General José Luiz Pinto Ramalho*
Depois de realizadas as reuniões do Comité Militar da OTAN e dos respetivos Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, está criado o consenso para que, como tem vindo a anunciar Mark Rutte, Secretário-geral da Aliança, a próxima Cimeira de Haia, no final do mês de junho possa anunciar um novo patamar de 5 %, para as despesas de Defesa por parte dos países membros, destinando-se 3,5 % a gastos diretos e 1,5 % a gastos indiretos, estes relacionados com despesas de pessoal e de infraestruturas.
Paralelamente, foi aprovado pelo Conselho da União Europeia o instrumento macro económico designado por SAFE (Acção para a Segurança da Europa), que visa enumerar os critérios para a elegibilidade dos projetos candidatos aos 150 Mil Milhões de Euros destinados a reforçar a Defesa Europeia. Neste domínio, importa referir que o instrumento de financiamento são os orçamentos de defesa nacionais e que o acesso à verba disponibilizada para empréstimo pela União Europeia constitui dívida a assumir pelos países que optarem por esta via de financiamento. Relativamente ao segundo envelope de potencial financiamento, descrito aquando da apresentação do Plano “ReArm Europe”, com mais um total de 650 Mil Milhões de Euros também para empréstimo no âmbito da Defesa até 2030, contabilizando a tal verba de 800 Mil Milhões de Euros anunciadas na altura, para desenvolver o reequipamento das Forças Militares Europeias, não foi divulgada mais informação.
Sem impor a obrigação de comprar ou produzir determinados tipos específicos de sistemas de armas ou equipamentos, a UE aponta como capacidades prioritárias de investimento: munições de artilharia, sistemas míssil, drones e tecnologias anti-drone, defesa aérea, cibersegurança, capacidades de transporte e reabastecimento aéreo, sistemas ISTAR e C 4 I e guerra electrónica. Menciona também a mobilidade militar, a protecção de infraestruturas críticas, capacidade espacial e a IA, abrindo caminho para os investimentos indirectos em Defesa, designadamente um conceito ainda mal caracterizado, designado por “resiliência do Estado”.
Nos gastos indirectos para a Defesa, podem ser incluídos gastos com pessoal, salários e pensões, contribuições financeiras nacionais para a Aliança e, no âmbito das infraestruturas críticas, aquelas que, embora no quadro de outros Ministérios servem a Defesa Nacional e, ainda, no domínio da mobilidade militar, infraestruturas de duplo uso, mas que podem ter de se empenhar noutra função em caso de guerra, como sejam as portuárias, aeroportuárias, fluviais, ferroviárias e rodoviárias, incluindo o reforço de capacidades de pontes e aeródromos e infraestruturas de comunicações.
O SAFE estabelece igualmente regras para a elegibilidade dos projetos, numa perspetiva de incrementar e defender a Base Industrial de Defesa Europeia, os quais devem ter pelo menos 65 % do seu valor atribuído a empresas da União Europeia, do Espaço Económico Europeu ou da Ucrânia. Esses projetos devem ser objecto da intervenção e atribuição de Consórcios que envolvam aquisições conjuntas, no mínimo, entre dois países. Esses projetos têm também de ser configurados em planos nacionais devidamente detalhados e calendarizados e ser presentes à Comissão para aprovação no prazo de seis meses, contados a partir de maio, data de aprovação do Programa SAFE, embora se admita desde já que este prazo possa ser alargado.
No sentido de permitir uma maior liberdade de aceitação das despesas militares, a União Europeia decidiu também estabelecer uma exceção ao cumprimento das Regras Orçamentais, permitindo aos países membros ativarem a Cláusula de Derrogação Nacional, de modo a acomodar as despesas relacionadas com a Defesa, aceitando que essas despesas, até ao limite de 1,5 % do PIB, não sejam contabilizadas nos limites impostos pelos tetos da despesa primária líquida, nem na avaliação do cumprimento do valor de referência para o Défice de 3 %.
Recentemente, o Primeiro-ministro declarou antecipar para este ano o cumprimento da meta dos gastos de Defesa em 2 %, compromisso assumido em 2014 na Cimeira de Gales e que, pelos vistos, se quer ver concretizado, pelos menos em termos de afirmação política, antes da Cimeira de Haia que terá lugar no final de junho. Saúda-se a decisão porque, em primeiro lugar, se cumpre um compromisso assumido perante a Aliança e, por outro, de extrema importância que é a disponibilização de verbas para resolver as actuais carências em recursos humanos e materiais das Forças Armadas Nacionais.
Se nos cingirmos à realidade factual dos números, o PIB nacional em 2024 foi de 284,9 Mil Milhões de Euros, o que significa que, relativamente ao Orçamento da Defesa definido para 2025 de 3,1 Mil Milhões de Euros, a concretização da meta dos 2 %, aponta para uma verba de 5,7 Mil Milhões de Euros o que implica, até ao fim do ano, um aumento de despesa de mais 2,6 Mil Milhões de Euros; se isso será possível em realização efetiva de projetos, fica a interrogação quanto à sua execução.
Se este é o cenário para o corrente ano, após a realização da Cimeira de Haia e a consequente aprovação da meta dos 5 % do PIB em gastos com a Defesa (3,5 % diretos mais 1,5 % indiretos), o cenário futuro torna-se mais desafiante. Para 2026, considerando o PIB de 2024, o Orçamento de Defesa passaria a ser de 14,2 Mil Milhões de Euros a contabilizar em gastos diretos, leia-se reequipamento e sistemas de armas a completar ou a adquirir, uma verba de 9,9 Mil Milhões de Euros, e uma verba de 4,3 Mil Milhões de Euros em gastos indiretos, embora esta parcela possa vir a receber contribuições de outros Ministérios, de valores atribuídos a pensões, à GNR e outras relativas a infraestruturas de duplo uso, anteriormente referidas.
O Governo tem tido um discurso, relativamente a este investimento, de que o mesmo será feito através de uma economia mais inovadora, no reforço da base industrial de defesa nacional e das indústrias neste âmbito que já existem, não pondo em causa o “estado social” e o equilíbrio das contas públicas. A referência tem sido a de que “temos de encarar o reforço da despesa na área da Defesa como um investimento, não apenas como uma despesa”, acrescentando que os gastos militares são investimentos na capacidade industrial instalada, na ciência e na inovação.
Contudo, esta situação, quer geopolítica, fruto da guerra no centro da Europa e o que isso representa para a Paz e Segurança de todos nós, quer pela decisão de se investir na Defesa como forma de credibilizar as capacidades militares, designadamente da componente europeia da Aliança e reforçando a Dissuasão, coloca Portugal num momento decisivo quanto às suas opções estratégicas nestes domínios. Decisões relativamente ao que concretizar e à urgência das mesmas.
Em termos de materialização de projetos, urge tomar decisões na área dos recursos humanos que fomentem o recrutamento e a retenção nas fileiras, valorizando a Condição Militar e o Apoio Social; completar lacunas de programas de reequipamento não concluídos e outros abandonados abruptamente, apenas por razões economicistas; eleger meticulosamente que novos programas de sistemas de armas, designadamente no que toca à defesa antiaérea, serão assumidos, procurando a participação em projetos cooperativos, que possibilitem o envolvimento da indústria nacional.
Deve ser possível tornar acessível às Forças Armadas aquilo que já hoje a indústria nacional de defesa produz, tornando-as a “montra internacional” dessas realizações, agilizando as regras da contratação pública, protegendo o interesse nacional e essas indústrias, criando também condições para envolver as Forças Armadas, na Base Industrial e na Ciência (I/D), com vista a encontrar “nichos de competências e de mercado” onde a afirmação nacional se possa fazer.
Importa ter presente de uma forma realista que há ainda mercados que são deficitários, caso dos explosivos e das munições, quer de calibres ligeiros quer de granadas de morteiro e de artilharia de diversos calibres, designadamente 15,5mm e outros, mais complexos, relativamente aos grandes sistemas de armas, em que a participação nacional só será possível através de projetos cooperativos, produção sob licença ou a realização industrial de componentes essenciais, por acordos de parceria.
Como foi referido, a União Europeia divulgou uma lista de capacidades prioritárias para o investimento. Contudo, para Portugal, as referências fundamentais para esse investimento em capacidades militares deve resultar da aprovação de um Sistema de Forças Nacional para as Forças Armadas, que assegure o interesse nacional, os objetivos de garantia da Soberania e de Defesa Militar da República aprovados e as “capabilities package” que forem aceites ao nível da OTAN, tendo presente os Cenários descritos no CEDN de 2003 e aprovados na altura pelo Governo: Defesa Militar da República e Defesa Colectiva (Art.º 5.º) da OTAN; Participação na PESD no quadro da UE; Segurança Cooperativa no âmbito da ONU/OSCE; Apoio à Política Externa e assistência a nacionais no estrangeiro, em situações de Crise; Apoio às Forças de Segurança no quadro da Segurança Interna (Caos) e da Lei do Estado de Sítio e de Emergência; OMIP em apoio às Populações, quer em projetos de Desenvolvimento quer em situações de desastre, calamidade ou pandemia.
Estes Cenários têm mostrado serem consentâneos com a evolução da Conjuntura Estratégica Internacional, mantiveram-se aquando da aprovação do CEDN de 2013, não foram postos em causa pelas GOCEDN apresentadas à Assembleia da República, em outubro de 2023, e têm constituído ao longo deste período a orientação para a Estratégia Militar do Estado, expressa nos sucessivos Conceitos Estratégicos Militares aprovados.
Este é um processo que vai exigir recursos financeiros, que o Governo tem de encontrar no Orçamento Geral do Estado ou, eventualmente, através de financiamento externo. A afirmação de que este exercício se fará sem comprometer o Estado Social e o Equilíbrio das Contas Públicas, implica que o Governo encontre ganhos de eficiência, na sua própria estrutura funcional, quer em dimensão quer em peso financeiro, mas também na dimensão administrativa do aparelho da Administração Pública, eliminando a burocracia, as duplicações, as ineficiências e o desperdício, e avalie e corrija também as situações fiscais de isenção, de benefício, os apoios e assimetrias de tratamento financeiro e compensações desajustadas e de difícil justificação, a agentes e entidades, nacionais e estrangeiras, que minam não só a coesão e o sentido de justiça entre os contribuintes, mas também a eficiência e a eficácia do funcionamento do Estado e são um desperdício de recursos financeiros.
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* Presidente da Direção da Revista Militar.
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