Acresce que um número razoável de oficiais e sargentos do Exército acreditou na nova unidade e a ela se juntou depois de ultrapassar o curso de paraquedismo, em Tancos. Recordo que, no tempo do CTP, havia de facto muita falta de oficiais oriundos da Academia Militar, sobretudo subalternos e capitães. A situação melhorou de facto.

A primeira missão na Bósnia e Herzegovina, logo em janeiro de 1996, mais acentuou a real prioridade atribuída às tropas aerotransportadas no ramo terrestre, os paraquedistas receberam equipamentos e material que nunca tinham tido. Esta situação não foi, no entanto, mantida por muito tempo, o “resto” do ramo terrestre não a aceitava de bom grado. Acresce que as outras duas brigadas do Exército começaram a ser empenhadas em missões exteriores, em 1997 e 1998, e necessitavam de atenção e recursos que não eram abundantes no ramo terrestre.

Na Brigada Aerotransportada Independente, os morteiros pesados em uso no CTP foram substituídos pelos obuses M119 Light Gun 105mm que pode ser rebocado, helitransportado, aerotransportado ou lançado em paraquedas.

Foto Miguel Silva Machado

 

Em 1999, uma boa notícia para os paraquedistas. Desde 1994, designados “aerotransportados”, agora nos termos do Despacho n.º 221 do CEME, de 20 de Agosto, General Martins Barrento, voltaram à designação “paraquedistas” apagando definitivamente do glossário do Exército a “aerotransportados”, escolhida nas contingências dos estudos de 1991/92. Mais tarde, em 2003, mais uma decisão para reforçar o espírito de corpo dos boinas verdes, foi autorizada por despacho do CEME, General Silva Viegas, uma insígnia de boina exclusiva para os paraquedistas em serviço na brigada.

O objectivo anunciado em 1991/93, de ter a brigada a 100%, em 1997, não foi alcançado nesse ano nem nunca. Mas também é verdade que houve algum aumento do potencial de combate da Brigada Aerotransportada, ao longo da primeira década no Exército. Duas novas capacidades chegaram a ter efectiva relevância, a “artilharia paraquedista”, com um Grupo de obuses 105mm “Light Gun”, uma bataria, pelo menos, era mesmo paraquedista, e o esquadrão de reconhecimento com viaturas blindadas Panhard M-11 e V-150. Note-se que estas sub-unidades continuam hoje a existir, assim como a Companhia de Engenharia ou a Bataria de Artilharia Anti-Aérea, não têm é real capacidade paraquedista, por gritante falta de pessoal.

Os Comandos não só não se fundiram com os Paraquedistas, recordo que menos de 100 integraram a nova brigada com 2.000 paraquedistas, como renasceram em 2002! A aposta do poder político e de certos sectores do Exército na sua extinção falhou. Hoje, têm um Regimento, embora com efectivos mínimos, comparáveis aos de 1991.

Os helicópteros, que deviam ser prioritariamente usados pela nova brigada, nunca chegaram, a Aviação do Exército nunca se concretizou, mas curiosamente volta agora a ser falada, 30 anos depois.

Entre 1994 e 2006, as Tropas Aerotransportadas mantiveram um comando de natureza territorial, o CTAT, e um de natureza operacional, a BAI. Este dispositivo era guarnecido – dez anos depois da transferência – por um número de pessoal especializado em paraquedismo praticamente igual ao que existia no Corpo de Tropas Paraquedistas na Força Aérea. 2.174 Páras transferidos, em 1994, passados dez anos havia 2.288, apenas mais 114.

O Esquadrão de Reconhecimento da Brigada Aerotransportada Independente recebeu as Panhard Ultrav M11, Viatura Táctica Ligeira Blindada de Reconhecimento.

Foto Miguel Silva Machado

 

Em 2006, houve uma mudança drástica na organização paraquedista, mesmo uma rotura. A criação da Brigada de Reação Rápida (BRR) mudou o essencial da já limitada autonomia que os paraquedistas tinham desde 1994. Foram integrados nesta nova “brigada mista” que juntou Comandos, Operações Especiais e outras Armas e Serviços, e acabou com o único cargo de oficial general que deveria ser sempre ocupado por um oficial especializado em paraquedismo militar.

Desde 2017, há seis anos consecutivos, portanto, não há um único oficial general paraquedista na estrutura de comando onde se inserem os paraquedistas no Exército. O último foi o Major-General Carlos Perestrelo. Há regimentos onde estão batalhões de paraquedistas que têm sido comandados por coronéis não-paraquedistas e onde não há sargentos-mores paraquedistas. O Regimento de Tomar tem um Sargento-Mor que não é paraquedista, o Regimento de São Jacinto já foi comandando por coronéis não para-quedistas. Não há aqui qualquer juízo de valor em relação aos camaradas não-paraquedistas, recordo até um oficial das operações especiais que foi comandar o Regimento de Tomar, fez a chamada reciclagem para voltar a saltar em paraquedas, manter a qualificação e usar a boina verde de pleno direito, perfeitamente integrado. Constato apenas que isto é uma realidade impossível de acontecer no tempo do CTP na Força Aérea ou no CTAT no Exército, mas hoje possível com a Brigada de Reação Rápida.

 

G – Conclusões

Em muitas áreas torna-se difícil senão impossível fazer comparações entre os tempos do CTP, na Força Aérea, e a actualidade da Brigada de Reação Rápida, no Exército, são realidades muito diferentes. Antes, a organização paraquedista estava perfeitamente individualizada, gozava de grande autonomia, até financeira, e a quase totalidade dos militares que nela serviam faziam-no durante toda a sua vida militar. Havia um reduzido número de não-paraquedistas na organização, especialistas, técnicos da Força Aérea. Hoje, as unidades paraquedistas estão debaixo de um comandante que pode ou não ser um oficial paraquedista, a autonomia dentro do ramo é mínima – igual às outras brigadas do Exército –, o seu comando e estado-maior e bem assim como as suas unidades incluem muitos militares não-paraquedistas das diferentes armas e serviços. Parte importante dos quadros não permanecem muitos anos nas unidades paraquedistas. Este sistema de gestão de pessoal levanta problemas vários, sendo especialmente notado na área aeroterrestre. Outro exemplo, todos os processos relativos à aquisição de armamento e equipamento não são decididos pelos paraquedistas, mas pelo ramo terrestre, mesmo que, aqui e ali, um ou outro oficial ou sargento paraquedista possa ser chamado a dar opinião, mas nunca a decisão como antes.

No entanto, também é verdade que as profundas mudanças organizacionais verificadas, felizmente, não têm atingido o essencial da instrução do militar paraquedista. Os jovens que se oferecem para as tropas paraquedistas continuam a ser incorporados no Regimento de Paraquedistas. Ali fazem a sua formação básica, o curso de paraquedista – o qual tem-se mantido praticamente o mesmo ao longo de décadas – e o curso de combate. Acresce que toda a área aeroterrestre continua muito especializada com altos padrões de profissionalismo. Outra vertente significativa, as missões expedicionárias, a partir de 1996, foram sucessivamente levando a melhorias na instrução das tropas e quadros e nos seus equipamentos. Quer na instrução quer nos equipamentos e armamento tem havido evolução.

Regimento de Paraquedistas, Tancos, na actualidade. Desfilam junto ao Monumento aos Mortos em Combate, inaugurado em 1968, elementos de associações de paraquedistas. O movimento associativo está particularmente activo entre os boinas verdes de todas as gerações.

Foto Alfredo Serrano Rosa

 

As últimas missões exteriores, nomeadamente as que decorrem na República Centro Africana, com o grau de exigência que tem repetidamente colocado as unidades paraquedistas em acções de combate contra grupos rebeldes, prova de novo a quem duvidava o valor do militar paraquedista.

Os boinas verdes de ontem como os de hoje, os da Força Aérea como os do Exército, depois de deixarem o serviço activo, continuam a juntar-se em encontros, associações um pouco por todo o país e mesmo nas comunidades de emigrantes. Anualmente, milhares rumam a Tancos, no dia 23 de Maio, dia do Regimento de Paraquedistas e do Paraquedista, desde 1956. O espírito paraquedista mantêm-se.

A esta distância de trinta anos, parece-me absolutamente claro é que a transferência e inserção das Tropas Paraquedistas no Exército não se traduziu em qualquer benefício para as Forças Armadas Portuguesas e para a sua capacidade operacional. Tratou-se apenas de uma mudança de tutela, ficando o Exército com uma capacidade que nunca tinha tido, mesmo que hoje reduzida a níveis mínimos, muito longe dos objectivos justificativos de 1994, problema, aliás, transversal a todo o ramo e às Forças Armadas. A redução do efectivo dos paraquedistas comparativamente com o total do Exército, foi, no entanto, muito maior. Perderam mais de 75% do pessoal que tinham no Corpo de Tropas Paraquedistas e se, em 1994, eram 15,6% do total do Exército, hoje, são 4,99%. Em 2023, se necessário, seria impossível cumprir uma missão expedicionária como a da Bósnia, em 1996, ou Timor-Leste, em 2000. Nesses teatros de operações empenhámos batalhões com efectivos superiores à totalidade dos paraquedistas que hoje estão no activo, e nesses anos ainda estavam cá em preparação os batalhões que se seguiriam.

Sobre os trinta e oito anos na Força Aérea, permanece, hoje, na memória colectiva dos paraquedistas, mesmo naqueles que nunca a conheceram e são a quase totalidade, uma imagem de profissionalismo e modernidade que os boinas verdes respeitam e de algum modo sentem fazer parte.

Há, no momento presente, nas tropas paraquedistas, algumas expectativas positivas. Nem sempre isso tem acontecido desde 1994, umas vezes sim outras não. Devemos entrar numa época em que ser do Exército para os paraquedistas seja um facto absolutamente natural, como em qualquer Exército que os tem, acarinha e respeita. Pertencer ao Exército não pode ter de significar abdicarem das suas idiossincrasias, dos seus símbolos de sempre, do seu espírito de corpo. Este, ninguém duvide, hoje como ontem, será sempre o factor decisivo quando o país precisa de militares para as missões mais difíceis. E é para estas que os boinas verdes foram criados em 1955. Cumpriram-nas no Ultramar e cumprem, hoje, um pouco por todo o Mundo.

 

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* Conferência no Instituto Bartolomeu de Gusmão, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, em Lisboa, no Palácio da Independência, a 4 de Maio de 2023.

1 Processo Revolucionário em Curso.

2 17 de Fevereiro de 1981 a 18 de Fevereiro de 1984.

3 1 de Março de 1984 a 8 de Março de 1989.

4 O tema tem alguma expressão na imprensa – Diário de Notícias de 7 de Agosto de 1989 e Independente de 11 de Agosto de1989.

5 29 de Março de1989 a 25 de Janeiro de 1994.

6 17 de Agosto de 1987 a 5 de Janeiro de 1990.

7 Paraquedista.

8 Piloto Aviador.

9 Serviço-Geral Paraquedista.

10 Ao contrário do que o General Cerqueira Rocha afirmou, em 30 de Dezembro de 1993 – que a generalidade dos oficiais do QP no CTP eram oriundos da Academia Militar, nessa data, 42,2% dos oficiais do QP do CTP eram do QP da Força Aérea, especialidade SGPQ.

11 5 de Março de 1990 a 16 de Março de 1995.

12 1928-2014, no cargo de 29 de Março de 1989 a 25 de Janeiro de 1994.

13 Diário de Notícias, 30 de Maio de 1991.

14 General Firmino Miguel, CEME de 1987 a 9 de Fevereiro de 1991. O CEME, nesta altura, já era o General José Alberto Loureiro dos Santos, no cargo até Outubro de 1992.

15 Serviço Militar Obrigatório, então designado Serviço Efectivo Normal (SEN).

16 Regime de Voluntariado/Regime de Contrato.

17 Quadros Permanentes.

18 Estudo, 3.ª versão, 30 de Setembro de 1991.

19 Encontro Nacional de Paraquedistas, no Entroncamento, em 8 de Dezembro de 1991.

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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia