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2657/2658 - Junho/Julho de 2023

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Editorial

O desenvolvimento dos conflitos armados no seio das sociedades, desde o início da História, tem sido uma preocupação, quer quanto à prevenção e capacidade para lhe dar resposta com êxito quer, especialmente, quanto à compreensão do fenómeno – é este o campo de estudo científico da Polemologia, das guerras e seus efeitos, formas, causas, métodos, processos e funções enquanto fenómeno social.

Esse estudo levou-nos a estabelecer leis, regras e princípios que nos ajudam, por um lado, a procurar controlar a violência inerente ao fenómeno, por outro, a antecipar o seu desenvolvimento, impacto na sociedade e possíveis consequências, adequando as capacidades de resposta desta às realidades do conflito. O atual conflito na Ucrânia, o maior e mais violento na Europa desde 1945 e as novas realidades que tem vindo a demonstrar, vai influenciar a compreensão e forma de desenvolvimento do fenómeno e as operações militares, nas próximas décadas.

Em primeiro lugar, desapareceram as ilusões de que a violência internacional estava circunscrita à contra-subversão, ao conflito de baixa intensidade e ao terrorismo, e que a resposta institucional estava nas operações de paz, na utilização de novos espaços estratégicos de aplicação do Poder, como o ciberespaço, e que a superioridade tecnológica e as novas tecnologias de informação eram uma garantia antecipada de sucesso. A Polemologia, relativamente ao presente conflito, demonstrou a consistência de duas Leis estabelecidas, a da Semelhança, na realidade os desenvolvimentos militares inicialmente decorreram de acordo com as doutrinas conhecidas e tradicionalmente ensinadas, e a Lei da Evolução, que rapidamente nos demonstrou que o aparelho militar tirou partido da tecnologia disponível, militar e civil, e alterou os processos de atuação em conformidade.

A tecnologia hoje presente no campo de batalha, os níveis de efetivos que se registam no teatro de operações, a dimensão das baixas militares e civis, para ambos os lados, e o carácter total para a Ucrânia e para a Rússia e respetivas suas populações, a par dos efeitos sentidos a nível global, económicos, financeiros, energéticos, alimentares e nas instituições internacionais, permitem-nos extrair já algumas conclusões, com que iremos conviver no futuro próximo.

Uma primeira constatação é a de que o conflito está a determinar novos alinhamentos internacionais, de que os BRICS são um indiscutível fator nesse processo; uma pressão muito significativa relativa a uma reforma das Nações Unidas, em particular, da composição do Conselho de Segurança, relativamente aos seus membros permanentes; e o reconhecimento de que o final da guerra determinará uma nova arquitetura de Segurança para a Europa, com inevitáveis consequências para a União Europeia e para a OTAN.

Um outro aspeto tem a ver com a definição das fronteiras dos intervenientes. Para além dos alinhamentos políticos que são evidentes e inequivocamente declarados, as novas tecnologias trazem para o teatro de operações a participação de empresas civis internacionais fora da Ucrânia, nas áreas das tecnologias da informação, das imagens por satélite, que auxiliam no “intelligence e no targeting”, tornando-se atores ativos das operações militares, não só a nível tático como estratégico, levantando a questão ética e legal de poderem ser, ou não, considerados objetivos militares legítimos.

Também a participação dos civis, em coordenação com os exércitos regulares, seja através das Companhias/Exércitos militares privados seja individualmente, utilizando uma aplicação de um “smartphone”, para designar um objetivo militar, esbateu as fronteiras internas do conflito, levou a guerra às cidades, que de acordo com os números das NU, implicam mais de dez mil baixas civis, com novas implicações para o direito humanitário da guerra e para a caracterização dos combatentes e a criminalização das suas ações.

As tecnologias de informação tinham terminado com o confinamento geográfico dos teatros de operações, mas hoje podemos ampliar o seu conhecimento, decorrente da miríade de sensores e satélites que, em tempo real, nos dão as imagens da realidade dos acontecimentos no terreno, tornando as movimentações militares transparentes, desmentindo ou confirmando as narrativas dos intervenientes, em que o discurso comunicacional é peça da estratégia direta. Hoje, a informação em tempo real, data e imagem, pode chegar ao militar individual, dando novas oportunidades ao “targeting” e elimina as barreiras da camuflagem e da escuridão. Esta informação permite utilizar a artilharia e os mísseis de diversos alcances com rigorosa precisão e letalidade, designadamente nas ações de contra bateria.

Esta transparência do campo de batalha coloca grande ênfase no reconhecimento e na designação de objetivos, trazendo as prioridade dos Comandos e Estados-Maiores para a capacidade de detetar primeiro, cegar os sensores do inimigo, neutralizar drones e satélites de vigilância e de observação, proteger e atuar ofensivamente no ciberespaço e ser capaz de atingir primeiro os meios inimigos, mais longe e com maior letalidade. O combate vai exigir grande mobilidade, dispersão e capacidade de rápida concentração de meios, deceção física e eletrónica e aptidão para fazer intervir nos acontecimentos, intercetores diversificados e com múltiplos alcances que neutralizem o opositor. A falha no investimento nas novas tecnologias, na adaptação da doutrina e no uso da Inteligência Artificial (IA), determinará a incompetência e a incapacidade, perante os instrumentos militares que tenham o comportamento contrário.

O atual ambiente conflitual demonstrou também que os complexos militares e industriais, a par das reservas de guerra, foram chamados a responder às necessidades de centenas de milhares de efetivos humanos recrutados e mobilizados, de milhares de equipamentos e veículos militares, dos mais ligeiros aos mecanizados e blindados, aos milhares de peças de artilharia e aos milhões de granadas e de munições de diversos calibres, implicando a necessidade de um fluxo logístico absolutamente inesperado e que poderá vir a ser determinante para a resolução do conflito e ser esse facto a impor um processo político e diplomático negocial.

Se associarmos a precisão dos fogos, decorrente das capacidades de aquisição de objetivos descrita, a uma utilização de cerca de um milhão de granadas de artilharia pela Rússia e cinquenta a sessenta por cento desse número pela Ucrânia, por mês, podemos antecipar os efeitos que isso tem vindo a ter nas tropas e nos equipamentos e, em particular, no número de baixas para qualquer dos lados. Se a isto juntarmos a violência dos combates e o uso das minas de todos os tipos, as estimativas têm necessariamente de ser devastadoras.

Também os drones, aos milhares e cobrindo os patamares táctico, operacional e estratégico, de tipo “kamikase”, de observação, programados ou guiados, de apoio ao “targeting” e à observação de artilharia, e ainda os modelos com possibilidade de serem armados e associarem a vigilância à interdição, são o grande ator e elemento inovador do atual conflito.

A utilização ofensiva destes meios tem vindo a demonstrar também que, embora não preenchendo na totalidade, têm minorado as lacunas de uma capacidade, quer aérea quer marítima, conseguindo trazer a instabilidade e a insegurança ao inimigo nestes espaços de batalha. O passo seguinte será o avanço exponencial da robótica e dos “robots” com missões específicas, os veículos terrestres, como os carros de combate e os aviões sem piloto, assim como a presença cada vez maior da IA no processo de decisão.

 

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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Resumo do Acervo Articular da Revista

 

1. Espírito de defesa

   General António Eduardo Queiroz Martins Barrento

O espírito de defesa é a predisposição e a vontade que as pessoas tenham e expressem para defender algo importante que pode ser destruído ou danificado por uma acção exterior. Sendo esta uma definição simples de espírito de defesa, aquilo que vamos tratar é o “espírito de defesa” de algo particularmente importante – o nosso país. [...]

 

2. Os conflitos espalham-se…

   Tenente-coronel João José Brandão Ferreira

A Geopolítica não pára. E os conflitos a que dá origem também não.
Os órgãos de comunicação social, por norma, só relatam o que acontece, depois de acontecer. E os políticos e chefes militares andarão à frente dos eventos? [...]

 

3. A transferência das Tropas Paraquedistas da Força Aérea para o Exército… um olhar, 30 anos depois

   Tenente-coronel Miguel Silva Machado

Dedico estas linhas, esta conferência, a todos os paraquedistas militares que serviram na Força Aérea Portuguesa (FAP), mas também a todos os que depois, no Exército, deram continuidade às Tropas Paraquedistas Portuguesas. São estes últimos que as mantêm vivas, têm o meu reconhecimento. [...]

 

4. Guerra da Ucrânia: será que as informações fracassaram?

   Capitão-tenente António Ramos Carvalho

A Guerra da Ucrânia, apelidada pelo governo russo de “operação militar especial” e desencadeada com a alegada justificação de suster atos genocidas ucranianos nas províncias pró-russas de Donetsk e Lugansk, traduziu-se na maior operação militar na Europa, desde a Segunda Guerra Mundial. [...]

 

5. A Matemática, a Estatística e as Escolas Militares

   Doutor Filipe Papança

A História da Matemática assume particular relevo quando se trata de introduzir novos temas ou mostrar aplicações dos temas introduzidos. Por este facto, tem ganho nos últimos anos uma importância crescente no ensino. [...]

 

6. Os oficiais do Exército e da Armada da família Souza Coutinho-Linhares

   Mestre Luís Menezes

Este artigo, pretende estudar os oficiais do Exército e da Armada da família Souza Coutinho-Linhares, tendo início em D. Francisco Inocêncio de Souza Coutinho (1726-1781), Governador de Angola (1764-1772), cognominado o “Pombal de Angola”, o primeiro português que acalentou o sonho de realização do «Mapa Cor-de-Rosa» de ligação entre Angola e Moçambique; [...]

 

7. Uma carta de D. Carlos para António Ennes: contributo para o estudo do pensamento naval do “Rei-Oceanógrafo”

   Dr. Nuno Sanches de Baena Ennes

Entre os seus manuscritos reservados, conserva a Biblioteca Nacional de Portugal a carta cujo texto é o seguinte: [...]

 

8. Crónicas Bibliográficas

a) A Guerra Cristã na Formação de Portugal (1128-1249)

                 Doutor Miguel Gomes Martins

 

b) Livro de Crónicas

                 Major-general João Vieira Borges

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