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2679 - Abril de 2025

Editorial

 

General José Luiz Pinto Ramalho*

 

Depois da eleição de Donald Trump como Presidente dos EUA, o seu empenho na procura do fim da guerra entre a Rússia e a Ucrânia parecia ser, para si, um objetivo importante. Tivemos oportunidade de referir que, para os europeus, a hipótese de um acordo dos EUA com a Rússia que não tivesse em conta a sua posição, era a confirmação de um estatuto de menoridade política da UE, o que não deveria acontecer.

Na realidade, as conversações EUA-Rússia, para além da questão ucraniana, têm um carácter estratégico mais amplo, visam uma estabilização das relações entre aquelas duas potências, com claros objetivos de controlo da questão nuclear, assinatura do Tratado NEW START e a situação da não proliferação, envolvendo o Irão, para além do relançamento das relações económicas entre aqueles dois países, incluindo no âmbito da energia.

Desde sempre, houve o sentimento de que, caso houvesse uma divergência entre a condução das negociações patrocinadas pelos EUA e a Europa, isso poderia comprometer o processo, com evidentes dificuldades para a Ucrânia, para uma eventual escalada do conflito, mas também para a UE e para a solidez da relação transatlântica, fundamento essencial da coesão e da capacidade dissuasora da OTAN.

Até agora, assistimos a dois momentos de desacordo. O primeiro, relativo ao falhanço do Acordo de Cessar Fogo no Mar Negro, envolvendo a comercialização de cereais e fertilizantes, em que a Europa se recusou a abrandar as sanções sobre estas matérias e a permitir uma utilização parcial do Sistema SWIFT; o segundo, teve a ver com a crítica ao Plano apresentado por Marco Rubio, envolvendo o reconhecimento da Crimeia como território russo e demais cedências territoriais.

Na sequência destes acontecimentos, temos vindo a conhecer declarações, quer de Marco Rubio quer de Trump, de que os EUA já deram a conhecer às partes as posições de cada um, que esta “é uma guerra de Biden” e que há outras questões estratégicas mais importantes e mais urgentes para a Administração americana e que, sendo a guerra na Europa, cabe também aos europeus encontrar soluções.

Os sinais de afastamento dos EUA do processo começaram com a transferência das responsabilidade da operação e segurança do “arms hub”, em Rzeszow, na Polónia, para as autoridades polacas, também com a passagem da direção do Grupo de Ramstein para o Reino Unido e para a Alemanha, a par da ausência física de Pete Hegset e também a ausência de Marco Rubio na reunião de Londres, relativa a um programa de apoio à Ucrânia e, mais recentemente, a assinatura do Acordo sobre os Minerais Críticos da Ucrânia, pelos EUA, sem referências à integridade territorial ucraniana e sem estabelecimento de garantias de segurança ou de qualquer atitude de “back stop” relativamente a eventuais forças europeias, envolvidas num futuro plano de paz aceite pelas partes. Mais recentemente, a porta voz do Departamento de Estado dos EUA veio repetir a possibilidade do Presidente Trump se afastar do processo se, num espaço de “dias ou semanas”, não acontecerem desenvolvimentos importantes, quer quanto a um cessar fogo quer relativamente ao processo de paz; inicialmente, o fim do mês de Abril era apontado como um limite para esse efeito.

Ficamos também a saber que a atitude americana de fornecimento de material de guerra à Ucrânia passa por “autorizações de compra”, como aconteceu com o pacote de 50 Milhões de dólares e de sobressalentes para aviões F-16, anunciados recentemente. A filosofia parece ser “desde que paguem, ou alguém pague” o material é fornecido. Fica a interrogação se isso se aplica também à partilha do “ intelligence and targeting”, aos sistemas AAA Patriot e à utilização do Starlink.

Estamos assim num momento de clarificação de posições. Estão a Rússia e a Ucrânia numa postura de procura de uma solução negociada para o conflito? Assiste-se a uma aproximação de posições relativamente a um cessar fogo ou a um processo de discussão para um projeto de paz duradouro? Há concordância com a sequência ou precedência de uma e de outra situação? Neste momento, apenas temos interrogações e uma rigidez de posições, de ambos os lados.

Se os EUA saírem do processo, ficará para a UE ou para uma “Coligação de Vontades, liderada pelo Reino Unido e a França”, a procura de uma solução quer para o conflito, quer para a definição de uma nova arquitetura de segurança europeia onde a Rússia terá de ser considerada, assim como o estatuto político e militar da Ucrânia no futuro. A Ciência Política ensina-nos que os conflitos resolvem-se por via negocial ou por uma solução militar. Se a Europa optar pela primeira, terá de encontrar um mediador aceite por ambas as partes que consiga esse entendimento e consiga contemplar interesses russos, ucranianos e europeus. Uma outra via será o restabelecimento dos canais de diálogo entre a UE e Rússia, que muito se degradaram ao longo destes três anos.

Se, por outro lado, a opção for continuar a apostar numa solução militar e numa derrota estratégica da Rússia, poderemos assistir a um maior envolvimento militar do lado europeu e o risco de uma escalada do conflito, assim como uma ampliação da dimensão da guerra, quer dos atores quer do Teatro de Operações europeu, sendo que esse envolvimento militar decorrerá fora do quadro do Art.º V da OTAN, conforme referiu Pete Hegset na última conferência de Munique. Seria bom e urgente que, do ponto de vista político, se tornassem estes cenários claros às opiniões públicas europeias, designadamente quanto aos empenhamentos necessários, aos riscos e especialmente as possíveis consequências.

 

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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Resumo do Acervo Articular da Revista

 

1. Tocqueville: a democracia e a guerra

    General António Eduardo Queiroz Martins Barrento

Quando em 1831 Alexis Tocqueville foi à América ficou deslumbrado com a democracia que encontrou naquele país.[...]

 

2. O legado médico-histórico do Professor Universitário e Tenente-Coronel Médico Maximiano de Lemos

   Professora Doutora Amélia Ricon-Ferraz
   Tenente-coronel Rui Pires de Carvalho

Maximiano Augusto de Oliveira Lemos Júnior (1860-1923) foi um dos mais distintos diretores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). [...]

 

3. Das Companhias de Emboscada à Brasilidade

    Coronel Cláudio Ricardo Hehl Forjaz

A Guerra do Brasil, conhecida como Guerra do Açúcar, teve início em 1624 com a invasão holandesa à colônia luso-americana. [...]

   

4. O quadro legal nacional do uso da força por militares das Forças Armadas – uma pequena, mas importante, norma do EMFAR

   Mestre Pedro Gil Martins

O uso da força consiste na característica mais distintiva da profissão militar. [...]

     

5. O Outro Lado do Atlântico: África como intersecção entre as políticas externa e de defesa do Brasil

   Prof.ª Dr.ª Nathaly Xavier Schutz

O Brasil é um país de dimensões continentais. Com um território de 8.510.417,822 km2 e um litoral de 7.491 km de extensão, todo ele no Oceano Atlântico, enfrenta os desafios de projetar poder e defender-se em um ambiente estratégico cada vez mais complexo. [...]

 

6. Crónicas Bibliográficas

   a) Portugal e as Armas: História das Armas de Fogo Portáteis e das Indústrias Militares

           Major-general João Vieira Borges

  b) Poucos mas Bons, Portugal e a sua Marinha no Combate ao Tráfico de Escravos (1837-1904)

           Capitão-de-mar-e-guerra José António Rodrigues Pereira

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