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2649 - Outubro de 2022

Editorial

 

Na passada segunda-feira, 26 de setembro de 2022, foram detetadas duas explosões, cada uma da ordem de, pelo menos, cem quilos de TNT, pelos sismógrafos da Dinamarca e da Suécia, que classificam as mesmas como uma ação deliberada, não um acidente da natureza e que ocorreram em períodos distintos, 02H03 e 19H03, nas proximidades da ilha dinamarquesa Bornholm, em águas internacionais, no Mar Báltico e a uma profundidade de cerca de 70 metros. Essas explosões deram origem a três roturas, vindo a ser detectada mais tarde uma quarta, nos gasodutos Nord Stream 1 (NS 1) e Nord Stream 2 (NS 2). A Dinamarca e a Suécia apressaram-se a declarar que não consideravam o acontecimento como um ataque dirigido a cada um dos países.

Fontes internacionais, OTAN, UE, Ucrânia, Países Baixos, Polónia, Alemanha e Rússia têm referido o acto como sabotagem; contudo, analisando a quem possa interessar os efeitos, quem tenha capacidade e meios para executar esta operação (é uma ação, sofisticada, tecnicamente difícil, que exige meios,  apenas ao dispor de um estado), a motivação para o fazer e a liberdade de ação política, para algo que pode internacionalizar o conflito, as possibilidades reduzem-se e as suspeitas recaem em três actores internacionais, claramente influentes no mesmo: a Rússia, os EUA e o Reino Unido. De referir que cada secção do gasoduto é constituída por um tubo de aço de 4 cm de espessura, revestido por uma camada de cimento de 11 cm de espessura, fazendo com que, cada secção de 12 metros, tenha um peso aproximado de 24 toneladas, tornando-as suficientemente resistentes a acidentes naturais.

Certamente, irão decorrer investigações, mas, se a responsabilidade não for inequívoca por parte da Rússia não se chegará a qualquer conclusão; no entanto, estamos perante uma realidade, quando se esgotar o gás no interior dos gasodutos NS 1 e NS 2 e começar a entrar a água do mar, estes ficarão definitivamente inutilizados e perde-se o investimento de 20 Mil Milhões no NS 2, dos quais a Europa pagou metade.

Ainda em termos internacionais, o Conselho de Cooperação de Xangai, realizado em Samarcanda, no Usbequistão, não correu da melhor maneira para Putin; de um lado, Xi Jinping manifestou “preocupações e levantou questões” relativamente ao andamento da guerra, e Narendra Modi disse que “hoje não é tempo para guerras”; Putin respondeu que tinha em atenção as preocupações chinesas e que estava a fazer o seu melhor para acabar o conflito tão rapidamente quanto possível. As preocupações dos dois líderes referidos decorrem de, para além da situação efectiva no teatro de operações (TO) da Ucrânia, o tempo que tem vindo a durar e os reflexos políticos e económicos que, objectivamente, são verificados; uma Rússia que vai sendo afetada, política e economicamente, uma Euroásia com alguma desestabilização e um reforço da unidade europeia, na OTAN e UE, a par de uma efetiva liderança do processo por parte dos EUA. A instabilidade na Euroásia decorre do facto do Azerbaijão ter atacado a Arménia e dos combates que ocorreram entre o Quirguistão e o Tajiquistão.

Apesar disto, a aliança informal entre a China e a Rússia mantém-se, porque partilham a mesma visão do mundo e a mesma hostilidade para com uma liderança global por parte dos EUA. O apoio a Putin decorre do facto de uma derrota poder propiciar uma Rússia enfraquecida e diferente e, no pior dos cenários, a instalação no Kremlin de um governo pró-ocidental. Por outro lado, Putin tem a noção de que está no momento de fazer uma afirmação de poder e de capacidade militar na Ucrânia, ou, em caso de insucesso, isso comprometer o regime e a reputação da Rússia, como grande potência.

A situação na semana anterior já tinha sido claramente marcada pelo discurso de Putin, de 21 de setembro, onde foram expressos três pontos a ter em conta, nos futuros desenvolvimentos do conflito: a mobilização parcial, de 300 000 militares; a realização dos referendos em Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhya e Kherson, acabando formalmente integradas na Rússia, embora não reconhecidos em termos internacionais, mas correspondendo igualmente a uma escalada do conflito; e o aviso de defender a integridade territorial da Rússia, com todos os meios disponíveis.

Em relação a esta última afirmação, deve ser entendida como um debate estratégico entre potências nucleares; concretamente, a Rússia está a dirigir-se aos EUA, à OTAN e às grandes potências nucleares europeias, ao Reino Unido e à França, mas também à Alemanha, como membro influente da Aliança e da UE. É uma resposta política e estratégica às afirmações de “enfraquecer, isolar, alterar o regime político, derrotar a Rússia”. A abordagem da questão nuclear na Comunicação Social, tem sido conduzida de uma forma, a meu ver, irresponsável, banalizando o seu emprego e ignorando o significado do mesmo. O uso de uma arma nuclear táctica é apresentado como possível, sem referir que esse facto alteraria, em termos estratégicos, a qualidade e dimensão do conflito, a que a Comunidade Internacional não poderia ser indiferente.

Seria uma situação inaceitável, de uma potência nuclear usar uma arma desse tipo, contra uma potência não nuclear. Em termos estratégicos, os russos, tal como os ocidentais, sabem que uma decisão estratégica tem de responder a três questões essenciais: ser exequível, ser adequada e ser aceitável – a opção que repetidamente tem vindo a ser referida não responde às duas últimas premissas.

Do discurso mais recente, em 30 de setembro, há dois aspectos que ficam claros. Estamos perante uma escalada do conflito, política e militar, e a opção pela mobilização, agora dita parcial, mas nunca se saberá qual será o seu limite, é uma clara evidência de que a Rússia não quer perder a guerra e que esta vai tornar-se mais violenta, do ponto de vista operacional. Do lado ucraniano, assistimos a uma iniciativa pouco realista, por parte de Zelensky, solicitando uma adesão de urgência, à OTAN. A solicitação teve uma resposta de imediato, por parte do Secretário de Estado americano, Antony Blinken, dizendo que “o momento não era adequado para essa solicitação”. A aceitação desse pedido corresponderia ao envolvimento imediato da OTAN no conflito, o que pode interessar à Ucrânia, mas não aos EUA. Se pensarmos que a atual situação operacional no terreno, em termos de ocupação de território, foi conseguida com um efectivo inicial de cerca de menos de 250 000 militares russos e que a única alteração com significado foi a ofensiva ucraniana, na região de Kharkiv, o reforço progressivo russo que agora se anuncia, no TO, não me parece que sejam boas notícias para a Ucrânia. Antes que se concretizem no terreno os efeitos da mobilização, e isso só se fará sentir dentro de pelo menos dois meses, estamos perante a oportunidade para a Ucrânia realizar outras ações ofensivas, antes daquele reforço se concretizar. A Rússia dará certamente prioridade ao reforço das posições de Kharkiv e de Kherson e isso obrigará a um aumento do potencial relativo de combate, por parte da Ucrânia, se pretender manter um ímpeto ofensivo.

Têm sido referidas dificuldades por parte da Rússia, relativamente ao processo de mobilização, quer pelas manifestações de desagrado quer pela fuga de cidadãos para os países vizinhos, contudo, face à natureza do regime, poucas dúvidas haverá de que o processo de mobilização vai concretizar-se, assim como o objetivo de mais 300 000 militares para o TO da Ucrânia.

Esta é uma situação que não se pode ignorar, a mobilização russa está a ser feita de um universo de 25 milhões de reservistas, podendo ir além dos números que publicamente foram anunciados. Do lado da Ucrânia, que declarou o estado de mobilização geral, desde o início do conflito, tem agora um efectivo de 700 000 a 1 milhão de militares no terreno, número que dificilmente poderá crescer. Após a concretização da mobilização russa e sua chegada ao TO (cerca de meio milhão de militares, no total), estaremos perante um potencial relativo de combate que favorece as posições defensivas russas e que permitirá à Rússia, em eventuais ações ofensivas, tirar partido da superioridade aérea e da capacidade dos meios de bombardeamento, quer com mísseis quer com artilharia, incluindo também meios aéreos com essa capacidade.

É uma realidade que faz prever que a guerra se prolongue. Estamos no outono, as condições climáticas não favorecem as operações terrestres, assistiremos à continuação dos bombardeamentos em detrimento de outras ações ofensivas terrestres, sendo o período temporal, até fins de janeiro, princípios de fevereiro, utilizado para a reorganização e reconstituição de forças e de unidades militares e, também, para a consolidação de posições defensivas, com vista a uma nova fase da guerra, no próximo ano.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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Resumo do Acervo Articular da Revista

 

1. Estratégia indirecta: “Ocidente” / Rússia
   General António Eduardo Queiroz Martins Barrento

Mantendo a posição que temos vindo a assumir desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, não vou escrever sobre essa guerra (há demasiados escritos, notícias e comentadores que a têm tratado), mas concentrar-me na crise entre a Rússia e o “Ocidente”, que resulta da atitude expansionista e bélica que o Kremlin tem vindo a desenvolver nos últimos anos e que esta guerra torna mais evidente. (...)

 

2. O Sistema de Segurança Interna Português. Disfuncionalidades do sistema – Possíveis soluções
   Vice-almirante Álvaro Cunha Lopes e Coronel Carlos Manuel Gervásio Branco

A Segurança no âmbito da designada “segurança interna” respeita fundamentalmente à proteção das pessoas e bens como um direito fundamental e insere-se numa relação de interdependência com um outro direito fundamental, o da liberdade. (...)

 

3. Estratégia de Segurança Nacional dos EUA 2022: «Superar a China e Conter a Rússia»
   Major-general João Vieira Borges

Pouco depois de ter tomado posse, a 20 de janeiro de 2021, em plena pandemia COVID-19, o presidente Joseph R. Biden Jr. publicaria uma Orientação Estratégica de Segurança Nacional Interina (Interim National Security Strategic Guidance – https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2021/03/NSC-1v2.pdf) em março do mesmo ano, com a intenção clara de tranquilizar os cidadãos em geral e os mercados em particular, com uma nova postura dos EUA (em oposição à de Trump) relativamente às questões internas e externas. (...)

 

4. A Dissuasão Nuclear como equilibrador da conflitualidade no mundo oriental – o conflito indo-paquistanês
   Tenente-coronel António Carlos dos Santos Ferreira

Com a nova distribuição do poder nuclear, o mundo apresenta uma nova face, bastante distinta da relação Estados Unidos da América (EUA) vs. União Soviética do período da Guerra Fria, passando a estar dividido em três polos nucleares: o Ocidental (EUA, Reino Unido, França e Israel), o Asiático (Coreia do Norte, China, Índia e Paquistão) e a Rússia. (...)

 

5. A Estratégia Genética dos EUA na sua preparação para a II Guerra Mundial
   Major Pedro da Silva Monteiro

Com a crescente tensão internacional, em virtude do maior poder militar da Rússia, as preocupações com a expansão russa para Ocidente começam a refletir-se em exercícios militares conjuntos e combinados mais frequentes e de maiores dimensões por parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), como é o caso dos empenhamentos recentes da NATO Response Force (NRF), na Lituânia, em 2014, na Polónia, em 2016, e no Báltico, em 2022. (...)

 

6. As dinâmicas de segurança em África
   Doutor Eugénio Costa Almeida

Apesar destas limitações a que Rebelo Teixeira faz referência, a UA tem procurado alargar os domínios da Segurança e Defesa regionais e continentais. Daí que, e de acordo com o Tratado Constitutivo da União Africana, esta tenha levado por diante a implementação de uma Política Comum de Defesa e Segurança Africana sob a égide de uma Agenda para a Paz e Segurança da União Africana. (...)

 

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