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2641/2642 - Fevereiro/Março de 2022

Editorial

General José Luiz Pinto Ramalho*


A situação decorrente da Guerra na Ucrânia obriga a uma reflexão sobre os desafios com que, naturalmente, iremos ser confrontados, no ambiente internacional que se seguirá ao desejado Acordo, que porá fim ao conflito.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, alterou radicalmente o quadro de Segurança Internacional que vinha sendo perspetivado desde a Queda do Muro de Berlim, em 1989. Esta alteração comprometeu  essa “nova ordem mundial”, ainda não consolidada, embora promissora, tal como funcionou na resposta mundial ao combate à Pandemia, trazendo, agora, de novo, um sentimento, já anteriormente conhecido, de que essa “ordem” já não é possível e que a “nova ordem, não se formou e é cheia de incertezas”; contudo, existem realidades que, inevitavelmente, a vão condicionar e terão de estar presentes nessa construção política, económica, financeira, social e também militar.

Estamos confrontados com um ambiente internacional caracterizado pela guerra na Ucrânia, decorrente da agressão da Rússia, sob ameaças de utilização de Armas de Destruição Massiva, havendo uma clara militarização do Ocidente, expressa na revitalização da OTAN e estão em execução poderosas sanções económicas, que antecipam uma crise mundial nos domínios energético e alimentar.

Em termos económicos, estamos perante uma crise económica, decorrente de dois anos de Pandemia e ainda não ultrapassada, agravada agora por uma disrupção das cadeias de fornecimento de matérias primas, de produtos manufaturados ligados às novas tecnologias, mas, em especial, ao petróleo e gás natural, cereais, fertilizantes e rações, com incontornáveis implicações na indústria e na agricultura, na pecuária e nas industrias agro-alimentares, mas também na subida de preços, a nível mundial.

As questões ligadas à dependência energética, a sensibilidade dos canais de fornecimento decorrente desta instabilidade política e militar, estão a fazer repensar o modelo de relações comerciais que se praticava, a revelar um impacto na economia mundial, superior ao que ocorreu aquando dos embargos petrolíferos de 1973 e 1979 e a provocar a procura de novas fontes de aprovisionamento, em áreas regionais, mais fiáveis, mesmo que isso implique maiores custos.

Essa diversificação das origens de fornecimento de combustíveis fósseis será certamente acompanhada de uma mudança e incremento das opções no domínio das energias renováveis, trazendo também novos desafios para a garantia da segurança e continuidade do seu acesso e disponibilidade. Mas esse desafio coloca-se, também, quanto ao reativar, mesmo que temporariamente, das centrais a carvão ou mesmo a opção pelo nuclear.

Relativamente à área financeira, a dimensão das sanções aplicadas e o seu impacto económico, a nível mundial, veio demonstrar que a visão tradicional da importância de reservas financeiras no exterior deixaram de ser uma garantia segura de disponibilidade financeira em termos de divisas em tempo de crise, a par da eventual impossibilidade de venda de reservas de ouro, para o mesmo efeito de obtenção de moeda.

A dimensão e efeitos desta “nova arma” levanta a interrogação se, a mesma, pode ser deixada ao critério de definição e de aplicação aos grandes poderes mundiais ou se essa capacidade deve ser objeto de regulação pela Comunidade Internacional, eventualmente através do Direito Internacional.

Também o efeito económico das sanções na economia internacional, nos preços das múltiplas “commodities”, na inflação, no crescimento económico, na degradação do PIB, na nova situação de “estagnaflação”, coloca enorme pressão nos instrumentos de estabilização social, quer para apoio das empresas quer para a conservação do emprego, ou o apoio na falta do mesmo, a par de políticas fiscais que minimizem essa fragilidade económica e financeira.

Paralelamente, estamos também confrontados com uma crise humanitária, provocada pelo maior fluxo de Refugiados, desde a II GM, no centro da Europa, mas que se vai estendendo a todos os países europeus; nesta data, segundo estimativas da ONU, cerca de 3,5 milhões estão fora da Ucrânia e cerca de 10 milhões deslocados no interior daquele país. As implicações sociais e económicas, para os próprios e para os países de acolhimento, vão implicar apoios adequados, programas de assistência humanitária. A questão demográfica e o défice com que a Europa se debate, em termos de crescimento negativo, é também um problema para o qual tem de encontrar medidas sociais, económicas e também fiscais, para inverter a tendência.

Estamos também perante um quadro de desenvolvimento militar, que prespetiva que a guerra não vá acabar rapidamente, embora se assuma que tenha de ser encontrado um processo negocial que conduza a um Acordo. Quando é que esse acordo poderá surgir, depende do sentimento de incapacidade para continuar, por cada uma das partes e do seu reconhecimento que tem de chegar a um entendimento. Será um processo que poderá começar com um Cessar Fogo, eventualmente garantido internacionalmente (ONU ?).

A negociação será especialmente difícil relativamente ao Dombass (será necessária alguma criatividade político-diplomática, já que, relativamente à Crimeia, esta será definitivamente russa), seguindo-se o firmar de um acordo que envolverá, certamente, uma relação estreita entre alívio de sanções e a retirada de tropas russas do território ucraniano. Contudo, enquanto Putin estiver no poder, as sanções não desaparecerão totalmente.

De referir que Zelensky já declarou a sua aceitação da não adesão à OTAN e a adoção de um estatuto de neutralidade em moldes a definir, pelo estabelecimento de garantias de segurança, assim como o objetivo de desmilitarização da Ucrânia, referido pela Rússia, tem vindo a ser conseguido através da destruição pela guerra, das infraestruturas económicas e pela atrição e desgaste, material e humano das forças armadas do país.

Mas o fim desta guerra pode, igualmente, fazer emergir uma divisão geopolítica entre o Ocidente e a Rússia, juntamente com a China, aproximação motivada por alguma fragilidade económica e isolamento político da primeira e interesse económico da segunda, mas, também, porque ambos discordam de uma hegemonia mundial americana; essa divisão, traz sempre um fator de desconfiança mútua, que perturba a estabilidade e a paz internacional, situação geopolítica que irá comprometer o ambiente da globalização, nos múltiplos domínios, em que a Sociedade Internacional tem convivido.

A constituição de blocos tem sempre, na fase inicial, o risco de emergência de situações de crise, fruto dessa desconfiança e da não estabilização dos mecanismos de contenção político-diplomáticos e, também, da ausência de acor os e medidas de confiança no domínio militar, a par da necessária clarificação da previsibilidade dos comportamentos de cada uma das partes.

Temos neste domínio a experiência do pós II GM, em que vivemos as crises do Bloqueio de Berlim, em 1948-49; a crise do Suez, em 1956; a construção do Muro de Berlim, em 1961; e a crise dos mísseis em Cuba, em 1962; viveu-se o clima da Guerra Fria, aquilo que Raymond Aron designou de “guerra improvável e paz impossível”, que só terminou com a queda do Muro de Berlim, em 1989, seguindo-se o fim da URSS e do Pacto de Varsóvia.

Estaremos perante um ambiente internacional mais crispado em termos de segurança, claramente marcado por maiores investimentos na área da defesa, designadamente no quadro da OTAN e da UE, o que implicará a participação responsável de cada país membro ou assumir, por omissão nesse domínio, ser considerado irrelevante e dispensável. Embora a OTAN seja a organização credível no quadro da segurança e defesa europeia, fruto da ligação transatlântica e da capacidade militar dos EUA e a força dissuasora do Art.º 5 do Tratado, a UE percebeu, finalmente, que também ela tem de ser um ator credível em termos de segurança e defesa. A Europa ainda que forte do ponto de vista tecnológico e económico, demonstra uma fragilidade militar em relação à Rússia, que só a OTAN e as capacidades militares americanas permitem ultrapassar.

Será um ambiente internacional em que, apesar de tudo, se tornará necessário cooperar, eliminando a ambiguidade do estabelecimento de compromissos (entre o formalismo e a conveniência de determinados convites e a impossibilidade ou a inconveniência da sua concretização, caso da Ucrânia em relação à OTAN ou da Turquia relativamente à UE), quer para garantir a defesa do ambiente ou para combater futuras pandemias quer para promover o desenvolvimento e a paz, objetivos que não serão atingidos, se não encontrarmos forma de consolidar e ampliar essa cooperação.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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Resumo do Acervo Articular da Revista

 

1. A Segurança europeia e a agressão russa à Ucrânia
   General Luís Valença Pinto

Uma posição possível é considerar que é ainda prematuro retirar consequências para a Segurança europeia da agressão russa à Ucrânia.

Porém, mesmo ao fim de pouco tempo, a natureza absurda e inaceitável desta guerra gerou um conjunto de evidências sobre as quais nos devemos deter.

Uma delas, a mais importante, é que a Guerra foi reafirmada como uma realidade. Mesmo num espaço como a Europa, tão marcado por interdependência, partilha e cooperação. E que essa reafirmação foi tão longe quanto o esgrimir da ameaça nuclear, o que se acharia impensável, e o ataque violento a centrais nucleares. Pura insanidade! (...)

 

2. As Guerras da Água
   Capitão-de-mar-e-guerra José António Rodrigues Pereira

Nos últimos anos, muito se tem dito e escrito sobre a água e a sua importância para a vida do Planeta em que habitamos.

A minha intenção é fazer-vos uma breve exposição sobre a importância da água para que seja possível compreender as questões geopolíticas que a envolvem. (...)

 

3. As PME e as transições ambiental e digital: desafios, oportunidades e riscos
   Prof. Doutora Nazaré da Costa Cabral

As Pequenas e Médias Empresas (PME) têm não apenas em Portugal como em regra no mundo, um papel fundamental na garantia dos chamados equilíbrios sociais, muito necessários para o bom funcionamento das sociedades, especialmente no quadro de economias capitalistas. Por um lado, elas são garantia de geração de riqueza e rendimento para muitas pessoas, que assim podem ver concretizadas as suas aspirações de inserção e até de mobilidade
sociais. Por outro lado, elas permitem que muitos possam trabalhar sem ser na qualidade de trabalhadores por conta de outrém, isto é, sem estarem na dependência económica de outrém, e assim também favorecendo a diminuição da própria conflitualidade social. (...)

 

4. Uma estratégia militar para a União Europeia
   Tenente-coronel Ricardo Dias da Costa

Josep Borrell Fontelles, Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, escreveu no Twitter, no dia 7 de janeiro de 2022, que os próximos seis meses serão a chave para a construção da Europa do futuro, com uma UE mais soberana e capaz de agir em matéria de segurança e defesa (Fontelles 2022). Estava a referir-se às alterações em matérias de segurança e defesa, que previsivelmente serão impulsionadas pela presidência francesa da União Europeia (UE), durante o primeiro semestre de 2022. (...)

 

5. A instabilidade da segurança marítima nos mares do Sul e Leste da China: geração de uma crise ou possível conflito armado na região Indo-Pacífico e a influência do conflito armado na Ucrânia
   Capitão-Tenente Pedro Miguel Costa Caetano

A queda do muro de Berlim e a implosão da União Soviética implicou o fim da Guerra Fria e da bipolaridade mundial, iniciando-se a unipolaridade com a hegemonia dos Estados Unidos da América (EUA). No entanto, nas últimas décadas tem-se assistido à ascensão da República Popular da China (RPC), principalmente com a chegada ao poder de Deng Xiaoping, em 1978, iniciando o seu programa das “quatro modernizações”. Através dos seus líderes, desde então, a RPC não esconde a sua vontade de se tornar uma potência global, iniciando, assim, uma das principais transformações na estrutura do poder mundial nas últimas décadas, com o desígnio de rivalizar com a única superpotência desde o fim da Guerra Fria, os EUA. Esta ascensão origina mudanças e incertezas no sudoeste asiático, em geral, nos Mares do Sul da China (MSC) e nos Mares do Leste da China (MLC), em particular, uma vez que se trata de uma área de importância económica e estratégica não só para a RPC como para os demais países que são banhados pelas suas águas e assim como para os EUA, bem como todo o mundo (Tomé, 2019, p. 67). (...)

 

6. A expansão global das companhias militares privadas russas: o caso do Wagner Group na RCA
   Major Luís Miguel Rodrigues Gomes

Nas últimas duas décadas, aos olhos da comunidade internacional, a política externa russa tem sido vista como expansionista, onde a utilização de métodos coercivos, tais como a guerra Russo-Georgiana, em 2008, o conflito na Síria e na República Centro-Africana (RCA), e mais recentemente a guerra em Donbass, na Ucrânia, parece ser uma tentativa de reconstrução da antiga União Soviética (Benaso, 2021, p. 5). (...)

 

7. Crónicas Bibliográficas

  •    O Exército e o Condestável D. Nuno Álvares Pereira. O combatente na Arte

     D. Rui Valério

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