Nº 2501/2502 - Junho/Julho 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Última Campanha Napoleónica contra Portugal [1810 1811]
Coronel
José Custódio Madaleno Geraldo
Uma nova campanha contra Portugal desenhava-se no pensamento de Napoleão, que ainda manifestou vontade em vir pessoalmente a Lisboa, mas as preocupações, mormente as do foro familiar, o divórcio com Josefina e posteriormente os preparativos do casamento com a arquiduquesa austríaca Maria Luísa, goraram os seus intentos.
 
Talvez se Napoleão tivesse vindo outra vez à Península Ibérica os acontecimentos tivessem sido diferentes. Mas alvitrava palpites que o tempo acabou por não confirmar e desvalorizou os adversários que haviam de ser os seus principais rivais nos campos de batalha. A confirmar o que acabámos de dizer escreveu: “Antes de hum anno serão os inglezes, apesar de todos os seus esforços, expulsados da peninsula, e a aguia imperial tremulará sobre as Fortalezas de Lisboa... Não póde haver cousa mais vantajosa para a França, do que ver os inglezes envolvidos em guerras de terra; em vez de conquistarmos Inglaterra por mar, nós a conquistaremos no Continente”[1].
 
E Napoleão continuava a propaganda personificando as suas críticas, mandando-as publicar no jornal ao seu serviço:
 
 
 
Fig. 1 - Mappa do itinerario que trouxe o Marechal Massena, quando com o seu exercito invadiu o reino de Portugal em Setembro de 1810...
Gravura de João Palha, Lisboa: Lithographia da Imprensa Nacional, [s. d.].
 
 
“Desejamos muito que Lord Wellington seja o Commandante dos exercitos Inglezes; pois que com o caracter que tem, experimentará de certo grandes revézes... Nenhum destes dois Generaes (o Cavalheiro João Moore e Lord Wellington) mostra aqella previdencia, e cautéla anticipada, que he qualidade tão essencial para as operações militares, e que ensina a fazer sómente aquillo que se póde effeituar, e a não tentar empreza alguma, em que não haja a maior probabilidade de se poder concluir felizmente. Lord Wellington não tem manifestado maiores talentos do que os homens que dirigem o Gabinete de S. James. Querer sustentar a Hespanha contra a França, e combater a França no Continente, he projectar huma empreza que hade custar cara aos que a tentárão, e lhes não hade produzir mais que desgraças”[2].
 
Não conseguimos saber se este era, na realidade, o verdadeiro pensamento do Imperador ou se era pura propaganda, a fim de moralizar os seus soldados; sabemos, no entanto, que ele estava enganado, e se Wellington não lhe respondeu à letra com palavras iria responder-lhe com actos que o levaram a mudar de opinião. Mas Napoleão continuava as suas profecias. Desta vez, foram proferidas no Senado, a 4 de Dezembro de 1809: «Assim que eu apparecer alem dos Pyrenéos, o leopardo espantado fugirá para o oceano a fim de escapar á ignominia, à derrota e á morte. A victoria das minhas armas será a do genio do bem sobre o do mal: a victoria da moderação, da ordem, e da moral sobre a guerra civil, sobre a anarchia e paixões destruidoras»[3].
 
Pode ser uma simples coincidência aquilo que vamos comentar, mas depois destas palavras pronunciadas por Napoleão lembramo-nos que as Linhas de Torres Vedras foram inicialmente construídas com um principal propósito que era cobrir a retirada do exército inglês para embarcar nos seus navios, ancorados próximo de S. Julião da Barra; “porém o próprio Wellington considerou-as sempre como uma barreira que o exercito francez nunca poderia ultrapassar”[4]. E estava certo, os franceses não passariam.
 
“A 12 de Fevereiro, disse [Napoleão] a Ney, comandante do 6.º corpo do exército nas regiões de Valladolid e Salamanca, «para inundar as saídas de Portugal com fortes patrulhas de cavalaria a fim de saber o que se passa, inquietar os Ingleses e os impedir de se dirigir para o sul»; de «propagar em Portugal o anúncio da chegada do Imperador com 80 000 homens» e de se lançar em força sobre Ciudad Rodrigo. (...) A nova expedição contra Portugal, indispensável à consolidação do regime imperial e à manutenção do poder do governo francês perante as chancelarias europeias, far-se-ia sem o Imperador”[5]. Perante estas sérias ameaças, parte dos países europeus acreditava na vitória da máquina de guerra francesa. Também estes se enganavam!
 
 
1.  Massena - Comandante da III Invasão
 
Apesar de tanta certeza, Napoleão estava irritado com a resistência na península, nomeadamente em Portugal e, querendo à viva força implementar o Bloqueio Continental, escolheu um homem da sua inteira confiança, com provas dadas, conhecido pelo “filho querido da Vitória”. O marechal Massena notabilizou-se na batalha de Zurich, na defesa de Génova, em Marengo, em Essling e Wagram, e detinha ainda os títulos de duque de Rivoli e príncipe de Essling. Contava 52 anos quando, a 17 de Abril de 1810, foi nomeado comandante-em-chefe do exército francês em Portugal. Massena sentia-se cansado devido à vida de combates e pouco regrada. Só aceitou o cargo depois de muita insistência do imperador. “Todavia, se fisicamente Massena se achava inferior ao que fôra, a sua vontade conservava a energia doutros tempos, como os acontecimentos desta campanha provaram”[6].
 
Atributos de chefe, táctico e estratega não lhe faltavam. “Vista de olhos certeira, paciência calculada, energia constante, autoridade afirmada - mostrara todos estes dons no decurso de uma carreira rica em belos feitos bélicos”[7]. Constava nos exércitos franceses que «o troar do canhão lhe esclarecia as ideias»[8]. Padecia de cegueira de um olho, que perdera numa caçada. Chamavam-lhe “cegueta”, como Loison era chamado de “maneta”[9].
 
Este marechal francês, com provas dadas e muito considerado por Napoleão, teve uma vida atribulada. Nasceu em 6 de Maio de 1758, filho de um engenheiro de Toulon, que foi chefiar os trabalhos do porto. “Aos 13 annos embarcou n’um navio mercante como grumete, onde recebia maus tratos. Aos 17 annos alistou-se no regimento real-italiano, chegando a sargento. Não conseguindo ser promovido a official, porque então eram preferidos os que tinham um gráu de nobreza, pediu a baixa a 19 d’agosto de 1789, entregando-se ao commercio. Dotado d’um espirito agudo e irriquieto, aspirando a adquirir uma grande fortuna, o seu commercio nem sempre foi licito, pois foi contrabandista com seu primo Bavastro, celebre contrabandista. Nas Antilhas casou com a filha d’um rico cirurgião, entregando-se então ao commercio de azeites e fructas seccas. Rebentou a revolução, e immediatamente foi nomeado ajudante-mór do 2.º batalhão da Guarda nacional do Var. A sua carreira tornou-se rapida. Chefe de batalhão em 1792, era general de brigada em 1793 e general de divisão no anno seguinte”[10].
 
 
2.  Situação das Forças Francesas
 
Sem nos alongarmos muito no percurso de Napoleão, uma vez que não é esse o nosso propósito, deixamos alguns apontamentos no sentido de percebermos o balanceamento das tropas, no teatro europeu, por parte do imperador.
 
Napoleão foi derrotado em Aspern, na Áustria, e esta notícia terá levantado o espírito dos aliados. Mas esta derrota foi vingada pelo mesmo Napoleão em Wagram, a 6 de Julho de 1809. A Áustria assinou a paz e as tropas francesas ficaram disponíveis para serem utilizados na península Ibérica, “elevando os seus exercitos destinados á Hespanha, ao enorme total de 366.000 homens, com o fim de poder empregar novos e mais energicos esforços para a completa submissão do paiz, e para a expulsão dos inglezes de Portugal”[11].
 
Napier aponta para mais de 370.000 homens e cerca de 80.000 cavalos a força francesa na Península: “Reckoning the King’s French guards, the force in the Peninsula was not less than three hundred and seventy thousand men and eighty thousand horses. Of these, forty-eight thousand men were in hospital, four thousand prisoners, twenty-nine thousand detached; leaving two hundred and eighty thousand fighting men under arms, ready for battle or siege: and there was a fresh reserve, eighteen thousand strong, in march to enter Spain” [12].
 
 
3.  Composição e Situação do Exército Francês em Portugal[13]
 
O exército destinado a invadir Portugal era composto pelo 2.º corpo, comandado por Reynier, pelo 6.º corpo comandado por Ney e pelo 8.º corpo, comandado por Junot. Todos juntos formavam um exército de cerca de 80.000 homens[14]. “A êstes três corpos ha a acrescentar uma divisão de cavalaria e alguns batalhões de infantaria, do comando do general Kellermann, uma brigada do general Bonnet, e uma outra divisão, do general Serras, ao todo 130.000, dos quais só cerca de 70.000 podiam colaborar directamente na conquista de Portugal, porque Massena tinha a seu cargo um dos novos governos militares da Espanha, que abrangia Leão, a maior parte da Castela Velha e ainda uma porção da Estremadura, a cuja segurança lhe era forçoso prover”[15].
 
Detalhando um pouco mais, vejamos a composição dos corpos de exército que viriam a invadir Portugal: 2.º Corpo de Exército, sob o comando de Reynier, com duas divisões de infantaria, comandadas por Merle e Heudelet, sendo uma com 3 regimentos e a outra com 4 regimentos; e uma força de cavalaria (divisão), sob o comando do general Soult, com 4 regimentos. A artilharia estava dividida pelas 2 divisões, constituindo-se ainda a artilharia de reserva ou de corpo. Este corpo tinha um total de 622 oficiais, 14.224 homens e 18 bocas-de-fogo.
 
As tropas que constituíam este corpo eram excelentes, velhos soldados de Austerlitz, operavam na Extremadura espanhola, vigiavam os movimentos dos ingleses. Era naquele local que arranjavam as suas subsistências, não tinham depósitos organizados, encontravam-se mal fardadas, tinham calçado em péssimo estado. Faltavam as equipagens de artilharia a pé e cavalos para a artilharia a cavalo; o trem de equipagens militares encontrava-se desorganizado. Os soldados não eram pagos, há muito.
 
O 6.º Corpo de Exército, sob o comando de Ney, era composto por 3 divisões de infantaria, comandadas por Marchand, Mermet e Loison, sendo a 1.ª e a 2.ª a 4 regimentos, a 3.ª a 4 regimentos e 2 legiões, uma delas alemã e, ainda, uma força de cavalaria (brigada ligeira), sob o comando do general Lamotte. Este corpo tinha também artilharia a pé, artilharia a cavalo, artilharia de sítio e uma companhia de sapadores. Era constituído no seu todo por 814 oficiais, 22.230 soldados e 30 bocas-de-fogo.
 
O 8.º Corpo de Exército, sob o comando do general Junot, integrava 2 divisões de infantaria, comandadas por Clausel e Solignac, e, ainda uma força de cavalaria (brigada) sob o comando do general conde de Sainte-Croix. Este corpo tinha também artilharia a pé e a cavalo, sapadores e pontoneiros. Era constituído no seu todo por 641 oficiais, 16.972 soldados e 36 bocas-de-fogo.
 
Pertencia também ao exército de Portugal, uma divisão de cavalaria de reserva composta por 3 brigadas, comandada pelo general Montbrum, com um efectivo de 168 oficiais, 3.319 soldados e 2.595 cavalos. Esta divisão também tinha uma companhia de artilharia a cavalo e 2 companhias de trem.
 
Cada corpo de exército tinha na sua composição um destacamento de gendarmeria para o serviço de polícia.
 
 
4.  Forças Aliadas
 
4.1. Os Comandantes Wellington e Beresford
 
Wellington e Beresford trabalhavam em parceria: enquanto o primeiro se preocupava com a questão defensiva de Portugal, em especial por Lisboa, o segundo encarregava-se mais com a organização do exército português, sob uma disciplina e instrução rigorosas. Os esforços de Beresford não se ficavam pelo exército de primeira linha, mas também procurava instruir e disciplinar os regimentos de milícias, “pois julgava-os indispensáveis para cooperarem com as tropas nas futuras operações. [...] Relativamente á disciplina, Beresford toma medidas das mais contraditorias. Umas vezes impõe castigos excessivos por pequenas faltas; outras, não castiga faltas graves; e ainda muitas vezes, dirige acres censuras aos vogaes dos conselhos de guerra, apesar de confirmar as suas resoluções”[16].
 
Nem todos estavam de acordo com tanto rigor e, por vezes, falta de coerência, de tal modo que alguns oficiais portugueses em certos regimentos resistiam na aplicação de algumas medidas, “e começa a germinar um odio que há de mais tarde manifestar-se d’uma maneira violenta. Diversas conspirações foram suffocadas”[17].
 
O descontentamento entre os oficiais portugueses ia alastrando de tal modo que um deles, já aposentado, resolve fazer uma crítica das Ordens do Dia de Beresford[18].
 
Mas se há medidas que podem ser alvo de crítica, há outras que têm que ser elogiadas. Não vamos abordar este tema de forma exaustiva, mas trazemo-lo aqui pela importância que têm a disciplina e a ordem em qualquer Exército. Não poderemos esquecer o que se passou aquando da invasão de Soult, em que alguns dos soldados não obedeciam aos seus chefes, insultando-os e até atentando contra a sua própria vida.
 
Quanto a Beresford, recordamos duas medidas positivas, para a época e que ainda se mantêm actuais, quanto a nós, uma respeitante à higiene e outra ao treino da táctica:
“Nas suas amiudadas revistas, Beresford descia às menores particularidades, exigindo que o soldado se apresentasse aceiado, devendo ter o cabello cortado e estar bem lavado, para o que ordenou que se fornecesse ao soldado sabão, pentes, escovas, etc., objectos estes que pareciam ser desconhecidos no exercito português, quando eram familiares nos exercitos estrangeiros. Os Officiaes eram responsaveis por este estado de aceio, devendo elles dar o exemplo [...]. Ao passo que as tropas se exercitavam na nova tactica, mandava Beresford que tambem se realisassem duas vezes por semana exercicios de marcha de guerra, organisando-se as columnas como em campanha, com vanguarda e retroguarda, e empregando-se todas as medidas de segurança necessarias. Estes exercicios realisavam-se até uma legoa ou mesmo legoa e meia fóra dos quarteis”[19].
 
Havia também inúmeros exercícios de fogo, o que permitia melhorar a proficiência dos atiradores. Conforme consta em Ordem do Dia, de 9 de Novembro de 1809, os Regimentos de Infantaria deveriam fazer exercícios de fogo com cartuchos com e sem bala. O total dos cartuchos consumidos por cada praça nos diversos exercícios deveria ser de 50 cartuchos sem bala e 20 com bala.
 
4.2. Composição e Disposição das Forças Aliadas[20]
 
Para fazer face à invasão iminente e que poderia ter lugar por diferentes pontos, havia necessidade que as forças aliadas se distribuíssem pelo território, Wellington distribuiu as tropas do seguinte modo: o grosso do exercito inglês, sob o seu comando directo, nas regiões de Viseu, Celorico, Guarda e Pinhel, com o quartel-general em Celorico; a cavalaria foi distribuída ao longo do vale do Mondego, e Belmonte; 4.000 homens da Divisão Ligeira, comandadas por Crawford, avançados entre os rios Côa e Águeda, observando Cidade Rodrigo. A força total atingia os 25.000 homens.
 
O resto das tropas inglesas, (aproximadamente 5.000 homens) e algumas portuguesas, sob o comando de Hill, em Abrantes e Portalegre, na estrada para Badajoz; ao todo eram aproximadamente 10.000 homens.
 
O grosso das tropas de primeira linha, pagas pela Inglaterra e comandadas por oficiais ingleses, em Tomar, formando uma reserva e guarnecendo as fortalezas de Almeida, Elvas, etc., eram ao todo de 30.000 homens, aproximadamente. As milícias portuguesas, na força de 21 regimentos, ao norte do Douro; e um número um pouco maior sob o comando de Beresford, em Setúbal, em diferentes pontos do Alentejo, e aquém do Elga e do Ponsul; aproximadamente 30.000 homens.
 
Foram criados depósitos ao longo dos rios para assegurar os reabastecimentos necessários: no Tejo, em Abrantes e próximo de Lisboa; no Mondego, em Penacova e na Figueira; no Douro, em Lamego e no Porto. Foram, ainda, constituídos depósitos de comestíveis em Viseu, Celorico, Condeixa, Leiria, Tomar e Almeida. Lançaram-se pontes volantes sobre os rios Tejo e Zêzere, próximo de Abrantes, e também sobre o Tejo em Vila Velha. Foram melhoradas, tanto quanto possível, as estradas no interior de Portugal, com o fim de facilitar as comunicações dos aliados, por exemplo a estrada de Abrantes ao Mondego por Tomar e Espinhal (ligando Hill a Wellington por um caminho mais curto); e a da margem esquerda do Tejo, de Abrantes a Castelo Branco por Vila Velha, (pondo em comunicação Hill com as milícias portuguesas avançadas no Ponsul). Estabeleceu-se também uma cadeia de postos que passava pela Guarda, Espinhal e Tomar, até Abrantes, para assegurar as comunicações entre Wellington e Hill.
 
Algumas estradas para os postos avançados, como por exemplo a que de Castelo Branco, pelas montanhas, vai dar a Abrantes, por Sobreira Formosa, e a que do Sabugal vai a Tomar por Belmonte e ao longo do vale do Zêzere, tornaram-se de difícil trânsito, procedendo-se para isso à sua destruição. Foram também estabelecidos telégrafos de sinais de Lisboa para Abrantes e para Almeida. Nesta posição esperou Wellington pelo desenvolvimento do plano dos franceses, trabalhando todo o tempo nas Linhas de Torres Vedras, tendo dado instruções a Crawfurd para que, logo que se aproximasse a mais pequena força dos franceses, retirasse para aquém do Côa, e não se arriscasse a nenhuma acção importante na margem direita.
 
 
5.  Wellington e a Estratégia da Terra Queimada
 
A estratégia delineada por Wellington[21] para fazer face ao exército enviado por Napoleão para conquistar Portugal não se limitava aos combates com homens armados, nos campos de batalha, mas sim uma guerra, em todo o território nacional, que envolvia todos os portugueses, homens, mulheres e crianças; todos eles sofreram na pele os sacrifícios impostos, necessários para o sucesso final dos aliados.
 
Com os poderes de que dispunha em Portugal, Wellington deu indicações precisas aos governantes para se fazerem proclamações aos portugueses no sentido de os esclarecerem sobre a sua conduta, quando os franceses se aproximassem, deviam destruir pontes, moinhos, colheitas, com excepção daquelas que pudessem transportar; deviam, ainda, abandonar as suas casas, as suas terras e deslocarem-se para dentro das Linhas de Torres Vedras. Wellington pretendia transformar a parte do território português continental, acessível ao exército francês, num deserto inospitaleiro, para privar assim as tropas francesas de alimentos e forragens.
 
 
6.  Início das Operações
 
O ambicioso plano de Napoleão previa que Massena invadisse Portugal saindo de Salamanca, enquanto Soult avançaria por Badajoz e Elvas. Massena exerceria o esforço principal para cumprir o objectivo de impelir os aliados; mas Soult depois de conquistar Badajoz e Elvas, deveria igualmente fazer a tentativa de entrar em Lisboa seguindo aquela direcção.
 
Massena entrou em Valladolid, em 5 de Maio, daí partiu para Salamanca, juntamente com as divisões de Ney, Junot e Reynier. No início de Junho, estando assente que Soult devia cooperar pela Andaluzia, Massena iniciou as operações dando ordens a Ney para avançar através do rio Águeda e avançar sobre Ciudad-Rodrigo, enquanto o corpo de Reynier, a operar no vale do Tejo, se punha em movimento com a finalidade de colocar Wellington em dificuldades, impedindo a que retirasse tropas daquela zona. Hill contra-manobrou com o fim de observar Reynier, evitando que ele lhe passasse para diante no interior de Portugal:
“Juntas todas estas forças começaram a invadir o territorio portuguez, e no dia 24 de Julho de 1810 investírão com numerosas tropas a divisão do general inglez Crawfurd, que se achava postado com 4,000 homens entre Junça e o forte da Conceição, e tratárão de cercál-o, e de tolher-lhe a retirada, porêm, aquella força, que constava de soldados inglezes e portuguezes, se houve com tanta intrepidez e galhardia, que rompendo por meio dos inimigos, se retirou varonilmente, e passando o Coa foi tomar posição na ponte d’Almeida, onde se conservou até o outro dia, em que a desamparou, para ir postar-se em Freixedas. Adiantárão-se então os Francezes, e enquanto um destacamento consideravel marchava sobre Pinhel, o grosso do exército, á testa do qual se achava o general Loison, se aproximou d’Almeida, e intimou ao brigadeiro Cox, que houvesse de render-se, e como este official respondesse, estava resoluto a defender-se até ás ultimas, determinárão os Francezes de a tomar pela força, e fizerão todas as disposições necessarias para o cerco, o que não obstante se conservárão na mesma posição defronte da praça, sem fazerem o menor movimento até 10 d’Agosto, achando-se assim acampados entre o Coa e o Agueda, e tendo destacamento em Pinhel. Como a comunicação com o interior do reino se achasse interceptada pelo exercito anglo-luso, commandado por Wellington, a divisão franceza de Regnier, que se havia mostrado em Naves-Frias, e depois em Salvaterra, destacou uma partida de cavallaria e de infantaria pelas montanhas de Valverde e de Sillicos para Penamacor, e occupou pela mesma occosião Zibreira; o que obrigou o general inglez Hill a fazer algumas disposições para deter-lhe o passo, e impedir se entranhassem pelo lado da Beira-Baixa no interior do reino”[22].
 
 
7.  Conquista de Almeida
 
Os franceses receberam reforços e, sob o comando directo de Massena, as tropas desenvolvem e articulam-se para cercar e conquistar Almeida. A 26 de Agosto aconteceu uma grande desgraça na Praça, pois o paiol principal de munições explodiu tendo-se propagado a outros depósitos de pólvora. Com a violência da explosão grande parte da vila de Almeida ficou destruída, as munições desapareceram e houve muitas baixas, sobretudo de artilheiros que estavam ao serviço na Praça. Por traição ou mera casualidade, a Praça de Almeida estava em perigo. Cox tinha duas alternativas - ou recebia reforços ou capitulava; foi forçado a capitular. “O Governador e a tropa de Linha sahirão prisioneiros de guerra e concedeu-se ás Milicias, que se retirassem a suas casas. A ultima condição não foi, contudo, cumprida pontualmente, porque o inimigo deixou consideravel numero de milicianos para lhe servirem de pioneiros”[23].
 
Estes pioneiros foram contra a sua vontade e aqueles que podiam, fugiam e apresentavam-se às autoridades para voltarem a servir no exército português contra os invasores. Consta que Francisco Bernardo da Costa e Almeida, o tenente-rei da Praça, manifestou-se amedrontado junto de mulheres e paisanos que se achavam em pânico, tendo esta acção contribuído para que se não resistisse durante mais algum tempo na defesa de Almeida. Face ao seu comportamento acusaram-no de conivência com os invasores, respondeu em conselho de guerra, mas nada lhe valeu a argumentação, naquele período de ânimos exaltados; foi condenado e fuzilado.
 
Sobre o major Fortunato José Barreiros, comandante da artilharia da Praça de Almeida, recaíram suspeitas de traição por ter colaborado com o inimigo e provocado o incêndio do paiol. Como seguiu com os franceses, esquivou-se a igual destino do tenente-rei. Em 1815, foi publicado em Bourges, na França, um documento que absolvia este major de artilharia com o seguinte título: “Exposição veridica e sincera das razões e impossibilidades que provam a sua alteza real o principe regente de Portugal, e a toda a nação, a falsidade do facto, e depoimento das testemunhas que juraram contra Fortunato José Barreiros, etc. - Offerecido á nação portugueza por F. J. B” [24].
 
 
8.  Continuação das Operações
 
No dia seguinte à perda de Almeida, o segundo corpo do exército, sob o comando de Regnier, que observava a fronteira de Portugal na latitude de Castelo Branco, atravessou o Tejo em Alcântara, seguiu para Norte e entrou em Alfaiates e no Sabugal, nos dias de 12 e 13 de Setembro, para se juntar aos outros dois corpos, comandados por Ney e Junot.
 
Massena dispunha agora das suas tropas concentradas e prontas a continuar a invasão. No dia 12 de Setembro, entravam as primeiras tropas das guardas avançadas na Guarda; Welington retirou de imediato e, a 15 de Setembro, Regnier marcha sobre a Guarda, tendo aí chegado nessa mesma tarde. Perante a situação, a Guarda rendeu-se. A 16, as tropas francesas estavam assim dispostas: Regnier na Guarda, Ney em Maçal e Junot em Pinhel, com a cavalaria e artilharia.
 
Destes pontos, Ney e Regnier avançaram na direcção de Viseu, pela margem esquerda do Mondego até Fornos, aqui atravessaram o rio para a margem direita.
“Sir Stapleton Cotton, que governava as tropas alliadas naquela provincia, retirou-se em conformidade das ordens que tinha de lord Wellington, porêm os Francezes, em vez de lhe irem no encalço, marchárão em direitura para ponte de Fornos e a sua guarda avançada chegou até a villa d’este nome naquella mesma tarde. No dia 19 uma partida numerosa de Francezes se apoderou de Viseu, e com quanto Trant á testa da legião academica atacasse a escolta da caixa militar, e as ordenanças e as milicias picassem o inimigo pela retaguarda e pelos flancos, em quanto elle marchava de Celorico e de Trancoso para Vizeu, estes combates parciaes lhe não estorvárão de ir por diante”[25].
 
Massena entrou em Viseu, a 21 de Setembro, mas a artilharia só chegou a 23. As tropas encontravam-se bastante desgastadas pelas contrariedades por que tiveram que passar, com danos e perdas significativas de material.
 
Wellington continuava a retirar perante as guardas avançadas dos invasores, pela margem esquerda do Mondego, tendo dado indicações a Hill para ir ao seu encontro no rio Alva, seguindo por Espinhal, depois de se certificar que Regnier havia marchado para norte. Wellington ordenou também que algumas tropas aliadas, sob o comando do General Leigh, que se encontravam em Tomar, para que se reunissem a si.
 
Já com a sua artilharia, Massena resolve retomar a marcha, seguindo pela margem direita do Mondego, por Sabugosa, Tondela e Mortágua em direcção a Coimbra. Ao perceber esta manobra, Wellington retirou ao longo da margem esquerda do Mondego, para as bandas do rio Alva.
 
 
9.  Batalha do Buçaco, descrita por Wellington
 
Massena escolheu a estrada que passa próxima da serra do Buçaco. Esta serra é dominante sobre a margem direita do Mondego, correndo este rio numa garganta funda entre a serra do Buçaco, à direita, e a serra da Murcela à sua esquerda:
“Wellington, achando-se situado detraz das cristas da Murcella, e tendo officiaes collocados nas montanhas com o fim de observarem a direcção da marcha dos francezes, determinou que se procurasse impedir o caminho a Massena na serra do Bussaco, com o fim não só de levantar o espirito dos seus proprios soldados e do povo portuguez, mas tambem de ganhar tempo, que lhe permittisse poder retirar os seus armazens de Coimbra e Condeixa, e auxiliar os camponezes na destruição das suas colheitas, e na devastação dos campos. Esta serra offerecia uma posição muito forte, e havendo n’esta occasião chegado Hill e Leigh (o primeiro por se haver antecipado ás determinações de Wellington, marchando a reunir-se a este general logo que soube que Reynier seguira a encontrar-se com Massena, e o segundo vindo de Thomar); Wellington formou, no dia 26 de setembro, o seu exército em ordem de batalha sobre ella, com excepção das poucas tropas que tinha deixado na outra margem do Mondego em observação, e da cavallaria que fôra postada na estrada do Porto, ao sul do Sardão, vigiando a esquerda. Wellington ordenou tambem que algumas milicias portuguezas sahissem de Lamego sobre Sardão e o desfiladeiro de Boyalvo, para obstarem a que os francezes o torneassem por aquella estrada. Quanto á estrada de Pena Cova era desnecessario guardal-a, por estar exposta ao fogo de artilheria da serra.
Massena aproximou-se no dia 26, e julgando que os inglezes estavam em menor força do que realmente [estavam], pois ignorava o facto da junção de Hill e de Leigh, tentou forçar a posição no dia 27 (com Ney e Reynier na frente e Junot na reserva), e deu a batalha do Bussaco. N’esta batalha os alliados eram em numero de 49:000 e os francezes, de 66:000”[26].
 
Nas nossas pesquisas deparámos com três descrições sobre os acontecimentos da Batalha do Buçaco, todas elas primeiras edições, de primeira água, e que vêm descritas, na Gazeta de Lisboa [27], no Correio Braziliense [28] e Recueil Choisi des Dépêches et des Ordres du Jour du Field-Maréchal duc de Wellington [29], editados respectivamente em Lisboa (1810), Londres (1810) e Bruxelas (1843). Perante tanta riqueza deixada por Wellington, resolvemos seguir o texto que nos traz a primeira fonte ora descrita[30] o que nos legou para a posteridade um dos maiores protagonistas da História da Europa nas duas primeiras décadas do século XIX.
 
 
“LISBOA 3 de Outubro.
 
Ofício de Lord Wellington a D. Miguel Pereira Forjaz[31]
 
[...] Ás 6 da manhã do dia 27 o inimigo fez dois desesperados ataques sobre a nossa posição, um na direita, e outro sobre a esquerda do mais alto ponto da Serra. O ataque sobre a direita foi feito por duas divisões do segundo Corpo naquela parte da Serra, ocupada pela terceira divisão de infantaria. Uma divisão francesa chegou ao cume da cordilheira a tempo e foi atacada com a mais bizarra maneira pelo regimento 88, comandado pelo Tenente Coronel Wallace, e pelo regimento N.º 45 pelo muito honrado Tenente Coronel Meade, e regimento Português N.º 8, comandado pelo Tenente Coronel Douglas, dirigidos pelo Major General Picton. Estes três regimentos avançaram com baioneta calada, e fizeram retroceder a divisão do inimigo do terreno vantajoso que havia obtido. A outra divisão do segundo Corpo atacou a maior distancia na direita, pela estrada que vem por Santo António do Cantaro, igualmente em frente da divisão do Major General Picton. Esta foi repelida antes que tivesse chegado ao cume da Cordilheira pelo regimento N.º 74 comandado pelo honrado Tenente Coronel Trench, e pela brigada de infantaria Portuguesa, comandada pelo Coronel Champalimaud, dirigida pelo Coronel Makinnon. O Major General Leith igualmente se moveu para a sua esquerda, para apoiar o Major General Picton, ajudando a destroçar ao inimigo nesta parte o terceiro batalhão do regimento das Reaes, o primeiro batalhão do regimento 9, e o segundo batalhão do regimento 38. Nestes ataques distinguiram-se os Majores Generais Leith e Picton, os Coroneis Makinnon e Champalimaud no serviço Português, (e o qual foi ferido), o Tenente Coronel Sutton do regimento Portuguez N.º 9, o Major Smith do regimento 45, o qual infelizmente foi morto, o Tenente Coronel Douglas, e o Major Bermingham do regimento Portuguez N.º 8.
O Major General Picton reporta boa conduta dos regimentos Portugueses N.º 9 e 21, comandados pelos Tenentes Coronéis Sutton, e Araujo Bacellar, e da artilharia Portuguesa, comandada pelo Major Arentschild.
Tenho igualmente a mencionar de uma maneira muito particular a conduta do Capitão Dansey do regimento 88.
O Major General Leigth reporta a boa conduta do regimento Real, e do primeiro batalhão do regimento 9, e segundo batalhão do regimento 38; e peço permissão para assegurar a V. Ex.ª que nunca presenciei um mais bravo e denodado ataque do que aquele, feito pelos regimentos 88, 45, e pelo regimento Português N.º 8 sobre a divisão do inimigo, que havia subido a Serra.
Na esquerda o inimigo atacou com três divisões de infantaria do oitavo Corpo aquela parte da Serra, ocupada pela divisão de tropas ligeiras, comandadas pelo Brigadeiro General Crawford, e pela brigada Portuguesa, comandada pelo General Pack.
Uma única divisão de infantaria inimiga fez algum progresso na subida para o cume da Serra; porém foi imediatamente carregada à baioneta calada pelo Brigadeiro General Crawford com os regimentos 43, 52 e 95, e o regimento de caçadores Portugueses N.º 3; e obrigados a retroceder com imensa perda.
A brigada Portuguesa de infantaria, comandada pelo Brigadeiro Colemans, que estava em reserva, foi movida para suportar a direita da divisão do Brigadeiro General Crawford; e um batalhão do regimento Português N.º 19, comandado pelo Tenente Coronel Mack-Bean, fizeram um denotado e bem sucedido ataque contra um corpo de outra divisão do Inimigo, que estava procurando penetrar naquela paragem.
Neste ataque o Brigadeiro General Crawford, o Tenente Coronel Beckwith do regimento 95, e Barclay do regimento 52, e os Oficiais comandantes dos regimentos empregados nesta parte da acção distinguiram-se todos individualmente.
Além destes ataques as tropas ligeiras de ambos os Exércitos bateram-se durante todo o dia 27, e o regimento de caçadores Português N.º 4, e os regimentos N.º 1 e 16 dirigidos pelo Brigadeiro General Pack, e comandados pelos Tenentes Coroneis Rego, Barreto e Hill, assim como o Major Armstrong, mostraram grande firmeza e bravura.
A perda que o Inimigo sofreu neste ataque do dia 27, foi enorme.
[...]
Wellington.”
 
 
10. Movimento para Sul, até às Linhas de Torres Vedras
 
Depois desta descrição da Batalha do Buçaco pelo principal protagonista do lado dos aliados, cremos não ser preciso adiantar mais nada no que diz respeito ao Buçaco. Vejamos o que sucedeu a seguir.
 
 
 
Fig. 2 - Mappa das Linhas de Torres Vedras e sua ligação com Lisboa...,
Gravura anónima, Lisboa: Lithographia da Imprensa Nacional, [s. d.].
 
 
Wellington retirou da serra do Buçaco, seguindo para Sul, por Coimbra, Pombal Leiria, para as Linhas de Torres Vedras. Massena seguiu com o seu exército por Coimbra. Como nos descreve Wellington, os franceses, no dia 28 de Setembro, não voltaram a atacar em força, limitando-se o contacto entre os dois contendores a um tiroteio ao longo das posições. Ao anoitecer, Massena dá ordens para a retirada do seu exército, em direcção ao Sardão, torneando o flanco esquerdo do exército anglo-luso, e marchando sobre Coimbra onde chegou a 1 de Outubro, encontrando-se esta já evacuada, conforme ordens dadas por Wellington. Não obstante, os franceses deram saque à cidade dos estudantes, tendo obrigado os aliados a alguns combates de retaguarda: nos Fornos encontraram-se com cavalaria e infantaria inglesa que retirou para Condeixa, e no dia seguinte para Redinha. O grosso das forças francesas alcançaram Condeixa no dia 4 de Outubro, o remanescente do exército não atravessou o rio Mondego, e o general Montbrun, marchou sobre a Figueira, tendo-se apoderado da mesma com alguma facilidade.
 
Os franceses iam avançando em direcção a Lisboa, como era seu intento, mas sofriam as piores privações; era raro encontrarem víveres, e os que encontravam eram de pouca qualidade[32], as povoações encontravam-se desertas, as comunicações com Espanha haviam sido cortadas por paisanos, homens audazes e valentes que tinham como chefe o bravo Silveira. Massena encontrava-se num país revoltado contra a situação, com poucas vias de comunicação e muitas montanhas para vencer no percurso escolhido pelo Marechal; estava assim entregue à sua sorte e isolado dos seus pares que pelejavam na vizinha Espanha.
 
Massena tinha como objectivo principal a ocupação da capital e para lá continuou a toda a pressa, apesar das abundantes chuvas que se faziam sentir nestes primeiros dias de Outubro. Atrás das Linhas de Torres Vedras[33] estava tudo a postos para barrar os franceses. Wellington estabeleceu um plano meticuloso e eficaz para poder barrar Massena em todos os caminhos que convergiam para Lisboa.
 
Massena chegou defronte das Linhas, a 10 de Outubro de 1810; de um lado o exército francês e do outro o exército anglo-luso. O marechal francês[34], surpreendido perante aquela obra imponente, iniciou os reconhecimentos das posições preparadas, ocupou o terreno na frente das mesmas e mandou procurar víveres para alimentar as suas tropas carenciadas, para oportunamente se lançar à conquista das Linhas. Mas esse momento tardava; as suas tropas estiveram frente a frente com as anglo-lusas durante um mês, e a almejada entrada para avançar com o seu exército para sul não se descortinou. Todas as tentativas foram goradas. Durante este período, as milícias portuguesas juntamente com camponeses armados, aproximavam-se cada vez mais da retaguarda francesa causando-lhes os maiores danos, destruindo os depósitos, cortando as comunicações para a retaguarda e obrigando o exército francês a dispersar numa região artificialmente inóspita para conseguir alguns víveres. Quanto mais as forças francesas se dispersavam mais vulneráveis ficavam às acções da guerrilha.
 
Massena ainda enviou alguns destacamentos para Santarém, tendo dado ordens a Loison para ocupar aquela cidade, passando primeiro por Tomar. Loison entra nesta cidade, a 24 de Outubro. Na Chamusca encontrava-se uma unidade de ordenanças que tinha a missão secreta de se apoderar dos barcos que por ali se encontravam; perante a ameaça de Loison, os habitantes daquela vila, vendo que não podiam defender-se daquela ameaça e para que os barcos não fossem parar às mãos dos franceses resolveram carregá-los de palha e atearam-lhes fogo. Entretanto os franceses iam dilatando-se, como podiam pela Estremadura, enquanto o brigadeiro Trant conquistava Coimbra, obrigando a guarnição francesa a render-se. A situação não estava boa para os franceses, de tal maneira que Massena resolveu pedir reforços a Napoleão. Foi com esta incumbência de mensageiro o general Foy.
 
 
11. Tentativas de Travessia do Tejo
 
Outros episódios se passaram dignos de registo: “Em 5 de Novembro fizerão os Francezes um reconhecimento sobre Abrantes, a tempo que um corpo de cavallaria e de infantaria, commandado pelo general Gardane, atravessava a Beira-B[a]ixa do lado de Villa-Velha com o designio de passar a ponte, que ali havia sobre o Tejo; e achando-a rota dobrou sobre Sobreira-Formosa. Outra columna franceza conseguiu á força de diligencias lançar sobre o Zezere uma ponte de barcos que foi em breve destruida por uma cheia; porêm persistindo no mesmo intento tornárão a fazer outra por meio da qual vierão a occupar Punhete”[35].
 
Estas tentativas de travessia do Tejo tinham em vista a ocupação do Alentejo, uma província que não tinha ainda sido, nesta invasão, objecto do saque francês. Para evitar as incursões francesas nesta região, estavam vigilantes as forças inglesas sob o comando de Hill que observavam o Rio Tejo palmo a palmo, de tal modo que inviabilizaram todas as tentativas de travessia.
 
 
12. Retirada dos Franceses; Os Sentinelas Espantalhos; O Impasse
 
Encontravam-se as forças aliadas posicionadas para fazer face ao ataque às Linhas, mas para grande surpresa, no dia 14 de Novembro, os franceses retiraram das suas posições, pela calada da noite, deixando no seu lugar espantalhos, que só viriam a ser desmascarados no outro dia de manhã pelos aliados, depois do denso nevoeiro se dissipar. Seguiram pela estrada à direita de Alenquer e Alcoentre.
 
Após dar conta do sucedido, Wellington deu ordem às suas divisões para perseguirem o inimigo, deixando as Linhas guarnecidas. Também Wellington saiu das Linhas e tomou uma posição frente ao exército francês, (que ocupava Santarém, ora fortificado, Punhete, Pernes e Alcanede), nas imediações do Cartaxo e entre Rio Maior e o Cartaxo. Assim permaneceram os dois exércitos, em frente um do outro, durante quatro meses sem se empenharem em grandes ataques, cada um pelas suas razões.
 
Wellington pretendia, acima de tudo, poupar os seus homens, pois tinha os abastecimentos garantidos por Lisboa e pelo mar e, por outro lado, tentava privar o adversário de abastecimentos para que este desmoralizasse e assim ficasse diminuído. Massena aguardava os reforços pedidos a Napoleão para voltar a pôr em prática o seu plano de conquistar Lisboa.
 
 
13. Os Reforços Franceses
 
Estávamos nos finais de 1810 quando, a 26 de Dezembro, começaram a chegar os primeiros reforços - a divisão comandada pelo general Conroux, parte do 9.º corpo de exército francês. Comandado pelo general Drouet D'Erlon, reforça o exército de Massena, com cerca de 10.000 homens e Claparede, com um corpo que rondava os 8.000 homens, recebe ordens para ocupar a Guarda, tendo como objectivo estabelecer e conservar a comunicação com o grosso das forças francesas. A divisão de Claparede seguiu por Trancoso, foi atacada várias vezes pelas milícias sob o comando de Silveira, tendo derrotado estas a 30 de Dezembro na ponte do Abade, (a NW de Trancoso), tendo, depois desta vitória, Claparede ocupado a Guarda[36] como havia sido mandado. “Recebidos estes reforços começou logo Massena a fazer correrias, enviando fortes partidas de tropas a differentes lugares para abastecer-se de viveres e para fazer reconhecimento. Commandava Junot o 8.º corpo debaixo das ordens de Massena, e n’uma destas sortidas foi ferido no rosto, no dia 19 de Janeiro de 181[1], nas adjacencias de Rio-Maior”[37]. A situação dos franceses não teve grandes melhoras com a vinda de reforços, pois tinha a frente e os flancos obstruídos e a falta de víveres fazia-se sentir cada vez mais.
 
 
14. Os Franceses em retirada são perseguidos pelos Aliados; Diversos Combates
 
A 4 de Março, os franceses começaram a retirar-se na direcção de Tomar, chegando àquela cidade no dia 7 de Março. Ao dar conta que Santarém tinha sido abandonada pelos franceses a 6 de Março, Wellington dá ordem às suas forças para perseguirem o adversário. Seguiram cerca de 37.000 homens[38], 14.700 dos quais eram portugueses, na peugada de Reynier. Os franceses continuavam a sua marcha na direcção de Tomar, Espinhal e Foz do Arouce, para seguirem depois pela margem esquerda do Mondego.
 
Em 11 de Março teve lugar um combate no Pombal, onde se distinguiram mais uma vez as tropas portuguesas, nomeadamente o Batalhão de Caçadores 3. Mais a norte, no dia 13 de Março, outro combate, desta vez na Redinha, tomaram parte deste combate, pela parte dos aliados, as 3.ª, 4.ª e 5.ª Divisões, os regimentos de infantaria portugueses n.os 3, 9, 15, 16 e 21 e os batalhões de caçadores n.os 1, 3, 4, 6 e 8.
 
Em Condeixa, os franceses foram obrigados a deixar a estrada que os levaria a Coimbra mediante uma acção das forças aliadas que, não sendo muito sangrenta, teve a particularidade de mudar a direcção da retirada do adversário.
 
Outros combates e escaramuças tiveram ainda lugar durante a perseguição, a 15 de Março em Foz do Arouce, a 18 de Março na Ponte da Mucela e a 3 de Abril no Sabugal. A 4 de Abril os franceses deixavam as margens do rio Côa e dirigiram-se para Ciudad Rodrigo e, finalmente, a 8 de Abril, as últimas tropas francesas cruzavam a fronteira e retiravam de Portugal.
 
 
15. Episódios a Sul de Portugal
 
Já Massena retirava e mais a sul de Portugal, uma divisão francesa, tomada a praça de Badajoz, resolveu invadir território português e cercou a praça de Campo-Maior e propuseram a rendição ao governador José Joaquim Talaia, o qual rejeitou todas as propostas. Dada a posição do governador, os sitiantes iniciaram as hostilidades abrindo fogo a 15 de Março e continuando até ao dia 21 de Março, data em que foi aberta uma brecha. Propuseram novamente ao governador a capitulação e este concordou, mas impôs a condição de só se entregar no dia seguinte por volta das 2 horas da tarde, se até lá a praça não fosse socorrida; como não houve socorro, a guarnição da mesma ficou prisioneira de guerra.
 
Mas a ocupação desta praça por parte dos franceses não durou muito, pois Beresford aproximou-se da mesma e, a 24 do mesmo mês, dispôs as suas tropas de modo a cortar as comunicações com Badajoz, ainda na posse dos franceses. A 25 de Março, os franceses atacam as forças do exército aliado com as guardas avançadas da sua cavalaria e passado algum tempo empenharam o resto das suas forças. “Foi a acção bem disputada, porêm apezar dos prodigios de valor, que nesta ocasião fizerão os Franceses, tiverão de evacuar a praça com perda de mais de 600 homens entre mortos, feridos e prisioneiros”[39].
 
 
Notas Finais
 
A Grã-Bretanha teve em Portugal o seu principal aliado e, por isso, “os portugueses pagaram com lágrimas de sangue”[40] a sua opção. Foram dramáticos os sacrifícios e as privações a que os portugueses foram sujeitos. A política da “terra queimada” utilizada por Wellington para privar os invasores de alimentos transformariam Portugal num deserto. Foram muitos os excessos de todas as partes envolvidas nesta guerra!
 
O Duque de Wellington, comandante dos Exércitos Aliados em Portugal, revelar-se-ia um brilhante general e estratega, paciente e cauteloso, que soube bem defender os interesses[41] da Grã-Bretanha na península Ibérica e fora dela, primeiro em Portugal, depois em Espanha e, mais tarde, em França.
 
Wellington foi decisivo para o sucesso dos resultados favoráveis aos aliados nas três Invasões e na última, levou a melhor contra Massena (1810/11), primeiro vencendo-o no Buçaco e depois paralisando-o frente às Linhas de Torres. A sua genial ideia de construir as Linhas de Torres Vedras, tirando proveito do relevo, baseando-se nos estudos de do Major Neves Costa, foi decisiva para o desfecho da guerra. Os soldados de Napoleão paravam a cerca de três dezenas de quilómetros de Lisboa e retrocederam, para não mais voltarem na condição de inimigos. Portugal ficava destruído mas vencedor, para mais uma vez renascer!
 
 
Fontes Manuscritas
 
Processo Individual de José Maria das Neves Costa, Arquivo Histórico-Militar, Lisboa.
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Fontes computorizadas
 
Endereços electrónicos
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Diccionário Bibliográphico Portuguez, por Inocêncio Francisco da Silva e Pedro Wenceslau de Brito Aranha. Lisboa: Imprensa Nacional, 1857-1923 [edição electrónica da CNCDP].

 

 

 

 


[1]*     Trabalho realizado no âmbito do Mestrado em História Militar, uma parceria da Academia Militar (AM) com a Universidade dos Açores, e que viria a ser adaptado e incorporado na Tese de Mestrado intitulada “As Invasões Francesas e as Linhas de Torres: Defesa de um Património”, defendida a 29 de Fevereiro de 2009.
**     Coronel de Infantaria. Actualmente desempenha as funções de Director do Jornal do Exército. Sócio Efectivo da Revista Militar.
1  Le Monitor, 27 de Setembro de 1809.
[2]  IDEM, Ibidem.
[3]  CHABY, Claudio de - Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula e ás anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña. Lisboa: Imprensa Nacional, 1863, p. 136.
[4]  ROBINSON, C. W. - A Guerra da Península: 1808-1814. Lisboa: Typographia de Mattos Moreira & Cardosos, 1883, p. 102.
[5]  GOTTERI, Nicole - Napoléon et le Portugal, Napoleão e Portugal. Lisboa: Editorial Teorema, 2006, p. 255.
[6]  BOTELHO, J. J. Teixeira - História Popular da Guerra da Península. Porto: Livraria Chardron de Lélo & Irmão Editores, 1915, p. 368.
[7]  GOTTERI, Nicole - Ob. cit., p. 257.
[8]  BOTELHO, J. J. Teixeira - Ob. cit., p. 368.
[9]  CESAR, J. Victoriano - Invasões Francêsas em Portugal: 3.ª Parte, Invasão Francêsa de 1810, de Almeida às Linhas de Torres e das Linhas de Torres a Fuentes d’Oñoro (1810-1811). Lisboa: Typ. da Cooperativa Militar, 1910 p. 25.
[10]  IDEM, ibidem.
[11]  ROBINSON, C. W. - Ob. cit., p. 102.
[12]  NAPIER, W. F. P. - History of the War in the Peninsula and in the South of France: From the year 1807 to the Year 1814. London: Frederick Warne And Co., [s. d.], Vol. II, p. 380.
[13]  Os dados deste assunto foram em grande parte retirados, com adaptações de linguagem e de forma discursiva, da obra de CESAR, J. Victoriano - Invasões Francêsas em Portugal: 3.ª parte - 1810, pp. 27-31.
[14]  Há autores que apontam para cerca de 85.000 homens e Napier refere 86.896 homens.
[15]  BOTELHO, J. J. Teixeira - Ob. cit., p. 365.
[16]  CESAR, J. Victoriano - Invasões Francêsas em Portugal: 3.ª Parte - 1810. Lisboa, Typ. Da Cooperativa Militar, 1903, p. 6. Vd. Ordens do Dia, de 24 de Fevereiro de 1810; de 11 de Março de 1810 e de 8 de Julho de 1810.
[17]  IDEM, ibidem, p. 7.
[18]  COSTA, Verissimo Antonio Ferreira da - Analyse das Ordens do Dia de Beresford ou Reflexões Criticas, e Filosoficas sobre a Disciplina do Exercito Portuguez desde a sua entrada até o fim de 1814. Lisboa: Impressão Regia, 1820.
[19]  CESAR, J. Victoriano - Invasões Francêsas em Portugal: 3.ª parte - 1810, p. 8.
[20]  ROBINSON, C. W. - Ob. cit., p. 104-10 (com correcções e adaptações).
[21]  Vd. «Comunicado de Wellington aos portugueses de 04 de Agosto de 1810».
[22]  MOURA, Caetano Lopes - Historia de Napoleão Bonaparte: Desde o seu nascimento até à sua morte. Tomo II, Porto, 1846, pp. 362-363.
[23]  LOBO, Francisco Alexandre - Sumário Histórico da Campanha de Portugal em 1810 e 1811, [manuscrito], fólio 2.
[24]  CHABY, Claudio de - Excertos..., p. 156.
[25]  MOURA, Caetano Lopes - Ob. cit., pp. 364-365.
[26]  ROBINSON, C. W. - Ob. cit., pp. 108-109.
[27]  Gazeta de Lisboa, n.º 237, Lisboa, 3 de Outubro de 1810.
[28]  Correio Braziliense ou Armazem Literario, Vol. V., 1810, pp. 428-435.
[29]  GURWOOD, J. - Recueil Choisi des Dépêches et des Ordres du Jour du Field-Maréchal duc de Wellington, Bruxelles: Meline, Cans et Compagnie, 1843, pp. 406-410.
[30]  Vd. “Ofício de Lord Wellington a D. Miguel Pereira Forjaz, de 03 de Outubro de 1810”.
[31]  Vd. Gazeta de Lisboa, n.º 237, Lisboa, 3 de Outubro de 1810. Com adaptações e correcções de texto para a actualidade.
[32]  Desta vez o Príncipe Regente não disse para os portugueses receberem os franceses como amigos, como havia dito aquando da Invasão comandada por Junot em 1807.
[33]  Este tema será alvo de um capítulo que intitularemos «As Linhas de Torres Vedras - Defesa de um Património: José Maria das Neves Costa e Outros Protagonistas».
[34]  Vd. ROBINSON, C. W - Ob. cit., p. 110: “Foi tal a surpreza de Massena quando viu uma tão grande barreira no seu caminho, que retirou, não voltando senão dois dias depois, quando cautelosamente foi reconhecer a posição dos alliados”.
[35]  Hoje Vila Nova de Constância. MOURA, Caetano Lopes - Ob. cit., Tomo II, p. 369.
[36]  Aqui ficaram os franceses até que Wellington deu ordens ao exército aliado para atacar a posição; pensava-se que os franceses iriam resistir mas, ao primeiro assalto e sem oferecerem grande oposição, retiraram para o rio Côa e dali para a Extremadura.
[37]  MOURA, Caetano Lopes - Ob. cit., Tomo II, p. 370.
[38]  Unidades pertencentes às 1.ª, 3.ª, 4.ª e 6.ª Divisões.
[39]  MOURA, Caetano Lopes - Ob. cit., Tomo II, pp. 372-373.
[40]  Frase atribuída a Napoleão.
[41]  Hoje este conceito está muito em voga, os países vão defender os seus interesses no exterior das suas fronteiras.
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