Nº 2518 - Novembro de 2011
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
As Ilhas do Equador - II Parte
Tenente-coronel
João José de Sousa Cruz
Capítulo 3.e - Enclaves fora do arquipélago de S. Tomé e Príncipe:
 
3.e.1– Costa da Malagueta e Governos da Mina (segundo Cunha Matos, em itálico)
 
Tristes, muito tristes são as modernas recordações da antiga importância e glória dos portugueses adquirida e sustentada por espaço de dois séculos nas costas da África Ocidental onde somente tremulava a Bandeira da Nação intrépida, que as havia descoberto. Quase tudo acabou, mas nem por isso os portugueses devem esmorecer; um governo sábio ainda poderá restaurar grande parte da antiga consideração que ali gozava o Rei de Portugal.
 
A Costa da Malagueta foi descoberta no ano de 1462, se é que o não estava no reinado de D. Afonso IV. Alguns franceses dizem que fora frequentada pelos normandos no séc. XIV (1346) que foi o tempo das pretensões de D. Luís de Espanha, e querem provar os seus direitos à prioridade com o testemunho das letras -13- e das supostas Armas de França, que inculcam existentes em um baluarte do Castelo da Mina, que os tais descobridores ou navegantes normandos dizem haverem fundado. Também alegam os nomes de Dieppe, Satre Grande ou Paris e Rio dos Castos como testemunho das suas viagens, como se os nomes Dieppe e Paris se não pudessem dar a algumas terras muito depois de se acharem frequentadas pelos portugueses; isso estão praticando os ingleses no tempo presente (1800), mudando ou inglesando os nomes que os primeiros navegantes de Portugal tinham posto às terras por eles descobertas.
 
  
Fig. 1 - Costa da Malagueta, do Ouro, dos Escravos.
 
Não são necessárias grandes pesquisas para mostrar que as pretensões francesas à prioridade dos descobrimentos da Costa de Malagueta e Mina, fundam-se na viagem do Cavalheiro de Bettencourt às Ilhas Canárias no ano de 1417; mas eles certamente ignoravam e com razão, por também o ignorarem os historiadores portugueses, que mais de 80 anos antes da viagem de Mr. de Bettencourt , tinham os navios de Portugal frequentado os mares da África. Todavia é indesculpável a pretensão à construção do Castelo de S. Jorge da Mina pelos normandos, por saber-se quando, como e por quem ele foi edificado; o ser constante que antes desta fundação era aquela costa frequentada por navios portugueses; o ser absolutamente falsa a existência das Armas de França nos baluartes do Castelo de S. Jorge da Mina, e porque os caracteres -13-, no caso de haverem existido, podiam ter sido abertos para diversos fins estranhos e distantes da época dos descobrimentos da Costa da Mina. Ora lembro-me que tendo visto algum francês a Cruz das Armas Portuguesas no tempo de D. João II com os braços terminados em lírios, como se conservaram até aos anos de 1483,em que se estabeleceram as actuais, achando-se el-rei em Beja, o tal francês se persuadisse que eram armas de França e por esta circunstância atribuísse aos franceses a fundação do Castelo. Se assim foi, como eu presumo, poder-se-á dizer que as obras feitas no reinado de D. João I que também tinha a Cruz de Avis terminada em lírios, foram construídas pelo Rei de França.
 
As eras lapidares quase sempre escritas em caracteres romanos e raríssimas vezes no arábico em o Reino e conquistas de Portugal.
 
Logo que se descobriu a Costa da Malagueta em 1462 por antecipados esforças do Infante D. Henrique começaram os portugueses e extrair dali a droga, que deu nome ao país, mais ouro e marfim mas a Fazenda Real tirava disso mui pouco interesse. El-Rei D. Afonso V desejando melhorar o sistema dos descobrimentos e aumentar as rendas da coroa, ordenou em o ano de 1469 que se pusesse em cont(r)ato o comércio da Costa e um mercador chamado Fernão Gomes arrematou-o por tempo de cinco anos a 500 escudos ou duzentos mil réis por ano, ficando obrigado a descobrir em cada um deles (ano) cem léguas da Costa (da Guiné). A política do Rei, que neste caso parece incompreensível e absurda, deu motivo a acumulação de tão grande fortuna do contratador, que veio a ser o mais rico de Portugal e por isso foi enobrecido dando-se-lhe Brasão de Armas análogo à sua empresa, e o apelido de - Mina - por ser assim chamado um lugar mui rico em ouro que fora descoberto em 1471 pelos navios do mesmo Fernão Gomes, comandados por João de Santarém no ano de 1469.
 
Os avultadíssimos interesses obtidos por Fernão Gomes levantaram um clamor geral em todo o Reino; e ou fosse por inveja ou por patriotismo, os procuradores dos povos nas Cortes de Évora de 1472 a 1473 em o capítulo 7º dos Místicos ou Mistos queixaram-se “de se haverem contratado com Fernão Gomes havia muitos anos os tratos de ouro e malaguetas de Guiné, descoberta pelo Senhor Infante D. Henrique, pela quantia de 200$000 réis, podendo El-Rei tirar 100$000 cruzados”.
 
El-Rei respondeu às Cortes - que Fernão Gomes arrematara em lanço; e que antes disto o trato (negócio) estava perdido e cada vez mais se abatia. Esta resposta prova demasiado favor, ou boa fé exemplaríssima aos contratos! Os nossos financeiros do tempo de Cunha Mattos chamaram talvez - barbaridade gótica ou ignorância afonsina à decisão do Rei de Portugal! Apontemos mais dois capítulos daquelas Cortes de Évora para mostrar o modo de pensar dos portugueses antigos e os lucros que deixavam a alguns géneros comerciáveis. O Capítulo 8º viria sobre os dentes de elefante contratados com Martim Eanes Boa Viagem. Cada arrátel rendia ao Príncipe D. João, que foi rei de Portugal, 150 réis como informa D. Agostinho Manuel de Vasconcelos. O Capítulo 9º viria sobre os escravos da Guiné e pediram os povos que não fossem para fora do reino. El-Rei respondeu - que sendo multidão de escravos era melhor levá-los para fora do reino, para darem maior preço. Esta resposta de El-Rei deixa ver que o tráfico de escravos era mui avultado e eu penso que - fora do Reino - tinha em vista os Estados da Coroa de Castela, pois não se sabe que esta gente fosse admitida em França ou outras potências da Europa.
 
Talvez os genoveses e os venezianos os conduzissem aos mercados da Turquia e outras Escolas do Oriente onde então negociavam.
 
O açúcar da Madeira valia nesse tempo 400 réis a arroba e que depois de contratado pelos mercadores genoveses subira para 1$000 réis. É provável que este contrato fosse o Privilégio exclusivo da exportação que se concedeu aos genoveses. No ano de 1620 vendia-se o açúcar da Ilha da Madeira a 2$400 réis.
 
Ora ou fosse em consequência de pedidos dos povos em Cortes ou por outro algum motivo, consta que El-Rei D. Afonso V depois de haver cometido a governança dos lugares da África ao Príncipe Herdeiro D. João, também o encarregou da administração das rendas e Tratos da Mina e Guiné, ficando logo Fernão Gomes desobrigado de continuar nos descobrimentos que durante o seu contrato chegaram ao Cabo de Santa Catarina, na altura de 2 graus e 9 minutos ao sul do Equador, 10 léguas distante do Rio de S. Mexias e último limite meridional do Governo de S. Tomé.
 
Não consta que os portugueses levantassem fortalezas na Costa da Malagueta, mas sabe-se que tinham estabelecido muitas feitorias de comércio nos lugares para isso mais acomodados; subindo porém ao trono El-Rei D. João II em 28 de Agosto de 1481, ordenou este grande Príncipe que se armasse logo uma esquadra com toda a gente e materiais necessários à construção de uma boa fortaleza no lugar mais azado e rico a que chamavam - Porto da Aldeia das Duas Partes - na qual se pudesse resistir a força dos Príncipes da Europa que invejavam a riqueza e glória de Portugal; e que também sujeitasse os naturais do país quando sucedesse oporem-se aos desígnios do Rei de Portugal. Esta expedição preparou-se com o maior segredo e celeridade; e muitos cavalheiros principais requereram a El-Rei o comando dela.
 
Fernão Lourenço foi o que mais se empenhou; e o monarca agradecendo-lhe fez escolha Diogo de Azambuja, fidalgo de sua casa respeitável pelos seus serviços prestados nas ocasiões mais arriscadas. Fernão Lourenço foi escrivão da Fazenda Real.
 
  
Fig. 2 - Visão do Castelo da Mina, no planisfério dito de Cantino. (1502)
 
Embarcados os materiais para a construção da fortaleza em duas grandes urcas, saiu Diogo de Azambuja de Lisboa no dia 12 de Dezembro do sobredito ano de 1481, e navegou em direitura à ilha de Bezeguiche (a Gorêa dos tempos presentes) onde o estavam esperando dez navios de transporte que poucos dias antes tinham saído com 100 artífices, 500 soldados e várias mulheres a título de serviço em uma praça de África, para se não desconfiar do verdadeiro destino desta armada. O Governador não teve demora alguma na ilha de Bezeguiche (nome do régulo da ilha) e por isso no dia 19 ou 20 de Janeiro de 1482 deu fundo perto do rio da Aldeia das Duas Partes; desembarcou logo e por meio de vários presentes aplanou as dificuldades que o régulo de Caramansa e os seus principais (a quem já entre os portugueses chamavam - Cabeceiras - e agora os ingleses chamam - Cabeshir -) se opunham à construção da fortaleza. No dia 22 meteu a mão ao trabalho que deu motivo a embaraços religiosos, por se destruírem várias pedras e árvores que eram pelos habitantes reputadas como divindades. Esta veneração religiosa fez com que os portugueses chamassem - feitiço - aos ídolos e objectos de adoração dos pretos africanos; e a palavra feitiço foi transformada em fetiche ou fetish, termo geralmente usado pelos estrangeiros para designarem ídolos da Costa da África. Os portugueses ainda hoje dão o nome de feitiços aos ídolos que sejam pedras, árvores, peixes, insectos, répteis, rios ou mar, quando são adorados como divindades pelos pretos, e por isso aos sacerdotes chamam - padres feitiços ou feiticeiros. A língua portuguesa foi geralmente conhecida na Costa da África assim como ainda o é na Ásia, mas agora na Costa da Guiné, Mina, Benim e Gabão acha-se suplantada pela inglesa e holandesa nos próprios lugares em que existiam fortalezas e feitorias de Portugal. Feitiço em língua mina é Njong.
 
Quando a esquadra de D. Diogo de Azambuja aportou à Aldeia das Duas Partes, estava aí negociando um navio português cujo capitão João Bernaldes foi muito útil àquele general. O régulo Caramansa vendo a riqueza dos oficiais das embarcações de Azambuja e os ornatos e atavios de que ele usava e comparando-os com a mesquinhez dos mestres e capitães das caravelas com quem então tratava, ficou entendendo que Diogo da Azambuja era irmão ou filho do Rei de Portugal e muito mais admirado ficou quando ele lhe disse que apenas era um dos seus mais humildes vassalos. Estes e outros actos de veneração e respeito com que a lealdade portuguesa muito se honrava, faziam-na estimada por todos os povos do universo. Os estudiosos sabem qual foi o espanto dos habitantes de Liampó ou Ning-pó da China quando viram as obsequiosas atenções dos portugueses para com António de Faria e quando este lhes disse que bem longe de ser irmão do Rei de Portugal ou seu parente próximo, era apenas filho do ferrador dos seus cavalos. Apontei estes factos históricos para se conhecer que antes da fundação do castelo da Mina, iam lá negociar só os portugueses.
 
A fortaleza concluiu-se com grande brevidade e recebeu o nome de S. Jorge por ser defensor de Portugal e acrescentou-lhe a palavra - Mina - por tal ser o nome que os portugueses davam ao lugar a que do interior de África afluía uma soma imensa de ouro além do que todos os dias se tirava das areias do rio Banja quando a maré está baixa. O sábio conselheiro João Pedro Ribeiro pensa que depois de se achar construída a Fortaleza da Mina, cunhou-se uma medalha por artífice alemão a qual é de ouro e peso de 24$000 réis. Também se cunharam dobrões com o ouro da Mina e o nome de portugueses.
 
Diogo de Azambuja logo que pôs a fortaleza em estado de defesa fez recolher a Portugal a gente desnecessária conservando unicamente 60 homens e 3 mulheres. O Azambuja esteve durante 3 anos e 7 meses, e quando se retirou para Lisboa foi mui bem recebido pelo Monarca que lhe deu o título de seu Conselho Vedor das Artilharias e foi por El-Rei D. Manuel nomeado Capitão da Cidade de Çafim ou Safim, no reino de Marrocos em Junho de 1507. Ele esteve presente no Paço de Setúbal em o sábado dia 28 de Agosto de 1484 em que foi assassinado por El-Rei D. João II o Duque de Viseu, D. Diogo irmão do novo Rei D. Manuel. Garcia de Resende diz que o Azambuja estivera fora de Portugal dois anos e sete meses, outro escritor declara que estivera só dois anos.
 
El-Rei D. João enobreceu a povoação de S. Jorge da Mina com o foral de cidade por carta régia de 15 de Março de 1486 e tal era a conta em que tinha a fortaleza que se deliberou a juntar aos títulos reais o de “Senhor da Guiné”. Igualmente fez espalhar a notícia de não poderem os navios redondos sulcar aqueles mares e até se conta que mandara matar em Castela e em Portugal dois marinheiros e um piloto que se ofereceram a conduzir embarcações castelhanas àquelas paragens. É mui provável que quando El-Rei falava na dificuldade da navegação só tinha em vista a impossibilidade dos desembarques nas praias em embarcações de quilha por causa do banco de areia grossa ou solão, que há em toda a Costa da Mina desde o Castelo do Cabo Corso até ao rio de Benim ou Formoso. O banco só pode ser atravessado em grandes canoas construídas na Mina ou em Achem, as quais exigem pelo menos 20 remadores e dois pilotos. As embarcações de quilha ficam fundeadas fora do banco, sobre o qual a arrebentação do mar é verdadeiramente espantosa. Os pilotos e remadores pretos fazem diversos sacrifícios aos seus feitiços antes de meterem as proas ao banco e quando a arrebentação não permite a passagem, dizem que o mar está homem e quando podem passar dizem que o mar está mulher. Estas palavras mostram o domínio que a língua portuguesa gozou naqueles lugares. Na cidade da Mina havia um administrador eclesiástico das igrejas de todas as fortalezas do litoral e do sertão.
 
El-Rei reservou para a coroa o monopólio do ouro da Costa da Mina, assim como o do marfim e nenhuma embarcação podia lá ir negociar em escravos ou outros quaisquer géneros sem licença dos vedores da fazenda de Portugal e os pilotos e companhos dos navios mercantes só podiam entrar na Fortaleza nos dias de feira e nunca em outras ocasiões. O Governo de Castela teve mui sérias desavenças com o de Portugal por causa do domínio e resgate ou comércio do ouro na Costa da Mina; e no ano de 1481 o Capitão-mor da Armada Jorge Correia, Comendador do Pinheiro, destroçou junto à mina 30 embarcações castelhanas às ordens de D. Pedro Cavide, o qual foi conduzido a Lisboa. Assim o diz Manoel de Faria na sua Europa Portuguesa. Muitos escritores reputam falsa esta notícia da derrota dos castelhanos.
Os holandeses atacaram a fortaleza de S. Jorge da Mina no ano de 1597, sendo governador Cristóvão de Melo e foram obrigados a retirar-se com a morte do General. No ano de 1625 (?) tornou a ser acometida por uma esquadra de 19 embarcações comandadas pelo Almirante Balduíno Henrique Leclerc que usaram (?) 2000 homens de desembarque. O Governador D. Francisco de Souto Maior tendo apenas 57 portugueses e 900 pretos (da terra) defendeu-se gloriosamente. Os giacas ou galas ou chamgulas (?) na irrupção que fizeram até à Serra Leoa no séc. XVII atacaram a Fortaleza da Mina no ano de 1609. Ultimamente no ano de 1638 os holandeses com 9 embarcações comandadas pelo General Yperen e Coronel Coin ou Koin, Capitão da Guarda do Conde Maurício de Nassau, com 900 soldados e 500 marinheiros apoderaram-se da Cidade e Fortaleza de S. Jorge da Mina cuja guarnição montando a 200 homens e 30 peças de Artilharia com 2000 libras de pólvora entregou-se por capitulação em consequência da fraca defesa do governador. Esta guarnição foi remetida para a Ilha de S. Tomé e tornou a ser aprisionada pelos holandeses quando tomaram a Fortaleza de S. Sebastião como adiante severa. Cumpre dizer que os 200 homens do Castelo da Mina, eram pela maior parte naturais do país.
 
Além da Fortaleza de S. Jorge possuíam os portugueses a de S. António de Achem junto à foz do Rio das Cobras ou Manso ou Sennie, 10 léguas distante do Cabo das Três Pontas, os ingleses corrompendo sempre as palavras portuguesas, chamam Ankobar ao rio das Cobras. El-Rei D. Manuel mandou construir aqui uma boa fortaleza em o ano de 1515 e o comércio de ouro e marfim, ficaram privativos à Coroa até que pelo Alvará de 20 de Março de 1520 se ordenou ao feitor que os escravos que se resgatassem (comprassem) fossem pagos pelos preços que ele ajustasse e depois seriam vendidos aos particulares. Por este modo o governo monopolizou todo o comércio da povoação e da fortaleza.
 
Quando o governador de S. Tomé participou ao Governo português a perda do Castelo da Mina, recebeu ordem para mandar fortificar o melhor que fosse possível a Fortaleza de Santo António de Achem; isso não bastou pois que os holandeses havendo intimado de balde o Governador logo que se fizeram senhores da Mina, conseguiram apoderar-se da de Achem no dia 9 de Fevereiro de 1642, depois de uma defesa mui heróica. O historiador Dapper que muitas das vezes é inexacto, diz a respeito do Castelo da Mina que os portugueses o perderam por motivos de intrigas que havia entre eles. Há uma carta escrita pelo Governador de S. Tomé Lourenço Pires de Távora em que se acham expendidas essas intrigas vergonhosas as quais eram atiçadas a propósito pelo General das forças holandesas.
 
Pouco mais de duas léguas a leste da Mina tinham os portugueses os Castelo do Cabo Corso, que os ingleses chamam Cape Coast. Depois de fundado o Castelo da Mina foi habitar no Cabo Corso um português chamado João Correia ou D. João Correia e do nome dele ficou a sua feitoria conhecida pelo apelido de cabo do Correia. Para se pôr a coberto das hostilidades dos holandeses determinou o governo no ano de 1610 que se construísse ali uma cidadela que foi tomada por aqueles encarniçados inimigos dos reis de Espanha no mesmo tempo em que se fizeram senhores de Achem.
 
O Almirante inglês Holmes tomou-o aos holandeses e arrasou as fortificações no ano de 1614. Para vingar este insulto foi o Almirante holandês Ruyter com uma grande força à Costa da Mina (13 navios de guerra), atacou e destruiu as fortalezas e feitorias inglesas e meteu a pique todos os navios desta nação que encontrou durante o cruzeiro. O Castelo de Cabo Corso que já tinha sido fortificado ou de novo construído pelos ingleses foi o único estabelecimento que escapou à sanha holandesa. Pelo Tratado de Breda em 1667, confirmou-se a posse dele aos ingleses. João Correia ou D. João Correia faleceu em 1561. O Castelo tinha 90 peças e uma boa guarnição por temor dos achantins (tribo local).
 
Duas léguas e meia a oeste do Castelo da Mina estão dois fortes separados por um rio; a um deles chamam Comenda Grande e pertence aos ingleses; ao outro dão o nome de Comenda Pequena ou Aquitaqui e pertence aos holandeses. Alguns escritores chamam Guaffo à Comenda Grande e Eki à Comenda Pequena ou Aldeia das Torres. Eu ignoro se o nome - Comenda - é termo português procedido de se haver criado alguma Comenda da Ordem Militar neste país, assim como nos anos de 1801 e 1802 se criaram 16 para Ordem de Cristo em lugares ocupados e não ocupados pelos portugueses nas Costas da África oriental e ocidental. Destas comendas de 24$000 réis de rendimento pagos sobre juros de empréstimos reais, pertencem à Costa da Mina as de S. Jorge da Mina e a de S. João Batista de Ajudá a sua criação foi por decreto de 14 de Novembro de 1802, que ampliou o de 12 Julho do ano antecedente no qual se levantaram as 4 de Safi ou Çafim, Arzila, Mazagão e Azamor no reino de Marrocos. Verdade é que também se tem ouvido e lido a palavra - Comendo - em lugar de Comenda, e por isso ignoro a sua etimologia, mas sei que no tal lugar da Comenda existiu uma fortaleza portuguesa que foi tomada pelos holandeses.
 
Em Anamabu ou Anmaboe sete léguas a leste da Mina existiu outra fortaleza portuguesa junto à povoação cujo acesso é dificultoso por causa do banco que fica ao longo da costa em distância de um tiro de espingarda. Esta fortaleza esteve em poder dos portugueses até ao ano de 1679 em que os ingleses se tornaram senhores dela, sendo abandonada pelo seu governador Lourenço Pires Branco. Os negros do país que são muito valorosos quiseram sitiar a fortaleza no ano de 1701, mas foram batidos pela artilharia inglesa. No ano de 1733 foi abandonada e daí a alguns tempos ocuparam-na novamente e puseram-na em tão bom estado de defesa, que nas últimas guerras contra o rei dos achantis puderam resistir aos seus exércitos. Os achantis que foram rechaçados na fortaleza nas quatro campanhas de 1807, 1811, 1816 e 1824 destroçaram-na última em o dia 21 de Janeiro o exército inglês e dos fortins seus aliados nas margens do Bosem Praa, sendo morto o Major General Macarthy Governador de todos os estabelecimentos da Costa da Mina. Os ingleses viram-se obrigados a pedir a paz ao Rei Achantim, mas em 1826 destroçaram-no debaixo das ordens do Coronel Peordon e impuseram aos achantins uma contribuição de 600 onças de ouro. A batalha foi perto dos montes de Aquepim, 6 léguas ao norte de Acará no dia 7 de Agosto. O Rei fugiu para Comasia perdendo 8000 homens e perto de 5 milhões de cruzados em despojos. Agora existem boas histórias do Império Achantim em cujas terras os portugueses no tempo da sua glórias tiveram relações mui seguidas por conservarem grandes estabelecimentos no interior do país em que este poderoso Monarca actualmente governa (1830). Quem quiser conhecer a história moderna destes povos africanos, leia as obras dos Governadores Daltrel, Meredith e Bowdich e a mais moderna de todas é a de Mr. Dupuis. Bowdich também escreveu a História dos descobrimentos dos portugueses em Moçambique e Angola. Julga-se que os achantins são colónias da Abissínia (?).
 
Os portugueses possuíram mais na Costa da Mina, a Fortaleza de Acará ou Akra. Os negros do país surpreenderam-na e queimaram-na no ano de 1578. Muito tempo depois os dinamarqueses compraram as ruínas ao rei do país e conservaram-se na posse dela com o nome de Christiamembourg até ao ano de 1670 em que um grego da guarnição assassinou o Governador Ollaric de Gluckstad e ficou dispondo dela como sua. Os negros do país lançaram fora o grego. Um Cabeceira vendeu-a a Julião de Campos Barreto, que fora governador de S. Tomé desde 1673 a 1677. O Governador Campos Barreto, depois de ser rendido tinha ficado na ilha tratando dos seus negócios, saiu para Acará no dia 11 de Outubro de 1682 e pagou ao Cabeceira os sete marcos de ouro que lhos havia prometido e deu à fortaleza o nome de S. Francisco Xavier. Nesse mesmo ano a guarnição sublevou-se contra o governador e por isso os dinamarqueses residentes no forte de Frederickbourg próximo do Cabo Corso, pedindo a restituição de Acará conseguiram-na nesse ano de 1682 e conservaram-na até 1693 (ano) em que foram expulsos pelos negros, mas tornaram ao depois a ocupá-la. O forte dinamarquês é o melhor que existe no porto de Acra e, a pouca distância dele, se acham os fortes inglês e holandês.
 
Além destas fortalezas tiveram os portugueses na Costa da Mina os fortes de Samá ou Chamá ou S. Sebastião; as torres de Aquitá e Assini e muitas feitorias e casas fortificadas. No interior do país tiveram ao longo dos rios de Cestos, Escravos, Lagoa, Sueiro da Costa, Santo André, Cobras e Volta ou Adirrahy e Assuadu, muitas casas e feitorias e até mesmo povoações com igrejas de alvenaria, algumas das quais andam nos mapas antigos marcadas com os nomes da Casa do Meirinho, Elefante, Grande, S. Lourenço. Foi pelo Rio das Cobras que ao tempo de D. João II subiu a embaixada ao Rei dos sousos ou songos e mandingas em 1530. O Monarca dos songos ou sousos um dos maiores conquistadores daquele tempo tinha a sua corte a 140 léguas distante da Cidade de S. Jorge da Mina ao rumo do nordeste, era maometano e ficou tão orgulhoso pela embaixada que chegou a declarar que nenhum dos 4.404 reis de quem descendia fora visitado por este modo por um príncipe cristão, e que ele só conhecia até esse tempo quatro reis poderosos a saber o Al-Yemen ou Arábia Feliz, o de Bagdad, o do Cairo ou Kahera e o de Tukurol, mas agora via que o de Portugal era mais considerável. O nome do rei dos sousos era Mahomed-Ben-Mani-Zugal, e neto de Musa Rei dos songos ou dos sousos. Maemol diz com efeito serem 4.404 reis, mas outro escritor entende que são 404 os descendentes do Rei Meemede.
 
As comunicações e o intercurso comercial, diplomático entre as fortalezas e feitorias marítimas e os potentados songos, sousos e mandingas e outros do centro da África que como já se disse não eram nos tempos antigos nem tão bárbaros nem tão intolerantes contra os portugueses por motivos de religião, ficaram interrompidos desde que os galas e changalas e outros povos orientais invadiram as terras da África ocidental ao norte do Equador e não se puderam restabelecer tanto em razão do domínio dos reis de Espanha e Portugal, como por serem tomadas pelos holandeses as praças e feitorias da Costa.
 
O lugar da Costa da Mina onde se armou a bandeira portuguesa até 1961 é o Castelo ou Feitoria de S. João Batista de Juidá ou Ajudá. Este Castelo que está contíguo ao forte inglês e ao francês foi construído no ano de 1680 pelos governadores da Ilha de S. Tomé, Bernardim Freire de Andrade e Jacinto de Figueiredo e Abreu, os quais partiram desta ilha no dia 18 de Março a bordo da Nau Madre de Deus acompanhada da fragata Santa Cruz que para esta diligência tinha ido de Lisboa a S. Tomé; a fortaleza construída de estacadas e barro no lugar comprado ao soberano junto ao seu palácio de Xavier ficou em pouco tempo em estado de defesa; os dois governadores recolheram-se à ilha de S. Tomé no dia 2 de Setembro do mesmo ano. Jacinto de Figueiredo tomou posse do governo de S. Tomé no dia 4 deste mês e Bernardim Freire seguiu naqueles navios para Portugal. Enquanto os amigos e fracos Reis de Juidá ou Uidá ou Ajudá foram senhores do país, os portugueses e os ingleses e franceses que também ocupavam castelos a pequena distância do forte português, receberam tratamento generoso do Monarca e dos seus vassalos; mas logo que no ano de 1727 o rei dos dagomés ou dahumás Guadja tendo conquistado os Estados de Juidá, Andra, Gregoé e outras 33 pequenas províncias, têm os directores ou Governadores dos fortes recebido os mais cruéis e despóticos tratamentos pelos bárbaros Monarcas e seus Capitães de Guerra, que estando protegidos pelo banco de areia que há ao longo das Costa, não temem os resultados que quaisquer medidas que os europeus projectem contra elas. A insolência do Monarca Dagomé chega ao ponto de não permitir que as casas e armazéns dos fortes sejam cobertos de telha; eles estão abrigados com palha a fim de serem facilmente incendiados pelos pretos em caso de guerra. O Dagomé diz que a Artilharia dos fortes é para defendê-lo contra os seus inimigos e não para ofender a ele ou aos seus vassalos. Em 1800 o rei mandou amarrar de pés e mãos e conduzir pendurado de um pau à semelhança de um porco, o director da fortaleza portuguesa Manuel de Bastos Varela que depois serviu no posto de Tenente Coronel na cidade da Bahia, alegando que a bandeira que arvorara na ocasião de se aproximar à costa uma embarcação portuguesa que seguia para Onim, servira de sinal para não dar fundo no Porto de Juidá, em prejuízo dos direitos ou costumes que lhe tocavam. O pobre director amarrado de pés e mãos esteve uma noite inteira na praia da Lagoa em risco de ser devorado pelas imensas feras que ali há; e no dia seguinte embarcaram-no em um navio da Bahia, que estava negociando em escravos. O Director Bastos Varela foi imediato sucessor de Cunha Mattos no Comando da Fortaleza de S. Sebastião na Ilha de S. Tomé antes de passar a servir na Fortaleza de Juidá. O rei de Achantim é soberano dos estados que confinam com o Dagomé: o Rio da Volta ou Asmader, a Anderria é limite dos dois impérios e este último Monarca menos poderoso que o de Achantim é tributário do rei de Gago ou dos Ajós ou Ejós cuja capital Katunga ou Ajós está perto da margem direita do Rio Níger ou Kuerra, distante 30 dias de marcha do porto de Badagra no Golfo de Benim ou de S. Tomé. O rei de Badagra, o de Ajudá, e muitos outros também são tributários do Ayó ou Gago, conforme as notícias colhidas pelos intrépidos Clapperton, Denham e Lander que depois de importantíssimos serviços feitos à Geografia, acabaram a vida nestes países selvagens pelo mesmo modo que aconteceram aos viajantes portugueses que os precederam nos descobrimentos do interior da África. A diferenças que há entre uns e outros é que os viajantes ingleses por serem homens de há dois dias, transmitiram-nos parte dos seus itinerários e relações das terras por onde andaram e as relações e itinerários dos portugueses perderam-se pela diuturnidade dos tempos, ou pelo mesmo modo que levaram descaminho as da segunda jornada de Mungo Park e a mais interessante de Ricardo Lander, que se viu obrigado a servir-se das memórias de seu irmão e companheiro João Lander. Os portugueses que se aplicam ao estudo da história do seu país sabem muito bem que El-Rei D. Afonso V mandou vir da Itália para Portugal um instruído religioso da ordem dos Pregadores chamado Fr. Justo Baldino, o qual em 6 de Maio de 1483 foi eleito Bispo de Ceuta, com o fim de escrever a História do Reino. O bom religioso recebeu todas as memórias escritas a respeito dos descobrimentos e outros graves negócios da nação portuguesa e porque faleceu em 1493 antes de apresentar os trabalhos, perderam-se não só os seus escritos (se é que fez alguns) mas também os documentos originais em que se fundava. Admira com efeito que o rei D. Afonso V que era mui instruído e escreveu sobre matérias militares e astronómicas, incumbisse a um religioso italiano a composição da História de Portugal; e é mui provável que algum capelão italiano do Bispo D. Justo remetesse para o Vaticano e que lá existam os melhores monumentos para a História Portuguesa; por isso Fernão Lopes de Castanheda dizia que no seu tempo (no reinado de D. João III) havia só 4 pessoas que tinham conhecimento de História dos Descobrimentos e Conquistas dos Portugueses. Ora sendo isto muito certo, não é de admirar que em quase todos os escritos modernos se repitam as mesmas coisas que se encontram em obras antigas sem se avançar no terreno da História uma única polegada.
 
Os felatas vêm estendendo as suas conquistas para o sul contra os ayós e niffés e outros povos.
 
Pelo que se acabou de ver a Costa imensa que formava a antiga Capitania chamada da Mina compreendida entre o Cabo Mesurado até ao Cabo Formoso não pertence mais aos portugueses, excepto o recinto do Forte de Juidá, enquanto os dagomés consentirem e por isso em observância do alvará de 15 de Dezembro de 1641, a navegação dos habitantes da ilha de S. Tomé e a jurisdição dos seus governadores se estendeu a toda a Costa da Mina, devendo os despachos dos navios que navegavam nessa costa ser feito na Fortaleza de S. António da Achem; mas depois que os governadores da Bahia ficaram com jurisdição na Fortaleza de Juidá o Governo de S. Tomé só tem autoridade nas terras compreendidas entre o Rio e Cabo Formoso e o Cabo de Santa Catarina. Esta autoridade e jurisdição do Governador é de todo nominal e verifica-se unicamente acerca dos crimes que contra os reis das terras cometem as equipagens dos navios portugueses que comerciam nos respectivos portos e ao depois vão fazer os seus despachos à ilhas de S. Tomé ou de Príncipe, cujos Governadores são obrigados a procederem a devassa sobre o comportamento das tripulações para com os ditos reis das Costas, seus principais e vassalos. Assim o determina ao Capítulo 7º do Regimento dos Governadores datado de 24 de Outubro de 1698. Ora os príncipes africanos deste e outros governos nominais deixaram de prestar obediência e vassalagem à coroa de Portugal por saberem que os portugueses não conservavam forças em S. Tomé e outros pontos da Costa de África pelas quais se fizessem respeitar e exigir satisfação dos insultos que os bárbaros costumam praticar. Aqui reina o direito do mais forte e nunca o da justiça e o da razão; aqui todos tratam da sua conservação individual e desgraçado é aquele que negoceia nos portos da África sem precauções e cautelas, os melhores dos quais são os parentes dos reis, suas mulheres e filhos e os dos Cabeceiras ou chefes com quem se tratam negócios que ficam como reféns ou penhoras a bordo dos navios até se ultimarem os pagamentos ajustados na ocasião de se entregarem os direitos ou …. (costumes?) … aos soberanos e os presentes (dádivas) tanto a eles como aos seus oficiais. Os pretos ordinariamente compram fiado e nunca pagam antes de serem obrigados. Na Costa da África e outros lugares do litoral conservam-se em uso muitas palavras portuguesas nas transacções comerciais, por exemplo: Capitão por Chefe, dacha por presente, palavra por ajuste, questão por ……., costumes por direitos, cerimónias, pano, braça, barra, ….., e muitas outras, o que prova a consideração em que era tido antigamente o Reino de Portugal; outro tanto acontece no país denominado Senagâmbia e na Costa da Ásia. A língua portuguesa que era quase geralmente entendida como o é actualmente a língua inglesa usada no Mundo.
 
 
3.e.2 - Mina e Ajudá (meu ponto de vista)
 
  
Fig. 3 - Castelo da Mina hoje
 
- Castelo de S. Jorge da Mina:
 
Esta fortaleza também conhecida por Castelo de São Jorge da Mina ou simplesmente Mina tomou a designação de Elmina quando tomada pelos holandeses.
 
Como Feitoria, sucedeu em importância militar e económica à Feitoria de Arguim que já funcionava em 1461 como capitania mor. Arguim assinalava o limite da África islamizada, e a Mina teve a função inicial de assegurar a soberania e o comércio de Portugal no Golfo da Guiné, fonte maior de riqueza do país até se iniciar o ciclo da Índia após 1498.A povoação de S. Jorge da Mina recebeu carta de foral em 1486.
 
Na altura do tráfico de escravos no Atlântico, readquiriu importância como entreposto onde os cativos eram mantidos a aguardar transporte para a América.
 
Cristóvão Colombo serviu neste forte como marinheiro sob comando português.
 
Sendo a mais antiga fortificação ao sul do Saara foi declarada Património Mundial pela Unesco em 1979.
 
Desde 1637 quando o Castelo da Mina foi tomado pelos holandeses que Portugal nada tem a ver com este forte; e em 1873 passou o mesmo para as mãos dos ingleses.
 
- São João Baptista de Ajudá
 
 
Fig. 4 - Casa forte e residência do pessoal de Ajudá, hoje museu.
 
Foi enclave português até 1961. Era muito pequeno com cerca de um quilómetro quadrado situado no interior do Dahomé e a umas 36 milhas (60 quilómetros) da Nigéria.
 
Foi outrora um ponto de comércio de marfim e fortaleza, datada do séc. XVII, quando se tornou um centro de comércio de escravos.
 
Em 1894 os franceses ocuparam o Dahomé, mas como Portugal mostrou interesse em se manter em Ajudá, os franceses concordaram. Depois de ter sido retirada a força militar unicamente existia um residente e um secretário, sendo uma dependência da colónia de S. Tomé e Príncipe.
 
O forte foi fundado pelo capitão da marinha mercante José Torres em 1721, estando dependente da Baía (Brasil), mas com a abolição da escravatura, a inde-pendência do Brasil em 1822 e a morte do último director, Xavier de Sousa em 1824, entrou em decadência. Foi o fim do período brasileiro. Desde Dezembro de 1885 até Dezembro de 1897, ao abrigo das disposições da conferência de Berlim, o litoral de Dahomé foi declarado protectorado português.
 
Por ordem do Ministro da Marinha, o governador de S. Tomé, José Maria Marques, nomeou em 1844 o segundo tenente de artilharia José Joaquim Libânio como comandante do forte. Este oficial acompanhado de um capelão e de uma força militar, desembarcou em Ajudá, iniciando uma ocupação militar que se manteve até 1912, ano em que o comandante, na época, alferes de infantaria Guilherme Spínola de Melo, embarcou com a força sob o seu comando, para S. Tomé. Como dissemos foi o tráfego de escravos que atraiu a Ajudá o comércio de nações estrangeiras. Quando ali nos estabelecemos já lá se encontravam os ingleses instalados no seu forte-feitoria.
 
Mais tarde apareceram os espanhóis (séc. XIX) que até então se limitavam a buscar provimento de escravos para as suas colónias nas Antilhas.
 
Como a Companhia do Cacheu e Cabo Verde abriu o comércio do Brasil aos produtos do Dahomé, Ajudá desenvolveu-se, mas quando o tráfico de escravos foi tornado ilícito, as outras nações abandonaram as suas feitorias.
 
Manteve-se no local unicamente um residente, e em 1946 foi criado o lugar de secretário. Em 31 de Julho de 1961, face ao ultimatum do governo de Dahomé o residente Capitão Saraiva Borges e seu secretário, Meneses Alves, incendiaram as instalações de Ajudá e foram retirados dos escombros pelas forças armadas de Dahomé. A anexação do enclave pelo Dahomé foi reconhecida em 1985.
 
 
3.e.3 - Ano Bom
 
Ilha de Ano Bom (segundo Cunha Matos, também em itálico)
 
Acha-se situada em a latitude de 1 grau e 28 minutos meridionais, e aos 20 graus e 45 minutos de longitude do meridiano da Ilha do ferro (Canárias).
[Dados do Google Earth:    Latitude 1º24’51,49” Sul
                   Longitude 5º37’04,75”Este (Greenwich)]
Diz-se que foi descoberta pelos navios de João de Santarém e de Pedro
Escobar em 1 de Janeiro de 1472 posto que Martim Behaim no seu globo planisférico de Nuremberg declarasse ter sido encontrada pelos navios de Diogo Cão no ano de 1484 ou 1485, isto no caso de ser a mesma ilha de Ano Bom a de S. Martinho de que ele trata; é pequena e de figura quase oval e extremamente montanhosa.
 
Foi erigida em capitania donatária de juro e herdade a favor de Jorge de Melo. Gaspar da Silva segundo Capitão Donatário foi casado com Dona Maria de Almeida e foram pais de D. Luísa da Silva casada com António de Melo e tiveram a Dona Maria da Silva que casou com Martim da Cunha d’Eça e estes: D. Maria da Silva casada com Pedro de Brito e Ataíde. É isto o que eu encontro no Teatro Genealógico dos Grandes de Portugal respeito de Gaspar da Silva; mas recorrendo às memórias mais autênticas e circunstanciadas que pude alcançar achei um assento junto ao auto do Sínodo Diocesano celebrado em S. Tomé no dia 15 de Junho de 1617 que unido a outras notícias põem-nos ao facto do senhorio desta ilha.
 
  
Fig. 5 - Planta de Ano Bom, AHU, Cartografia manuscrita, África, nº 1260.
 
Consta pois que durante o tempo de Jorge de Melo, primeiro Senhor Donatário, ajustava com ele Baltazar de Almeida morador na Ilha de S. Tomé povoar-se a ilha de Ano Bom como era obrigado pelo título da sua doação. Baltazar de Almeida remeteu alguns casais para a mesma ilha e seu sobrinho Luís de Almeida também morador em S. Tomé fez compra do senhorio dela em 1570 a Jorge de Melo pela quantia de 400$000 réis com permissão de El-Rei D. Sebastião. Este Luís de Almeida instituiu o Morgado das Laranjeiras da ilha de S. Tomé e entre outras obrigações impostas aos futuros administradores foi a de conservarem um sacerdote na ilha de Ano Bom, repararem a igreja e terem os ornamentos que fossem necessários. Ao Morgado das Laranjeiras achavam-se incorporadas umas propriedades de casas as quais ficaram para residência dos Curas ou Vigários da Freguesia da Conceição que por isso seriam obrigados a dizerem uma missa rezada em cada semana e um responso sobre a sepultura de Miguel de Vasconcelos, irmão do referido Luís de Almeida que estava enterrado na mesma igreja de N. Sª da Conceição. Como estas casas eram de madeira foram abrasadas quando os holandeses incendiaram a cidade de S. Tomé.
 
Luís de Almeida faleceu sem descendentes e deixou a administração do Morgado das Laranjeiras a D. Maria de Almeida, sua prima, em cuja linha andou até que foi sequestrada no dia 25 de Março de 1744 a Martinho da Cunha d’Eça e Almeida, por falta de título legítimo para aquela posse. Pelas memórias do Sínodo Diocesano de S. Tomé. mostra-se que D. Luísa da Silva era moradora na vila de Soure em Portugal.
 
Mui poucas são as notícias sobre o antigo estado da Ilha de Ano Bom. No ano de 1598 o Capitão holandês Jacques Maypay comandante de cinco navios que iam para a Índia saqueou a ilha. A povoação principal tinha nesse tempo 20 casas. O Capitão continuou a sua viagem no dia 12 de Dezembro. No ano de 1605 tornou a ser saqueada pelo Capitão holandês Matalief. Existiam aí dois portugueses e 200 moradores pretos. Pelo capítulo 42 do Regimento dos Governadores de S. Tomé, está determinado que aí se conserve sacerdote para administrar os sacramentos aos habitantes, cuja côngrua será paga pelo Donatário ou pelo Cofre da Fazenda Real. No ano de 1755 foi nomeado Pároco Missionário Fr. Francisco Pinto da Fonseca, Freire da Ordem de Cristo e irmão de D. Manoel Pinto da Fonseca, Grão Mestre da Ordem de S. João de Jerusalém, mas como falecera foi nomeado em Setembro deste ano o Padre Domingos Farias o qual não aceitando teve por sucessor o Padre Manoel do Nascimento Pais e Oliveira, e apenas chegou este eclesiástico, sublevaram-se os habitantes contra o mesmo e seus companheiros os quais para salvarem as vidas foram obrigados s fugir da Ilha. Outro tanto aconteceu aos cónegos de S. Tomé António Luís Monteiro e Gregório Martins das Neves, que ali foram por ordem do Governo Português em companhia do Capitão Mor das Ilhas de Príncipe e S. Tomé Vicente Gomes Ferreira e do Ouvidor Geral Caetano Bernardes Pimentel de Castro e Mesquita, no dia 26 de Setembro de 1770. Os Cónegos não puderam conservar-se na ilha por tempo excedente a um ano e quase sempre debaixo da mais cruel perseguição daquele povo indomável.
 
O mais célebre acontecimento acerca da ilha de Ano Bom foi a da entrega e posse que dela tomou a Coroa de Espanha em virtude do Tratado de 11 de Março de 1778 e participado ao Capitão-Mor das ilhas de Príncipe e S. Tomé em carta Régia de 2 de Novembro do mesmo ano, cuja execução foi pelo modo que se segue.
 
No ano de 1778 chegaram à Ilha de S. Tomé as Fragatas espanholas Soledade debaixo das ordens do capitão de Navio José Varela e Ulhoa, a Santa Catarina comandada pelo capitão de navio Joaquim Tapeta, um bergantim1 e uma charrua2. A bordo destes navios foi o Conde de Argelar Brigadeiro do exército espanhol nomeado Governador Militar e Político das ilhas de Ano Bom e Fernando Pó, cedidas a El-Rei Católico pelo sobredito Tratado. O Governador de S. Tomé Vicente Gomes que não tinha recebido a esse tempo ordens algumas da Corte de Lisboa para se fazer aquela entrega em que acreditava por ver as cópias das cartas régias, que o Governo português lhe havia dirigido, entreteve o Conde por algum tempo esperando que chegasse as fragatas portuguesas com o comissário desta nação que devia fazer a entrega das colónias ao espanhol; este Comissário era o Capitão de Mar e Guerra Bernardo Ramires Esquível que depois foi substituído pelo capitão de Mar e Guerra Luís Caetano de Castro, por motivo que ignoro. Algum tempo depois (em Julho de 1779) (de) chegaram as fragatas3 espanholas deu fundo a Fragata Portuguesa N. Sª. da Graça no fim do termo da viagem, comandada pelo dito Luís Caetano de Castro que foi munido de plenos poderes para fazer a entrega. Nesta fragata ia o Governador João Manoel de Azambuja. Os navios das duas nações largaram imediatamente para a ilha de Fernando Pó, onde o Comissário e Governador espanhol Conde de Argelar tomou posse da colónia. Daqui regressaram a S. Tomé e durante esta viagem faleceu o conde de Argelar. De S. Tomé foram para a ilha de Ano Bom cujos habitantes se opuseram à entrega o que deu motivo a retirar-se para a Bahia de Todos os Santos, a Fragata portuguesa Graça cujo comandante deu parte ao Governo de não quererem os espanhóis tomar posse de Ano Bom contra a vontade dos moradores. Na ausência da fragata Graça voltaram os espanhóis à ilha Fernando Pó, aí formaram o seu estabelecimento na enseada junto às ilhas Capras e deram-lhe o nome de S. Carlos e porque lhes morresse muita gente voltaram para S. Tomé. O Comandante da Fragata Graça recebeu na Bahia ordem para regressar a S. Tomé e quando ia na viagem encontrou-se com a Fragata S. João Baptista comandada por José de Sousa de Castelo Branco que lhe trazia ordens de Lisboa para fazer efectiva a entrega da ilha de Ano Bom por qualquer modo que fosse. Poucos dias depois da chegada em S. Tomé seguiram todas as embarcações para a ilha de Ano Bom cujos habitantes vendo tão numerosa esquadra fugiram para os matos e daí insultavam os espanhóis quando conheceram que a bandeira desta nação tinha cachorros (os leões) e entenderam que o Rei de Portugal havia feito venda deles como escravos para irem para a América. Alguns homens da Ilha de Ano Bom disseram-me que a fuga para o mato foi depois que viram prender um homem chamado Pedro Martins, mas outros me informaram que esta prisão tivera lugar dentro de uma casa em que ele se ocultara na ocasião da fuga do povo para o mato. A tropa que desembarcou e os navios fizeram algum fogo contra a terra.
 
Este acontecimento acabou de desacorçoar4 os espanhóis e como eles já então haviam perdido o Conde de Argelar o Ministro da Fazenda Real e 300 marinheiros e soldados, tendo os portugueses também perdido acima de 150 homens, houve uma sedição a bordo dos navios espanhóis dirigida por um sargento de artilharia e os sediciosos obrigaram ao Tenente Coronel D. Joaquim Primo de Rivera sucessor do Conde Governador, e ao Capitão do navio D. José Varela a regressar a S. Tomé donde fizeram (viagem?) para o Rio da Prata. Assim acabou a expedição da colonização espanhola das ilhas de Ano Bom e Fernando Pó, em prejuízo de ambas as monarquias que entraram no contrato. O aviso expedido a Luís Caetano de Castro para expedição das ilhas foi datado de 19 de Fevereiro de 1779 e o abandono pelos espanhóis foi em 1780. Estes disseram que largaram a colónia e recolheram-se a Rio da Prata por temerem serem aprisionados pelos ingleses com que (m) então começavam a ter guerra.
 
No ano de 1810 aportou à ilha de Ano Bom um bergantim da Bahia que regressava da Costa da Mina e pretendia tomar aí alguns mantimentos para os escravos de que se achava carregado. O Capitão-mor da ilha foi logo a bordo na forma do costume para receber os presentes ou pagamento da licença de negociar e com ele foram mais cinquenta pessoas pela maior parte homens e rapazes; como ventava muito o bergantim garrou, fez-se à vela e apesar de todas as diligências não pôde tomar o porto e viu-se obrigado a conduzir aqueles homens à Ilha de S. Tomé. O Governador Luís Joaquim Lisboa recebeu e arbitrou uma pequena mesada para sustentação do Capitão-mor e a outra gente agregou-se aos seus numerosos patrícios que por motivos semelhantes ou ainda piores vivem e sustentam-se pela pescaria na ilha de S. Tomé. O Governador deu parte destes acontecimentos ao Ministério do Rio de Janeiro, o qual em conformidade da opinião do mesmo Governador ordenou que o Capitão Mor e habitantes de Ano Bom fossem conduzidos à sua terra, que fossem acompanhados por um eclesiástico, que se conhecesse o modo de pensar da população acerca do Governo português e que depois do seu desembarque fosse o navio examinar as paragens em que se diz existir ou haver existido a ilha de S. Mateus. O Governador mandou logo aprontar a escuna artilheira comandada por José Joaquim Veloso, primeiro piloto da Armada Real e pediu que se nomeasse o Padre Simão de Sousa e Oliveira para ir como missionário. Este eclesiástico homem preto muito honesto e o mais próprio que na ilha existia para tal missão, não duvidou sujeitar-se aos riscos que acompanham aos clérigos brancos ou pretos que se estabelecem na ilha de Ano Bom cujos habitantes só respeitam os Barbadinhos Italianos, talvez por serem mais circunspectos acerca das mulheres, por terem barbas compridas e por falarem uma linguagem diferente da portuguesa. A escuna saiu para a ilha de Ano Bom no fim do ano de 1811 com toda a esperança de encontrar acolhimento, porque poucos dias antes de se fazer de vela aportou a S. Tomé uma canoa com seis homens da outra ilha os quais com outros 54 indivíduos de ambos os sexos e idades foram expostos às ondas em pequenas canoas por um fanático chamado André que os acusou de crime de feitiçaria e de serem causadores do desaparecimento do capitão Mor e dos 50 homens que agora estavam para regressar à sua terra. A exposição às ondas em pequenas canoas com uma cabaça cheia de água, alguma farinha e peixe é o castigo que se dá aos indigitados como feiticeiros na Ilha de Ano Bom; a corrente da água e o vento do sul para o norte conduziu algumas vezes até à ilha de S. Tomé, a qual se avista de mais de 30 léguas (150 km?) de distância, acontecendo porém não descobrirem a ilha por estar coberta de nevoeiros perecem infalivelmente como aconteceu aos 54 lançados ao mar pelo André. Quase todos os homens e mulheres da ilha de Ano Bom que existem em S. Tomé foram expostos às ondas como feiticeiros. Basta uma voz que acuse a qualquer pessoa de feiticeira para insensivelmente ser lançada ao mar.
 
A escuna artilheira teve uma viagem feliz até à ilha de Ano Bom, os ilhéus vieram logo a bordo encontrando o Capitão-mor e os seus patrícios, que reputavam perdidos; foram dar parte ao fanático André que estava governando a terra desde que desaparecera o capitão-mor. O André mandou logo proibir as comunicações da gente da ilha com os do navio e muito de longe fez dizer ao Comandante que - Deus lhe tinha dito que não recebesse o capitão Mor e os seus patrícios porque tinham aprendido feitiçaria em S. Tomé e que também não recebesse o padre, porque ele só queria Barbadinhos e não Clérigos Pretos. Nestas circunstâncias o Comandante regressou com os passageiros à ilha donde tinha saído, ficando assim frustrada não só esta comissão, como também a de indagar da existência e qualidades da ilha de S. Mateus. O mencionado André fez-se aclamar Rei da Ilha de Ano Bom no ano de 1814 e tomou como insígnias reais as vestimentas de celebrar missa.
 
Cunha Mattos contactou com o Capitão-mor em 1815 e obteve conhecimentos sobre a ilha que se transcrevem:
 
Na ilha há duas povoações principais e três aldeias. A Povoação principal recebe o nome de - Cidade da Praia - tem coisa de 300 braças de comprimento (cerca de 600 metros) e 100 de largura (cerca de 200 metros); mais de 400 barracas ou choupanas cobertas de folhas de palmeiras e 5 igrejas. Perto da cidade corre um ribeiro chamado - Água Pata - o qual nasce em uma pequena lagoa que existe nas abas do Pico da Mãe Serafina; e não no cume como dizem alguns geógrafos. As igrejas da cidade são:
- 1º N. Sª. da Conceição, a que chamam Sé, construída de madeira como são todos os quatro edifícios da ilha, e nela existem várias peças de prata antigas e uma píxide, cálice e vários ornamentos novos bem conservados. Há a matriz da ilha. O Padre Fr. Agostinho de S. Maria, no Tomo 10 do Santuário mariano falando da ilha de Ano Bom informa que antigamente tivera duas paróquias dedicadas a S. João e S. Pedro; por conseguinte a velha Cidade da Praia e a Paróquia de N. Sª: da Conceição ainda não existia nesse tempo, o que me parece improvável.
- A segunda igreja da cidade é a da Misericórdia junto da qual existia um belo e pequeno Hospício dos Capuchinhos Italianos, e aí conservavam as imagens de Santo Agostinho colocado pelos Missionários Eremitas Descalços quando lá estiveram e a de Santa Isabel.
- A 3ª igreja é a de S. José;
- a 4ª é a de S. António. De todas estas dá notícia o autor do sobredito Santuário Mariano;
- Mas falta-lhe a 5ª que é dedicada a Santa Ana e por isso é de construção mais moderna. As três últimas igrejas são muito pobres.
 
A Povoação de S. Pedro fica ao sul da praia; é pequena e está assentada junto à ribeira denominada Água Grande. Pelo que diz o autor de Santuário Mariano, foi paroquial no tempo antigo; Cunha Mattos não acreditou por não ver a côngrua designada nas Folhas Eclesiásticas antigos e modernas; só encontrou uma disposição e a Provisão de 4 de Março de 1755 determinando que ao Vigário Missionário se abonassem na Bahia 200$000 réis de côngrua anual. A igreja desta povoação é dedicada ao Apóstolo S. Pedro e apenas tem os indispensáveis ornamentos para se dizer a missa.
 
As aldeias da ilha são: 1ª a de N. Sª. das Neves, 2ª Santa Cruz e 3ª São João. Esta última é a que o autor do Santuário diz ter sido antigamente paroquial, o que não se acredita salvo se se reputar como paroquial por haver ali existido algum missionário. Estas aldeias são mui pequenas e os seus habitantes vivem da pesca e de uma agricultura mui acanhada.
 
Além dos ribeirões já indicados com os nomes de Água Pata e Água Grande, existem muitos outros, o mais célebre deles é chamado Água Bobo ou Água Amarela da qual só os missionários podiam fazer uso por ser reputada de água sagrada.
 
Esta ilha que apenas tem 6 léguas de circunferência (30 km), é composta de altíssimas montanhas, a mais elevada das quais é o Pico da Mãe Serafina que se pode descobrir da distância de 20 léguas (100 km), por ter 3000 pés de altura (900 m). A direcção destas montanhas formam nas costas as duas únicas enseadas da cidade e de S. Pedro, esta entre as Pontas do Ilhéu Grande e do Palmito, e aquela entre a Ponta do Palmito e a Grossa, que compreendem a Praia Grande e Pequena. As outras costas da ilha estão cheias de recifes ou são inabordáveis por causa das rochas em que batem o mar. O porto da Praia tem 18 braças de fundo e vai diminuindo até 4 sem risco nenhum.
 
A leste da Ponta do Palmito ficam os Ilhéus Grande e Pequeno. Na ponta do Norte fica perto da ilha o Ilhéu Batel. A oes-noroeste há três ilhéus que parecem pirâmides ou navios á vela e são o Ilhéu Mumo, o Castelo e o Ubua. Na costa do sul entre a Água Bobo e um ribeirão chamado Rio Grande ficam três ilhotas chamadas Três Irmãos. É isto o que mostra a planta da ilha copiada do original feita pelo Capitão Tenente Francisco Montaseaur e está anexa às instruções dadas pelo Ministro da Marinha Martinho de Melo e Castro ao Capitão de Mar e Guerra Luís Caetano de Castro em 19 de Fevereiro de 1778.
 
A agricultura da ilha é muito pequena mas chega para os habitantes e ainda para os estranhos sobretudo no que respeita a frutas e raízes de crescimento espontâneo. Há poucos cultivadores de milho, mandioca e outros géneros leguminosos e farináceos. Muitas galinhas, patos, carneiros, cabras e porcos. Nenhuns bois nem cavalos. Não existem animais venenosos nem feras e á inúmeros cães e gatos. Encontram-se madeiras de boa qualidade e uma delas é semelhante ao pinho da Europa. O peixe é imenso e quase a única comida dos habitantes.
 
Antigamente teciam-se muitos e belos panos de algodão semelhantes aos de S. Tomé e Príncipe e ainda hoje se tecem mas em menor quantidade. Existem alguns maus carpinteiros e ainda menor número de péssimos ferreiros; há vários oleiros e alfaiates e dois outros remendões que se chamam sapateiros. Os navios que ali tomam mantimentos, vendem ou trocam aquilo que é necessário para uso do povo.
 
 
Fig. 6 - Pescadores em Ano Bom
 
A linguagem dos habitantes da Ilha de Ano Bom é (era) a portuguesa corrompida pela pronunciação e pelo ajuntamento de muitos termos dos idiomas africanos. Quando falam parecem-se com os pescadores algarvios mais cerrados e arremedam menos aos habitantes de S. Tomé do que aos da Ilha do Príncipe. A sua religião é a católica romana de mistura com os abusos e superstições inumeráveis.
 
Todos trazem grossas contas e cruzes ao pescoço, sabem infinitas orações que recitam em voz alta pela manhã e à noite. São os mais cobardes de todos os homens, nunca se servem de facas contra os seus patrícios, as suas desordens acabam por uma gritaria insuportável e quando chegam a vias de facto acometem-se às punhadas por um modo único no universo, põe-se um contendor defronte do outro e depois aquele que reputa ter maior razão diz ao antagonista - cópá dámi, prá mi dá cópá! - Compadre dá-me para eu dar no compadre - e assim aos murros alternados se desempoeiram até haver quem os aparte. O procedimento de exporem às ondas as pessoas indigitadas de feiticeiras, prova a sua cobardia e o seu fanatismo religioso., pois não se atrevem a derramar sangue. Quase todos são bêbados preguiçosos, insignes nadadores e limpos na roupa velha de que se cobrem. Nos domingos e dias santos ajuntam-se em família, assentam fora das portas das suas choupanas e começam logo a beber enormes quantidades de vinho de palmeira.
 
Terminado o banquete, o licor principia a perturbar-lhes os sentidos começam uma cantilena em voz baixa e monótona a qual se vai levantando pouco a pouco como quem chora e assim prosseguem até fazerem uma insuportável berraria em que se lembram da sua terra e dos seus amigos e parentes, até que de todo perdem a razão. Neste estado muitos dão murros na cara e corpo, espojam-se, batem com as cabeças nas paredes e fazem outros desatinos próprios de homens alienados do juízo. Para eles a ilha de Ano Bom a que chamam Anibô é o Paraíso terreal, tal é o amor que os existentes na ilha de S. Tomé conservam àquela pátria donde quase todos foram expulsos e expostos às ondas como feiticeiros. São ladrões sagazes mas com pouco se contentam porque é tão grande a sua inércia que nem sabem fazer ideia da abundância como acontece a outros povos selvagens. Não trabalham sem serem obrigados pela fome e no dia de hoje não se lembram do (dia) imediato. Dizem que as mulheres são virtuosas ou recatadas sem constrangimento. Os baptizados e os casamentos fazem-se nas ocasiões de aportar na ilha algum navio que leva capelão. Vários franceses intitulando-se capelães têm ali casado e baptizado os pobres pretos para encherem os navios de mantimentos. O sacristão da igreja de Ano Bom ajunta o povo no templo nos domingos e dias santos e em lugar da missa repete várias orações análogas que sabe de cor. Há alguns papéis escritos, para este sacristão ler, em letra redonda a qual é mais bem feita do que se podia esperar. A linguagem em que estão escritos é a do dialecto da ilha. O sacristão é quem publica na igreja os dias santos, de jejum, têmporas e festas mudáveis e por isso depois o Capitão-mor é a personagem mais importante do país e recebe certos estipêndios nas ocasiões de casamentos, baptismos e funerais.
 
O Governo de Ano Bom é puramente militar, procedido do antigo costume dos Donatários e Capitães-mores portugueses, os quais deixaram de existir antes do ano de 1744. Logo que deixaram de ir à ilha os Capitães-mores ou Tenentes dos Donatários que ali lhe administravam as suas fazendas, teve princípio a eleição do Capitão-mor natural do país, esta eleição era feita pelos Oficiais do Conselho e aprovado pelo povo, quando porém existiam missionários, influíam estes nas eleições que em tal caso recaíam nos que eram reputados mais devotos dos religiosos. O tempo de Governo era de 3 anos, mas depois alterou-se esta ordem e o Capitão-mor governa durante o tempo em que vão à ilha 3 navios que lhe paguem ancoragem. Por este modo alguns capitães-mores governam um ano, outros mais, outros menos para que os interesses cheguem a maior número de pessoas. O Capitão-mor tem o uniforme e o bastão do estado, é uma casaca de pano vermelho grosso com galões falsos amarelos, chapéu ornado com galão, sapatos, espada e bastão dourado. Quando é eleito recebe estas regalias ou jóias do poder e faz entrega delas ao seu sucessor imediato. Os Capitães-mores logo que saem do lugar, ficam membros do Conselho, são ouvidos pelos actuais e podem ser reeleitos. Nas aldeias há juízes e comandantes para administrarem a justiça ou decidirem as pequenas questões dos vizinhos, e deles se apela para o Capitão-mor. Todos os homens são soldados e fazem guardas quando o Capitão-mor julgar necessário, as mulheres solteiras são sujeitas aos serviços públicos como em S. Tomé e Príncipe, enfim os costumes são quase semelhantes. Os moradores da Ilha de Ano Bom sabem perfeitamente que são escravos descendentes dos do Donatário e por isso mesmo temem que o Rei de Portugal queira chamá-los à escravidão, tal é o motivo de não consentirem que ali existam outras pessoas de fora da terra além dos missionários quando os há. O Capitão-mor reputa como soldo as ancoragens que recebe dos navios. Os juízes e comandantes têm direito a pequenos serviços, os missionários e sacristães ao pé do altar. Não havendo tributos, não há contabilidade e como não há processos escritos, não existem escrivães, nem tabeliães, mas há um meirinho para citarem e prenderem os refractários. As posses dos terrenos são conhecidas pelas balizas e a tradição serve de escritura pública. Antigamente havia uma fortaleza no monte contíguo à povoação chamada Cidade da Praia. Os holandeses destruíram-na e é aí que ainda em 1813 se arvorava a bandeira portuguesa antiga com a Cruz de Cristo. (nesta data não era a ilha já espanhola?).
 
Ignora-se absolutamente o número dos habitantes da ilha de Ano Bom, mas pelo que me disse o Capitão -mor é provável que não excedam a duas mil almas ou ainda um menor número pois que ele contava 352 famílias tanto nas povoações como espalhados pelas roças. Eu não posso afiançar o cálculo do Capitão-mor pois que era um homem extremamente ignorante, ainda que entre os seus passava por um político (Grande Gente) abalizado. Bem se sabe que um selvagem pode ser o primeiro em conhecimento na sua nação e contar-se como o último em outro povo mais civilizado. Dizem que antigamente existiram famílias brancas na ilha, mas no ano de 1814 restavam só 4 mulheres pardas, talvez filhas dos estrangeiros que ali aportaram. Eu penso que estas famílias brancas eram pessoas pobres pois que não restam monumentos que atestem uma mediana opulência dos antigos moradores e é mui provável que os donatários tivessem poucos engenhos de açúcar. O autor do Santuário Mariano impresso no ano de 1722 diz que nesta ilha existiam mais de 700 homens e que as mulheres, meninas e mulatas seriam algumas duas mil. A diminuição que tem havido nos moradores talvez proceda do bárbaro e frequente costume de lançarem ao mar ou expatriarem os indivíduos acusados de serem feiticeiros. O clima da ilha é mui benigno e saudável por se achar longe da terra firme, gozar de ventos frescos e ser refrigerada pelos vapores das águas do oceano mais puras do que as que banham as costas do Golfo do Benim, que recebem as matérias pútridas arrojadas pelos inumeráveis e caudalosos rios existentes desde o Cabo das Duas Pontas até ao de Santa Catarina. Eu penso que os efeitos do Hermatan ou Vento Norte que é no Golfo do Benim e em outros lugares da Costa da África não alcançam a ilha de Ano Bom. Um escritor Mr. Bother diz que há 3000 habitantes.
 
Eis aqui o que Cunha Mattos conseguiu saber a respeito desta ilha cujos habitantes reputando-se livres, são os mais desgraçados homens do universo, tanto pelo abandono em que se acham, como pelo fanatismo religioso, que barbaramente os vai extinguindo. O mesmo Mattos pensava que esta ilha seria um excelente lugar para estabelecer muitos milhares de africanos livres de que o Brasil precisava de ser expurgado (Espanha pretendeu fazer isto levando de Cuba para Fernando Pó os libertos que lá havia em excesso) tanto por ser mui salubre, como ter grandes proporções para uma cultura.
 
 
Fig. 7 - Peixe voador comestível.
 
3.e.3 - Ano Bom (meu ponto de vista)
 
É uma pequena ilha pertencendo actualmente à Guiné Equatorial, localizada a sudoeste e a cerca de 180 km de S. Tomé. Tem de comprimento máximo 6,4 km e de largura 3,2 km., sendo a sua área de 17,5 km2. Tem de população cerca de 5.000 habitantes e como capital S. António da Praia.
 
Pensa-se que a ilha foi descoberta por exploradores portugueses sob o comando de Fernão Pó, a caminho da Índia em 1473, tendo sido povoada com angolas em 1474.
 
Em 1778 foi dada a Espanha juntamente com a Ilha de Fernão Pó (actual Bioko) e toda a costa da Guiné em troca dos territórios espanhóis junto ao Brasil. Fez parte da Guiné Espanhola desde essa data, com a Ilha de Fernão Pó, as ilhas de Corisco, Elobey Grande e Elobey Pequeno, junto à costa da Guiné Equatorial.
 
Em 1968 a Guiné Espanhola emancipou-se de Espanha, formando o estado da Guiné Equatorial.
 
Actualmente tem o nome de Pigalu ou Pagalu que quer dizer papagaio em português. Devido à distancia de Bata, capital da Guiné Equatorial, e à proximidade de S. Tomé é natural que mantenha os laços culturais com Portugal O idioma é o espanhol mas o mais usado é o Fá-d’Ambô derivado do português e do crioulo antigo. Na data presente em Ano Bom ou Annobon, não há água corrente, electricidade, televisores, refrigeradores, hotéis, nem transportes regulares. O alimento básico é o peixe com arroz importado. Há muita fruta tropical.
 
  
Fig. 8 - Foto aérea de Ano Bom.
 
3.e.4 - Fernão Pó ou Fernando Pó (Bioko)
 
Ilha de Fernando Pó (segundo Cunha Matos também em itálico)
 
O monte mais elevado da ilha está aos 3º 28’ de latitude setentrional e aos 26º de longitude do meridiano da Ilha do Ferro (Canárias).
[A Capital Malabo está situada nas coordenadas:
Latitude 3º45’38,55” N
Longitude 8º 46’ 50,48” E de Greenwich - pelo Google]
 
É a ilha mais extensa das do golfo do Benim por ter 42 milhas N-S e 19 E-O. (75km x 34 km=2550 km²) e as suas costas são desabrigadas. Foi descoberta por Fernando Pó, fidalgo da Casa de D. Afonso V, Capitão de um navio da Coroa portuguesa em o ano de 1471 ou 1472 posto que vários escritores dizem ter sido achada em 1474 e outros informam que o fora no ano de 1485; em tudo há uma confusão por se haverem perdido as memórias daquele tempo. À vista da carta de 16 de Dezembro deste último ano expedida a favor dos moradores da ilha de S. Tomé creio que a ilha de Fernando Pó já se achava então descoberta, pois que El-Rei D. João II concedeu aos ditos moradores o comércio de toda a costa então conhecida que era até ao Cabo de Santa Catarina. Ora se as Costas da África contíguas a Benim e Calabar já em 24 de Setembro de 1485 formavam parte da capitania criada em favor de João de Paiva, forçosamente a Ilha de Fernando Pó teria sido encontrada quando os navios de Fernão Gomes descobriram esses lugares no ano de 1472 pois que a tal ilha de Fernando Pó tem 11000 pés de altura (3300 m) e apenas dista 5 léguas (25 km) do continente. Pode mesmo ser avistada desde o continente africano.
Nos bons dias de Portugal, a saber antes de começarem as hostilidades dos franceses, ingleses e holandeses contra as colónias de Portugal, esteve a ilha de Fernando Pó ou ilha Formosa (foi o seu primeiro nome) habitada por portugueses os quais ali tiveram um pequeno forte na costa oriental a que Guilherme de L’Isle e outros geógrafos dão o nome de Forte Português e que foi abandonado no ano de 1630.
 
Não se sabe se a ilha pertenceu a algum capitão ou Senhor Donatário, mas a existência do forte prova ter existido quem a governasse.
 
Os espanhóis ficaram senhores desta ilha pelo Tratado de 1 de Outubro de 1777, estabeleceram povoação e levantaram bateria no Porto do Oeste a que deram o nome de S. Carlos mas em consequência de imensos desastres resolveram-se a abandoná-la. Os ingleses porém desejando obstar ao tráfico de escravos que havia nos rios de Benim, Novo e Velho Calabar, Camarões e outros portos do Golfo, fizeram-se senhores da Ilha de Fernando Pó em o dia 27 de Outubro de 1827 debaixo das ordens do Capitão Owen o qual no dia 31 fez procurar o Rei Kukulaku que veio a bordo e no dia 2 de Novembro a troco de várias bagatelas cedeu um terreno para os ingleses levantarem habitações a principal das quais recebeu o nome de - Clarence -.
 
A baía onde desembarcaram teve o nome de Maidstone Bay e William Point. Os ingleses dizem que a ilha tem 60 milhas de circunferência, que os habitantes são pacíficos e que o estabelecimento pode ser interessantíssimo ao seu comércio. Os habitantes da ilha não são numerosos e vivem sem indústria como verdadeiros selvagens. A terra é fértil em mantimentos, gado miúdo e aves, tem muitas madeiras de construção e várias especiarias da Ásia, que provavelmente foram transplantadas no século XVI. Não consta que ali houvesse engenhos de açúcar. Os viajantes devem ter as maiores cautelas com os naturais da ilha porque algumas tribos são extremamente ferozes. O clima é doentio e ainda pior do que o das ilhas de Príncipe e S. Tomé em razão da proximidade da Costa da África que em alguns lugares é muito baixa e regada de rios caudalosos. Entre os moradores da Ilha e os de Terra Firme há relações frequentes e participam das mesmas qualidades morais.
 
 
Fig. 9 - Ilha de Fernando Pó ou Bioko.
 
Ilha de Fernando Pó ou Bioko (meu ponto de vista)
 
Bioko é a ilha principal da Guiné Equatorial, muito perto da costa dos camarões e da Nigéria. Teve por nomes Fernando Pó e Fernão do Póo e posteriormente Ilha Macias Nguema Biyogo. Tem 2.018 km2 de área e cerca de 63.000 habitantes. A sua capital é Malabo. Localizada na região do Golfo da Guiné, a região é considerada como o berço da cultura bantu. Esta ilha já era povoada quando da sua descoberta por europeus.
 
Existe a possibilidade, muito remota, de que a zona do Golfo da Guiné tivesse sido visitada por Hanón, um general cartaginês que realizou uma viagem costeando a costa de África em finais de séc. VI a.C. ou nos começos do séc. V a.C.
 
Foram navegantes portugueses que efectivamente exploraram a ilha em 1471, sendo Fernando Pó o navegador que a situou nos mapas europeus nesse ano.
 
 
Fig. 10 - Ao fundo à esquerda vislumbra-se Bioko, desde a costa camaronesa.
 
Em 1493, D. João II rei de Portugal, proclamou-se juntando aos seus títulos reais como Senhor da Guiné, e como primeiro Senhor de Corisco.
 
Estes navegadores, povoaram as ilhas de Biyoco, Ano Bom e Corisco em 1494, tendo-as convertido em entrepostos para o tráfico de escravos.
 
Em 1641 a Companhia das Índias Holandesas estabeleceu-se na ilha de Bioko, sem consentimento português, centralizando ali temporariamente o comércio de escravos até que os portugueses voltaram a fazer sentir a sua presença em 1648, substituindo a Companhia holandesa por uma própria Companhia de Corisco dedicada também ao tráfico, construindo uma das primeiras edificações europeias na ilha, o forte de Ponta Joko.
 
Portugal vendeu mão-de-obra escrava desde Corisco, à França (cerca de 49.000 escravos), à Espanha e à Inglaterra, entre 1713 e 1753. Teve sempre a colaboração de algumas etnias como os bengas, para esse comércio, desde que não interviesse nas políticas internas do país.
 
Esta ilha foi portuguesa desde 1474 até Março de 1778 (tratados de San Ildefonso - 1777 e del Pardo - 1778) quando foi entregue a Espanha bem como o direito de comerciar no golfo da Guiné entre o rio Níger e o Ogooué, em troca da Colónia do Sacramento no Brasil.
 
Os espanhóis ocuparam a ilha entre 1778 a 1780, e depois abandonaram a mesma regressando a Montevideu.
 
Os ingleses ocuparam a ilha entre 1827 e 1832 para lutar contra o tráfico e fundaram Port Clarence, depois Santa Isabel e hoje Malabo. Voltaram em 1840. Os espanhóis regressaram em 1843.
 
Em 13 de Setembro de 1845 a rainha Isabel II (de Espanha) autoriza a transferência para a região, de todos os negros e mulatos livres de Cuba, que o desejassem, mas poucos aceitaram naquela altura.
 
Em 1861 por Ordem Real, a Ilha é transformada numa prisão espanhola. Em Outubro por Ordem Real os negros emancipados de Cuba, mesmo contra vontade seriam obrigados a embarcar da mesma forma. São 260 que se vão juntar aos prisioneiros políticos que já estavam na ilha.
 
Em 1937 o rei Moka de Bioko é preso pelas autoridades espanholas.
 
A parte continental (Rio Muni) é protectorado em 1885 e colónia em 1900.
 
Em 1909 todas as colónias espanholas do golfo da Guiné, formaram os Territórios Espanhóis do Golfo da Guiné ou Guiné Espanhola. Em 1960 tornaram-se províncias ultramarinas a saber:
 
Fernando Póo e Rio Muni.
 
Em 1968 a Guiné Equatorial foi declarada independente.
 
 
3.e.5 - O Manicongo
 
O Reino do Congo ou Manicongo foi um reino africano localizado no golfo da Guiné no território que hoje corresponde a parte de Angola, Cabinda, parte das Republicas do Congo, e parte do Gabão. Na sua máxima dimensão estendia-se desde o Atlântico a oeste, até ao rio Cuango a leste e do rio Oguwé, no actual Gabão a norte, até ao rio Cuanza a sul. Era um reino que existia desde o séc. XIII.
   
 
Fig . 11 - Magnífica carta do Golfo da Guiné cobrindo os reinos referidos.
 
A capital era M’Banza Kongo rebaptizada pelos portugueses para São Salvador do Congo após os primeiros contactos com os missionários católicos no séc. XVI. Passou a Mbanza Kongo em 1975.
 
Pertenceu ao Bispado de S. Tomé quando este foi fundado, em 1534.
 
A carta régia de 21 de Novembro de 1493 autorizava os moradores de S. Tomé a resgatarem livremente mercadorias, incluindo escravos, na terra firme “desde o rio Real e a ilha de Fernando Pó até toda a terra de Manicongo.”
 
 
Capítulo 4 - Flora de S. Tomé e Príncipe e plantas importadas
 
O clima em S. Tomé e Príncipe é do tipo equatorial-oceânico, dominado por movimentos sazonais baixas pressões equatoriais, pelos ventos da monção sul, pela corrente quente do Golfo da Guiné e sofre a influência do relevo insular. A altitude máxima é de 2.024m na ilha de S. Tomé e de 948m na ilha de Príncipe. A temperatura média é de 25º C ao nível do mar e tende a diminuir com a altitude.

    

 

Fig.12 - Ocá diferente5

 

Fig.13 - Embondeiro6

 

Fig.14 - Eritrinas para sombra7

 
 
Para cima dos 1.500 m a temperatura média é de 13,5º C.
A amplitude média anual é pequena, isto é varia entre 6º a 7ºC. A pluviosidade varia entre 100 e 700 mm/ano. A humidade relativa é elevada rondando os 80 a 90%. O grau de insolação é de cerca de 1.760 h/ano nas duas ilhas e vai diminuindo com a altitude, atingindo menos de 1.000 h/ano à cota 500m.
 
Existem duas estações secas: (épocas mais frescas)
- gravana, mais extensa 4 meses de Junho a Setembro;
- gravanito, é mais curta 2 meses em Janeiro e Fevereiro.
 
A época das chuvas, nos restantes 6 meses do ano, de Março a Maio e Outubro a Dezembro. É caracterizada por violentas trovoadas, temperaturas elevadas e chuvas por vezes concentradas.
 
S. Tomé tem uma vegetação densa e muito viçosa, descendo na maioria dos locais abruptamente até ao mar, acompanhando as diferentes formas do terreno.
 

 

 

Fig.15 - Mamão ou papaia8

 

Fig.16 - Café em flor9

 

Fig.17 - Fruta Pão10

 
   
De relatórios antigos podemos ler:
 
Valentim Fernandes informa que “toda esta ilha he cheia de arvores e differenciadas das nossas, salvo figueyras e parreyras”;
 
Piloto Anónimo11 escreve que a ilha tem “vegetação exuberante” e “Palmeyras toda a ilha he cheia e dam boas tamaras. E tirã muyto vinho das palmas”.
 
Acima dos 1.400m encontram-se como vegetação natural os “Obó”. Entre os 1.400m e os 800m , floresta de altas árvores, e fetos, lianas, musgos e orquídeas. Abaixo dos 800m a ilha de S. Tomé está ocupada pela cultura do Café, do Cacau, das Bananas, dos coqueiros e outras culturas.
A parte norte da ilha de S. Tomé, com fraca precipitação é zona de savana, predominando as gramíneas e embondeiros, característica de zonas áridas.
 
Em determinadas zonas no sul da ilha de S. Tomé predominam “capoeiras” (formação secundária resultante do abandono do homem de locais outrora cultivados onde a vegetação se refez).
 
 

 

Fig.18 - Pimenta

  

Fig. 19 - Flora endémica de S. Tomé, banana e cana.

 

 Fig. 20 - Café em flor12

Fig. 21 - Café em fruto.

 
   
A vegetação da Ilha do Príncipe é semelhante à da ilha de S. Tomé, predominando rubiáceas, euforbiáceas e orquídeas, notando-se a ausência de leguminosas.
 
 Nesta ilha, quase toda a floresta primária que não foi desbravada para a produção de culturas alimentares, foi quase totalmente destruída em 1906, quando da campanha contra a doença do sono. Na ilha de Príncipe não existem savanas.
 
 

 

Fig.22-A - Matabalas raiz

  

Fig. 22 - Matabala

 
  
Continua-se a exportar cacau e em 1999 chegou a 7% do PIB. O cacau ocupa 25.000 ha, o coqueiro 8.000 ha, o café está com fraca produção, e a palmeira demdem ocupa 3.500 hectares.
 
Como culturas de subsistência existem:
- banana, matabala13, mandioca, batata-doce e milho.
 
S. Tomé e Príncipe foi sempre um entreposto de comércio de escravos e em consequência entreposto de plantas. Os navios negreiros abasteciam-se de boas águas e dos mantimentos que careciam e completavam a sua carga de escravos. A época dos descobrimentos foi o grande acontecimento que marcou os últimos anos do séc. XV e constitui uma das formas de globalização, pois teve como cenário a circulação de pessoas, plantas, sementes, propágulos14, mercadorias e capitais.
 
S. Tomé e Príncipe tem cerca de 130.000 habitantes, 63% da população é rural, taxa de mortalidade infantil 60% e a esperança de vida é de 65 anos.
 
  

 

Fig. 23 - Cacau em Flor

Fig. 24 - Cacau verde aberto

  
 
As culturas em S. Tomé e Príncipe foram variando ao longo do tempo. Assim distinguem-se as seguintes épocas:
 
1ª Época (agricultura de subsistência) - iniciada no séc. XV coincidente com o início do povoamento com portugueses da Europa, madeirenses, judeus e estrangeiros, sendo preciso alimentar esta gente com os alimentos encontrados nas ilhas mas também com novas culturas. Logo a seguir ao descobrimento, aparecem a figueira, a videira, o marmeleiro, os citrinos, a maior parte sem conseguirem multiplicar-se.
 
Tentou-se também o trigo, o centeio e a cevada e da mesma maneira falhada. Parece que a bananeira já existia na ilha.
 
 

Fig. 25 - Cacau maduro 15

 

Fig.26 - Fruto do Cacau já maduro16

 
  
2ª Época (cana sacarina) - desde finais de séc. XVI (1590) até meados do séc. XVII(1650), com a produção da cana sacarina, originária do sueste asiático. Foi cultivada no norte e nordeste de S. Tomé e no Príncipe aparece mais tarde.
 
Parece que os espanhóis quiseram cultivar a oliveira, o pessegueiro e a amendoeira, conseguiram belas árvores mas sem frutos. O coqueiro foi introduzido com êxito, também a mandioca e a batata-doce, ambas originárias da América tropical. Os inhames originários do continente africano e outros da Ásia, foram não só a principal cultura de subsistência dos habitantes da época, mas também serviram de aprovisionamento aos navios que iam a S. Tomé e Príncipe carregar açúcar.
 
As hortaliças como couves, rábanos, cebola entre outras depois de semeadas crescem em poucos dias e são muito boas, mas a semente que produzem não presta para semear.
 
O gengibre foi uma das primeiras especiarias a ser conhecida pelos europeus, e levada para S. Tomé e Príncipe pelos portugueses onde se produziu muito bem, sendo levado para o Brasil, mas a sua produção ultrapassou as necessidades pelo que as autoridades proibiram as sementeiras no Brasil e em S. Tomé e Príncipe , concentrando toda a sua produção na Índia.
 
O Ocá, árvore de grande porte chegando aos 50 metros de altura, tem a sua origem muito contestada, podendo ser de origem sul-americana.
 
 

 

Fig. 27 - Apanha do cacau

 

Fig. 28 - Quebra do cacau com gancho

 
  
3ª Época (declínio da agricultura) - Durante esta época nenhuma cultura é introduzida nas ilhas, e decorre nos séc. XVII e XVIII. Foi a época do comércio de escravos sendo a agricultura uma actividade meramente subsidiária.
 

Fig. 29 - A “quebra” e extracção das sementes do cacau (em Rio do Ouro)

 

Fig. 30 - Secadouro do cacau ao sol

 Nesta época, muitos fazendeiros preferiam lucrar com o tráfico de escravos e com o contrabando com estrangeiros do que trabalharem na agricultura. Assim, foram perdendo as propriedades e os escravos para uma nova elite de S. Tomé, os Pardos.
 
4ª Época (café e cacau) - Desde meados do séc. XIX com o café e com o cacau iniciou-se uma nova época de prosperidade em S. Tomé e Príncipe. O café foi introduzido no Brasil em 1727 e nos fins do séc. XVIII introduzido em Cabo Verde e S. Tomé sendo neste arquipélago introduzido em 1789. Somente em 1832 se dá início do Ciclo do Café com exportação de cerca de 100 toneladas. Pouco antes da independência foram exportadas 43 toneladas de café.
 
  
Fig. 31 - Os grãos de cacau o verdadeiro “ouro” de S. Tomé e Príncipe.
 
A partir de 1890 o cacau impõe-se como cultura lucrativa e manteve-se até aos nossos dias. O cacaueiro é
 
originário da América do Sul e foi introduzido na ilha de Príncipe em 1822 por José Ferreira Gomes, casado com Maria Correia (referida em 8.f.6).
 

 

Fig. 32 - Rosas de porcelana17

Fig. 33 - Flor endémica18

 
Nas figuras 21 a 28 apresentam-se algumas imagens de flores exóticas existentes em S. Tomé e Príncipe bem como na figura 25 a palmeira de leque que eu só conhecia de Timor. Lendariamente a orientação dos ramos desta árvore seria segundo a direcção Norte-Sul, mas tal não deve ser verdade.
 

Fig. 34 - Flor papagaio19

 

Fig. 35 - Rabos de macaco20

               
Em 1857 tentou-se a introdução nas ilhas STP de tabaco, mas não houve grande interesse na sua cultura.
 
Em 1864 o Dr. Welwitsch introduziu exemplares de Cinchona Pahudiana (uma espécie quineira) utilizada no combate às febres. No entanto a produção do quinino de síntese arruinou essa cultura. O Dr. Welwitsch classificou uma planta no deserto de Mossâmedes que ficou com o seu nome - A Welwitschia Mirabilis.
 

 

Fig. 36 - Palmeira de Leque

Fig. 37 - Flor21

  

Fig. 38 - Árvore Florida22

Fig. 39 - Framboesas em S. Tomé23

        
 
No Diário de Notícias de 13 de Novembro de 2010, apareceu uma importante notícia de autoria de Filomena Naves, relatando que uma equipa de investigadores portugueses chefiada pela etno-farmacóloga Maria do Céu Madureira que é investigadora do Instituto Superior de Saúde Egas Moniz, teria conseguido produzir um preparado muito simples e acessível, utilizando solvente orgânico, que contém 30% do composto activo de uma planta chamada “Girassol-macho ou Tithonia diversifolia”. Teve ajuda de Sum Pontes um curandeiro que tem trabalhado com a equipa da Dr.ª Madureira e que tem usado esta planta contra a Malária. Tanto a planta Girasol, como o curandeiro são nativos de S. Tomé.
 
  
Fig.40 - A planta de S. Tomé esperança contra a malária.
 
 
 
Capítulo 5 - Escravatura, Trabalho e Roças
 
Almada Negreiros, grande estudioso do arquipélago, de onde era natural, escreveu: “Aqui, em S. Tomé e Príncipe, vinham navios de todas as nações coloniais que andavam no tráfico da escravatura”.
 
 
5.a - Coio de escravos
 
Durante séculos as ilhas de São Tomé e de Príncipe foram mesmo um coio24 de malfeitores que mercadejavam escravos. Os Negreiros ou Esclavagistas, comerciavam a venda e transporte de escravos de África para as Américas do Norte e do Sul, a partir dos agora chamados Gabão, Camarões, Nigéria, Benin, Togo, Gana e Angola. Um escravo era um ser humano que ficava na condição de ser propriedade de outro ser humano. Era próprio do escravo estar sujeito a trabalho compulsório em benefício do proprietário sem ter sido tomado em consideração o seu livre consentimento. O escravo tinha a condição de “coisa” e não de pessoa, não tendo sequer direito à vida. Esta condição de escravatura podia resultar da derrota na guerra, da sanção de um crime, de dívidas e da força dos poderosos. Durante milhares de anos a escravatura foi ditada sobretudo por razões económicas, por má utilização dos animais domésticos e pela ausência de máquinas.
 
Fig. 41 - Edifício ainda existente em Lagos, Portugal, onde se mercadejavam escravos.
 
Contribuiu decisivamente para a abolição da escravatura o advento da era da máquina e a verificação de que o trabalho em regime de liberdade é mais rendoso que no regime anterior. Por isso, a Inglaterra que primeiramente desenvolveu a Era Industrial, se arvorou em paladina da abolição e fiscal da existência da escravatura, mas somente nos países onde ela ainda se praticava e não nas colónias inglesas.
 
Apesar de ser contra a dignidade da pessoa humana e portanto, antinatural, a escravatura só foi abolida (no Ocidente) em meados do séc. XIX, continuando porém a existir em países do Próximo e Médio Oriente25.
 
A falta de mão-de-obra local nas colónias portuguesas, francesas e inglesas, originou no séc. XVIII que o Marquês de Pombal determinasse que o envio de escravos para o Brasil fosse prioritário sobre todos os outros países importadores de escravos.
 
No entanto, no reino de Portugal desde 20 de Março de 1580 a 25 de Fevereiro de 1869 (cerca de 290 anos) foram publicados mais de 20 decretos, leis e outros documentos determinando a abolição parcial ou total da escravatura. Mas foi uma longa luta nem sempre vitoriosa face aos interesses dos senhores dos escravos.
 
Fig. 42 - Modo de segurar escravos, para que não fugissem.
 
Na África Oriental Alemã (actual Tanzânia) a abolição teve lugar em 24 de Dezembro de 1904
 
Na Inglaterra puritana e cabecilha destes movimentos abolicionistas, a escravatura durou até 1 de Janeiro de 1928 na costa da Guiné, nomeadamente na Serra Leoa.
 
As feiras onde se negociavam escravos, conhecidas por Pumbas, eram frequentadas pelos comerciantes de escravos, que assim eram conhecidos por Pombeiros.
 
 
5.b - Tráfico Negreiro
 
 
Fig. 43 - Escravo doméstico sendo castigado pelo seu senhor.
 
Em 1471 os navegadores portugueses iniciaram a exploração económica, sistemática e de forma integrada do Golfo da Guiné.
Cerca de 1480 os portugueses estabeleceram os primeiros contactos com o reino do Congo.
 
A feitoria-fortaleza da Mina que depois ficou conhecida como Elmina, juntamente com a fortaleza de Ugató (Gwato ou Ughoton), no reino de Benim, esta instalada só em 1486. Estas duas fortalezas eram complementares. Os mercadores que levavam o ouro a S. Jorge da Mina exigiam em troca, entre outras mercadorias, escravos, que era possível trazer da área de Benim, por escambo26 de panos e manilhas de cobre, primeiro directamente, depois através da Ilha de S. Tomé. Ao arquipélago de S. Tomé e Príncipe vai ser de facto atribuído um importante papel no complexo comercial que Lisboa tentava organizar no golfo da Guiné.
 
A nomeação de um capitão donatário, membro da pequena nobreza, era uma solução político-adimnistrativa de ressonâncias senhoriais que já tinha sido utilizada nos outros arquipélagos atlânticos. Assim o monarca cedia a particulares, com carácter hereditário, extensos domínios, bem como privilégios, lucros económico-financeiros e atribuições de soberania, em troca de colonização do território.
 
No caso de S. Tomé, atendendo à localização, à abundância de água e de madeira e à fertilidade do solo, esperava-se criar uma próspera colónia de povoamento, em que a curto ou médio prazo a mão-de-obra importada de África seria substituída por população mestiça, sendo constantes desde o início os incentivos à miscigenação.
 
A ilha devia passar a ser uma escala segura para os navios que da Mina, regressavam à Europa e eventualmente para outras viagens com destino à África Austral e à Índia.
 
Além disso, pretendia-se que fosse a base de apoio às feitorias da costa de África, quer em termos de defesa quer de abastecimentos de géneros alimentares destinados às guarnições portuguesas e ao aprovisionamento dos navios negreiros. Tal projecto só parcialmente foi realizado. Foi difícil a fixação de europeus, face ao meio natural particularmente hostil, à propagação de doenças tropicais, em particular a Malária. A ilha foi criando a fama de “cemitério de europeus” e em consequência funcionários ou eclesiásticos, incluindo governadores e bispos, uma vez nomeados para S. Tomé, procuravam, por todos os meios e recorrendo a todos os argumentos, adiar a partida e quando não o conseguiam, esforçavam-se para que a sua estadia no arquipélago se limitasse ao estritamente necessário. E o comportamento mais corrente enquanto aí permaneciam, era, como seria de prever, tentar enriquecer o mais possível no período mais curto possível.
 
Em 1536 apareceram alguns voluntários, eram “cristãos novos” fugindo da Inquisição.
 
Alarmado com esta possibilidade D. Sebastião em 1569 proíbe a fixação de cristãos novos em S. Tomé.
 
Outro contingente de povoadores era constituído por degredados, alguns condenados directamente pelos tribunais a penas mais ou menos longas de degredo em S. Tomé ou no Príncipe, e outros, homens e mulheres, aceitavam ver comutada a pena de morte a que estavam destinados, pelo degredo permanente no arquipélago.
Os monarcas portugueses D.João II e D. Manuel I concedem amplos privilégios tanto a governantes como a governados.
 
Fig. 44 - Castigo de escravo fujão ou recalcitrante. O Tronco.
 
Os poderes concedidos aos capitães donatários, com poderes judiciais muito alargados, tendo Álvaro de Caminha recebido “toda a jurisdição cível e crime da dita ilha, não reservando para nós (o rei) coisa alguma de justiça de morte de homem e talhamento de membro”, dando-lhe o poder de nomear, o que não era comum “os oficiais de fazenda e de justiça”.
 
Fig. 45 - O estivamento (arrumação) dos escravos nos navios negreiros.
 
Os povoadores dada a lonjura das ilhas em relação ao continente, tinham entre outros privilégios, licença para comerciarem todas as mercadorias (salvo o ouro e algumas mais) em determinados sectores da costa africana, dispondo de isenções fiscais importantes. Em 1493, a carta régia de 21 de Novembro, fomentava a venda de mantimentos produzidos na ilha, autorizava os moradores de S. Tomé a resgatarem livremente mercadorias, escravos incluídos, na terra firme, “desde o rio Real e a Ilha de Fernando Pó até toda a terra de Manicongo (rio Zaire).
 
Em 1500 estes privilégios foram extensivos aos residentes na Ilha de Príncipe. Desde 1511 que os navios de S. Tomé, como aliás os navios do Príncipe, frequentavam já a barra do rio Congo ou Zaire. Mas entre 1520 e 1530, quando o tráfico de escravos se intensifica, as mesmas embarcações passam a aportar com regularidade o mesmo rio.
 
Até esta data os escravos que chegavam a S. Tomé destinavam-se quase exclusivamente a satisfazer as necessidades internas ou a ser reexportados para a Europa, o que não se traduzia em totais muito significativos.
 
Um aspecto particular da memória, onde se confunde a escravização dos importados com uma suposta escravização dos nativos (na ilha), releva da sua enunciação pelos santomenses que, (…), parecem assumir as mágoas da opressão vivida outrora nas roças, como se eles não tivessem estado entre os importadores de mão-de-obra, trabalhando para o estado colonial e sobretudo como se não se tivessem demarcado dos serviçais (das roças)27.
 
Como, por outro lado, a actividade açucareira de S. Tomé estava no seu auge, com mais de meia centena de engenhos e uma produção de mais de 2.000 toneladas, tornava o arquipélago no maior produtor mundial de açúcar. Tal sucesso deve-se à facilidade de obtenção de mão-
-de-obra escrava e à possibilidade de rápida substituição dos trabalhadores que morriam ou fugiam para o interior da Ilha, para refúgios que os brasileiros por analogia chamam de Quilombos.
 
Em 1519 S. Tomé passa a ter o exclusivo de resgate de escravos com destino a S. Jorge da Mina e em 1525 a Ilha começa a ser um dos principais fornecedores de escravos para as Antilhas e para outros portos das Índias Espanholas., nomeadamente Cartagena e Vera Cruz.
 
 
Fig. 46 - Navio Negreiro
 
Os navios que faziam a ligação entre S. Tomé e o Congo, eram de pequena tonelagem mas podiam carregar pelo menos 400 peças (escravos). A tripulação, incluindo o mais modesto marinheiro, não deixava de carregar escravos à sua conta e o capitão e o piloto podiam por vezes levar, em seu nome, algumas dezenas, certamente servindo de testas de ferro a investidores ocultos. Os membros do clero, residente em S. Tomé …, estão sempre presentes na armação, chegando em 1525 o padre Diogo Gonçalves, a embarcar no navio Conceição, 124 peças, o segundo lote mais numeroso da embarcação.
 
Os santomenses interessados no tráfico de escravos já não são apenas europeus brancos mas também os naturais das ilhas brancos, mestiços e negros forros que de uma forma ou de outra se envolvem no negócio. São os grandes fazendeiros das roças do açúcar mas também os médios e os pequenos proprietários, os funcionários político-administrativos com o governador à cabeça, os religiosos, etc.
 
A partir de 1586 os capitães generais passam a ser chamados de governadores, por influência de Espanha.
 
Saliente-se, a propósito, a diferença prevalecente entre livres (forros) e escravos, em larga medida coincidente com a diferença étnica e de origem, uma inferência autorizada pelo facto dos escravos em meados do séc. XIX serem quase todos indivíduos importados28.
 
 
5.c - Portugal e o tráfico da escravatura
 
O problema da escravatura anda ligado ao da expansão dos povos europeus, dos portugueses e espanhóis, mas também de franceses, holandeses e ingleses. Já havia escravos na Europa e fora da Europa, antes dos portugueses chegarem à África.
 
O problema consiste, não propriamente na existência de escravos e de escravatura, mas sim no estabelecimento do tráfico regular de escravos entre a Europa e África, sem motivo de guerras, isto é, o tráfico regular, comercial como se na verdade se tratasse de um produto qualquer, como a malagueta, ou peles e não de homens.
 
No séc. XVI ia o tráfico assumir proporções colossais com a introdução de mão-de-obra negra na América. A iniciativa foi dos espanhóis quando verificaram a impossibilidade de utilizar a mão-de-obra indígena para as culturas próprias das zonas tropicais.
 
No séc. XV a escravatura era tão legítima como qualquer outro tipo de comércio. Era um imperativo económico inelutável (Roberto Simonsen): “só serem empreendimentos industriais, montagens de engenhos, custosas expedições coloniais, se a mão-de-obra fosse assegurada em quantidade e continuidade suficientes. E por esse tempo e nessas latitudes só o trabalho forçado proporcionaria tal garantia.”
 
A Companhia de Cacheu e Cabo Verde29 foi uma empresa monopolista, fundada em Portugal no contexto das reformas económicas de D. Luís de Menezes, sob o reinado de D. Pedro II de Portugal. Os seus objectivos eram promover o comércio de tecidos manufaturados, marfim e escravos, entre a costa da Guiné e o Arquipélago de Cabo Verde e a do Brasil.
 
Foi criada por Alvará Régio de 3 de Janeiro de 1690. O curto período de sucesso que conheceu prendeu-se ao facto de ter conseguido o monopólio do comércio de escravos para a América espanhola no período de 1696 a 1703. Nesse ano tendo a coroa deixado de lhe renovar o contrato de exploração, os prejuízos acumularam-se, o que conduziu ao abandono da Capitania de Bissau em 1707, sendo o forte de Bissau arrasado na ocasião.
 
Em 1690 a Companhia de Cacheu e Cabo Verde foi instalada na Ilha de Príncipe, com o objectivo de for-necer escravos às colónias espanholas30.
 
Os espanhóis já importavam escravos negros para a América desde 1511. Calcula-se que em 1600 houvesse uns 20.000 negros escravos na Baía e Pernambuco. Em meados do séc. XVII haveria no Brasil 40.000 escravos, mais 23.000 importados pelos holandeses quando ocuparam a parte norte do Brasil.
 
Segundo Roberto Simonsen teriam sido importados 350.000 negros, e nos séc. XVIII e XIX cerca de 2.950.000.
 
Os Holandeses que ocuparam a Mina para terem um porto seguro negreiro, levavam aos estabelecimentos portugueses e espanhóis da América a maior parte dos seus negros, porque não necessitavam deles nas Guianas. A própria Inglaterra em 1713, exigira de Espanha como condição de paz, que lhe fosse concedido o “assiento”, ou seja o “monopólio” para introduzir os escravos de que Espanha necessitava, nas Índias Ocidentais, com exclusão de espanhóis ou quaisquer outros (fornecedores)31.
 
 
5.d - Roças e Cacau
 
Entre 1890 e 1900 S. Tomé e Príncipe foi um exemplo de prosperidade dos empreendimentos coloniais graças à monocultura do cacau. Tal se ficou a dever à fertilidade das terras florestais virgens desmatadas e trabalhadas de forma intensiva pelos crescentes contingentes de mão-de-obra resgatada no continente africano e que não era repatriada.
 
As roças beneficiavam da condição política e jurídica diferenciada da mão-de-obra, cuja prestação laboral estava legalmente regulamentada.
 
A condução das roças e a definição das relações sociais nas roças eram deixadas ao critério dos roceiros. Nos primeiros anos do séc. XX começaram a nascer problemas no recrutamento de braços. Angola dificultou tais recrutamentos pelo que se prosseguiu a recrutar moçambicanos e cabo-verdianos. Foi aproveitada uma época de grande seca em Cabo Verde em 1903, para encaminhar trabalhadores desta colónia para S. Tomé e respectivas roças. No entanto o seu recrutamento evidenciou as debilidades das roças e colocou dificuldades inusitadas aos roceiros, porque os esquemas habituais de inserção para os angolas, eram desajustados para os cabo-verdianos, cuja importação alterou a relativa quietude nas roças.
 
 

Fig. 47 - Roça Rio do Ouro, agora chamada de Agostinho Neto

 

Fig. 48 - Roça Água-Izé

       
 
Estes passaram a alardear intenções de recorrer às autoridades, quando não se rebelavam. O controlo dos roceiros sobre as autoridades públicas facilitava o funcionamento nas roças.
 

 

Fig. 49 - Roça em altitude (com amena temperatura)

 

Fig. 50 - Roça de Monte Bom

        
 
Em finais do séc. XIX era comum opinar sobre a inferioridade congénita e cultural da raça negra, da mesma forma que também dava relevância a modelos de rígida hierarquização das relações sociais nos territórios coloniais. Em 1910, com a importação de braços, que não de Angola, começaram a enredar-se as linhas até então trilhadas pelos roceiros, forçados, mau grado a sua crença na sua superioridade racial e social, a reaprender a comandar grupos de proveniência diferente.
 
Fosse como fosse os roceiros estavam habituados a usarem práticas coercivas, que dificilmente alijariam de um momento para o outro numa época de prosperidade firmada no trabalho intensivo.
 
Nesta época, as fissuras no poder induziam, não à violência, mas à manifestação de cariz laboral acompanhadas de pedidos de intervenção das autoridades. Para os roceiros, atingidos nos seus interesses, e para as autoridades, muitas vezes dependentes ou alinhadas com aqueles, tal recusa ao trabalho era apenas motivada pela aversão do africano ao trabalho, numa leitura óbvia em razão dos preconceitos raciais.
 
Para os serviçais, esta forma de resistência traduzia uma leitura própria das obrigações contratuais, por vezes atinente a forçar a mobilidade horizontal ou o repatriamento, que para alguns deles representaria um substancial ganho. Ao arrepio do inflamado discurso sobre o “ódio racial ou a selvajaria do negro”, para as roças os maiores danos eram os infligidos, não pelo assassinato de um ou outro empregado, mas pela resistência quotidiana passível de perturbar o labor. No segundo semestre de 1903, cabo-verdianos, individualmente ou em grupo, foram com frequência enviados para as obras da fortaleza de S. Sebastião por, alegadamente, sem justificação, se recusarem ao cumprimento dos contratos, isto é, a trabalhar (forçadamente).
 
Fig. 51 - Machila para transporte do Administrador da Roça.
 
Na verdade, ocasionalmente a recusa de trabalhar revelou-se persistente e prejudicial à disciplina nas roças, levando os roceiros, em desespero de causa, à rescisão do contrato e as autoridades a deportar os cabo-verdianos para outros territórios, principalmente para Angola e Moçambique. Dos cabo-verdianos chegados em 1903 vários sabiam ler e escrever, contando-se entre eles um escrevente de tabelião. Ademais a alfabetização dos cabo-verdianos era incómoda, pois nem todos os europeus seriam alfabetizados.
 
Fig. 52 - Distribuição das áreas das roças em S.Tomé, em 193232, já depois do levantamento geodésico de Gago Coutinho.
 
A comunicação com o exterior das roças desagradava aos roceiros, porquanto entre as causas diminutivas da eficácia da protecção legal dos serviçais, se contavam a socialização restrita às roças e o fraco domínio da língua. A não fluência no português podia inibir parte dos serviçais da apresentação das queixas na Curadoria. Quando havia motins nas roças, e normalmente contra a vontade dos roceiros, a intervenção das autoridades era rara. Em 1904, a actuação de um delegado do curador no Príncipe, primava pelo pouco ou nenhum apoio aos roceiros.
 
 
Fig. 53 - Chegada dos “serviçais” para as Roças, por via marítima.
 
Para assuntos relativamente graves, este delegado reenviava para a roça os cabo-verdianos sem o menor correctivo, e ainda chamava a atenção dos roceiros pelo modo como tratavam os serviçais.
 
Para os roceiros, o problema residia no apoio do delegado do curador aos serviçais, pois segundo eles, nada podiam esperar do delegado do curador, porquanto ele pública e taxativamente afirmava reconhecer no mais boçal cabo-verdiano, inteligência e competência superiores às de todos os europeus da ilha (Príncipe)33. E se calhar até era verdade!
 
Na Roça Rio do Ouro, que se situa ao norte da ilha de S. Tomé, estendendo-se como a maior parte das Roças desde as montanhas até ao mar, encontram-se várias culturas de acordo com a altitude, sendo a palmeira e o coqueiro nas terras baixas do litoral, existindo nas terras mais altas o café, e nas encostas intermédias o cacau.
 
Fig. 54 - Dia de pagamento, com formatura como no pagamento do “pré” no exército.
 
Ainda nesta Roça tomámos conhecimento34 com a “sede” e com dez outras dependências. Vimos a antiga residência do administrador, habitações dos empregados do tempo colonial, no meio um edifício de escritórios e do outro lado o “centro tecnológico” com armazéns e oficinas.
 
Depois a sanzala onde moravam todos os trabalhadores no tempo colonial, e ainda o hospital, e a capela. A roça dispunha de 3.200 hectares de terras cultivadas, num total de 5.000 hectares de área total.
 
A produção mais importante era o cacau que é um forte arbusto que chega a atingir alguns metros de altura. Requere um cuidadoso trabalho de manutenção, à sombra de árvores de grande porte, que o terreno seja adubado anualmente, regularmente capinado (com o machim), e que o arbusto sofra uma poda periódica e uma sulfatagem. Todas as acções referidas incluindo a “colheita” são tarefas masculinas.
 
Depois procede-se à “quebra” da cápsula do cacau com machim, e extrai-se manualmente as sementes internas envolvidas numa substância branca e gomosa, são metidas num cesto e enviadas para o “centro tecnológico”,são metidas em grandes caixas de madeira durante 5 dias para fermentar (trabalho feminino). No final deste tratamento cada bago tem já o aspecto definitivo que faz lembrar uma pequena fava de cor castanha avermelhada e o sabor característico do cacau. Passando agora por uma máquina seleccionadora são eliminadas as impurezas, os bagos partidos, os fragmentos de casca, procedendo-se então à embalagem para o transporte. Esta Roça dispunha de um porto privativo onde embarcava o cacau para exportação.
 
Seguem imagens de instalações de algumas roças e de um comboio da roça Água-Izé.
 
 

 

Fig. 55 - Roça Bela Vista

Fig. 56 - Comboio da Roça Água-Izé

      
 

 

 

Fig. 57 - Roça Bombaim

Fig. 58 - Roça S. João dos Angolares

        
 
 
5.e - O Trabalho Indígena e as Colónias Portuguesas
 
Das muitas queixas que eram apresentadas contra o facto de Portugal manter trabalho obrigatório nas colónias, nenhuma se refere a que se mantinha o trabalho escravo.
 
A lei sobre o trabalho indígena vem desde 14 de Outubro de 1914, tendo as suas bases sido estabelecidas muito antes por António Enes e Oliveira Martins….
 
Eram os indígenas nas colónias portuguesas obrigados, como aliás são todos os portugueses, a certas prestações de trabalho, prestações essas de que se podiam remir mediante um pagamento que a lei estipula.
 
Quando refervia a campanha contra as ilhas de S. Tomé e Príncipe o recrutamento para essas ilhas foi praticamente interrompido, de modo que as grandes plantações que ali existiam não se desenvolveram e estiveram em risco de morrer por falta de mão-de-obra. Tratava-se do ano de 1925.
 
Notar que tais queixas foram apresentadas por alguém que teve conhecimento de uma pequena revolta que tinha tido lugar na Guiné, e que afirmou que a mesma era devida aos maus-tratos em S. Tomé!35... Santa ignorância!
 
Fig. 59 - Anúncio da CNN sobre a governante alemã.
 
Mas a ignorância de certas elites ainda hoje tem lugar cativo, mesmo nos “média” internacionais.
 
Se não, atentemos para a imagem junta, em que a CNN anuncia aos quatro ventos que Ângela Merkel teve um atraso na sua deslocação, e foi obrigada a aterrar na capital portuguesa, ou seja em Lisboa, que como a figura indica fica muito perto de S. Tomé e Príncipe, no golfo da Guiné.
 
 
Capítulo 6 - População e Habitantes
 
6.a - População original
 
 
Fig. 60 - A Ilha de S. Tomé nos primeiros mapas com indicações em francês, e latim. Note-se a representação do relevo no interior da ilha e a indicação de alguns engenhos de açúcar36.
 
Na altura do descobrimento as ilhas do arquipélago eram desertas e naturalmente foram consideradas como mais uma “escala” para apoio às naus que desenvolviam os contactos com a costa africana, caso se afastassem demais de terras. Mesmo a navegação junto à costa era perigosa pela existência de muitos acidentes e baixios que dificultavam a navegação. Assim, uns pontos de apoio longe da costa africana até eram um benefício para os navegadores juntamente com o facto de as águas de S. Tomé serem boas, para se fazer “aguadas”.
 
Desse modo, seja quem for que descobriu as duas ilhas e mais tarde Ano Bom, levou a nova ao Reino, tendo o Rei D. João II mandado colonizar todas elas a partir de 1486.
 
O arquipélago de S. Tomé e Príncipe foi ocupado pelos portugueses na última década do séc. XV. A capitania abrangia as ilhas de S. Tomé, Príncipe, Fernando Pó e Ano Bom. As duas últimas foram entregues à coroa espanhola cumprindo tratados assinados em 1777 e 1778, sem terem sido exploradas efectivamente pelo governo português.
 
A proximidade daquelas ilhas com o litoral ocidental africano fez com que rapidamente se transformassem em importantes entrepostos comerciais do norte do Atlântico.
 
A ilha de S. Tomé serviu como um laboratório tropical. Ali, as plantas, animais, técnicas agrícolas e homens foram adaptados à realidade dos trópicos e à produção do açúcar37. A vida económica das ilhas, viria a ser implementada pelo fortalecimento do tráfico de escravos pois os navios negreiros procuravam os seus portos em busca de víveres e de escravos para completar as suas cargas.
 
Segundo o foral da capitania já no séc.XVI os moradores foram autorizados a comercializar com navios estrangeiros e com a costa de África.
 
Devido à procura de diferentes mantimentos usados no abastecimento de navios e à permuta com a costa africana, passaram a ser produzidos na ilha, arroz, milho, mandioca, inhame, banana, azeites, algodão, gengibre, entre outros. Havia também alguns moradores que possuíam embarcações dedicadas ao comércio com a costa africana.
 
Face ao progresso da ilha, o Rei tornou-a capitania régia em 1522. Em 1525 a vila de S. Tomé foi elevada a Cidade. A população livre da capitania era maioritariamente mestiça (os pardos).
 
As ilhas não eram habitadas quando da sua descoberta, e a sua primeira população foi constituída por poucos brancos livres, um grande número de degredados e centenas de crianças judias cujos pais haviam sido mortos ou expulsos da Península Ibérica. Também foram introduzidos muitos escravos levados da costa africana. No entanto o alto índice de mortalidade que atingia principalmente a população branca levou a coroa a conceder, ainda nos primeiros anos de ocupação a liberdade às escravas domésticas e aos seus filhos e dois anos depois aos homens escravos.
 
Na figura 1 distinguem-se entre outros nomes o de Fazendas de Anna Chaves, de Francisco Coimbra, de diversos engenhos de água, o local da Citade (cidade de S.Tomé) e do Forte Velho.
 
 
6.b - Locais de Povoamento38
 
A escolha para a localização dos primeiros núcleos populacionais em S. Tomé e Príncipe sofreu necessariamente a influência de factores geográficos como o clima, o relevo, a existência de cursos de água e a vegetação. A expansão da população foi-se dando à medida que as plantas foram introduzidas nas ilhas.
 
 
Fig. 61 - Outro mapa holandês da ilha de S. Tomé.
 
 
Primeira fase - (1480/1550)
Chegados os colonos a S. Tomé, desembarcaram em Água Ambó, junto a Ponta Figo, e ali erigiram algumas barracas e cultivaram as terras próximas. Pouco depois reconhecendo a capacidade da baía em que agora se acha a cidade, mudaram as suas residências, tendo construído uma capela e voltaram a cultivar as terras anexas. Nesta povoação, segundo informações do Piloto Anónimo, existiam 600 a 700 fogos e pelo meio da povoação corria um regato de água conhecido por Água Grande.
 
Fig. 62 - Água Ambó ou Anambó39.
 
Segunda fase - (1550/1650)
 
Fig. 63 - Pormenor da cidade de S. Tomé na sua baía de Anna Chaves (1664)40.
 
Desde meados do séc. XVI a meados do séc. XVII e coincidindo com a produção da cana sacarina e com o início do comércio de escravos, vindos da costa africana, a cidadena baía de Ana Chaves, tornou-se importante.
 
Terceira fase - (1650/1790)
Abandonadas todas as culturas e entrada em decadência, a população concentrou-se em zonas sobranceiras à cidade, aparecendo as capoeiras e as ruínas de antigos engenhos de açúcar. Em S. Tomé a população concentrava-se no quadrante nordeste e no Príncipe somente em algumas regiões no litoral.
 
Quarta Fase - (1800/1975)
Introduzidas as culturas do café e do cacau com a subsequente organização das Roças unidades agrárias
 
típicas, que eram constituídas por um núcleo central, com um vasto terreiro, em torno do qual se situavam a casa do administrador, a sanzala, o hospital, diversos armazéns, etc.
 
Nas proximidades cultivavam-se árvores de fruto para assegurar sustento a homens e animais.
 
O cacau desenvolve-se protegido pelas robustas eritrinas, árvores sombreadores (como em Timor as “Madre del cacau” protegem dando sombra aos cafezeiros).
 
As roças produziam principalmente bens de exportação e como se entendiam directamente com a Europa a com África, a cidade de S. Tomé no início do séc. XX entrou também em decadência.
 
Apareceram então os Filhos da Terra, mulatos honrados e casados, que obtiveram uma posição social de destaque nas duas ilhas.
 
 
 
6.c - Grupos41
 
Entre 1500 e 1600 (séc. XVI) havia em S. Tomé três grupos diferenciados:
- os escravos;
- os angolares;
- o grupo dirigente, constituído por:
  • agricultores
  • comerciantes
  • grandes proprietários de engenhos
  • artífices
  • funcionários portugueses
  • castelhanos
  • franceses
  • genoveses
  • mulatos filhos da terra.
 
A ruína do açúcar leva ao abandono da ilha e os agricultores embarcam para o Brasil.
 
Fig. 64 - Pirogas em uso em S. Tomé e Príncipe.
 
Entre 1600 e 1800, (séc. XVII) a população branca desapareceu praticamente e o mestiço passou a ser o elemento dominante. Em 1769, um comerciante da Baía, Joaquim Inácio da Cruz, declarava que o mau clima de S. Tomé havia extinguido de tal modo os brancos, que não restavam na ilha senão dez a doze indivíduos. Acrescentava que os mulatos e os pretos crioulos iam-se acostumando a viver sem os brancos e a ocuparem os lugares que a estes tinham pertencido.
 
Por essa razão, quando lá aparecia algum branco, se não o matavam com feitiços,”não lhe acudiam prontamente com os remédios ao uso da terra ao tempo de lhe dar a doença, a que chama carneirada, para logo morrerem.”
 
Na segunda metade do séc. XVIII os dois grupos sociais mais relevantes na estrutura social de S. Tomé eram:
 
- os moradores livres (brancos, mulatos, negros alforriados ou forros);
 
- os escravos.
 
Em 1801 (início do séc.XIX) o elemento preponderante da população é o mestiço, mas a notícia da prosperidade do café e do cacau e a tradição de fertilidade dos solos atraíram novos proprietários, na grande maioria europeus.
 
Perante a abolição total e imediata da escravatura em 1785, a crise de mão-de-obra acentua-se. Como a população era constituída principalmente por forros e angolares e devido à sua aversão ao trabalho agrícola, todos se consideravam homens livres, deixou de haver trabalhos nas roças, pelo que se introduziu o regime de contratados que no fim do contrato deveriam ser repatriados se o desejassem.
 
Oriundos de diversas regiões de África como:
- Libéria;
- Serra Leoa;
- Angola;
- Cabo Verde;
- Moçambique.
 
Os contratados eram denominados de Serviçais, não tinham, nem os seus descendentes, direito de lavrar a terra por conta própria e muito menos possuir terrenos. E eram portanto os únicos indivíduos que trabalhavam nas roças.
 
Os forros eram os únicos negros que possuíam pequenas parcelas de terreno - as glebas.
 
Trabalhavam preferencialmente em empreitadas em escritórios, oficinas e instalações sanitárias das roças.
 
As roças pertenciam principalmente a companhias portuguesas.
 
Fig. 65 - Escravos em S. Tomé
 
 
A ilha de Príncipe foi povoada nos mesmos moldes que S. Tomé mas os seus habitantes são conhecidos por monkós.
 
Volvendo os olhos para o passado reconhece-se que em consequência das condições climatéricas, não foi fácil a tarefa da colonização da Ilha porque muitas vidas se perderam, a testemunhar o preço por que Portugal adquiriu para seu património uma das mais lindas e ricas regiões do globo.
 
Em 1540 a população da ilha foi aumentada com um grande número de naturais de Angola que seguiam como escravos para o Brasil e conseguiram salvar-se a nado em consequência de o navio ter naufragado ao sul da ilha, nos rochedos chamados de “ Sete Pedras”. Instalaram-se num local que agora se chama “S. João dos Angolares”.
 
A população branca aumentou na segunda metade do séc. XIX (1850…) por se ter começado a desenvolver a Agricultura.
 
Grande número de naturais de Angola, Moçambique e de Cabo Verde, foram introduzidos para serviçais nas Roças, mas só durante o tempo dos contratos de prestação de serviços.
 
“A intriga naquelas idades já vomitava a infernal peçonha com que infeccionou os novos colonos e os seus sucessores, tanto assim que repetiam queixas sobre queixas aos pés do real trono, acusando-se reciprocamente dos mais atrozes crimes.
 
Eles não só se constituíam soberbos e intratáveis, mas também queriam afectar independência e soberania à testa dos imensos escravos de que dispunham. Mortes, incêndios, assaltos, raptos, roubos, forças contra os oficiais públicos, desprezo contra os governadores ou capitães, tudo era posto em prática pelos poderosos habitantes de S. Tomé, verdadeiros régulos e tiranos do seu país. As suas riquezas lhes fizeram cometer inauditas crueldades e actos de rebelião, que só a cobardia ou o interesse deixavam ficar impunes. Entre outros arbitrários procedimentos conta-se o da rejeição de um governador, a quem entregaram (prorata) todos os soldos e interesses que poderia fazer no decurso do seu governo, despedindo-o com afectada urbanidade e verdadeiro desprezo, como muito moço para governar homens tão barbados como os moradores de S. Tomé. Mas não só os particulares cometiam excessos; mesmo os oficiais públicos eram também disso acusados principalmente os escrivães e tabeliães, que abusavam dos autos, livros e mais papéis para beneficiarem os seus amigos e perderem os seus contrários. E os próprios juízes mandavam capturar os acusados mais para satisfazer a empenhos do que por princípios de justiça. Os costumes tinham-se depravado a tal ponto que as mais egrégias pessoas da ilha arrastavam um trem de concubinas, ou conservavam o seu harém.”42
 
A decadência da marinha de guerra portuguesa, que teve início no reinado de D. Sebastião, originou um ataque contínuo às colónias portuguesas por piratas franceses, ingleses e holandeses. S. Tomé foi flagelado desde 1567.
 
São importantes as lutas em que se envolveram as classes dominantes da terra, lutas essas que se desenvolveram durante quase todo o século XIX. Foram constantes e frequentes as desordens, rixas e intrigas que sustentaram entre si os diversos partidos, muitas vezes com recurso à mão armada, todos pretendendo governar e nenhum querendo submeter-se.
 
São os mais importantes:
 
A luta entre o clero e os governadores que começou em 1593, com a chegada de D. Fernando de Menezes, governador nomeado por El-Rei. O Bispo D. Francisco de Vila Nova incompatibilizou-se com ele, porque pretendendo estender a sua jurisdição, o governador se opôs. O prelado lançou contra ele a Excomunhão que decretou em 26 de Agosto de 1594 acto que teve grandes consequências e abalou seriamente os alicerces da colónia. Os naturais indígenas, andavam profundamente descontentes com a sua condição e maus-tratos que recebiam e aspiravam por vingança. O espírito de revolta fervilhava neles e estavam à espera, apenas, do primeiro momento favorável e de um chefe para desencadearem a insurreição.
 
Forneceu-lhes o pretexto a luta em que se envolveram o bispo e o governador pela causa acima referida, e o chefe apareceu na pessoa de um negro conhecido por Amador, valente e dotado de grande firmeza de alma.
 
Mas não eram só os negros que mantinham as intranquilidades na Colónia. Os brancos, autoridades e particulares provocavam continuamente dissensões, precipitando com elas a decadência da ilha, que durante os dois primeiros séculos da sua ocupação viveu em opulência e em prosperidades contínua.
 
Reinaram ali a partir do séc. XVII, com raras e curtas interrupções, até à segunda metade do século XIX, a anarquia, a corrupção, a intriga e a desordem.
 
 
Fig. 66 - Antiga escrava
 
 
6.d - População desde 1820
 
Diz-se que na ilha chegaram a existir mais de 100.000 escravos e 3.000 pessoas brancas; mas em 1820 segundo Cunha Mattos, existiam no distrito da Cidade e nas suas fazendas os seguintes habitantes:
 
Freguesias
Homens
livres
Mulheres Livres
Escravos
Escravas
Totais
Cidade
 900
 1.188
 1.460
 1.420
4.968
SS Trindade
 274
 254
 11
 4
 543
Santa Ana
 120
 119
 10
 14
 263
Santo Amaro
 123
 129
 3
 1
 256
Santa Maria Madalena
 64
 64
 2
 –
 130
N.Sª Guadalupe
 148
 153
 2
 1
 304
N.Sª das Neves
 13
 21
 85
 88
 207
S.João dos Angolares
 
 
 
 
 
Freg. De Santa Ana(a)
 162
 170
 –
 –
 332
Soma
 1.804
 2.098
 1.573
 1.528
 7.003
 
(a) Monta a população dos angolares, de que apenas metade é baptizada e pertencem ao Distrito da Freguesia de Santa Ana
 
Este mapa foi organizado por Cunha Mattos, no ano de 1814 sobre relações nominais, segundo ele diz, muito aproximadas à exactidão. Causa admiração a progressiva decadência da população da ilha.
 
Pelo censo do ano de 1770, então existiam 20530 almas.
 
Em 1789 existiam 13220, a diminuição conta-se quase toda no número dos escravos que foram morrendo ou passaram para o Brasil. Dos 7003 habitantes de S.Tomé existiam 21 brancos puros, 35 quase brancos e 184 pardos.
 
Entre 1830 a 1926 a população variou conforme mapa seguinte43:
 
POPULAÇÃO DE S. TOMÉ E PRÍNCIPE
1830
1844
1878
1895
Europeus
Indígenas
Serviçais de Angola
Serviçais diversos
10 089
12 753
18 266
30 000
1 500
12 500
14 500
1 500
(a)
(b)
1900
Brancos
Mulatos
Indígenas
Serviçais
42 130
1 187
280
19 153
21 510
 
1909
Europeus
Chinas
Tongas
Indígenas
Serviçais contratados (ind. 4000 Nativos)
64 221
2 000
50
6 987
19 651
35 533
 
1914
Europeus
Serviçais
Nativos
53 969
1 401
32 817
19 751
 
1921
Europeus
Serviçais
Nativos
58 944
1 080
38 697
19 167
 
1926
Europeus
Serviçais
Nativos
51 405
1 242
31 200
18 963
 
 
(a) S. Tomé: 7017; Príncipe: 3072.
No referente unicamente à Ilha do Príncipe existem os seguintes dados sobre a sua população entre 1940 e 2001:
 
                                  Percentagem da população
    Ano       População  do Príncipe, em relação à do arquipélago
   1940         3.124                      5,2 %
   1950         4.402                      7,3 %
   1960         4.544                      7,1 %
   1970         4.593                      6,2 %
   1981         5.255                      5,4 %
   1991         5.471                      4,7 %
   2001         5.966                      4,3 %
 
Embora gradualmente a população do Príncipe tenha vindo em valor absoluto aumentando, mas comparando com o valor global do arquipélago, houve uma subida nas décadas de 50 a 70, voltando a diminuir após a independência (1975), tendo agora o valor mais baixo.
 
Pelo Censo de 1981 a população de S. Tomé e Príncipe é 95.500 habitantes.
 
 
6.e - Carácter, Usos e Costumes do Povo44
 
O carácter dos habitantes de S. Tomé tem analogia com o dos naturais dos países de que procedem. Os europeus são activos e amantes do trabalho, os descendentes dos minas e dos benins são diligentes e asseados.
 
Os angolas e cabindas são muito inferiores aos benins e minas; os calabares e gabões são preguiçosos e nada limpos. Os brancos nascidos na ilha são pela maior parte indolentes, desleixados e inimigos de aplicações sérias; os pardos gostam de ostentar de ricos e bem poucos há que sejam melhores do que os brancos.
 
Em geral todo o povo é hospitaleiro, fanático, supersticioso e não faz ideia da verdadeira religião (a católica). Ainda praticam várias cerimónias africanas como os banquetes fúnebres; o fazer patentes os sinais de virgindade das mulheres que se casam, acreditam na eficaz virtude de vários dentes, unhas de animais, pedras, paus, cabelos e outras coisas para fazerem o homem invulnerável, voar por cima das árvores e passar por baixo da terra; têm medo incompreensível de feiticeiros e feiticeiras, que fizeram pacto com o diabo e desgraçada é a mulher velha que se encontra com alguma panela com folhas infundidas por que está certa de morrer apedrejada ou ser lançada ao mar com uma pedra no pescoço; acreditam na eficácia das missas e luzes votivas à imagem do Padre Eterno da Igreja de SS Trindade e a pessoa contra quem se aplicam as missas morre fumada (inchada); e a pior é que muitos eclesiásticos aplicam estas missas ainda que conheçam o nenhum efeito delas; seria um nunca acabar se eu contasse as superstições do povo não humilde, mas também do da classe superior se não temesse que me respondam que em Portugal, no Brasil e em todas as colónias que ora pertencem à coroa portuguesa existem quase os mesmos fanatismos e superstições da Costa da África.
 
Acredita-se em bruxas, feiticeiras e mágicos e a maior parte da gente mística e ainda muita da fina anda com breves da Marca, evangelhos de S. João, luvinhas de Santa Bárbara, santos lenhos, e outras mexerufadas como preservativos de mortes repentinas, raios e coriscos, terramotos e naufrágios.
 
Os franceses, os ingleses e outras nações que se proclamam mais ilustradas do que os portugueses também acreditam no Rei Artur transformado em Corvo, Purgatório de S. Patrício, Abade Paris, Príncipe Hohenlohe, etc.
 
Os homens de S. Tomé vestem-se à portuguesa; algumas mulheres fazem outro tanto, mas as mulheres ordinárias embrulham-se em um pano que lhes serve de mantéu e cobrem-se com outro à semelhança das mouras pobres; mas trazem camisas e as que são casadas infalivelmente usam de um lenço à roda da cabeça ao qual dão o nome de Coroa do Matrimónio - e felizmente as mulheres casadas da ilha são de tal modo circunspectas e fiéis aos seu maridos, que mui rara é aquela que quebra a tal Coroa do Matrimónio, isto é, que comete adultério. Nos dias de festas e noivados todas as mulheres e homens andam ataviados limpamente, calçados (o que é um martírio) e de chapéu-de-sol. Nestes dias fazem-se grandes banquetes em que se como e bebe largamente, mas em um silêncio e tanto vagar que causa admiração. Já se vê que os Santos a quem fazem as festas devem ter a menor parte; poucas velas, pouco incenso, mas bom presente para o padre que diz a missa. Nesta ilha não há luxo em casas nem nas pessoas, todavia uma casaca ordinária importa em tanto como um vestido completo em Portugal ou no Brasil; tem acontecido comprar-se um chapéu armado por 60$000 réis; um côvado de pano por 30$000 réis e o mais em proporção.
 
 
 
Fig. 67 - Os Filhos da Terra, desenho de 1944
 
A comida ordinária dos europeus é carne de porco que é excelente e galinhas, poucas vezes vaca ou carneiro e muitas ocasiões comem peixe que é saborosíssimo. O maior porco custa 5$000 réis, uma galinha 80 réis, um carneiro 1$200 réis, uma cabra 800 réis; o peixe é mui barato assim como todos os géneros comestíveis do país mas por contrapeso compra-se por 40 a 60$000 réis uma barrica de farinha de trigo de 6 arrobas; o açúcar a 12$800, o vinho a 2$400 a garrafa, as vezes mais e poucas vezes menos. Em S. Tomé há muito boas cozinheiras de fogão e de forno e excelentes doceiras e pasteleiras.
 
A gente mais pobre alimenta-se com o jaquente45 e peixe fresco, salgado ou seco, mas admira que sendo a maior parte do povo mui limpo nos seus vestidos e na comida, façam uso de peixe muitas vezes já corrupto e cheio de bichos e que sobre tudo estimem o tubarão a que chamam Gandum46, quando está podre e então o comem com muito azeite de palma e pimenta malagueta em quantidade enorme. No país a embriaguez raras vezes aparece porque o vinho e a aguardente chegam a mui alto preço; não acontece assim com o vinho de palma o qual sendo bebido em grande quantidade esquenta e quando os homens chegam a ficar perturbados são faladores insuportáveis.
 
A sobriedade na comida é quase constante excepto em ocasiões de festas; então começando o jantar ou ceia na melhor ordem acabam à vezes como glutões e no fim de tudo põem-se a rezar.
 
A gente de São Tomé gosta muito de cumprimentos obsequiosos quando se encontram; então perguntam “como está o amigo, como está o senhor, a senhora, este, aquele, os filhos e a gente mais moça quando pedem a bênção põem a mão direita sobre o peito dizendo - seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo.”
 
Os compadres e as comadres abraçam-se muitas vezes. Quando se entra em uma casa olha-se logo para o oratório e em falta dele vendo-se algum painel na parede, ainda que seja uma paisagem, ou qualquer outra figura, fazem o sinal da cruz e se quem entra é mulher ajunta ao sinal da cruz uma mesura e depois faz o seu cumprimento ao dono da casa. Quem janta é que diz - Bom Proveito - àquele que não come. As danças que se usam são lundus47 e outros jogos do corpo quase sempre lascivos e são acompanhados por viola, palmadas, pancadas de paus no chão ou com tabaques48.
 
C. Mattos diz que nunca ouviu uma boa voz enquanto residiu em S. Tomé e que tinha razão o Governador inglês Dalzel, quando disse na sua História do Dagomé, que os músicos da Catedral de S. Tomé cantavam pelo nariz. Não há rapaz algum que não soubesse de cor inumeráveis orações, o intróito, prefácio e outros cânticos da Igreja, pois que o estado que mais apetece o povo desta ilha era o eclesiástico, que lhe dá grande honra entre os seus e alguns interesses.
 
Antigamente a maior parte dos eclesiásticos eram brancos de Portugal; a decadência da ilha levou ao sacerdócio muitos pretos e com eles o esquecimento da literatura. Isto não quere dizer que falta gente que não sabe escrever; os rapazes da cidade todos lêem e escrevem mal; alguns aprendem tanto latim que basta para entender uma lição do Breviário.
 
O Professor de gramática latina, o Cónego Silvestre Pereira dos Santos, preto instruído e vigário da Freguesia da Conceição vencia 30$000 réis de ordenado e por isso tal paga tal ensino. Além deste eclesiástico existiam mais alguns que entendiam a sua missa pouco mais ou menos e não ignoravam alguns casos de Bom Larraga49.
 
Não há mestre público de primeiras letras e só existia na terra uma senhora chamada D. Domingas Pinto que escrevia o seu nome. Também existia um Mestre de Capela da Catedral que não obstante ignorar os primeiros signos da música, ensinava os meninos de coro e mais de 60 estudantes que na catedral e outras igrejas faziam o serviço de Capelães Cantores.
 
 
6.f - Figuras ligadas a S. Tomé e Príncipe:
 
“Aqueles que da lei da morte se vão libertando”, por bem ou mal fazer.
 
 
6.f.1 - Descobridores
 
Foi atribuída a descoberta a João de Santarém e Pedro Escobar, cavaleiros da casa d’El Rei tendo como pilotos, Martim Fernandes, de Lisboa, e Álvaro Esteves, de Lagos.
 

Fig. 68 - Pêro Escobar

 

Fig. 69 - João de Santarém

         
 
6.f.2 - Rei Amador
 
Este escravo deu origem a um acontecimento histórico que Cunha Matos50 descreveu assim:
 
Falecendo no Hospital da Misericórdia um homem português que se achava negociando na ilha, foi João de Oliveira, Tesoureiro dos Defuntos e Ausentes à enfermaria para proceder ao inventário dos bens que o morto para ali havia conduzido. O Provedor da Santa casa opôs-se à entrada do Tesoureiro, alegando os antigos privilégios dela; seguiram-se contestações que obrigaram ao Provedor a dar conta do sucesso ao Bispo D. Fr. Francisco de Vila Nova, o qual reputando-se superior do Tesoureiro dos Ausentes, deu ordem para que fosse preso. O Ouvidor Henrique Luís e a Câmara opuseram-se às determinações do Bispo e com o auxílio do Governador D. Fernando puseram o tesoureiro em liberdade. Ressentido o Bispo deste procedimento, muniu o Governador e Justiças para lhe entregarem o preso; e porque o não fizessem, pôs interdito na ilha em o dia 26 de Agosto de 1594 pelas 3 horas da tarde. Desde esse tempo ficou o Bispo em guerra crua contra o Governador; e porque o prelado fosse azedando os espíritos e D. Fernando quisesse sustentar o carácter que lhe tocava, puseram-se os povos em dois partidos seguindo a gente branca e a parda e a preta abastada as partes do Governador e os pretos miseráveis e os escravos a do Bispo. Entre os escravos existia um chamado Amador Vieira pertencente a Bernardo Vieira, assistente no Bairro do Espalmadouro, o mais oriental da cidade, o qual recebeu este nome por ser o lugar onde se espalmavam (limpavam dos limos sobre a areia) e ainda hoje se espalmam os navios, deixando-os em seco sobre a praia abrigada, até ficarem limpos, calafetados e breados (?).
 
 
Fig. 70 - O Rei Amador, actual herói santomense.
 
Portanto a origem da palavra Espalmadouro apontada pelo autor do Santuário Mariano é falsa, pois o lugar sempre se chamou Espalmadouro e como tal foi apontado na carta régia de 29 de Outubro de 1566, vinte e nove anos da rebelião do preto Amador. Os pretos de S. Tomé chamam com efeito ao lugar - Palmado - e não - Pramadouro - como diz o Padre Fr. Agostinho de Santa Maria, porque no dialecto da ilha que é a língua portuguesa corrompida e mistura de palavras de vários idiomas da Costa da África - Plá ou Prá significa Praia, e Plamadô quer dizer Espalmadouro; nem os pretos podem pronunciar as sílabas - douro - pois que em lugar delas dizem - dô - . Verdade é que se os habitantes quisessem dizer - Praia do Amador - expressariam esses nomes por meio de um só - Pla ou Pramadô - conforme a índole do seu dialecto; e foi isto o que deu motivo (juntamente com a ignorância da história da ilha) ao autor do Santuário Mariano persuadir-se de que o nome do Espalmadouro teve origem nos acontecimentos do preto Amador (agora herói nacional de S. Tomé e Príncipe), quando aliás o termo Espalmadouro é português castiço apontado pelos nossos filólogos como substantivo do verbo espalmar, isto é, aplanar e alisar com a palma da mão e com efeito a praia chamada Espalmadouro em S. Tomé junto à Capela da Senhora de Belém ou do Bom Despacho de que fala o Santuário Mariano, é limpa e lisa como a palma da mão e aí se espalmam as embarcações.
 
O preto Amador colocou-se à frente da insurreição a favor do Bispo turbulento, que insensível às pendentes desgraças viu que os insurgidos logo que quebraram as cadeias da escravidão miraram a um alvo mui diferente do que se lhe havia figurado. No dia 9 de Julho de 1595,puseram-se em execução os planos tenebrosos que desde muitos dias se achavam concertados. Amador acompanhado de um grande número de pretos livres e escravos, declarou-se Capitão e nomeou seu Tenente o preto Lázaro, escravo de Bernardo Coelho e para Alferes o preto Domingos, de alcunha o Preto, escravo de Afonso Rodrigues.
 
Ás dez horas da manhã do referido dia, marcharam para igreja da Freguesia da Santíssima Trindade, onde cortaram as cabeças a todas as pessoas brancas que estavam ouvindo missa. Logo depois Amado arrombou o Sacrário, espalhou pelo chão as sagradas formas e deitando vinho de palma na píxide e deu de beber a seus associados de quem exigiu juramento de exterminarem toda a gente branca. Feito isto chamou à sua presença o Padre Matias Luís, Cura da Freguesia e ordenou que um dos rebeldes o sentasse em cima do altar.
 
O preto Álvaro, Tenente do Amador era conhecido deste padre e desejando salvá-lo, pediu ao Chefe da revolta que lho entregasse para o degolar juntamente com o sacristão a quem já tinha mandado procurar. O Amador satisfez ao preto Álvaro e a vida do cura e do sacristão ficaram salvas, por havê-los feito ir de noite para a cidade.
 
Cometidas estas atrocidades dentro da igreja marcharam os rebeldes para o engenho (de açúcar) de Pedro Álvares Freire; mataram e queimaram o cadáver, casas e engenho e remeteram mulher e a sogra para a cidade por assim o pedir o Tenente Álvares. O Pedro Álvares Freire era um dos excomungados pelo Bispo. No dia 11 de Julho queimaram todos os engenhos e fazendas da Parte do Dolegue, Ubua, Budo, e Praia Prata e puseram fogo no engenho Pantufa, a meia légua de distância da cidade. O Governador D. Fernando de Menezes, vendo estas grandes desordens mandou armar o povo e remeteu bandeira ao Bispo para ser benzida. O Bispo conhecendo então que o Amador o enganara benzeu a bandeira, com a qual saiu alguma gente a atacar os rebeldes que ainda existiam na Pantufa. O Amador mostrou-se melhor estratega do que D. Fernando, porquanto indo as forças deste procurar os rebeldes, vieram eles por outro caminho a atacarem a cidade. O Governador observando a manobra do inimigo, montou a cavalo e com pouca gente que lhe restava, saiu-lhe ao encontro na Feira Velha, dentro da cidade e aí travaram combate em que o Amador perdendo muita gente viu-se obrigado à retirada. As forças reais tiveram 3 homens brancos mortos e muitos feridos. O Amador reuniu a sua gente na Cruz da Índia e daí se marchou para o distrito da Trindade quando viu que chegava o Bispo e muitos clérigos montados e dispostos ao combate. O Governador mandou picar a retaguarda dos negros pelo capitão João de Pina até ao sítio de Água Alta; e eles (os rebeldes) quando fugiram roubaram toda a roupa das lavadeiras de Água Grande do caminho da Trindade e mataram uma égua do dito João de Pina.
 
Chegadas as coisas a este ponto, quis o Bispo desfazer os agravos que havia praticado e para isso chamou à Sé o Governador e todos os excomungados, fez-lhes uma longa exortação no dia 12 de Julho, absolveu-os e levantou o interdito fulminado; era tarde o Mal estava feito por um Bispo inconsiderado. O Amador nesse mesmo dia queimou todos os engenhos da Freguesia da Madalena e os do Distrito de Água Sabão (Água é equivalente a Ribeira no dialecto de S. Tomé).
 
O Amador por estes ensaios conheceu ser capaz de mais algumas coisas e por isso no dia 13 tomou o extraordinário título de - Capitão General de Guerra, Rei nomeado absoluto com poder de dar liberdade a todos os escravos e de criar Titulares para a sua Corte -. Com este brilhante título pôs-se à testa de toda a sua gente e no dia 14, sexta-feira de Julho, pela manhã desceu à cidade para matar os brancos que (ainda) nela se achassem.
 
O Governador, Bispo e o povo armado saíram ao encontro dos rebeldes que foram batidos com alguma perda, havendo da parte das forças realistas a morte de António Carvalho, escravo de Leonor Luís.
 
O Amador recolheu-se junto à igreja da madre de Deus e dividiu as suas tropas em 4 grupos; achando-se assentado em uma cadeira no sítio do Cubelo; o 1º Corpo debaixo das ordens do negro Lázaro o intitulado Conde marchou no dia 16 para a cidade pela Rua de Santo António; o 2º Corpo comandado pelo preto Sebastião e composto de negros angolas veio pelo Mato dos Bois; o 3º Corpo atacou pelo caminho da Conceição debaixo das ordens de um preto cujo nome não aparece e era escravo de André Gomes Pereira; o 4º Corpo veio pela Rua de S. João debaixo do comando de Domingos Preto, escravo de Afonso Rodrigues de que já se falou.
 
Este Domingos mandou queimar toda a Rua de S. João; as casas da Rua da Praia situadas em terreno que o mar já consumiu e ficavam por detrás da igreja de S. João até a boca do Regato da Ponte de Lucumi. Também foram queimadas as casas da Apolónia Fernandes Tristão.
 
Como o Governador tinha recebido notícia deste ataque mandou colocar artilharia nas principais entradas da cidade e saiu a acometer os rebeldes que por temor ou por ordem se recolheram novamente ao Cubelo. Até agora tinha-se o Governador conservado na defensiva, erro fatalíssimo que por vezes pôs a cidade à borda do precipício; deliberando-se a mudar o sistema ordenou no dia 23 de Julho que o capitão Cristóvão de Aguiar e o Alferes Jerónimo de Sá marchassem a surpreender uma guarda rebelde postada na Fazenda da Água Grande de André Fernandes, no Caminho da Trindade; os espias do Governador diziam que os rebeldes não conservavam sentinelas e marchando portanto o capitão com uma espécie de certeza de feliz êxito, ficou enganado quando se ouviram os brados de um preto que estava postado sobre a frente do corpo inimigo o qual logo se pôs pronto a combater, como efectivamente o fez até que sendo morto o Comandante Conde Silvestre, escravo de Rui Dias, foram desbaratados os rebeldes e fugiram em desordem para o alojamento do chamado Rei Amador. O preto que estava de sentinela avançada e foi aprisionado chamava-se Gungu.
 
O Amador mostrou o maior sentimento pela morte do seu Conde Silvestre e jurou vingá-lo no sangue de gente da cidade. Para esse fim aprontou um corpo de 5000 homens divididos em 4 corpos e no dia 28 de Julho saiu do Cubelo para a cidade. O Governador D. Fernando tinha-se preparado para responder ao ataque, assestado mais numerosa Artilharia nas bocas das ruas em que haviam trincheiras assim como em outros lugares que julgava acessíveis a um assalto. O Amador conservou consigo um dos quatro corpos. O 2º debaixo das ordens do preto Cristóvão foi destinado para atacar a cidade pelo Caminho da Praia Pequena; O Corpo comandado pelo negro Adão da Praia Preta, havia de atacar pelo Campo dos Bois; e ao Domingos Preto com o 4º Corpo destinava-se ao ataque pela Rua de S. João.
 
O Amador conduziu todos os corpos para o Campo de Santo António e depois de os revistar e animar ao combate, fê-los marchar para os pontos de ataque.
 
As forças do Governador montavam a pouco menos de 5000 homens e por isso eram quase iguais em número, mas muito mais bem armados e disciplinados, por serem compostos de gente branca e a melhor preta e parda, com alguns escravos. Às 10 horas da manhã o preto Domingos atacou a Rua de S.João junto à Igreja e sendo repelido desfilou pela direita e foi atacar a trincheira elevada por detrás da Igreja da Conceição onde existiam 8 peças de Artilharia, cujo fogo obrigou os negros a retirarem-se para a Cruz da Índia. A coluna que atacou pela Praia Pequena o Bairro do Espalmadouro foi também batida, acontecendo outro tanto à do Campo dos Bois e à do Amador que acometeu pela Rua da madre de Deus e foi rechaçado. As tropas negras tinham ordem de reunir-se na Cruz da Índia em caso de não entrarem na cidade. O Governador D. Fernando aproveitou a ocasião e foi carregando os negros, mas encontrou o Amador formado em linha com o seu corpo de reserva ao qual se reuniram os outros corpos que tinham entrado no assalto. A batalha foi muito renhida e durou por espaço de 4 horas; como porém o Amador visse o grande estrago que sofriam os seus soldados, mandou tocar a retirada e foi para o seu alojamento na Fazenda, agora chamada de António Vaz da Freguesia da Trindade. O Governador por motivos que se ignoram não atacou os pretos como lhe aconselharam os seus oficiais; contentou-se com o que tinha feito e recolheu-se à cidade.
 
No exército real houve 85 mortos e um grande número de feridos, no do Amador morreram 200 homens e ficaram feridos e prisioneiros mais de mil praças. O chamado Conde Lázaro entrou no número de mortos. Durante a batalha andou o Amador correndo as fileiras e animando as tropas assentadas num palanquim rodeado pela sua guarda composta dos negros mais valentes que existiam no exército. Os rebeldes em desafogo da derrota que sofreram foram queimar e destruir todos os engenhos, fazendas, igrejas, casas e choupanas que pertenciam às pessoas que estavam na cidade e assim deram cabo de mais de 200 engenhos grandes e pequenos durante o tempo da sua rebelião.
 
O Governador que não pôde aprisionar ou matar o preto Amador durante a guerra bárbara que este lhe fazia, procurou havê-lo à mão por via de traidores. Ele pôs a preço a cabeça do Amador e o Capitão Domingos que não cumprira o seu dever no ataque da Rua de S. João e por isso ficara fora da graça do General rebelde, urdiu uma conspiração, surpreendeu o Amador, e foi levá-lo a D. Fernando de Menezes que em um alto cadafalso o mandou fazer em quartos no dia 4 de Janeiro de 1596.
 
Assim terminou a vida o preto que em 18 dias passou do cativeiro ao trono, organizou um exército, devastou e destruiu para sempre uma ilha riquíssima e florescente, atacou o Governador da colónia que tinha forças mais numerosas e mostrou-se menos estratégico do que um escravo miserável; a traição pôs termo à sua existência e se com efeito ele defendesse uma melhor causa, se não cometesse as horrorosas atrocidades da Igreja da Trindade, o nome do preto Amador entraria na classe dos heróis mais distintos na arte de fascinar os homens, assim como agora pode ser colocado na primeira linha daqueles que se fizeram famosos pelas suas barbaridades. O preto Amador só figura no Santuário Mariano por um incidente, devendo aliás aparecer na grande lista dos famosos malvados.
 
[É um texto um pouco comprido, mas com importância histórica que convém deixar registado.]
 
 
6.f.3 - Brigadeiro Cunha Mattos
 
 
 
Fig. 71 - Raymundo José da Cunha Mattos
 
Com D. João VI Regente, e por aviso de 6 de Abril de 1796. Raimundo José da Cunha Mattos, foi nomeado para seguir para S. Tomé, como furriel do regimento de artilharia de marinha. Lá chegou em 15 de Agosto de 1797 a bordo da fragata “Cisne”. Permaneceu nestas ilhas durante 19 anos.
 
Promovido a alferes foi nomeado em 1 de Setembro de 1797 comandante da guarnição (governador de fortaleza) de São Sebastião, em S. Tomé. Promovido a tenente passou a acumular com a fortaleza o comando da companhia de Artilharia de S. Tomé.
 
Em 2 de Fevereiro de 1805 partiu para Lisboa por ordem do governador Gabriel Franco de Castro, regressando a S. Tomé em 30 de Agosto em companhia do novo governador Coronel Luís Joaquim Lisboa. Foi promovido a capitão em 1807.
 
Em 1809 era governador da Fortaleza de S. António da Ponta da Mina na Ilha do Príncipe. Em 20 de Novembro de 1811 chegou a S. Tomé ordem para ser nomeado Provedor da Fazenda. Também ocupou os cargos de Feitor da Alfandega e Provedor dos Feitos.
 
Em 1814, promovido a Tenente Coronel no Rio de Janeiro, voltou a S. Tomé. Em 1815 governava a Fortaleza de S. Sebastião data em que escreveu a sua obra Corografia Histórica das Ilhas de S. Tomé, Príncipe, Ano Bom e Fernando Pó.
 
Em 27 de Julho de 1815 foi nomeado Capitão Mor (Governador) da Ilha de S. Tomé cargo que exerceu até 1816, passando nesse ano para o Brasil como inspector de Trens da Capitania de Pernambuco.
 
Em 1831 já Brigadeiro. Raimundo J. C. Mattos, seguiu D. Pedro IV tendo tomado parte em 1832 no Cerco do Porto. Regressou ao Brasil em 1833 onde, no ano seguinte é nomeado Comandante da Escola Militar e vogal do Conselho Supremo Militar. Em 1835 ascendeu a Marechal de Campo.51
 
 
6.f.4 - Primeiro Barão de Água-Izé, João Maria de Sousa e Almeida52
 
 
 
Fig. 72 - Primeiro Barão de Água-Izé
 
Na história das ilhas de S. Tomé e Príncipe, essencialmente agrícolas, entre os homens de maior valor figura o nome de João Maria de Sousa e Almeida. Além de agricultor nestas ilhas, foi negociante em Benguela, governador desse distrito e militarmente muito considerado. A Rainha D. Maria II e El-Rei D. Luís deram-lhe provas de muito apreço. Sousa e Almeida deixou em documentos a sua “Memória” que escreveu a respeito da cultura do cacau e que fez publicar no Boletim Oficial de S. Tomé em Janeiro de 1858.
 
Devido à sua teimosia a exportação de cacau que em 1826 era nula, passou para 11.000 toneladas em 1899.
 
João Maria de Sousa e Almeida, primeiro Barão de Água-Izé, nasceu em 12 de Março de 1816 e faleceu em S. Tomé em Outubro de 1869, vítima de febre biliosa hematúrica, contando 53 anos.
 
Em Angola participou na Guerra do Dombe Grande sendo promovido a
 
Tenente-coronel, sendo-lhe conferido o grau de cavaleiro da Torre e Espada.
 
Fixou-se em S. Tomé na Praia-Rei em 1855 que mais tarde tomou o nome de.
 
Água-Izé. Pelos serviços prestados à comunidade recebeu a comenda da Conceição, e El-Rei D. Luís deu-lhe o foro de fidalgo da casa real. Em 1844 é-lhe concedida a comenda de Cristo e em 1868 o título de Barão.
 
Nas comissões e cargo que serviu zelosamente, nunca o barão de Água-Izé aceitou remuneração alguma.
 
6.f.5 - Viana da Mota 53
 
Fig. 73 - José Viana da Mota
 
José Viana da Mota, era natural da ilha de S. Tomé, tendo nascido em 22 de Abril de 1868, sendo filho de José António da Mota, que nesta ilha se estabelecera como farmacêutico e filho de sua mãe Inês de Almeida Viana da Mota que era santomense. Foi para o continente europeu com apenas um ano de idade vivendo alguns anos em Colares. Como se sabe foi um pianista famoso nacional e internacionalmente. Estudou no Conservatório de Lisboa sendo os estudos patrocinados pelo rei D. Fernando e pela Condessa de Edla. Em 1882 parte para Berlim onde, custeado pelos reis mecenas, continua durante três anos os estudos de piano e composição. Faleceu em 1948 em Lisboa.
 
 
6.f.6 - Maria Correia54
 
Fig. 74 - Coronel de 2ª Linha, José Ferreira Gomes.
 
Viveu de 1788 a 1861 e foi a princesa negra mais rica da Ilha de Príncipe. Nos últimos anos do séc. XVIII, o período da cultura da cana sacarina foi prejudicado pelo desenvolvimento do Brasil e pelos constantes ataques dos franceses entre 1706 e 1799. Nesse período a ilha de Príncipe conheceu um período áureo de grande esplendor.
 
Privilegiada pela sua situação geográfica a ilha abastecia em água e comedorias todos os navios negreiros que rondassem as costas do Golfo da Guiné, e servia de entreposto de venda e arrecadação de escravos neste negócio excepcionalmente rendoso, donde a ilha se tornou um recanto abastado onde se vivia abastadamente.
 
Maria Correia Salema Ferreira era natural do Príncipe, onde nascera em 1788, filha do major de milícias António Nogueira (brasileiro) e de D. Ana Maria de Almeida, também nativa da ilha. Casou em 1812, com 24 anos, com o capitão de ordenanças José Ferreira Gomes (brasileiro), filho do Capitão-mor Vicente Gomes Ferreira e de D. Josefa Maria da Conceição.
 
Ferreira Gomes fixou-se na ilha quando da proclamação da independência do Brasil, era homem viajado e, além de proprietário agrícola, era também armador de navios destinados ao melhor negócio no tempo, o tráfico de escravos. Ferreira Gomes introduziu na Ilha de Príncipe em 1822 o cultivo do cacau cuja planta trouxera do Brasil e que frutificou ali pela primeira vez na sua roça Sinaló.
 
Depois alongou a experiência às outras ilhas de S. Tomé, Fernando Pó e Ano Bom, então já não dependentes de Portugal, mas sob a influência de S. Tomé e Príncipe.
 
Foi Cavaleiro da Ordem de Cristo e obteve o título honorífico de Moço-fidalgo da Casa Real. Morreu aos 56 anos em 1837 como Ouvidor Geral Substituto e coronel das Ordenanças.
 
A sua viúva mandou gravar na lápide sepulcral do finado o seguinte:
 
Involta (sic) em pranto, em dor, e agonia,
Traçou a triste esposa lutuosa,
As cinzas do esposo saudosa,
Este epitáfio sôbre a campa fria
Aqui jazem os restos de um consorte,
Exemplo de bondade e de ternura,
Baixou dos mortos à mansão escura;
Deixando a inerme esposa entregue à sorte.
 
Maria Correia voltou a casar e faleceu em 1861, e foi enterrada no cemitério do Bom-Fim. Viveu opulentamente sendo a pessoa mais rica da ilha.
 
Mantinha dois palácios apetrechados e com pessoal permanente, onde alternadamente residia, um na roça Ribeira Izé e outro no Simaló junto da cidade.
 
Era dona das roças:
- Simalí
- O que Boi
- Pico ou Praia Velha
- Ribeira Izé
- O que Onça
- Quinta
- O que do Rosário
- Sillu
- Portinho
- O que capa
- Praia Salgada
- Ribeira das Agulhas
- Praia Ubá e Praia Rei
 
 
Fig. 75 - Como o postal antigo indica, aqui estão as ruínas do palácio de Maria Correia, sendo a foto de cerca de 1910.
 
Possuía casas na cidade:
- no Simaló
- na Rua da Quitanda
- na Rua Direita dos Prazeres
- no Largo da Sé
 
Era dona ainda de:
- 376 escravos
- Jóias numerosas e de muito valor
- Alfaias de prata
- Baixelas
- Móveis e roupas riquíssimas
 
O mais interessante do seu espólio, foi a sua Biblioteca avaliada na altura da morte do 2º marido, em 80$000 réis, valor fabuloso para a época.
 
De lendas viveu sempre rodeada, mas para proteger os seus negócios consta que D. Maria Correia convidava sempre os oficiais dos barcos ingleses que reprimiam a escravatura (feita pelos outros países que não pela pura Inglaterra…) regiamente os banqueteava e entretanto descarregava os seus escravos numa praia oposta da ilha sem grandes problemas.
 
 
6.f.7 - Almada Negreiros - Pintor
 
 
Fig. 76 - Auto-retrato de Almada Negreiros
 
José Sobral de Almada Negreiros, nasceu em S. Tomé em 7 de Abril de 1893, filho do tenente de cavalaria António Lobo de Almada Negreiros e de Elvira Bristot Sobral, natural de S. Tomé. Passou a sua infância em S. Tomé na Roça Saudade. Depois da morte da mãe foi interno no Colégio de Campolide (jesuíta). Foi apoiante do Estado Novo e admirador de Salazar. Fez imensas obras desenhadas e pintadas encomendadas pelo governo. Recebeu muitos prémios pelos seus trabalhos artísticos e foi condecorado pela sua acção em prol da arte.
 
Morreu em Lisboa em 14 de Junho de 1970.
 
Era pai do arquitecto Almada Negreiros companheiro do autor, no Colégio Militar, onde teve o nº 144. Este serviu como oficial miliciano no Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa em Queluz, como alferes sob o comando do autor.
 
 
6.f.8 - Governador Gorgulho
 
Dois anos depois de o autor ter passado em S. Tomé, pela primeira vez e antes da sua segunda passagem em 1956, se bem que a vida na colónia sempre tivesse sido tumultuada, não pensei que fosse possível o que depois aconteceu. Preparava-se o “Plano de Fomento” sendo polémico o povoamento e a fixação de mão-de-obra em S. Tomé.
 
Havia um movimento destinado a:
 
1– garantir o nivelamento perante a lei de todas as populações vivendo em S. Tomé e a aplicação da lei a todos sem excepção; fossem europeus, nativos-forros, nativos-angolares, nativos-tongas, angolares, moçambicanos e caboverdeanos;
 
2 - garantir uma população agrária livre.
 
Fig. 77 - Governador Carlos Sousa Gorgulho em exercício em S. Tomé em 1953.
 
As grandes roças, dependentes dos nativos em regime de trabalhos contratados (leia-se serviçais), viam assim o seu futuro comprometido. Para agravar, existia uma crise internacional na venda do cacau.
 
O alarme foi dado pelo aparecimento de cartazes escritos em dialecto (julgo que crioulo) dizendo:
 
“Vamos cortar a cabeça do governador, matar todos os brancos e ficar com as mulheres deles”55.
 
De notar que foi assim que o pessoal do “Rei Amador” tinha feito no séc. XVI. A população ficou aterrorizada. Não se sabe quem colocou os cartazes mas não é de excluir que tenham sido os senhores das roças já que objectivamente, os cartazes serviram para esmagar um movimento de progresso e proporcionar um novo ciclo de repressão oferecendo trabalho quase escravo às roças.
 
O Governador de S. Tomé, Carlos Gorgulho56, reage de imediato. A capacidade militar é reduzida, 180 militares dos quais 10 brancos portugueses e 100 nativos de S. Tomé.
 
Estes últimos são deslocados para não comprometerem o desenrolar dos acontecimentos.
 
O comandante da Polícia, capitão Salgueiro Rego, não concorda com o plano do governador e é colocado em prisão domiciliária sendo poucos dias depois embarcado para Lisboa.
 
Sucede-lhe no comando da polícia o Tenente Santos Ferreira, que concordava com o governador.
 
Formam-se milícias e mais de 600 homens partem para as matas e vilas, para travar uma eventual revolta. Segundo consta a ordem do governador era:
 
“Deita essa m… ao mar para evitar mais chatices”.
 
 
Fig. 78 - Alguns sacrificados aos acontecimentos.
 
Parece que houve mortes entre os nativos, chegando a afirmar-se que teriam chegado às centenas.
 
Passados os acontecimentos, o capitão Clodomir Alvarenga toma posse do comando da polícia de S. Tomé, procedendo-se então e durante três anos a investigações e julgamentos.
 
Alvarenga viria a afirmar “aquilo tratou-se de uma tentativa de extermínio e era impossível que Salazar, sempre tão bem informado, o desconhecesse.”
 
Em 1956 o Governo Português encerra as investigações e tudo é coberto por um véu de silêncio.
No entanto na época de Gorgulho foram concedidas regalias sociais (abonos de família, subsídio de renda de casa, assistência médica gratuita…) aos funcionários públicos, foi desenvolvido um amplo projecto urbanístico, foram criadas assim várias infra-estruturas como a Escola de Artes e Ofícios, o Colégio Liceu, etc.
 
Fig. 79 - Vivenda para funcionário, de muitas construídas no governo de Gorgulho.
 
No fim do seu primeiro mandato os nativos enviaram uma representação a Lisboa com mais de 2.000 assinaturas pedindo a recondução do governador no cargo. Também foram construídas no seu mandato várias residências na avenida marginal, o mercado municipal, um dispensário anti-tuberculoso, os aeroportos de S. Tomé e do Príncipe, um estádio desportivo, o cinema Império e algumas Pousadas.
 
 
6.f.9 - O exílio do Dr. Mário Soares
 
Diz o Dr. Mário Soares em Julho de 2008:
 
Em 1968, inesperadamente, fui preso no meu escritório de modesto advogado, em Lisboa e enviado dois dias depois para S. Tomé, como deportado, por tempo indeterminado e sem julgamento prévio, por um acto de puro arbítrio do ditador Salazar, documentado pela escrita e pela assinatura do próprio, em despacho num processo organizado pela PIDE, que teve também o visto do Ministro do Interior do tempo. Nessa altura, S. Tomé servia como base de uma operação ultra-secreta de apoio, quase diário, de armas e munições aos insurrectos do Biafra, na luta contra a independência da Nigéria. O Governador, Silva Sebastião, um militar probo apercebeu-se do inconveniente da minha deportação, que atraiu a S. Tomé as atenções dos meios europeus jurídicos, políticos (como a Amnistia Internacional que me declarou “ o preso do ano”), mediáticos e em consequência, também para a “operação” Biafra, ou seja: a intervenção de um Governo Colonialista europeu contra um Estado Africano Recém-independente. O Governador advertiu Salazar, mas não o convenceu.
 
 
Fig. 80 - Dr. Mário Soares já presidente da República Portuguesa.
 
Respondeu-lhe que o meu caso tinha a ver exclusivamente com a delegação da PIDE, em S. Tomé e que a ele Governador, só competia ignorar-me em absoluto. O que de facto aconteceu, até à queda do Ditador, no Forte de S. João do Estoril, onde passava férias.
 
Passei assim, quase todo o ano de 1968 bastante isolado e permanentemente vigiado, dia e noite, em S. Tomé, Cidade. 1968 foi um ano singular porque para além do despertar de África, contra os últimos vestígios do colonialismo, foi o ano de Maio de 68, uma revolução emancipadora e cultural de grande amplitude, que não só abalou a França de De Gaulle, mas teve repercussões por toda a Europa. Mas foi também o ano da invasão da Checoslováquia de Alexander Dubceck, pela URSS, que anunciou por forma já muito evidente, o declínio e as incontornáveis contradições do Império Soviético.
 
No meu canto em S. Tomé armado de um simples transístor, que me fez chegar, clandestinamente, por artes mirabolantes, o meu saudoso amigo Pedro Monjardino, grande médico e anti-fascista convicto, fui seguindo, como pude, a evolução daquele ano de viragem e começando a tecer a teia que me conduziria, um ano depois do meu regresso a Lisboa, ao exílio em França, à criação clandestina do Partido Socialista em Bad Münstereifel, em 1973. Foi em S. Tomé também que no dia em que foi anunciada a queda de Salazar e o consequente hematoma cerebral, comecei a escrever o que seria o meu livro, editado em França, Portugal Amordaçado57.
 
O que o Dr. Mário Soares não informa é que a sua estadia na ilha de S. Tomé não foi uma deportação como deseja fazer crer, mas sim uma estadia por conta do Estado Português, onde o mesmo senhor andava à vontade e inclusivamente foi autorizado a advogar, donde tirou proveitos de que não fala. Julgo que permaneceu um ano na ilha, o que não é pena que seja de considerar.
 
Porque razão o Dr. Mário Soares quando chegou a S. Tomé, com residência fixa, e não deportado, foi apresentar cumprimentos às autoridades locais, o Governador, o Presidente da Câmara Municipal e o Comandante Militar? Tais delicadezas julgo eu, é que lhe permitiram passar a desempenhar as funções de advogado-consultor do Grupo Cuf em S.Tomé 58.
 
 
6.g - Linguajar (dialectos)
 
A linguagem é a manifestação dos pensamentos por meio de sons articulados, e em sentido figurado é tudo o que exprime os nossos pensamentos, sejam o gesto, a palavra, a escrita, a pintura, a escultura que nos permite comunicar com outros seres. Em S. Tomé e Príncipe coabitam vários idiomas nacionais, e vários crioulos são tidos como língua materna. O desenvolvimento dos vários crioulos assenta no português de quinhentos evolucionado com o tempo, ao qual se sobrepuseram palavras de origem africana.
 
Na ilha de S. Tomé fala-se o forro, o angolar, o tonga e o monco além do português. O forro ou santomense é um crioulo de origem portuguesa que derivou da antiga língua falada pela população mestiça e livre das cidades.
 
Os Forros, falam o santomé, crioulo mais falado pela população santomense.
 
Os Angolares falam o angolar.
 
Os Tongas, consoante a sua origem:
- tonga “n’gola” com origem em Angola ou em Moçambique;
- crioulo de Cabo Verde.
Consta que no séc. XVI naufragou perto da ilha um barco de escravos angolanos, muitos dos quais conseguiram nadar até à ilha e formar um grupo étnico à parte. Há cerca de 78% de semelhanças entre o forro e o angolar.
 
O tonga é um crioulo com base no português e em outras línguas africanas. É falado pela comunidade descendente dos “serviçais”, trabalhadores trazidos sob contrato de outros países africanos, principalmente de Angola, de Moçambique e de Cabo Verde.
 
Na ilha do Príncipe fala-se principalmente o monco ou principense, que é um outro crioulo de base portuguesa e com possíveis acréscimos de outras línguas indo-europeias. Outra língua falada no Príncipe e também em S. Tomé é o crioulo cabo-verdiano, trazido pelos milhares de cabo-verdianos que emigraram para estas ilhas no séc. XX para trabalharem na agricultura. Na ilha de Príncipe o crioulo é o lunguyé ou lungu d’yé.
 
O português corrente em S. Tomé e Príncipe guarda muitos traços do português arcaico na pronúncia, no léxico e até na construção sintáctica. Era a língua falada pela população culta, pela classe média e pelos donos das propriedades (Roças). Actualmente é o português falado pela população em geral, enquanto que a classe política e a alta sociedade utilizam o português europeu padrão, muitas vezes aprendido durante os estudos feitos em Portugal59.
 
O português é a língua materna de muitos santomenses. Tendo um estatuto privilegiado por ser o idioma oficial, é a língua da administração e de ensino e é também a língua de promoção social e de socialização nas zonas urbanas.
 
No século XIX Cunha Mattos dizia:
 
“O idioma de S. Tomé é o português corrupto ao qual misturam muitos termos das línguas da Costa da África; destes talvez não passem de oitenta os que se usam, à excepção dos nomes de aves e vegetais que não existiam em Portugal.
 
Eu mostro alguns termos não portugueses que se introduziram no dialecto de S. Tomé:
Budo............ Pedra
Mian-mian ...... Coisa brilhante
Ne.-ne.......... Coisa muito clara
Abua............ Cerca.
 
Escusado é ajuntar outros. Os termos portugueses desfigurados são quase todos os outros e apontarei alguns para mostrar que a alteração procede dos órgãos da voz, pois que os pretos não pronunciam com facilidade diversas letras do alfabeto (usado em Portugal)
Qué............. Casa
Pé.............. Pai (?)
Muela........... Mulher
Azul............ Zuro
Vermelho........ Vlêmê
Praia........... Plá ou Plê
Igreja.......... Gieza
Vinho........... Vin
Os animais distinguem-se nas suas espécies e sexos pelas palavras Homem ou Mulher. Por exemplo o cão ou cachorro, chama-se caçô home e a cadela caço muela. O boi, boê home e a vaca boê muela. O cavalo é cabalo homem e a égua cabalo muela e assim todos os mais excepto o galo e a galinha aos quais se dá o nome de: galo e gaiãn.”
Sendo o português uma língua plural com variantes internas e em contacto com outras línguas, é ainda uma língua cada vez mais plural e mestiça, sem com isso perder a sua unidade essencial.
 
 
*  Tenente-coronel de Artilharia. Professor Efectivo de Topografia e Geodesia da Academia Militar, Lisboa; Professor e Criador do Curso de Engenharia Topográfica no Instituto Politécnico de Beja, Professor de Topografia e Desenho Topográfico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Instituto Geográfico e Cadastral em Lisboa, Professor Convidado da Universidade dos Açores para as cadeiras de Topografia e Desenho Topográfico, em Ponta Delgada, e Professor de Topografia da Universidade Lusófona em Lisboa.
 
 
 1 Embarcação pequena de dois mastros e uma só coberta. É próprio para o combate ou para dar caça.
 2 Navio grande de guerra que servia para transporte de tropas.
 3 Navio de guerra de força imediatamente inferior à nau.
 4 Desanimar, desapontar.
 5 Foto Cristina Barroso 2009. Aparece na zona NE da ilha.
 6 Foto Cristina Barroso 2009.
 7 Foto Cristina Barroso 2009.
 8 Foto Cristina Barroso 2009.
 9 Foto Cristina Barroso 2009.
10 Foto Cristina Barroso 2009.
11 Piloto desconhecido do séc. XV.
12 Foto Cristina Barroso 2009.
13 Tubérculo parecido com a batata-doce, mais duro que a batata, e maior [colocasia esculenta (L.) schott].
14 Órgão de propagação unicelular, autónomo, como nas hepáticas, classe de plantas que antigamente se supunha curar as doenças de fígado.
15 Foto Cristina Barroso 2009.
16 Foto Cristina Barroso 2009.
17 Foto Cristina Barroso 2009.
18 Idem.
19 Foto Cristina Barroso 2009.
20 Idem.
21 Idem.
22 Foto Cristina Barroso 2009.
23 Foto Cristina Barroso 2009.
24 Abrigo de malfeitores ou de gente suspeita, segundo o dicionário geral da língua portuguesa do Dr. Artur Bívar - 1ºvolume - pág.770.
25 Enciclopédia Fundamental Verbo - pág. 534.
26 Trocas mais ou menos comerciais.
27 O Império Africano séc. XIX e XX - Augusto Nascimento - Centro de Estudos Africanos e Asiáticos. IICT Lisboa 2000 Pag.96.
28 O Império Africano séc.XIX e XX - Augusto Nascimento - CEAA-IICT Lisboa 2000 Pag.98.
29 http://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Cacheu_e_Cabo_Verde.
30 Boletim Geral das Colónias nº398 - 1958; http://www.historia.uff.br/curias/modules/tinyd0/.
31 Manuel Murias, 1938, Revista 48, Pelo Império.
32 Boletim Geral das Colónias, VIII-085 Apenso de legislação Colonial nº 85ª - Vol. VIII, 1932, 29 pags.
33 Augusto Nascimento. Centro de Estudos Africanos e Asiáticos. IICTropical, 1999.
34 Na visita do Colégio Militar em 1951.
35 General A. Freire de Andrade, 1925, BGC nº3. Catana para roçar a vegetação, donde o nome de Roça.
36 Pe. António Ambrósio - Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe - 1984.
37 Luís Felipe Alencar 2000.
38 Iolanda Trovoada Aguiar, Instituto Superior de Agronomia de Lisboa - 2000.
39 Foto de Cristina Barroso, 2009.
40 Arquivo Histórico Ultramarino - Cartografia manuscrita, S. Tomé, nº170.
41 Iolanda Trovoada Aguiar - Instituto Superior de Agronomia de Lisboa - 2000.
42 Raimundo José da Cunha Mattos - Corografia Histórica das ilhas de S. Tomé, e Príncipe, Ano Bom e Fernando Pó - 1776-1839.
43 Pe. António Ambrósio - Subsídios para a História de S.T. Príncipe 1984.
44 Cunha Mattos, Compêndio Histórico das Possessões de Portugal na África, já muito referido.
45 Jaca vulgar.
46 Gandulo, vadio, tratante, aquele que come do alheio e guarda o seu.
47 Dança de pretos.
48 Tambores.
49 Moralista Lagarra.
50 Compêndio Histórico das Possessões de Portugal na África, 1835.
51 Revista de Artilharia - 1932 - nº 89 - Coronel Ferreira Lima.
52 Viana de Almeida - 1968 - B.G.C. nº 515.
53 Maria Josefina de Sousa Pinto - 1968 - B.G.C. nº 521-522.
54 Maria Correia a princesa negra do Príncipe - Colecção Pelo Império, nº104 - Agência Geral das Colónias - Autor - José Brandão Pereira de Melo.
55 [Acontece que em Timor, onde me encontrava em 1967, também apareceram cartazes dizendo, “esta noite vai haver muito sangue, etc…”. Criteriosamente a polícia sob o comando do Capitão Mimoso, esperou para ver e nada aconteceu. Tinha sido uma brincadeira de alunos do liceu, uma garotice.]
56 Conheci-o como Brigadeiro Gorgulho, tendo sido antes comandante da Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas.
57 Textos Mário Soares - Quarenta anos depois - 2008.
58 S. Tomé e Príncipe - Ecos de Ontem e de Hoje - Dra. Otilina Silva, 2006.
59 Adelardo A. D. Medeiros - 2006 - http://www.linguaportiguesa.ufrn.br/pt_3.4.e_s.php.
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Tenente-coronel

João José de Sousa Cruz

Tenente-coronel de Artilharia. Professor Efectivo de Topografia e Geodesia da Academia Militar, Lisboa; Professor e Criador do Curso de Engenharia Topográfica no Instituto Politécnico de Beja, Professor de Topografia e Desenho Topográfico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Instituto Geográfico e Cadastral em Lisboa, Professor Convidado da Universidade dos Açores para as cadeiras de Topografia e Desenho Topográfico, em Ponta Delgada, e Professor de Topografia da Universidade Lusófona em Lisboa.

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