Nº 2676 - Janeiro de 2025
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
In Memoriam

IN MEMORIAM

Tenente-General Vasco Joaquim Rocha Vieira

(16 de agosto de 1939 - 22 de janeiro de 2025)

 

 

Faleceu em 22 de janeiro último, o Tenente-General Vasco Rocha Vieira, sócio efetivo da Revista Militar, desde 2001.

Com este In Memoriam, a Revista Militar procura prestar-lhe um mais do que justo tributo, além de legar às gerações futuras o conhecimento da vida e obra deste tão insigne português.

Vasco Rocha Vieira nasceu em Lagoa, no Algarve, em 16 de agosto de 1939. Com um ano de idade partiu com os Pais para Moçambique.

Aí passou grande parte da infância, até que em 1950 ingressou no Colégio Militar, onde fez o ensino secundário e criou as fundações para o seu patriotismo, para o seu sentido de serviço a Portugal e para a sua vocação militar. A condição de “Menino da Luz” acompanhou-o em toda a sua vida. Era no coração que de facto usava a barretina que ostentava na lapela.

Em 1956, ingressou na então Escola do Exército, mais tarde Academia Militar (AM), onde, com muita distinção, cursou Engenharia Militar, nisso se incluindo a frequência do Instituto Superior Técnico. Foi o melhor Aluno do seu curso e, como finalista, o Aluno mais classificado de toda a AM. Isso valeu-lhe ser reconhecido com os prémios Alcazar de Toledo, de Espanha, e Marechal Hermes, do Brasil. São estes os primeiros traços da excecionalidade e do muito mérito que haveriam de marcar toda a sua vida.

Começou depois o seu exercício profissional. Nunca se afastando da sua essencial matriz militar, empenhou-se em diversos campos de atividade. Sempre com brilho e relevo e, naturalmente, com responsabilidades crescentes, que atingiram patamares muito elevados no quadro nacional.

Não é fácil sistematizar a polifacetada e muito rica vida activa do Tenente-General Vasco Rocha Vieira. Procuraremos olhar para ela tanto quanto possível focados nas dimensões militar, política e também noutras vertentes da sua vida cívica.

Como militar, esteve colocado em diversas Unidades e Quartéis-Generais, em Portugal, Angola e Macau. Destaque para duas comissões de serviço. Uma, em Angola, entre 1966 e 1968. Outra, em Macau, entre 1973 e 1975, esta como Chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente de Macau.

No plano da formação de carreira, frequentou com muito destaque os Cursos Geral e Complementar de Estado-Maior e o Curso Superior e Comando e Direção, todos do então Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM).

Foi Professor na Academia Militar (1968/69) e no IAEM (1983/84). Em 1975, foi mandado regressar de Macau para, no contexto muito conturbado da época, assumir a função de Diretor da Arma de Engenharia e, por inerência, de Diretor do Serviço de Fortificações e Obras do Exército. Graduado para o efeito em Brigadeiro, esteve nessas funções até junho de 1976, sempre com enorme atenção pelas agitadas situações que se viviam nas unidades de Engenharia, procurando antecipar e evitar desvios preocupantes e mostrar e exigir os caminhos da boa norma militar.

Associado ao conhecimento do seu caráter, da sua competência, e do respeito que naturalmente suscitava, não foi estranho que, em junho de 1976, tenha sido escolhido para Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME). Tenente Coronel de posto, foi graduado em General. Como CEME, continuou o trabalho de restabelecimento da hierarquia e de reposição da disciplina e da coesão encetado pelo General Ramalho Eanes, no pós 25 de novembro de 1975. Mas foi naturalmente mais longe, dando início à indispensável reorientação do Exército do modelo desenvolvido para a Guerra em África para uma postura e organização adequadas ao quadro de conflito convencional típico da Europa e da NATO.

Foi sob o seu comando que o Exército voltou a aproximar-se dos Aliados naturais de Portugal. Nas condições que então se viviam, as visitas oficiais que fez à França, EUA e Reino Unido foram verdadeiros atos de coragem e afirmações do compromisso de Portugal e do seu Exército para uma retoma da normalidade geopolítica e militar do país.

Mas foi também no seu tempo como CEME que foi restruturada a carreira dos Oficiais do Exército e se lançaram as bases para a retoma do ensino superior militar, interrompido desde abril de 1974. Nota muito reveladora quanto à personalidade de Vasco Rocha Vieira foi a estreita atenção que, enquanto CEME, dedicou à informação interna no Exército, uma prática que os anos de guerra e de processo revolucionário tinha afastado e que a mudança impunha de modo reforçado.

Em 1978, cessou as funções de CEME, na sequência de uma tensão entre os modelos institucional e revolucionário, em que naturalmente se empenhou vivamente na defesa do modelo institucional. Os tempos seguintes confirmaram de modo insofismável a razão que lhe assistia.

Enquanto CEME, foi por inerência membro do Conselho de Revolução, missão em que confirmou a sua sensibilidade política, o seu espírito de diálogo e o seu rigor militar.

Regressado à sua patente de Coronel, foi escolhido para o relevante cargo de National Military Representative (NMR) de Portugal junto do Supremo Headquarters Allied Powers Europe (SHAPE/NATO). Foi o primeiro NMR nacional colocado em exclusividade de funções junto do SHAPE. Do seu desempenho nesse muito importante organismo internacional resultou o reforço da credibilidade de Portugal, antes tão abalada pelos anos do antigo regime e pela turbulência que se seguiu ao 25 de abril de 1974.

Promovido a Oficial General (Brigadeiro) em 1984, foi colocado no Instituto da Defesa Nacional, onde foi Subdiretor e Diretor do Curso de Defesa Nacional até 1986, além de ter frequentado o Curso de Defesa Nacional em 1984/85.

Foi promovido a Tenente-General em 1987.

Haveria ainda de desempenhar mais duas funções militares. Entre 2002 e 2008, foi Diretor Honorário da Arma de Engenharia e, em 2002, Juiz Presidente do 1.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa.

Olhemos agora para o seu contributo no exercício de responsabilidades políticas.

A primeira função dessa natureza que desempenhou foi a de Secretário Adjunto para as Obras Públicas e Comunicações do Governo de Macau, em 1974/75.

Em 1986, foi nomeado para o cargo de Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, responsabilidade em que se manteve até 1991. Nesse desempenho merece grande realce o enorme contributo que deu para a melhor definição e para a consolidação do valor da autonomia regional no quadro da unidade nacional.

Em 1991, foi escolhido para exigente função de Governador de Macau, nela permanecendo até à transição da responsabilidade nacional pelo território para a responsabilidade da República Popular da China, em 19 de dezembro de 1999.

Na sua governação de Macau preocupou-se em introduzir grande rigor na administração pública, em promover um notável esforço de progresso e desenvolvimento económico e social, em materializar a construção de infraestruturas básicas, com destaque para o novo Aeroporto Internacional e em estimular e criar condições para um maior progresso, nomeadamente nos campos da educação e da saúde.

E cuidou muito e bem, com visão de futuro, patriotismo, paciência e enorme sabedoria da relação com a República Popular da China, tendo sobretudo em vista o processo de transição de responsabilidades e a necessidade de acautelar as relações Portugal-China, a singularidade do território, a preservação da presença portuguesa e os direitos, liberdades e garantias dos seus cidadãos, em particular durante o período transitório de 50 anos que se acordou para a Região Administrativa Especial de Macau.

Foi um caso de grande sucesso, assim reconhecido por Portugal, por Macau e pela China. Não foi obra de um homem só, mas a inteligência, o pragmatismo, o saber e o humanismo de Vasco Rocha Vieira marcaram-na indelevelmente. Com ela, Portugal fechou com honra e dignidade o seu multissecular ciclo imperial. A imagem, por todos recordada, de Vasco Rocha Vieira segurando no seu peito a última Bandeira Nacional que por direito próprio flutuou em Macau, emocionou e honrou os portugueses e correu Mundo.

Quem hoje viaja pelo Extremo Oriente facilmente constata a perceção muito positiva que na região existe relativamente a Portugal e como essa perceção radica no ineditismo da gesta da Expansão e também no contemporâneo e impecável processo de transição que Portugal conduziu relativamente a Macau.

Vista ainda que sumariamente a sua vida militar e política, não se pode igualmente deixar de atentar noutros aspetos da dimensão cívica do Tenente- General Vasco Rocha Vieira.

Após a Licenciatura e durante toda a sua vida, foi um empenhado membro da Ordem dos Engenheiros, onde atingiu o grau máximo de Conselheiro. Foi também membro da Academia de Engenharia.

Foi representante de Portugal na Asia-Europe Foundation, entre 2002 e 2011.

Entre 2006 e 2016, foi Chanceler do Conselho das Antigas Ordens Honoríficas Portuguesas.

Foi membro do Conselho de Honra do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e membro do Advisory Board da Nova School of Business and Economics, da Universidade Nova de Lisboa.

Em 2023, recebeu o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau.

Integrou o Conselho Geral e de Supervisão da EDP.

Era membro do Conselho Supremo da Sociedade Histórica da Independência de Portugal e do Conselho Supremo da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar.

Era sócio honorário da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade Histórica da Independência de Portugal e da Liga dos Combatentes.

Foi co-autor, juntamente com António Barreto, Luís Aires-Barros, Luís Valença Pinto e Manuel Braga da Cruz do livro “O 25 de novembro e a democratização portuguesa”, publicado em 2015.

Em 1984, publicou na Revista Militar um artigo intitulado “O emprego dos meios de comunicação social na ação estratégica”.

Sendo um homem de Fé, era Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, membro da Irmandade Militar de Nossa Senhora da Conceição de Lamego e Cavaleiro da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém.

Também no desporto Vasco Rocha Vieira se salientou. Foi, nomeadamente, praticante de atletismo, golfe, mergulho, paraquedismo, ténis e rugby. Teve responsabilidades como dirigente no Centro Desportivo Universitário de Lisboa, em 1962/64, e foi campeão nacional de paraquedismo desportivo e campeão universitário nacional nas modalidades de futebol e de rugby.

Uma vida com esta extraordinária riqueza recebeu naturalmente múltiplos sinais públicos de muito reconhecimento.

O Tenente-General Vasco Rocha Vieira era agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito (a mais elevada condecoração portuguesa), com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, comendador da Ordem Militar de Avis, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, com a Medalha de Serviços Distintos, nos graus Ouro e Prata, com a Medalha de Mérito Militar de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, com a Medalha de Comportamento Exemplar nos graus Ouro e Prata, com a Medalha Comemorativa das Campanhas de Angola 1965/66/67, e com a Medalha Comemorativa das Comissões de Serviço Especial 1973/74/75.

Ostentava também várias condecorações estrangeiras: Grande Oficial da Ordem de Leopoldo, da Bélgica, Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco, do Brasil, Ordem de Mérito, dos Estados Unidos da América, Comendador da Legião de Mérito, de França e Grã-Cruz da Ordem do Tesouro Sagrado, do Japão

Recebeu também as Medalhas de Ouro de Mérito Municipal da cidade de Lagoa e da Universidade Católica Portuguesa, bem como a Grã-Cruz de Agradecimento de 1.ª classe, grau Ouro, do Corpo Nacional de Escutas.

Era cidadão honorário da cidade de Macau.

Casou com Maria Leonor de Andrada Soares de Albergaria e ambos tiveram três filhos, o Pedro, o João e o Filipe.

 

General Luís Vasco Valença Pinto

Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, 2006-2011

Chefe do Estado-Maior do Exército, 2003-2006

Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da Revista Militar, 2018-2022

 

 

Testemunhos

GENERAL VASCO ROCHA VIEIRA

1939-2025

 

Testemunhos Institucionais de homenagem à sua Pessoa e Obra…1

 

No passado dia 22 de janeiro foi recebida a notícia da morte, aos 85 anos, do General Vasco Rocha Vieira, Governador de Macau num período decisivo e de especial importância para o território, 1991-1999, o último terço da transição para a República Popular da China. Entre muitas outras variadas e prestigiantes funções e atividades da sua brilhante carreira de serviço público, foi também fundador e Curador da Fundação Jorge Álvares, onde será sempre lembrado pelo compromisso inabalável com os valores e objetivos que orientam a instituição, a qual foi sempre acompanhando de perto ao longo dos 25 anos da sua existência.

A newsletter da FJA de dezembro passado, a propósito do 25.º aniversário da transferência da Administração Portuguesa de Macau para a RPC, que pode rever aqui, constituiu, desde logo, também, uma verdadeira e justíssima homenagem ao último Governador de Macau. Dificilmente tudo poderá ser dito sobre o General Vasco Rocha Vieira, e sobre a sua exemplar atividade cívica, militar e política em vários e distintos períodos decisivos para o País, não esquecendo a sua elevadíssima dimensão humana.

 

Presidente da República honra a memória do

General Vasco Rocha Vieira

22 de janeiro de 2025

 

“O Presidente da República manifesta o mais profundo pesar pelo falecimento do Senhor General Vasco Rocha Vieira, o último Governador de Macau e antigo Chefe do Estado-Maior do Exército.

O General Rocha Vieira foi um dos mais ilustres oficiais do Exército Português na transição para a Democracia e nas primeiras décadas da sua afirmação.

Desde sempre muito ligado aos Comandos, exerceu ainda funções políticas como as de Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores.

Muito próximo do Presidente António Ramalho Eanes, foi também designado Chanceler das Antigas Ordens Militares pelo Presidente Aníbal Cavaco Silva.

O simbolismo do momento da transferência da administração portuguesa para a chinesa permanecerá na memória de muitos portugueses como um exemplo de sentido de Estado, sentido de serviço da causa pública e de marcado patriotismo.

O Presidente da República, que acompanhou de perto os últimos meses da sua vida, apresenta à sua Família, e, muito em especial, à sua viúva e filhos, o testemunho de gratidão de Portugal, com muito saudosa amizade.”

 

 

Foram muitas, as personalidades que homenagearam publicamente, neste momento de pesar, o General Vasco Rocha Vieira.

 

O General António Ramalho Eanes referiu-se ao General Rocha Vieira como “um homem de exceção pela sua ação de excelência e pela sua responsabilidade social assumida, merecendo ser, justamente, considerado um dos melhores dos nossos melhores”, lembrando-o como “um homem extraordinário, sobretudo a três níveis: pela sua personalidade, distintiva, pelo seu desempenho militar relevante e pelos serviços prestados ao País a nível político.”

O Professor Aníbal Cavaco Silva, por seu lado, lembrou Rocha Vieira como uma “figura marcante cujo legado dignifica os últimos anos da presença portuguesa no Oriente, permitindo-nos deixar o território reconciliados com a nossa história e orgulhosos da obra que deixámos”, acrescentando “a importância das altas funções militares desempenhou, como Chefe do Estado-Maior do Exército, num período crítico de consolidação da democracia portuguesa, ente 1976 e 1978.”

O Primeiro Ministro Dr. Luís Montenegro se referiu a Rocha Vieira como “um dos mais brilhantes militares a dar corpo ao sentido patriótico de ser português, com especiais serviços na consolidação da nossa democracia e na ligação histórica e marcante a Macau, onde foi o último Governador.”

O Ministro da Defesa Nacional, Dr. Nuno Melo, em nota de pesar considerou o General Rocha Vieira “uma figura fundamental na história da segunda metade do século XX português, no plano militar e no plano político “; … “Todos recordamos a imagem icónica e patriótica de colocar a Bandeira de Portugal sobre o coração após esta ter sido arreada em Macau”,… “Teve também um papel importantíssimo na recondução das Forças Armadas à tutela civil e através disso, na consolidação do próprio regime democrático”; … “Reconhecido dentro e fora de fronteiras, …. deve ser considerado e honrado pelo Exército, pelas Forças Armadas e Pelo Estado”.

A Assembleia da República aprovou por unanimidade uma nota de pesar do Presidente José Pedro Aguiar-Branco, na qual é reconhecido o elevado testemunho de serviço, patriotismo e dedicação cívica do General Rocha Vieira, destacado oficial do Exército Português tão relevante na construção da nossa democracia, lembrando igualmente que “os portugueses recordam a imagem icónica do General Rocha Vieira na cerimónia de transferência da Administração de Macau, segurando a Bandeira de Portugal.”

O Embaixador da República Popular da China, Zhao Bentang, numa entrevista ao Diário de Notícias considerou Rocha Vieira “muito boa pessoa. Contribuiu muito para o sucesso do regresso de Macau à China e também para a continuidade da cooperação entre a China e Portugal. É uma pena.”

Também o Partido Socialista se referiu ao General Rocha Vieira enaltecendo uma vida “inteiramente dedicada ao serviço de Portugal”. Relativamente a Macau consideraram-no “um dos melhores intérpretes da importância daquele território para a relação entre Portugal e a República Popular da China”, referindo-se à cerimónia de transferência da Administração para RPC que Rocha Vieira “personificou e simbolizou a dignidade e o tributo à presença portuguesa ao longo de séculos em Macau.”

O Exército, por seu lado, enalteceu o seu “legado de serviço e patriotismo”, considerando “estar de luto, por ter deixado de contar com um dos seus mais notáveis soldados”. Mais consideraram que “a sua vida e o seu legado justificam um profundo reconhecimento e perene respeito pela sua memória, e constituem fator de motivação e orgulho para todos os que servem nesta secular instituição” e “que o seu legado de serviço e patriotismo continue a inspirar gerações futuras.” O Regimento de Comandos, por sua vez, prestou uma homenagem na cerimónia de encerramento do 142.º Curso de Comandos, que teve lugar no dia 24 de janeiro, e que pode ver aqui.

A Câmara Municipal de Lisboa tornou públicas as suas condolências “lamentando o falecimento de um estadista de visão e homem de coragem que dedicou a sua vida à defesa do interesse”, acrescentando que “contribuiu para a consolidação do processo democrático, sendo peça fundamental do 25 de novembro de 1975.”. Também a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou por unanimidade um voto de pesar pela morte do General Vasco Rocha Vieira, destacando “o seu exemplo de dedicação à pátria”.

Exprimindo o seu “profundo pesar pelo falecimento de Vasco Rocha Vieira, o lagoense que foi o último Governador de Macau”, e decretando luto municipal durante três dias, a Câmara Municipal de Lagoa “orgulha-se de ter sido a sua terra natal e lembra, com grande carinho e respeito a figura ímpar que Vasco Rocha Vieira foi para o nosso concelho. A sua vida e obra são um exemplo de dedicação ao serviço público e ao fortalecimento dos laços entre os dois países, Portugal e a China.” … “O seu legado ficará para sempre na memória coletiva dos lagoenses e de todos aqueles que o conheceram e acompanharam ao longo da sua carreira.”

A Câmara Municipal de Mafra, por seu lado, considerando as relações da Câmara com a Fundação Jorge Álvares, reconheceu “o papel desempenhado pelo Senhor General Vasco Rocha, enquanto fundador e Curador da Fundação”, sublinhando ainda “o elevado sentido de missão evidenciado no exercício de funções públicas, nomeadamente enquanto antigo Chefe do Estado Maior do Exército e último Governador de Macau”.

 

 

O General Vasco Rocha Vieira deixou-nos, mas eu já me despedira dele quando, há cerca de um mês, fui visitá-lo ao Hospital das Forças Armadas, porque me pareceu que já não havia esperança de o tornar a ver com vida.

Na missa e cerimónia muito assistida, muito digna e muito justa da sua despedida, que ocorreu na Capela da Academia Militar, o Presidente da República, ao usar da palavra, evocou Isabel “A Católica” e a forma como ela se referia a Dom João II – El Hombre. Esta evocação foi certamente utilizada para dizer que, à semelhança de Dom João II, Vasco Rocha Vieira demonstrara ao longo da sua vida ser um Homem notável. Penso que esta ideia é generalizada e incontroversa, contudo numa interpretação mais abrangente desta comparação, considero-a desadequada e infeliz.

Dom João II foi, sem qualquer dúvida, um homem invulgar e notabilíssimo, mas demonstrou sempre possuir uma grande apetência e gosto pela detenção do poder. Não é por acaso que foi designado por “Príncipe Perfeito”. Aliás esta propensão foi, ainda como príncipe e não como rei, representada nas tapeçarias de Pastrana, quando na fase do assalto a Arzila, Afonso V empunha a espada e ele ostentava na sua mão elevada a vara da justiça, o bastão do poder. Com efeito ele até poderia ser o modelo do “Príncipe” de Maquiavel, apesar de este ter sido, como sabemos, César Bórgia, o filho do Papa, príncipe que o autor desejava que fosse o unificador de Itália.

O General Vasco Rocha Vieira era exactamente o oposto. Quando lhe foi dado grande poder, como sucedeu nos Açores, mais tarde como Chefe do Estado-Maior do Exército e, finalmente, como Governador de Macau até ao final do nosso império que sucedeu com a sua entrega à China, ele exerceu-o de forma exemplar. Tanto na vida militar como no exercício de cargos políticos muito exigentes e difíceis, Vasco Rocha Vieira usou o poder que detinha com muita determinação e invulgar habilidade e eficácia, com inteligência e ponderação.

Colocando de parte o excelente exercício de cargos políticos, que é por todos reconhecido, recordo um episódio do âmbito militar passado comigo quando ele era Chefe do Estado-Maior do Exército. Eu era professor no I.A.E.M e, no quadro da frontalidade, que felizmente possuo, num requerimento que apresentei ao CEME, acerca de um daqueles casos estranhos que à época eram frequentes, terminei o escrito dizendo mais ou menos, “então já não há generais que mandem?”. Ele respondeu que afinal ainda havia. Deu-me uma repreensão.

Com o falecimento do General Vasco Rocha Vieira perdemos um excelente camarada que acompanhámos ao longo da vida, desde os bancos do Colégio Militar, entrada para a Escola do Exército e de uma relação de permanente amizade. Mas, afortunadamente, o nosso país ganhou muito em ter tido um Militar e um Homem de tão elevado valor.

 

3 de fevereiro de 2025

 

General António Eduardo Queiroz Martins Barrento

Chefe do Estado-Maior do Exército (1998-2001)

Presidente da Mesa da AssembleiaGeral da Revista Militar (2003-2011)

 

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1 Republicado a partir da Newsletter da Fundação Jorge Álvares – Edição Especial – Janeiro de 2025 e disponível em: https://preview.mailerlite.io/emails/webview/401321/145490777026332137

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Luis Valença Pinto
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Luis Valença Pinto

Nasceu em Lisboa, em 7 de fevereiro de 1946, ingressou na Academia Militar em 14 de outubro de 1963 e passou à situação de Reforma em 7 de fevereiro de 2011, perfazendo mais de 47 anos de serviço efetivo nas Forças Armadas.

Foi promovido ao posto de General em 6 de Agosto de 2003, quando assumiu as funções de Chefe do Estado-Maior do Exército, que exerceu até 5 de Dezembro de 2006, data em que assumiu as funções de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, responsabilidade que deteve até à passagem à Reforma.

Presentemente, é Professor Catedrático Convidado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo investigador em ambas as instituições.

REVISTA MILITAR @ 2025
by COM Armando Dias Correia