Nº 2676 - Janeiro de 2025
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O aumento dos suplementos da “Condição Militar” e de “Serviço nas Forças de Segurança”
Coronel
Carlos Manuel Gervásio Branco

Introdução

O recente aumento da componente fixa do “Suplemento da Condição Militar” (SCM)1 e do “Suplemento de Serviço nas Forças de Segurança” (SSFS)2 serviram de ponto de partida para o texto que se segue.

O mesmo será dividido em duas partes, uma primeira relativa aos suplementos referidos e aos seus antecedentes, e uma segunda relacionada com o processo que conduziu aos aumentos, dando um especial enfoque às suas repercussões futuras para a Guarda Nacional Republicana.

Os aumentos do SCM e do SSFS foram o culminar de um tumultuoso e pouco usual processo reivindicativo, promovido pelos sindicatos da Polícia de Segurança Pública (PSP) e pelas associações socioprofissionais da Guarda Nacional Republicana (GNR), que poderão ser apreciados em dois planos distintos, mas complementares. Num plano material e mais imediato, o qual se consubstancia numa valorização salarial para militares e polícias e numa inversão do crónico desinvestimento nas Forças Armadas (FFAA) designadamente no que tange aos recursos humanos, e num outro, mais mediato, de médio e longo prazo, o qual pode representar para a GNR, mais um passo no seu distanciamento relativamente à Instituição Militar.

 

I – Os Suplementos

Começaremos por uma breve incursão aos antecedentes dos actuais suplementos da “Condição Militar” e de “Serviço nas Forças de Segurança”, para depois nos debruçarmos sobre os mesmos, com vista a retirar algumas ilações.

Por extravasarem o âmbito pretendido neste texto, não se abordarão os suplementos remuneratórios específicos do desempenho de uma determinada actividade ou função, como sejam por exemplo entre outros, o suplemento de embarque (MAR), o suplemento de serviço aéreo (FA) ou o suplemento especial de investigação criminal (GNR).

 

1. Antecedentes do Suplemento da Condição Militar

Como antecedentes mais próximos do “Suplemento da Condição Militar”, criado em 19983, encontramos o “Suplemento por Comissão de Serviço Militar” que data de agosto de 1978.

a. Suplemento por Comissão de Serviço Militar

Para melhor elucidação do leitor transcreve-se um extrato do diploma que lhe deu origem4.

Artigo 3.º

“1 – Os militares dos quadros permanentes ou para além do período normal de serviço militar obrigatório, em comissão normal de serviço nas forças armadas, com as excepções definidas no número seguinte, percebem um «suplemento por comissão de serviço militar» de quantitativo mensal correspondente às seguintes percentagens, arredondadas para a centena de escudos superior, dos vencimentos base de capitão, no caso das alíneas a), b) e c), e de primeiro-sargento, nos restantes casos:

... Percentagens

a) Oficiais generais e coronéis ou capitães-de-mar-e-guerra ... 20

b) Outros oficiais superiores e capitães ou primeiros-tenentes ... 13

c) Outros oficiais ... 10

d) Sargentos-mores e sargentos-chefes ... 15

e) Outros sargentos e praças de vencimento base igual a furriel ... 10

f) Outras praças ... 5”

 

Como resulta do excerto que antecede, o valor deste suplemento era calculado em percentagem a partir do vencimento do posto de capitão para a categoria de oficiais, e de primeiro-sargento, para as categorias de sargentos e praças.

Em 19825, este suplemento remuneratório sofreu um ligeiro aumento: “as percentagens fixadas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 251-A/78, de 24 de Agosto, passam a ser, respectivamente: 26, 18, 14, 21, 14 e 8.”

 

b. Suplemento Especial de Serviço

Passados dois anos, em 19846, é criado um novo suplemento, à semelhança do que ocorrera em 1980 para a GNR, denominado “Suplemento Especial de Serviço”7, o qual vem substituir o “Subsídio de Guarnição” que consequentemente é extinto.

Este novo suplemento remuneratório obedece ao mesmo critério que havia sido estabelecido para o “Suplemento por Comissão de Serviço Militar”, ou seja, é atribuído de acordo com uma percentagem do vencimento de capitão ou de primeiro-sargento, respectivamente para a categoria de oficiais e para as categorias de sargentos e praças, embora com percentagens diferentes.

“Artigo 1.º

1 – A remuneração a que se refere o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 59/82, de 27 de Fevereiro, é extinta, sendo criado em sua substituição o suplemento especial de serviço, a abonar aos militares dos quadros permanentes quando na efectividade de serviço em órgãos, serviços ou organismos integrados no Ministério da Defesa Nacional, nas percentagens abaixo designadas, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior:

... Percentagens

a) Oficiais generais ... 14

b) Coronel e capitão-de-mar-e-guerra ... 12

c) Outros oficiais superiores, capitão e primeiro-tenente ... 9

d) Tenente, segundo-tenente, alferes, subtenente e guarda-marinha ... 7

e) Sargento-mor e sargento-chefe ... 12

f) Outros sargentos e praças de vencimento base superior ou igual a furriel ... 10

g) Outras praças ... 7

2 – As percentagens das alíneas a), b), c) e d) do número anterior incidem sobre o vencimento base de capitão e as das alíneas e), f) e g) sobre o vencimento base de primeiro-sargento”.

 

2. Suplemento da Condição Militar

Como antes referido, em 1988 é criado o “Suplemento da Condição Militar” em substituição dos suplementos “por Comissão de Serviço Militar” e “Especial de Serviço.

Este novo suplemento, ao contrário dos anteriores agora extintos, rege-se por uma metodologia diferente. É calculado em percentagem do vencimento base de cada posto.

“Artigo 2.º

Suplemento de condição militar

1 – O suplemento por comissão de serviço militar e o suplemento especial de serviço, a que se referem, respectivamente, os Decretos-Leis ns 251-A/78, de 24 de Agosto, alterado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 49-A/82, de 18 de Fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 81-A/84, de 12 de Março, são integrados num único suplemento, designado suplemento de condição militar, equivalente a 27,5% do vencimento base de cada posto, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior.”

2 – O suplemento de condição militar:

a) É abonado a todos os militares dos quadros permanentes das Forças Armadas em efectividade de serviço, não sendo acumulável com os abonos estabelecidos pelos Decretos-Leis ns 322/78 e 323/78, ambos de 8 de Novembro, e 454/83, de 28 de Dezembro;"

 

a. Primeiro Aumento do Suplemento da Condição Militar

Em 19908, em simultâneo com a introdução de um novo sistema retributivo da administração pública9, o SCM é faseadamente aumentado de 5% para 10%.

E é precisamente em consequência da adaptação ao novo sistema que de forma ilusória parece que o SCM foi diminuído dos 27,5% para os 5%, quando, na realidade e em termos absolutos, tal não sucedeu uma vez que os vencimentos10 foram aumentados.

“No cumprimento dos princípios subjacentes à reforma global do sistema retributivo, a escala indiciária que agora se aprova integra já o suplemento criado pelo Decreto-Lei n.º 190/88, de 28 de Maio.

…………………………………………………………………………………....

“O montante do suplemento previsto no n.º 2 é fixado em percentagem sobre a remuneração base mensal auferida pelo militar, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior, de acordo com o seguinte faseamento:

a) 5%, de 1 de Outubro de 1989 a 31 de Dezembro de 1990;

b) 7,5%, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1991;

c) 10%, a partir de 1 de Janeiro de 1992”.

 

b. Criação da Componente Fixa e Segundo Aumento da Componente Variável

À semelhança do que havia ocorrido em 1998 com o SSFS, em 199911 o XIV Governo adopta três medidas:

– O Suplemento da Condição Militar passa a ser composto por duas componentes, uma de caráter fixo e outra de caráter variável;

– À componente fixa é atribuído um “bónus” de 5.150$00;

– A componente variável aumenta de 10% para 14,5%.

“O suplemento de condição militar é remunerado por inteiro e em prestação única a todos os militares, nos termos previstos no número seguinte, e composto da seguinte forma:

a) Uma componente fixa, no valor de 5150$00, actualizável na mesma percentagem em que o sejam os vencimentos das Forças Armadas;

b) Uma componente variável, fixada em 14,5% sobre a remuneração base mensal auferida por cada militar, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior.”

 

c. Terceiro Aumento da Componente Variável

Em 200912, processa-se um terceiro aumento da componente variável do SCM, que passa dos 14,5% para os 20% da remuneração base de cada militar.

Em janeiro, atinge os 17,25%, e em janeiro de 2010, os 20%.

 

d. Primeiro Aumento da Componente Fixa

O primeiro aumento da componente fixa do SCM ocorre dois anos após idêntico aumento ter sido atribuído ao SSFS, passando de 31,04 para os 100 euros13.

 

e. Segundo Aumento da Componente Fixa

Em setembro de 2024, à semelhança do ocorrido no mês de agosto com o SSFS, também a componente fixa do SCM foi aumentada em 300 euros, pagos 200 com efeitos rertoactivos ao mês de julho e os restantes 100 em duas tranches de 50 euros cada uma, a pagar em janeiro de 2025 e janeiro de 2026.

Na mesma ocasião foram melhoradas as condições de atribuição do suplemento de residência e majorados o suplemento de serviço aéreo e de embarque14 e ainda, criados os suplementos de detecção e inativação de engenhos explosivos e o de operador de câmara hiperbárica15.

Aproveitou ainda o governo para proceder a uma valorização das posições remuneratórias e aumento da categoria de Praças, bem como para igualar a remuneração do posto de furriel ao de igual posto da GNR16.

 

3. Antecedentes do Suplemento de Serviço nas Forças de Segurança

Passado em revista o SCM, e os seus antecedentes, vejamos seguidamente o SSFS e como se chegou até à actual configuração, a qual apresenta grandes semelhanças com o sucedido com o SCM.

 

a. Suplemento por Comissão de Serviço Militar

De forma análoga ao ocorrido em agosto de 1978 para os militares das Forças Armadas, em novembro do mesmo ano é criado, para os militares da GNR e da Guarda Fiscal (GF), o “Suplemento por Comissão de Serviço Militar”17, o qual é igualmente fixado para a categoria de oficiais em percentagem do vencimento do posto de capitão, enquanto para as categorias de sargentos e praças do de primeiro-sargento.

“Artigo 3.º

1 – Os militares do activo e reserva da GNR e GF na efectividade de serviço, com a excepção definida no número seguinte, percebem um suplemento por comissão de serviço militar de quantitativo mensal correspondente às seguintes percentagens, arredondadas para a centena de escudos superior, dos vencimentos base de capitão, no caso das alíneas a), b) e c), e de primeiro-sargento, nos respectivos casos:

... Percentagens

a) Oficiais generais e coronéis ... 20

b) Outros oficiais superiores e capitães ... 13

c) Outros oficiais ... 10

d) Sargentos-mores e sargentos-chefes ... 15

e) Outros sargentos e cabos ... 10

f) Praças ... 5”

 

À semelhança do sucedido com o “Suplemento por Comissão de Serviço Militar” nas FFAA, também na GNR este suplemento remuneratório mereceu igual aumento18.

“A partir de 1 de Janeiro de 1982, as percentagens fixadas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 322/78, de 8 de Novembro, passam a ser, respectivamente, de 26%, 18%, 14%, 21%, 14% e 8%”.

 

Curiosamente e embora com uma designação diferente – “Suplemento por Comissão de Serviço Policial”19, ocorre um processo semelhante para os elementos da Polícia de Segurança Pública20.

“Artigo 3.º

1 – Os oficiais do Exército em comissão normal de serviço na Polícia de Segurança Pública e os oficiais integrados a título definitivo na mesma, nos termos do Decreto-Lei 632/75, de 14 de Novembro, bem como os comissários e agentes em serviço activo, com as excepções definidas no número seguinte, percebem um «suplemento por comissão de serviço policial» do quantitativo mensal correspondente às percentagens abaixo designadas, arredondadas para a centena de escudos superior, dos vencimentos base de capitão, no caso das alíneas a), b) e c), e de primeiro-subchefe, para as alíneas d) e e.)

... Percentagens

a) Oficiais generais e coronéis ... 20

b) Outros oficiais superiores, capitães e comissários principais ... 13

c) Outros oficiais, primeiros-comissários e segundos-comissários e chefes de esquadra ... 10

d) Subchefes e guardas de 1.ª classe ... 10

e) Guardas ... 5

2 – Não são abrangidos pelo disposto no n.º 1 os guardas provisórios.”

 

b. Gratificação Especial de Serviço

Em 1980, é oficializado em letra de lei um suplemento pré-existente e cuja cobertura se restringia a despachos ministeriais. A “Gratificação Especial de Serviço”21, atribuída aos militares da GNR e da GF, e ainda aos elementos da PSP.

“Considerando que é absolutamente indispensável repor a legalidade dos abonos já efectuados ao abrigo do Despacho Normativo n.º 187/78, de 18 de Agosto, por se manterem as razões que levaram à sua publicação;

Nestes termos:

O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º

1 – Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 322/78 e no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 323/78, ambos de 8 de Novembro, os quantitativos mensais das gratificações especiais de serviço a abonar ao pessoal da Guarda Nacional Republicana, Guarda Fiscal e Polícia de Segurança Pública são os seguintes:

Guarda Nacional Republicana e Guarda Fiscal:

... Gratificação especial de serviço (mensal)

Comandante-geral ... 4000$00

2.º comandante-geral ... 3000$00

Coronel ... 2400$00

Tenente-coronel ou major ... 2200$00

Capitães ou subalternos ... 2100$00

Sargento-mor ... 2100$00

Sargento-chefe ... 1900$00

Sargento-ajudante ... 1800$00

Primeiros-sargentos, segundos-sargentos e furriéis ... 1500$00

Cabos ... 1200$00

Soldados ... 1100$00”

 

Em 198322, a “Gratificação Especial de Serviço” deixa de ter um quantitativo fixo por posto e passa a ser calculada em percentagem do vencimento do posto de capitão, para a categoria de oficiais, e de primeiro-sargento, para as categorias de sargentos e praças.

“Artigo 1.º

1 – Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5.º dos Decretos-Leis ns 322/78 e 323/78, ambos de 8 de Novembro, os quantitativos mensais da gratificação especial de serviço a abonar ao pessoal da Guarda Nacional Republicana, Guarda Fiscal e Polícia de Segurança Pública são fixados de harmonia com as percentagens abaixo designadas, arredondadas para a centena de escudos imediatamente superior, dos vencimentos base de capitão ou comissário principal, no caso das alíneas a), b) e c), e de primeiro-sargento ou primeiro-subchefe, em relação à alínea d):

Guarda Nacional Republicana e Guarda Fiscal:

... Percentagem

a) Comandante e segundo-comandante-geral ... 20

b) Comandantes de unidade de escalão batalhão ou superior e chefe de estado-maior do Comando-Geral ... 18

c) Restantes oficiais, sargentos-mores e sargentos-chefes ... 15

d) Outros sargentos, cabos e soldados ... 15”

 

4. Suplemento de Serviço nas Forças de Segurança

Em 1988, precisamente na mesma data em que foi publicado o diploma de criação do SCM, é publicado um outro destinado à GNR e GF que preconiza a substituição do “Suplemento por Comissão de Serviço Militar” e da “Gratificação Especial de Serviço”, por um novo suplemento designado “Suplemento de Serviço nas Forças de Segurança” (SSFS)23.

“Para além do vencimento base, é revisto o regime de remunerações complementares que, desde há anos, vêm sendo atribuídas aos elementos das forças de segurança. Por razões de simplicidade e racionalidade, o suplemento por comissão de serviço militar e a gratificação especial de serviço são fundidos num único complemento de remuneração agora designado por suplemento de serviço nas forças de segurança, o qual é, também, na Guarda Nacional Republicana e na Guarda Fiscal, inerente à condição de membro de uma instituição com estrutura militar”.

“Artigo 2.º

Suplemento de serviço nas forças de segurança

1 – O suplemento por comissão de serviço militar e a gratificação especial de serviço a que se referem, respectivamente, o Decreto-Lei n.º 322/78, de 8 de Novembro, e o Decreto-Lei n.º 454/83, de 28 de Dezembro, são integrados num único suplemento, designado por suplemento de serviço nas forças de segurança, equivalente a 32% do vencimento base de cada categoria, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior.

2 – O suplemento de serviço nas forças de segurança será abonado aos oficiais, sargentos e praças em efectividade de funções."

 

Cabe referir que ao contrário do que sucedia com o SCM, em que o cálculo da percentagem deste suplemento era aferido ao vencimento base de cada posto, aqui, era-o ao vencimento base de cada categoria.

Diploma semelhante foi publicado para a PSP.

 

a. Primeiro Aumento do Suplemento de Serviço nas Forças de Segurança

Em 1990, por analogia com o sucedido com o SCM, o SSFS é pela primeira vez aumentado progressivamente, em 3 anos, de 9,5% para 14,5%24, passando esta percentagem a incidir sobre a remuneração base auferida pelo militar, e não pelo vencimento base de cada categoria.

De notar que em consequência da adaptação ao novo sistema remuneratório da administração pública25, ilusoriamente parece que o SSFS foi diminuído dos 32% para os 9,5%, quando, em termos absolutos, tal não sucedeu uma vez que os vencimentos foram aumentados.

“O montante do suplemento é fixado em percentagem sobre a remuneração base mensal auferida pelo interessado, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior, de acordo com o seguinte faseamento:

a) 9,5%, de 1 de outubro de 1989 a 31 de dezembro de 1990;

b) 12%, de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 1991;

c) 14,5%, a partir de 1 de janeiro de 1992”.

 

b. Criação da Componente Fixa

No ano de 1998, o XIV Governo decide atribuir um “bónus”26 de 5.150$00 aos militares da GNR e aos elementos da PSP, o qual designou por “componente fixa do SSFS”, passando este suplemento a ter duas componentes: uma fixa e outra variável, esta última mantendo-se nos 14,5% da remuneração base.

Esta situação foi no ano seguinte replicada no SCM.

 

c. Segundo Aumento da Componente Variável

Em 2009, dá-se o aumento da componente variável do SSFS27 que, faseadamente, em três anos (2009 a 2012), passa dos 14,5% para os 20%.

Na mesma ocasião processou-se no SCM idêntico aumento, mas no período de dois anos.

 

d. Primeiro Aumento da Componente Fixa

No ano de 2021, a componente fixa do SSFS é aumentada de 31,04 para 100 euros.

Cabe a este propósito recordar que o Governo, após muita insistência dos sindicatos da PSP para que lhes fosse atribuído um subsídio de risco como sucedia, por exemplo, com a PJ ou o SEF, numa manobra de ilusionismo político decidiu aditar à designação da componente fixa do “Suplemento de Serviço nas Forças de Segurança”, a palavra “Risco”.

“Suplemento por serviço e risco nas forças de segurança28

1 – ……………………………………………………………………………….

2 – Não obstante o disposto no número anterior, a componente fixa do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de outubro, na sua versão originária, é fixada no valor de (euro) 100.»

 

Como adiante veremos, esta adjetivação da componente fixa do SSFS teve repercussões directas no processo que, em 2024 conduziu aos aumentos dos suplementos remuneratórios dos militares e dos elementos da PSP.

 

e. Segundo Aumento da Componente Fixa

Em 23 de agosto foi publicado o Decreto-Lei n.º 50-A/2024 que “Procede à atualização dos montantes da componente fixa do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança auferido pelos militares da Guarda Nacional Republicana e pelo pessoal policial da Polícia de Segurança Pública”.

“Para tal, importa proceder à atualização do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança, previsto no Decreto-Lei n.º 298/200929, de 14 de outubro e no Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro, na sua redação atual, relativamente à PSP”.

“O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 298/2009, de 14 de outubro, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

1 – [...]

a) Uma componente variável, fixada em 20% sobre a remuneração base; e

b) Uma componente fixa, determinada nos seguintes termos:

i) A 1 de julho de 2024, corresponde a € 300;

ii) A 1 de janeiro de 2025, corresponde a € 350;

iii) A 1 de janeiro de 2026, corresponde a € 400”.

“Foram ouvidas as associações socioprofissionais da Guarda Nacional Republicana e as associações sindicais da Polícia de Segurança Pública”.

 

Apenas duas notas acerca deste Decreto-Lei.

Persiste o poder político em legislar num mesmo diploma para a GNR e PSP quando está bem patente que os respetivos sistemas remuneratórios constam de diferentes diplomas, como não podia deixar de ser.

Insiste, ainda, o Governo em designar a componente fixa do SSFS como de “Risco”, com os inconvenientes conhecidos, ao que acresce que o risco é inerente à condição militar, conforme se pode constatar pela leitura da Lei da Condição Militar, que se reafirma, é também aplicável os militares da GNR, donde, que este ónus se deveria repercutir directamente no vencimento dos militares e não em suplementos ou subsídios, e em compensações significativas e numa ampla rede de apoios para o militar e respectiva família em caso de invalidez ou morte, decorrentes do exercício da missão.

Lei de Bases da Condição Militar

Artigo 2.º

“A condição militar caracteriza-se:

……………………………………………………………………………………

c) Pela sujeição aos riscos inerentes ao cumprimento das missões militares, bem como à formação, instrução e treino que as mesmas exigem, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra;”

…………………………………………………………………………………….

 

5. Outras Considerações

A título meramente ilustrativo repare-se que em 1987, último ano em que foram pagos os suplementos por “Comissão de Serviço Militar” e “Especial de Serviço”, o valor do “Suplemento por Comissão de Serviço Militar” era igual, quer nas Forças Armadas, quer na GNR. Já o “Especial de Serviço” era de montante substancialmente superior na GNR.

A título de exemplo, refiram-se os respectivos quantitativos pagos ao posto de tenente.

                                                               Exército                  GNR

Supl.Comissão Serviço Militar              9.700$00              9.700$00

Supl. Especial Sv/Grat.Esp Sv             4.700$00            10.400$00

 

Possivelmente, com o intuito de preservar a diferenciação que decorria entre os diferentes valores do “Suplemento Especial de Serviço” e da “Gratificação Especial de Serviço”, o SSFS foi inicialmente calculado num valor superior ao do SCM, situação que se manteve até 2008 e que apenas se inverteu em 2009, passando a partir de 2012 a ter igual valor em ambos os casos.

 SCM  SSFS
19883027,5%32% 31
1989/905%9,5%
1991                      9%12%
1992                    10% 14,5%
1999                 14,5%14,5%
2009               17,25% 14,5%
2010                    20%   16%
2011                    20%      18%
2012                   20%    20%

 

Neste ponto parece oportuno fazer dois esclarecimentos, as percentagens existentes em 1988, para cálculo dos suplementos, foram efectuadas de acordo com o anterior sistema remuneratório, o que poderá induzir em erro, uma vez que a partir de 198932 teria havida um decréscimo do seu valor, o que em termos absolutos não corresponde à realidade.

Um segundo esclarecimento refere-se a alguns equívocos acerca dos vencimentos dos militares das FFAA comparativamente com os da GNR.

Tradicionalmente os vencimentos base de oficiais e sargentos das FFAA e da GNR sempre foram, e são, iguais conforme se pode comprovar pelo extrato de uma lei de 197833 que se transcreve:

Artigo 1.º

1 – Os vencimentos base a abonar mensalmente aos oficiais em serviço na Guarda Nacional Republicana (GNR) e Guarda Fiscal (GF) são dos quantitativos fixados para os oficiais das forças armadas.

2 – Os vencimentos base a abonar mensalmente aos sargentos da GNR e GF são dos quantitativos fixados para os sargentos das forças armadas.

3 – Os vencimentos base a abonar mensalmente às praças da GNR e GF, independentemente do tempo de serviço prestado, passam a ser os seguintes:

Cabo ... 8100$00

Soldado ... 7900$00

Soldado provisório ... 6800$00

 

As diferenças situam-se apenas na categoria de praças, e por duas ordens de razões, o facto de na GNR os guardas serem todos do QP e, a mais relevante, a sua dupla qualidade de agentes de autoridade e de órgãos de polícia criminal.

Da mesma forma que este diploma definia expressamente a igualdade dos vencimentos base de oficiais e sargentos34, essa similitude mantém-se actualmente, apesar de não expressamente mencionada, como se pode comprovar pelos diplomas que regulam os sistemas remuneratórios das FFAA e da GNR: Decreto-Lei n.º 296/2009 de 14 de outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 142/2015, de 31 de julho e pelo Decreto-Lei n.º 64/2024, de 30 de setembro relativo às FFAA e Decreto-Lei n.º 298/2009, de 14 de outubro, referente à GNR.

Donde, no final desta abordagem, podemos concluir que, apesar dos vencimentos dos oficiais e sargentos das FFAA e da GNR terem ao longo dos anos permanecido iguais, excluindo as situações de campanha35, tradicionalmente sempre existiu uma diferenciação remuneratória nos suplementos atribuídos à GNR, valorizando a função policial, particularidade partilhada com a PSP.

Por último, e como mera curiosidade, repare-se que em 2015, fruto da publicação do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro, foi revista a tabela remuneratória do pessoal com funções policiais da PSP, daqui resultando o aumento de um nível remuneratório na primeira e últimas posições remuneratórias de muitas das suas carreiras e da quase totalidade das categorias, situação que não encontrou paralelo nas Forças Armadas e na GNR, e que ainda hoje se mantém.

 

Algumas Ilações

Aqui chegados, algumas ilações se podem retirar.

Focar-nos-emos especialmente na comparação FFAA/GNR por serem estas as duas únicas instituições servidas por militares, uma vez que a GF foi extinta em 1993.

A este propósito nunca será demais referir que a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar36 se aplica indistintamente, e com a mesma abrangência, aos militares das FFAA e da GNR.

1. Uma primeira ilação referente à inexplicável ausência de atribuição do SCM aos militares da GNR, sabendo ser este o único suplemento que visa compensar “o regime especial de prestação de trabalho, na permanente disponibilidade e nos ónus e restrições específicos da condição militar”.

2. Uma segunda, sob o ponto de vista formal, de que apesar do preâmbulo do diploma que criou o SSFS ter expressamente mencionado este como “inerente à condição de membro de uma instituição com estrutura militar”, referindo-se à GNR e GF, as leis que neste âmbito se lhe seguiram deixarem de conter qualquer referência à natureza militar da GNR ou à condição militar dos seus integrantes, chegando a legislar-se em conjunto para a GNR e PSP.

3. Uma terceira, esta já sob o ponto de vista material, é a que respeita à “Gratificação Especial de Serviço”, integrada no SSFS, da mesma forma que o “Suplemento Especial de Serviço” o foi no SCM, mas que por comparação com este último era de valor substancialmente superior, o que se terá repercutido no valor inicial do SCM e do SSFS, mas que neste momento não se encontra refletido.

4. Uma quarta, também materialmente relevante, para lembrar que se tivermos em consideração o que esteve na origem dos aumentos ora aprovados, facilmente se conclui que os mesmos ficaram muito aquém dos valores pretendidos (400€ para 1.026,85€).

5. Uma quinta, e última, que vai para além da questão dos suplementos. O facto de em 2015 as remunerações do pessoal com funções policiais da PSP terem sido aumentadas no primeiro e últimos níveis remuneratórios de muitas das suas carreiras e de algumas categorias, o que não sucedeu com os vencimentos dos militares (FFAA e GNR).

 

II – O Processo

Os acontecimentos ocorridos em consequência da aprovação, em dezembro de 202337, pelo XXIII Governo, do valor de um suplemento de missão atribuído aos elementos da Polícia Judiciária (PJ) que se caracterizaram por diversas acções, de certa forma inéditas, dos membros das forças de segurança, e das reações que se lhes seguiram, acabaram por evidenciar um conjunto de realidades que paulatinamente vinham emergindo e que merecem alguma reflexão.

Não se pretende, neste âmbito, avaliar a justeza da decisão da outorga deste suplemento remuneratório apenas aos elementos da PJ, a questão a que nos propomos é a de refletir sobre o processo que antecedeu a atribuição dos aumentos do SCM e do SSFS, designadamente aos militares da GNR.

Na génese de todo este processo está um suplemento de missão e um suplemento remuneratório do pessoal dirigente, da PJ.

“O presente decreto-lei define o regime de atribuição do suplemento decorrente do regime especial de prestação de trabalho das carreiras especiais e carreiras subsistentes da Polícia Judiciária (PJ) e dos ónus inerentes ao cumprimento da sua missão, em especial o risco, a insalubridade e a penosidade que lhes estão associados, doravante «suplemento de missão de polícia judiciária”.

 

Com idêntico fundamento, o pessoal dirigente da PJ que, do anterior, auferia um suplemento de risco, viu este suplemento ser substituído por um suplemento remuneratório do pessoal dirigente, nos seguintes termos:

“O pessoal dirigente, no exercício das suas funções e em razão do especial desgaste físico e psicológico, risco e disponibilidade permanente, tem direito a um suplemento remuneratório indexado à remuneração base mensal do cargo de diretor nacional da PJ, nos montantes correspondentes às seguintes percentagens:

a) Direção superior de 1.º grau, 30 %;

b) Direção superior de 2.º grau, 23 %;

c) Direção intermédia de 1.º grau, 21 %;

d) Direção intermédia de 2.º grau, 19 %.” 38

 

Este suplemento comporta os seguintes quantitativos39, cujos efeitos foram retroagidos a 11 meses:

– Direcção superior passará para 1.945,70€;

– Carreira de investigação criminal passará para 1.026,85€;

– Carreira de especialista de polícia científica – para os funcionários com funções de inspeção e identificação judiciária passará para 889,94€, e para os restantes 821,48€;

– Carreira de segurança passará para 684,56€.

 

1. Forças de Segurança

Antes de prosseguir importa fazer um reparo inicial porque ao referirmos forças de segurança, sem mais, podemos estar a laborar num erro que é o de as considerar como uma entidade única e homogénea, semelhante à das FFAA, o que não corresponde à realidade, situação que muitas vezes o próprio poder político não tem levado em devida consideração, com evidentes disfuncionalidades para o sistema, incompreensões por parte da opinião pública e prejuízos para os militares da GNR.

Em consequência, e como antes referido, a não atribuição do SCM aos militares da GNR, e a sua substituição pelo SSFS, como se estes tivessem ficado desonerados dos ónus da condição militar pelo facto de exercerem simultaneamente funções policiais, constitui um caso paradigmático bem ilustrativo do afirmado.

Não deixa de ser uma constante que, a partir do momento em que foi criado o termo “forças de segurança”, se tem alimentado uma certa indefinição quanto ao posicionamento institucional e à natureza da GNR que tem servido vários interesses, alguns dos quais mesmo no seio da própria Instituição, o que não valida, nem justifica, que se faça uma leitura enviesada dos normativos legais que a enquadram.

Para melhor nos esclarecer acerca da confusão criada com o termo “forças de segurança”, não será demais relembrar que estas são constituídas por um lado pela GNR:40

“Uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas e dotada de autonomia administrativa”, com uma organização e natureza militares, constituída por militares aos quais se aplicam o Estatuto da Condição Militar, o que por consequência os impede de se sindicalizar, mas tão só lhes permite inscrever em associações socioprofissionais, e por outro pela PSP41

“Uma força de segurança, uniformizada e armada, com natureza de serviço público e dotada de autonomia administrativa”, por consequência com uma natureza civil, cujos profissionais se podem acolher ao direito sindical, ainda que com direitos mitigados.

 

2. Sindicatos e Associações de Militares

Esclarecido este aspecto, não devemos perder de vista que todo o processo que conduziu aos aumentos dos suplementos referidos se iniciou com uma luta reivindicativa dos sindicatos da PSP e das associações socioprofissionais dos militares da GNR para um tratamento igualitário ao que foi dispensado aos elementos da PJ, ou seja, a atribuição de um “subsídio de risco” de igual valor.

Debrucemo-nos seguidamente sobre o papel dos sindicatos e das associações socioprofissionais de militares, sendo que uns e outros apenas representam os respectivos associados e não todo o universo de profissionais, como por vezes se pretende fazer crer.

De acordo com a legislação laboral, cabe aos sindicatos42, entre outros, o direito de negociação colectiva, com tudo o que isso representa, ao invés do que sucede com as associações socioprofissionais, que apenas têm o direito de ser ouvidas sobre determinadas matérias.

A este propósito não será despiciendo referir que sobre as chefias militares, enquanto estrutura formal de comando, impende um dever único e exclusivo, sem paralelo em mais nenhuma direção ou chefia, designado dever de tutela, o qual, recorde-se “consiste em zelar pelos interesses dos subordinados e dar conhecimento, através da via hierárquica, dos problemas de que o militar tenha conhecimento e àqueles digam respeito43.”

Ainda neste âmbito, das entre muitas diferenças que distinguem a GNR da PSP, foco, pela relevância que tem para a questão em apreço, a que directamente decorre do respeito pelo princípio da hierarquia como trave estruturante de toda a Instituição Militar e a inadmissível interferência exterior à cadeia de comando. Ao contrário da GNR onde todos os comandantes são de nomeação pelo seu Comandante-Geral44, na PSP, o “provimento dos cargos de comandantes regional, metropolitano, distrital de polícia e da UEP, são feitos por despacho ministerial”45 e não pelo Director Nacional.

As associações socioprofissionais de militares (FFAA46 e GNR) têm vindo a fazer o seu caminho, com altos e baixos, compreensões e desconfianças, mas sem ainda terem encontrado o equilíbrio adequado que as diferencie de um sindicato, mas que lhes confira um papel activo adequado aos fins para que foram criadas.

 

3. Legislação enquadradora

A Lei de Defesa Nacional – Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 5/20014, de 29 de agosto, nos seus artigos 26.º a 35.º regula toda esta questão.

“Artigo 26.º

Direitos fundamentais

Os militares na efetividade de serviço, dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de contrato, gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, com as restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva constantes da presente lei, nos termos da Constituição.

Artigo 27.º

Regras gerais sobre o exercício de direitos

1 – No exercício dos seus direitos, os militares na efetividade de serviço estão sujeitos aos deveres decorrentes do estatuto da condição militar, devendo observar uma conduta conforme com a ética militar e respeitar a coesão e a disciplina das Forças Armadas.

2 – Os militares na efetividade de serviço são rigorosamente apartidários e não podem usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical, nisto consistindo o seu dever de isenção.

3 – Aos militares na efetividade de serviço não são aplicáveis as normas constitucionais relativas aos direitos dos trabalhadores cujo exercício pressuponha os direitos fundamentais a que se referem os artigos seguintes, na medida em que por eles sejam restringidos, nomeadamente a liberdade sindical, o direito à criação e integração de comissões de trabalhadores e o direito à greve.

Artigo 28.º

Liberdade de expressão

1 – Os militares na efetividade de serviço têm o direito de proferir declarações públicas sobre qualquer assunto, com a reserva própria do estatuto da condição militar, desde que aquelas não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas, nem o dever de isenção política, partidária e sindical dos seus membros.

2 – Os militares na efetividade de serviço estão sujeitos a dever de sigilo relativamente às matérias cobertas pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado e por outros sistemas de classificação, aos factos referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à acção operacional das Forças Armadas de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções, bem como aos elementos constantes de centros de dados e registos de pessoal que não possam ser divulgados.

Artigo 29.º

Direito de reunião

1 – Os militares na efetividade de serviço podem, desde que trajem civilmente e não ostentem qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, convocar ou participar em reuniões legalmente convocadas sem natureza político-partidária ou sindical.

2 – Os militares na efetividade de serviço podem assistir a reuniões político-partidárias e sindicais legalmente convocadas se não usarem da palavra nem exercerem qualquer função na sua preparação, organização ou condução ou na execução das deliberações tomadas.

3 – O direito de reunião não pode ser exercido dentro das unidades e estabelecimentos militares nem de modo que prejudique o serviço normalmente atribuído ao militar ou a permanente disponibilidade deste para o seu cumprimento.

Artigo 30.º

Direito de manifestação

Os militares na efetividade de serviço podem participar em manifestações legalmente convocadas sem natureza político-partidária ou sindical, desde que estejam desarmados, trajem civilmente e não ostentem qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas e desde que a sua participação não ponha em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.

Artigo 31.º

Liberdade de associação

1 – Os militares na efetividade de serviço têm o direito de constituir ou integrar associações sem natureza política, partidária ou sindical, nomeadamente associações profissionais.

2 – O exercício do direito de associação profissional dos militares é regulado por lei própria.

Artigo 32.º

Direito de petição colectiva

Os militares na efetividade de serviço têm o direito de promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de soberania ou a outras autoridades, desde que as mesmas não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas, nem o dever de isenção política, partidária e sindical dos seus membros.

Artigo 47.º

Restrições de direitos fundamentais no âmbito da Guarda Nacional Republicana

O disposto nos artigos 26.º a 35.º é aplicável aos militares dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efetivo na Guarda Nacional Republicana”.

 

Por sua vez, a Lei n.º 39/2004, de 18 de agosto, regulamenta o associativismo dos militares da GNR.

“Artigo 1.º

Liberdade de associação

1 – Os militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) em efectividade de funções têm o direito de constituir associações de carácter profissional para promoção dos correspondentes interesses dos seus associados.

2 – As associações profissionais têm âmbito nacional e sede em território nacional, não podendo ter natureza política, partidária ou sindical”.

 

4. O Tratamento dado às Associações da GNR

Assim, e numa leitura mesmo que superficial dos normativos antes transcritos, parece poder concluir-se que no processo que conduziu ao último aumento da componente fixa do SSFS, no que à GNR diz respeito, tudo indicia que os militares da Guarda participaram em “manifestações e reuniões de natureza sindical” onde a diferenciação entre sindicatos e associações de militares não foi tida em devida conta.

Posteriormente, terão ocorrido várias “rondas negociais” com os sindicatos da PSP e com as associações da GNR, chegando mesmo a serem assinados compromissos escritos com estas últimas, colocando ao mesmo nível, e contra-legem, sindicatos e associações de militares, logrando, desta forma, iludir a natureza jurídica das associações de militares, dispensando-lhe o mesmo tratamento que é devido aos sindicatos, subvertendo, desta forma, a lei que regula o associativismo dos militares.

Neste campo, também se estranha o facto daquelas “negociações” se terem desenvolvido em conjunto com os profissionais da PSP e os militares da GNR, no âmbito de uma autoproclamada “Plataforma”.

Salvo melhor interpretação, parece que o disposto na alínea d) do artigo 6º, da lei antes mencionada, afasta quaisquer dúvidas:

“Artigo 6.º

Restrições ao exercício de direitos

O exercício dos direitos consagrados no artigo anterior está sujeito às restrições previstas na presente lei, não podendo os militares da GNR:

…………………………………………………………………………………….

d) Estar filiados em associações sindicais ou participar em reuniões de natureza sindical;”

 

Estranha-se a forma diferente como o Governo, designadamente o titular da área governativa da Defesa Nacional e a titular da área governativa da Administração Interna, tratou uma mesma situação consoante os seus destinatários fossem militares das FFAA ou da GNR, facto que aliás não passou despercebido às associações de militares das FFAA que prontamente vieram reivindicar idêntico tratamento.

Não será demais relembrar que aos militares da GNR se lhes aplicam, da mesma forma e como a mesma abrangência, o Estatuto da Condição Militar e as restrições de direitos contidas na Constituição e na Lei de Defesa Nacional, os princípios da hierarquia e o dever de tutela, donde, o desrespeito por estes normativos legais e princípios devem, no mínimo, ser motivo de alarme e de preocupação.

 

5. GNR/PSP

Um outro aspecto que decorre de todo este processo, foi o da aproximação da GNR à PSP.

Esta, ocorreu a dois níveis. Num primeiro, o das bases que se juntaram para reivindicar o mesmo subsídio de risco atribuído aos elementos da PJ, e, num segundo, o do tratamento dado às associações socioprofissionais dos militares da GNR em paridade com os sindicatos da PSP.

É, de há muito, conhecida a vontade de alguns setores e personalidades expurgarem a natureza militar da GNR e a sua consequente aproximação à PSP, ao mesmo tempo que tudo vão fazendo para a afastar da Instituição Militar, certamente em favor de alguns interesses pouco divulgados, de que este pode ter sido mais um passo nesse sentido.

 

6. A Força Sindical

Por outro lado, não será despiciendo verificar a força dos sindicatos, das manifestações e dos protestos de rua.

O aumento da componente fixa do SCM e do SSFS só se verificou por causa da luta sindical dos polícias e das associações de militares da GNR, assumindo-se como sindicatos, donde, o que antes foi referido acerca dos sindicatos, e da importância ou temor que estes configuram, também aqui releva.

A percepção que passou para a opinião pública foi a de que os recentes aumentos se ficaram a dever, tão só, aos resultados obtidos em consequência das negociações encetadas entre os sindicatos, e associações da GNR, e o Ministério da Administração Interna, a qual se saldou na assinatura de um acordo.

 

Conclusões

Assim, face à forma como decorreu todo este processo cabe perguntar:

a. Se o mesmo não constituirá um perigoso precedente para futuras valorizações remuneratórias dos militares que ficarão dependentes de lutas sindicais.

b. Se atendendo à maneira como as associações de militares da GNR foram tratadas, aquela não terá um efeito de contágio sobre as associações de militares das FFAA.

c. Se a forma deste processo negocial, e a assinatura do acordo alcançado, determinam uma nova maneira encarar as atribuições da cadeia de comando da GNR, e de certa forma do conteúdo e alcance do dever de tutela que sobre ela recai?

d. E por último, até quando sobreviverá a natureza militar da GNR e até quando será possível resistir ao efeito de contágio dos sindicatos nas FFAA e na GNR?

 

Em síntese, podemos afirmar que quer a atribuição, em 1998, do SSFS à GNR, quer o processo que, em 2024, conduziu ao recente aumento da sua componente fixa, beliscaram a natureza militar da Guarda, afastaram-na das FFAA e aproximaram-na da Polícia.


_________________________________

1 Decreto-Lei n.º 62/2024, de 30 de setembro.

2 Decreto-Lei n.º50-A/2024, de 23 de agosto.

3 Decreto-Lei n.º 190, de 28 de maio.

4 Decreto-Lei n.º 251-A/78, de 24 de agosto.

5 Decreto-Lei n.º 49-A/82, de 18 de fevereiro.

6 Decreto-Lei n.º 81-A/84, de 12 de março.

7 O da GNR, denominava-se “Gratificação Especial de Serviço”.

8 Decreto-Lei n.º 57/90, de 30 de novembro.

9 Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho.

10 Ao mesmo tempo, cai em desuso o termo vencimento e passa a utilizar-se o termo remuneração.

11 Decreto-Lei n.º 328/99, de 18 de agosto.

12 Decreto-Lei n.º 50/2009, de 27 de fevereiro.

13 Decreto-Lei n.º 114-E/2023, de 7 de dezembro.

14 Decreto-Lei n.º 63/2024, de 30 de setembro.

15 Decreto-lei n.º 62/2024, de 30 de setembro.

16 Decreto-Lei n.º 64/2024, de 30 de setembro.

17 Decreto-Lei n.º 322/78, de 8 de novembro.

18 Decreto-Lei n.º 175/82, de 12 de maio.

19 Decreto-Lei n.º 323/78, de 8 de novembro.

20 Presumivelmente, devido à presença de oficiais das Forças Armadas em serviço na PSP.

21 Decreto-Lei n.º 62/80, de 7 de abril.

22 Decreto-Lei n.º 454/83, de 28 de dezembro.

23 Decreto-Lei n.º 191/88, de 28 de maio.

24 Decreto-Lei n.º 59/90, de 14 de fevereiro.

25 Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho.

26 Decreto-Lei n.º 160/98, de 24 de junho.

27 Decreto-Lei n.º 298/2009, de 14 de outubro.

28 Decreto-Lei n.º 77-C/2021, 14 de setembro.

29 Diploma relativo à GNR.

30 Percentagens calculadas de acordo com o anterior sistema remuneratório.

31 Percentagens sobre o vencimento base de cada posto.

32 Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho. “Reconverter o sistema em vigor há mais de 50 anos, substituindo a tabela de letras por novas escalas indiciárias, sem se visar um aumento generalizado da função pública, mas antes proceder a uma reforma estrutural susceptível de comportar continuadas melhorias qualitativas e quantitativas”.

33 Decreto-Lei n.º 322/78, de 8 de novembro.

34 Uma excepção existia para o posto de furriel, porquanto, nas FFAA é um posto de ingresso, enquanto na GNR, é um posto de carreira, após um mínimo de 3 anos na categoria de Guarda, fazendo parte integrante do Curso de Formação de Sargentos. A partir de setembro de 2024, aquela excpeção deixou de existir com a igualização das remunerações dos furriéis das FFAA e da GNR (DL n.º 64/2024).

35 Igualmente aplicável nas Operações de Manutenção de Paz e nas FND.

36 Lei n.º 11/89, de 1 de junho.

37 Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro.

38 Alteração introduzida ao art.º 58.º, do Decreto-Lei n.º 137/2009, através do art.º 5.º, do Decreto-Lei n.º 139-C/2023.

39 Calculados em percentagem da remuneração do Director Nacional (6.845,68€). A título meramente comparativo, a remuneração do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas é de 5.547,99€, dos Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas de 5.382,11€ e do Comandante-Geral da GNR é de 5.216,22€.

40 Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro.

41 Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto.

42 Ver Lei n.º 14/2002, de 19 de fevereiro, e Lei n.º 49/2019, de 18 de julho, que regulam o “Exercício da Liberdade Sindical e o Direito de Negociação Coletiva do Pessoal da PSP”.

43 Artigo 15.º da Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de julho, e artigo 17.º-B da Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto.

44 Exceção dos cargos de 2.º Comandante-Geral, do Inspetor da Guarda e do Comandante do Comando Operacional.

45 Artigo 56.º da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto.

46 Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de agosto.

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by COM Armando Dias Correia