Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Brevíssima História do Serviço de Saúde do Exército
Coronel Médico
Carlos Vieira Reis
A história do Serviço de Saúde Militar começou com Afonso Henriques e a fundação da nossa nacionalidade, com as lutas e escaramuças várias que então sucederam. Que fique desde já assente que aqui se entende por Serviço de Saúde Militar apenas a existência de feridos de guerra e de alguém que os tratou, sem qualquer esboço de serviço organizado.
 
Sempre que a segurança territorial ou expedições a terras distantes o exigiam, faziam-se «levas» e organizavam-se tropas, que logo eram licenciadas, desaparecido o objectivo que as criara.
 
Durante a primeira dinastia foram raros os anos sem guerras. As operações militares deste tempo não duravam muito, salvo as mandadas pelo Rei que levava com ele os seus físicos e cirurgiões, muitos deles ligados à Igreja, simples clérigos, mesmo bispos, sendo laicos os restantes, habitualmente cha­mados de «Mestres», sobretudo cirurgiões.
 
Os nobres ou ricos homens também levavam seus médicos e cirurgiões privativos, que normalmente tinham, já que viviam isolados nas suas terras, com comunicações difíceis. Eram para uso pessoal, mas nas actividades militares tratavam também os feridos que em maior ou menor número se iam sucedendo.
 
Contudo, não havia qualquer estrutura ou planeamento de saúde, embora se pense que os chefes militares delineassem os planos de guerra.
 
Ainda sem Serviço de Saúde organizado, físicos e cirurgiões foram sempre fazendo o possível por prestarem o melhor socorro que podiam aos feridos de guerra, sendo conhecido que nalgumas situações que implicavam imobilidade das tropas, por exemplo durante os cercos, o trabalho destes era facilitado. O grande cronista Fernão Lopes, referindo-se ao arraial dos sitiadores durante o cerco de Lisboa, escreveu o seguinte: «Ali havia físicos e cerurgiões e boticários que nam somente tinham prestes as coisas necessárias para conservar a saúde do corpo, mas desvairados modos de confeitos, e assucares e conservas, çhe acharíeis em muita fartura».
 
As Ordens Militares tiveram grande importãncia na fundação do país e tal como os cruzados, devem ter trazido alguns elementos novos ao serviço de saúde militar, ao tratamento dos feridos de guerra.
 
Por outro lado, as ordens monásticas foram autênticos centros de cultura, sobretudo em Alcobaça e Santa Cruz de Coimbra; nesta última ensinou-se medicina, podendo considerar-se que teria sido esta a primeira escola médica portuguesa.
 
Quando morreu D. Fernando I, Portugal correu o perigo de ser conquistado por Castela. O povo levantou-se e escolheu D. João, o Mestre de Aviz para dar continuidade ao Reino. A batalha de Aljubarrota acabou com as pretensões de Castela.
 
D. João assina o Tratado de Windsor em 1386 e um ano depois casa com D. Filipa de Lencastre; nascem e fazem-se homens os Infantes da Ínclita Geração.
 
Posteriormente foram feitas algumas tentativas de organização militar iniciadas por D. Duarte, seguidas por D. Pedro e terminadas já no reinado de D. Afonso V, e que assentaram especialmente no chamado Regimento dos Coudéis e nas Ordenações Afonsinas.
 
Segue-se no trono D. Duarte, homem de grande cultura (lembremos as suas obras «Leal Conselheiro» e «A arte de bem cavalgar toda a sela»), mas sem a chama heróica de seu irmão Henrique. Dá-se o desastre de Tanger e esmaga-o o cativeiro de seu irmão D. Fernando (o Infante Santo), sacrificado à esboçada política de expansão e ao não cumprimento da promessa de entregar Ceuta. D. Fernando foi acompanhado até à morte pelo seu físico Mestre Martinho, filho do cronista Fernão Lopes.
 
Começaram então, também para físicos e cirurgiões, as jornadas de África enquanto não chegavam as do Oriente e do Brasil.
 
Ensombram a vida nacional os incidentes da regência, findos tristemente em Alfarrobeira, onde desaparece uma grande e simpática figura da nossa história - D. Pedro, o Regente.
 
Foi D. Afonso V mais valoroso guerreiro que asisado político (as cortes europeias reprovaram vivamente a sua atitude anterior e posterior a Alfarrobeira). Repetidas vezes ataca praças moiras de África. Lá iam os físicos acompan­hando os seus reis e não longe dos que combatiam: na tomada de Arzila morreu Mestre Abraão, físico de D. Afonso V.
 
Entre os «cosmógrafos» que faziam viagens nas naus, figuravam vários físicos, de que se destaca essa figura ímpar da cultura portuguesa que deu pelo nome de Pedro Nunes.
 
Alcançada a Índia e o Brasil vasto campo de actividade se oferece a físicos e cirurgiões. Organizam-se as armadas ordinárias e extraordinárias; é preciso cuidar das tripulações em tão longas jornadas, das guarnições das fortalezas e também dos colonos.
 
Mas os físicos eram tão poucos que não faz sentido falar-se de «físicos das naus», sendo mais seguro falar de «físicos das armadas».
 
Irá ainda aparecer com D. Sebastião, o Regimento de Ordenanças ou Ordenações Sebásticas, datado de 10 de Dezembro de 1570.
 
Findou a primeira dinastia com a ameaça de Castela. Termina a segunda não com ameaça mas já com a ocupação efectiva, durante duas gerações.
 
Alcácer Kibir, traz o luto aos portugueses. Com ele nasce o mito de D. Sebastião e o seu esperado regresso numa manhã de nevoeiro, tão fortemente assumido que ainda hoje não largou os portugueses.
 
Vários foram os cirurgiões que participaram na batalha, prestando a assistência possível; entre eles encontrava-se o considerado Guevara.
 
Com a alma nacional doente, começa a reconstituir-se o orgulho nacional que termina na revolta de 1640 e que coloca no trono o Duque de Bragança.
 
É com a guerra da Restauração que vai nascer uma regular organização militar. Com ela cria-se o exército permanente, aparecem os cirurgiões militares profissionais, como mostra a documentação sobre o seu recrutamento.
 
Instituída e regulada nas cortes de 1641, para administrar os impostos nelas consignados à defesa do reino, começou a ter exercício em 1643, por ordem do rei D. João IV, a chamada Real Junta dos Três Estados. Foi extinta por alvará de 8 de Abril de 1813, passando todos, os seus documentos para o arquivo do Conselho de Guerra.
 
A Junta substituiu uma Comissão económica existente desde 1641 e ocupou os seus aposentos no Palácio Real. Todas as despesas militares começaram a passar por ela, tendo por isso tendência a ocupar-se de tudo que dizia respeito ao Exército, e não só à colecta de impostos e sua distribuição. Assim, ao longo do tempo, quase tudo foi ficando sob o seu controlo directo, fazendo com que a Junta se tornasse muito rapidamente um verdadeiro tribunal régio - isto é, um órgão de consulta e administração da monarquia - encarregue da administração militar do Exército.
 
Entre as atribuições do «Conselho de Guerra», criado em 22 de Novembro de 1643, estava a confirmação das nomeações que os Mestres de Campo que os comandavam, faziam de físicos e cirurgiões para a 1.ª Plana dos seus «terços», como faziam com os seus oficiais combatentes.
 
Não tenho notícia que houvesse «Físico» nos terços, o que é natural, por serem muito poucos. Havia um «Físico-Mor» em cada exército e «Físicos» nos hospitais. Já cirurgiões, melhores ou piores, a prática da guerra os ia criando o que não sucedia com os físicos, de formação universitária.
 
Mesmo assim era notória a falta de cirurgiões e a pouca qualidade dos existentes. Alguns dos documentos que a isso se referem chegam a ser dramáticos, como a carta que em 8 de Dezembro de 1647, o Conde de S. Lourenço escreveu e de que agora se transcreve parte: «... estão feridos em Castelo de Vide quantidade de soldados que todos vieram despidos e por falta de cirurgião morreram alguns, seja V. M. servido de mandar um que seja homem de conta dos muitos que há em Lisboa, porque é grande lástima que morrão os homens depois de escaparem das mãos do inimigo, por não haver quem os saiba curar, pois cada dia temos encontros... »
 
Em 18 de Dezembro de 1647, foi esta carta vista no Conselho de Guerra que deu parecer que V. M. deve dar comissão a um dos Con­selheiros para «buscar-se um dos melhores cirurgiões que houver, como Fran­cisco Guilherme, António Sucarello ou outro semelhante, concertando com ele o soldo com que se acomodará a ir servir como Cirurgião-Mor no Exército do Alentejo com obrigação de ensinar os cirurgiões dos Terços que por não serem mais que praticantes, precisam ainda de muita prática e mais ciência e doutrina, para que veja o que se passa no Alentejo e que não é razão por 200 ou 300 mil réis que vá ganhar um cirurgião-mor com insuficiência, partes e qualidades e que por falta disto se aventure a vida dos vassalos de V. M. que estão defendendo o Reyno».
 
Em 31 de Janeiro de 1648, houve um despacho negativo que se justificava na sua redacção dizendo que «quando o cabedal era pouco como então, era muito o gasto com o cirurgião-mor, pelo que deviam as Companhias dos Terços providenciar para que os seus cirurgiões fossem bons».
 
O Conselho de Guerra não se ficou e sobre este despacho emitiu um novo parecer em 4 de Fevereiro de 1648, que entre outras coisas dizia que: «Os cirurgiões dos Terços são uns barbeiros romancistas com pouca ou nenhuma experiência, que importa pouco a diligência para que sejam de suficiência e partes que convém porque não se dá a cada um mais que 5.000 réis por mês e quem tem préstimo se não arrisca às balas por tão pouco. Se é grande o soldo do Cirurgião-Mor importa menos do que V. M. perde nos serviços dos soldados de qualidade que sendo feridos não têm quem os cure e os que isto vêem pensam que o mesmo lhes pode suceder por isso insistem pela ida do Cirurgião-Mor perito e experimentado que evite estes danos e ensine os cirurgiões dos Terços».
 
Em relação a este ultimo Parecer do Conselho de Guerra houve despacho favorável e lacónico: «que se numeie o cirurgião» e, como que envergonhado, este despacho saiu no meio de outros que com ele nada tinham a ver.
 
À proposta do Conde de S. Lourenço foi junta uma carta de Sucarello que referia o que ele pretendia para ser nomeado: «O Hábito de Cristo e não outro, 40.000 réis de tença efectivos com faculdade de poder testar deles: 20.000 réis de praça de cada mês, pagos na Plana da Côrte: titulo de Cirurgião ­Mor do Exército e de médico de V.M. com moradia, casas, palha e cevada para um cavalo». Em defesa destas condições argumentava com o que ia perder se deixasse Lisboa. «Perde 40.000 réis que tem na Universidade com uma cadeira, as propinas de Lente, a esperança de ir subindo às cadeiras maiores, e o mais que lhe rendem suas letras».
 
O Conde de S. Lourenço apoia estas exigências dizendo que «Deve V. M. satisfazê-las pois o soldo é coisa ordinária e o Hábito e a tença são coisas que de contentar este homem de modo a que se disponha a ir servir de cirurgião, honrando-o com as mercês que pede, «pois fica toda a sua vida obrigado a servir».
 
O Conde diz ainda ao Rei que o soldo que Sucarello pede é o mesmo que já recebe o Cirurgião-Mor que lá se encontra vindo de Santarém e que «não presta».
 
Em Junho de 1648, o Governador das Armas escrevia ao Rei, dizendo: «Com grande sentimento torno uma e muitas vezes mais representar a V. M. que tendo pedido um serurgião de préstimo para este Exército e que não tão sómente se me não tem mandado, mas nem ainda se me respondeu e que agora se diga que por falta dele poderá morrer um fidalgo de tanto valor e partes como D. João de Menezes, Governador de Olivença e que com tam bom ânimo veio servir a V. M. e tem tantas valias estes homens que se saiem com o que querem sendo que era justo e razão que os milhares de Lisboa estivessem neste Exército pois dele depende a conservação do Reino de V. M. e em Lisboa se não ocupão mais que em curar causas indignas de se escreverem a V. M. cuja Real Pessoa D. G. (Deo Gracias) como todos os seus vassalos havemos muito».
 
Em 1663 e 1669 confirmou-se a prerrogativa dos Mestres de Campo, excepto no que respeitava a cirurgiões e capelães, podendo estes ser nomeados pelo Sargento-mor quando, por qualquer motivo, o Mestre de Campo estivesse afastado do comando por mais de quinze dias. Parecia que a nomeação dos cirurgiões-mores ficava inteiramente ao arbítrio dos Mestres de Campo, mas o facto é que durante a Guerra da Restauração muitas nomeações são feitas depois da pretensão ter informação favorável do cirurgião-mor do Exército ou do Fisico-Mor, quando aquele não estava presente.
 
Coube a D. Pedro II assinar a paz com a Espanha em 13 de Fevereiro de 1668, mas também lhe coube renovar com ela a guerra começando as operações militares em 1704.
 
Nesta campanha ocupamos praças espanholas onde montamos hospitais militares. Nela serviu como cirurgião-mor do exército da Beira um Mestre do Hospital de Todos os Santos, Feliciano de Almeida que, no seu livro «Cirurgia Reformada», faz varias referências à parte da campanha, a que assistiu.
 
Tendo morrido D. Pedro II (1706) durante a guerra, coube a seu filho e sucessor D. João V continuá-la assinando o tratado de paz com a Espanha, em 6 de Fevereiro de 1715.
 
Tomou várias providências sobre organização militar de que se destaca o seu despacho de 11 de Novembro de 1707, em que determina que as tropas de infantaria e de cavalaria sejam organizadas em regimentos, devendo ter cada um deles, um cirurgião-mor com o vencimento de alferes.
 
O «Regimento dado para o Exército» em 20 de Fevereiro de 1708 criando «Regimentos» em substituição dos Terços, mantém aos coronéis seus comandantes a nomeação dos cirurgiões, mas a Provisão de 10 de Setembro do mesmo ano determinava que «aos cirurgiões que iam para a campanha se lhes não assentasse praça sem serem aprovados pelo cirurgião mor do Exército Domingos del Viso, dando-se baixa aos que não tivessem essa aprovação».
 
Na sua Milícia Prática (1740), Bento Gomes Coelho diz, ao tratar das obrigações do cirurgião-mor, que este é «factura» do coronel ou de quem governa o regimento.
 
A Provisão de 1708 pôs fim ao arbítrio dos Mestres de Campo e dos coronéis embora factos posteriores tenham mostrado que a má prática tinha fundas raízes a mantê-la.
 
Estranha-se que interessando aos comandantes ter nas suas unidades cirurgiões com préstimo, pois seriam os primeiros a socorrê-los quando feridos, não zelassem para que isso se verificasse e tivessem o maior cuidado na sua escolha Sabe-se que alguns, pela sua categoria, poderiam esperar que da Corte lhes enviassem mestre de nomeada para os assistir, mas dados os lentos transportes da época só podiam contar com isso dias depois de hospitali­zados, não se percebendo assim o descuido que nisso punham.
 
Segue-se um longo período de paz e como de costume, abandonaram-se as instituições militares. Em 1762, começa nova guerra com o vizinho, pelo que se torna necessário providenciar as medidas necessárias a ela.
Concentram-se tropas na região de Tomar-Abrantes. Nomeia-se Físico-mor João Mendes Sacheti. Era então Cirurgião-Mor do Exército, António Soares Brandão que tratara o rei D. José ferido num atentado. Como este não podia abandonar a corte, seguiu para junto do exército, como seu delegado, Teotónio dos Santos de Almeida, cirurgião do Hospital Real Militar da Corte, no Convento de S. João de Deus.
 
Providenciou-se sobre a instalação de um hospital em Abrantes evacuando pelo Tejo para Lisboa.
 
Em Novembro de 1762 foi assinado um armistício, vindo a assinar-se a paz em 3 de Fevereiro do ano seguinte.
 
Esta campanha motivou a vinda para Portugal, do Conde de Lippe, desembarcado em Lisboa, em 3 de Julho de 1762. Como comandante do nosso Exército dirigiu as operações durante poucos meses, mas foi um notável organizador elevando-o a um estado de eficiência nunca antes havido. Orientou o Serviço de Saúde nos moldes em que o rei Frederico o fizera na Prússia.
 
Os Regulamentos de Lippe para os Regimentos de Infantaria de 1 de Fevereiro de 1763 (previam no estado-maior um cirurgião-mor e «seis ajudantes do mesmo») e para os regimentos de cavalaria de 23 de Agosto de 1764 (em cada regimento um cirurgião-mor e quatro ajudantes de cirurgião), põem de parte a intervenção dos comandantes na nomeação dos cirurgiões-mores, não podendo ser nomeado nenhum sem prévia apresentação ao cirurgião-mor do Exército «o qual o fará examinar de Medicina e de Cirurgia».
 
Já anteriormente existiam os Ajudantes do Cirurgião, um por companhia, mas é nestes regulamentos que se precisa a sua situação. Servindo-me da fórmula de Bento Gomes Coelho direi que eles eram «factura» do cirurgião-mor, pois ele os contratava por um período determinado de anos, da sua mão recebiam os seus vencimentos e era ainda ele que os despedia por incompetência ou outro justificado motivo. Eram estes os termos do Regulamento para a Infantaria. No regulamento para a Cavalaria sujeitava-se a admissão e a demissão à aprovação do comandante. Tratava-se de modestos práticos mas os regulamentos citados determinavam aos cirurgiões-mores que só os recebessem sendo bastante «versados na sua Arte». Neste regulamento, na relação de «material» figura uma caixa com medica­mentos.
 
No ponto I do Regulamento de Lippe, pode ler-se que «Os Officiaes da primeira plana dos Regimentos porão o seu cuidado em ter bons vivandeiros, para tirarem aos Soldados, quanto for possivel, os pretextos de sahirem do campo».
 
E no ponto IV lê-se: «Os Senhores Officiaes levarão para a campanha o menor numero de criados, que lhes for possivel, porque elles augmentão a dificuldade das subsistencias; o que tambem deve entender-se a respeito das mulheres, posto que nos Regimentos sejam sempre necessarias algumas, tanto para qjudarem os Soldados no serviço das casinhas, como para haverem de lavar a roupa».
 
Uma última referência ao Regulamento diz respeito aos cirurgiões. No ponto 7.º do Capitulo XVI há uma nota que diz que «Não será permittido, nem ao Cirurgião mór, nem a outro qualquer, que não entrar no Regimento no numero dos Combatentes, trazer o uniforme, ou a banda».
 
Para garantir o ingresso no exército de cirurgiões melhor preparados criaram-se, no fim do século XVIII as Aulas de Anatomia e Cirurgia dos Hospitais Militares em Almeida (1773), Elvas (1783), Tavira (1786) e Chaves (1789). Destinavam-se a ser frequentadas por ajudantes de cirurgião, soldados voluntários e também por civis (pelo menos na de Elvas), que findo o curso se dedicavam uns ao Exército e outros à clínica rural.
 
Para dar garantias aos diplomados determinou-se que as vagas de cirurgiões-mores na província do Alentejo fossem preenchidas com alunos da aula de Elvas e as da província de Trás-os-Montes com alunos da aula de Chaves.
 
Em 17 de Junho de 1782, foi criada pela rainha D. Maria I a Junta do Proto-medicato que irá durar até 15 de Novembro de 1808, data em que D. João VI a extingue e restaura os cargos de Físico-mor e de Cirurgião-mor que passam a exercer os poderes da extinta Junta.
 
Em 1782 aparece-nos um novo modo de recrutamento como parece depreender-se do ofício que transcrevo, do Ministro Aires de Sá e Melo para o Principal Mendonça, Reitor e Reformador da Universidade de Coimbra, de 5 de Julho de 1782, onde se pode ler: «Ex.mo e Rev.º Snr. S. M. é servida ordenar que V Ex.ª determine a José Correia Picanço, Lente de Anatomia dessa Universidade, que examine os cirurgiões opositores ao logar de cirurgião mor do 2.º Regimento de Infantaria do Porto que se apresentem a V Ex.ª para aquele effeito, dando-lhe conta da capacidade e préstimo de cada hum; sobre o que V Ex.ª informará por esta Secretaria de Estado para ser presente à mesma Senhora e determinar o que houver por bem».
 
O Serviço de Saúde foi incluído, como era imperativo, no que de novo se criava. Junto do comando de cada exército (estes eram tantos como os teatros de operações), havia um físico e um cirurgião-mores, conselheiros técnicos do comando e examinadores dos cirurgiões-mores, propostos para os terços de infantaria. Em cada companhia dos terços havia um barbeiro e nas de cavalaria, os capitães procuravam ter um soldado com conhecimentos cirúrgicos.
 
A necessidade de tratar os feridos em combate e os doentes das guarnições, foi satisfeita com a criação de hospitais nas praças onde se contavam maiores efectivos.
 
O Conselho de Guerra, para escolher cirurgiões-mores para os exércitos, tinha que consultar técnicos estranhos, pois que lhe faltava competência técnica. O mesmo acontecia aos Vedores intervindo nos hospitais como representantes da Junta dos Três Estados (inicialmente constituída pelos seguintes senhores: Dr. Sebastião César de Menezes representando o Povo; D. Antão de Almada e D. Álvaro de Abranches, representando a Nobreza; O Bispo Capelão-Mor, representando o Clero e Francisco de Carvalho, como Conselheiro da Fazenda.).
 
A enfermagem esteve durante longos anos entregue aos religiosos de S. João de Deus em muitos hospitais militares e, por vezes, até a administração lhes estava entregue.
Determinou-se que se montassem hospitais móveis junto das tropas, mas não é garantido que tal tenha sucedido; montaram-se, porém, hospitais especiais perto das trincheiras, quando se cercavam praças.
 
Atendidos no campo pelo pessoal das unidades, eram os feridos transportados nas viaturas e solípedes disponíveis para os hospitais mais próximos, mas em condições tais que, por vezes, desse transporte resultava um agravamento do estado de saúde.
 
Nestes moldes se manteve o Serviço de Saúde Militar até finais do Século XVIII ou mesmo até às invasões francesas.
 
 
A Revolução francesa alarmava a Europa
 
Em 1793, assinou-se um convénio com a Espanha para combater as tropas francesas. Enviou-se uma força expedicionária para alinhar com as tropas espanholas. Foi denominada «Exército Auxiliar à Coroa de Espanha». Compunha-se de seis regimentos de infantaria com o efectivo total de 4 377 homens e uma brigada de artilharia com 447, ao todo 4 824, menos 550 homens que os efectivos regulamentares.
 
Embora se apelidasse de exército, não foi atribuído um físico-mor à força expedicionária, tendo sido nomeados apenas um 1.º Médico, o Dr João Francisco de Oliveira e um 2.º Médico, o Dr João Manuel Nunes do Vale. Foi também nomeado um cirurgião-mor, que não chegou a embarcar.
 
Foi atribuído material e pessoal para um hospital chamado «volante», mas este não incluía médicos nem cirurgiões no seu quadro; para funcionar tinha que aproveitar o 1.º e 2.º médico e os cirurgiões tirados aos regimentos.
 
O Arsenal forneceu «duas galeras grandes» para levantar feridos, com «oito catres de lona». Foram fornecidas viaturas destinadas exclusivamente ao transporte de feridos, o que representou um progresso, que logo foi esquecido durante mais de cem anos.
 
Com os regimentos de infantaria foram só cinco cirurgiões ajudantes, um a menos que a dotação dos quadros.
 
Regressaram as tropas em Outubro de 1795. Terminou a chamada «Campanha do Roussillon» com vivas apreensões sobre a atitude da Espanha, que assinou um tratado de paz com a França antes das nossas tropas terem retirado. Temendo a guerra com o aliado da véspera tomaram-se disposições militares e sanitárias.
 
Em 21 de Janeiro de 1797, foi nomeado Físico-Mor do Exército, o Dr João Francisco de Oliveira. Aparece assim o escalão que faltava - um chefe do serviço com relações directas com o ministro e o comandante em chefe - o que parece ter agradado pouco aos governantes.
 
Poucos anos depois determinou-se que só houvesse Físico-Mor em tempo de guerra, só tendo voltado a haver com as invasões francesas.
 
Em 7 de Agosto de 1797, publicou-se o «Regulamento económico para os Hospitais Militares de Sua Majestade Fidelíssima em tempo de campanha», atribuído ao Dr João Francisco de Oliveira. Dava o regulamento largas atribuições ao Físico-Mor, ampliadas ainda pela portaria de 25 de Setembro de 1800.
 
Instalaram-se vários hospitais na previsão de luta com Espanha.
 
Em 27 de Março de 1805, o «Regulamento para os Hospitais Militares de Sua Alteza Real o Príncipe Regente Nosso Senhor, tanto em tempo de paz como em tempo de guerra» derroga o anterior, tendo, como o longo título indica, uma maior amplitude.
 
A execução do regulamento cabia «ao Físico Mor, ao Cirurgião Mor do Exército e a um Contador Fiscal». Ocupavam-se os dois primeiros do pessoal, material técnico e medicamentos e o terceiro do pessoal administrativo, da mobília e utensílios.
 
Impunha este regulamento ao Físico-Mor a rápida apresentação de um «Plano de Escola Regular e Científica de Medicina Operatória». Procurava-se assim manter e melhorar as «Aulas de Anatomia e Cirurgia dos hospitais militares», em que se tinham habilitado cirurgiões militares e mesmo civis.
 
Em 1805 fora abolido o cargo de Físico-Mor do Exército em tempo de paz, deixando o Dr Pinto da Silva de perceber vencimentos a partir do mês de Maio. Em 22 de Março de 1806 foi nomeado o médico Dr João Manuel Nunes do Vale, Físico-Mor do Exército «a fim de exercer a sua jurisdição em tempo de guerra». Foi ele chamado para tratar com os delegados de Junot.
 
Seguiu a 1.ª invasão francesa (1807) em que, como é sabido os invasores foram recebidos como amigos. Vencidos pelas tropas inglesas, comandadas pelo futuro duque de Wellington, na Roliça (17-8-1808) e no Vimeiro (21-8-1808), evacuaram o País nos termos da discutida Convenção de Sintra (30-8-1808). Restabelecida a Regência entrou-se num período de grande actividade militar que só terminou com o termo da Guerra Peninsular, tomando-se uma medida importante quanto ao recrutamento dos cirurgiões.
 
A história do Serviço de Saúde durante a ocupação francesa é a história das suas relações com os ocupantes. Alguém tinha que tratar com as autoridades francesas.
 
Uma medida de Junot teve influência sobre o Serviço de Saúde. Temendo resistências possíveis, resolveu enfraquecer profundamente o valor militar do nosso Exército mandando para França duas divisões, compostas por unidades de infantaria e cavalaria e licenciando largamente os que ficaram.
 
Com os regimentos foram cirurgiões-mores e ajudantes que só regressaram finda a guerra, sendo recebidos como suspeitos, sujeitos a quarentena, bem pouco em harmonia com a sua situação militar e social. Não consta que nenhum deles tenha acompanhado o exército de Massena.
 
O decreto de 2 de Agosto de 1805, concedeu a graduação de tenentes aos cirurgiões-mores dos regimentos da Corte, medida que pouco depois, em 23 de Agosto, se tornou extensiva aos de todas as unidades; manteve-se o mesmo vencimento mas a melhoria de situação moral pode ter tido alguma influência indirecta no recrutamento.
 
Posteriormente entendeu a Regência, que Portugal estava ocupado mas não estava em guerra; só esta hipótese pode explicar a ordem dada em 2 de Janeiro de 1808, pelo Conde de Sampaio ao Dr Bernardo José de Abrantes e Castro, para assumir as funções atribuídas a Nunes do Vale, de quem receberia o expediente relativo aos assuntos em curso.
 
 Assim foi a este médico que coube o ingrato papel de, embora sem o título, chefiar o serviço e tratar com os invasores. No cargo se conservou até ser preso pela inquisição como pedreiro livre, em 30 de Março de 1809. Os franceses já tinham retirado.
 
O Dr Abrantes e Castro fora admitido em 1801 como 1.º Médico dos hospitais militares. Estando em serviço no hospital da Corte foi nomeado Inspector Geral dos Hospitais Militares, para juntamente com o cirurgião-mor da Armada, Theodoro Ferreira de Aguiar, visitar e reorganizar os hospitais em harmonia com o Regulamento de 1805.
 
Beresford foi nomeado para comandar o nosso Exército em 7 de Março, pouco antes da prisão do Dr Abrantes e Castro.
 
Era preciso colocar alguém no seu cargo; parece que Nunes do Vale não merecia as simpatias da 2.ª Regência e naturalmente do Ministro da Guerra D. Miguel Pereira Forjaz. Chamaram então o Dr José Pinto da Silva, físico-mor na disponibilidade, mandando-o apresentar a Beresford em 13 de Abril de 1809.
 
Suponho que Nunes do Vale se não conformou com a solução e fez valer a sua nomeação «para tempo de guerra»; a «Ordem do Dia» de 26 de Maio, publica ter ele assumido o cargo de Físico-Mor «em que estava o Dr. José Pinto da Silva».
 
Talvez por se entender mal com o ministro, Nunes do Vale pediu e obteve licença para «passar» à Corte, no Rio de Janeiro, propondo para ocupar esse cargo, como seu delegado, o Dr José Carlos Barreto. José Manuel Nunes do Vale morreu no Rio, ficando o seu delegado com a propriedade do lugar em 24 de Julho de 1813.
 
Beresford conheceu cinco físicos-mores. Como bom organizador, era muito cuidadoso no respeitante ao bem estar das suas tropas. O Serviço de Saúde em que intervinha com frequência, mereceu-lhe várias intervenções, de que destaco a criação de uma «Junta» para examinar os cirurgiões-mores e ajudantes, sendo, os aprovados, graduados em capitães e tenentes, respectivamente. Esta medida permitiu melhorar o seu valor técnico e a sua situação moral e material.
 
Em 9 de Fevereiro de 1813, publicaram os Governadores um «Regulamento para os Hospitais Militares» em cuja elaboração Beresford teve intervenção directa ou através de delegados de sua escolha.
 
Em 14 de Junho de 1816, já finda a guerra mas ainda com o Marechal no comando, determinou-se do Rio de Janeiro que fosse posto em vigor o regulamento de 1805 com algumas alterações que constituíam a parte nova do diploma.
 
Tendo Beresford estado no Brasil com larga demora em 1815-16, não deve ter sido estranho às novas disposições ou teria sido, possivelmente, influência de Theodoro Ferreira de Aguiar, amigo pessoal e médico do Rei, uma vez que tinha sido ele o principal responsável pelo Regulamento de 1805.
 
Em oficio de 13 de Janeiro de 1809, dirigido ao Ministro da Guerra D. Miguel Pereira Forjaz, o Dr Bernardo José de Abrantes e Castro, servindo de Físico-mor, lembra os Avisos de 1789 e 1791 a que já fiz referência, sobre a nomeação de cirurgiões-mores, terminando por pedir a suspensão de três que estavam servindo sem ter habilitações legais.
 
Pouco depois, em 10 de Julho, é chamada a atenção do mesmo ministro, por João Manuel Nunes do Vale que substituíra o Dr Abrantes e Castro, para os inconvenientes resultantes dos coronéis nomearem cirurgiões-mores e até ajudantes; propõe que as nomeações se façam por oposições e exames perante o físico-mor debaixo de normas que apresentaria se a sua proposta fosse aprovada; lembra ainda se aumente de 12 para 15 000 reis o vencimento dos cirurgiões-mores, correspondente à sua patente, pois o pouco que ganham afasta do Exército os mais competentes.
 
Não foram bem sucedidos os esforços dos físicos-mores; para que a ideia vingasse foi preciso se interessasse por ela o comandante em chefe o Marechal Beresford. Por Aviso de 7 de Fevereiro de 1810 foi criada a Junta de Exames para Cirurgiões Militares presidida pelo físico-mor, tendo como vogais dois cirurgiões; os primeiros vogais foram Francisco José de Paula e Jacinto José Vieira em serviço no hospital da Corte.
 
Competia à Junta não só o exame dos que pretendiam ingressar no Exército mas dos cirurgiões ajudantes que pretendiam ser promovidos e ainda o de militares doentes.
 
Que a iniciativa partiu de Beresford sem ouvir os técnicos oficiais, pode concluir-se de um oficio de Nunes do Vale para o Ministro Forjaz, pedindo-­lhe para legalizar a situação da Junta, pois a sua criação lhe fora comunicada directamente pelo Marechal, não lhe sendo feita comunicação da Resolução de S. A. R., não sendo o Marechal órgão competente pelo qual se devam comunicar à sua Repartição coisas de semelhante natureza.
 
Na Ordem do Dia de 19 de Agosto de 1809 publicou-se um Aviso ministerial invocando as disposições do Regulamento de Infantaria (o de Lippe), sobre admissão de cirurgiões. É possível que o insucesso da determinação concorresse para a publicação do Aviso, a que também se alude chamando-lhe decreto, criando a Junta de Exames, e com ela nova doutrina.
 
Na Ordem do Dia de 2 de Março de 1810, publicou-se estar a Junta constituída, pelo que lhe deviam ser presentes os cirurgiões-mores e ajudantes para se classificarem idóneos para os seus lugares, fazendo-se as apresentações ao Físico-Mor por turnos, de modo a não ficarem os Corpos sem cirurgiões. Em 11 foi publicado um Aviso de que transcrevo a parte de maior interesse: «.... para que além da recompensa pecuniária ultimamente concedida, se haja de dar a cada cirurgião mor dos Regimentos que for aprovado na forma do Decreto de 7 de Fevereiro próximo passado, o direito e honras de capitão, sem que isto lhe dê um grau actual, e que debaixo das mesmas restrições, se dê a cada ajudante de cirurgia aprovado e nomeado, o direito e honras de tenente, de que gozarão segundo a data da sua nomeação respectiva, tendo mesmo os últimos daqui em diante uma patente como a dos cirurgiões mores, confirmada por S. A. R., mas devendo uns e outros quando forem demetidos do serviço por qualquer falta, perder desde então as pretensões aos direitos e honras já concedidos e que só conservarão sendo reformados por justa causa».
 
 
Finda a Guerra Peninsular (1814), iniciou-se um longo período de agitações indo dos tumultos até à guerra civil.
 
Para fazermos uma ideia da organização da Saúde Militar no princípio do século XIX, posso dizer que por volta do ano de 1814, a constituição do Exército Português incluía 40 840 homens que dispunham de 5 620 cavalos, previstos para tempo de paz.
 
Em cada Regimento de Infantaria ou de Artilharia havia um cirurgião-mor e dois ajudantes de cirurgião.
 
Nas Companhias de Caçadores e nos Regimentos de Cavalaria havia um cirurgião-mor e um ajudante de cirurgião.
 
Como havia 24 Regimentos de Infantaria, 12 Batalhões de Caçadores, 12 Regimentos de Cavalaria e 4 Regimentos de Artilharia, isto representava um total de 52 cirurgiões-mores e 80 ajudantes de cirurgião.
 
Se compararmos com o Quadro Orgânico do Serviço de Saúde actual, podemos ver que hoje existem muito menos médicos ao serviço do Exército português. mesmo tendo em conta apenas os cirurgiões referidos e não contabilizando aqueles que trabalhavam nos Hospitais como médicos (primeiros e segundos médicos) e os ocupados em lugares de chefia.
 
Os cirurgiões-mores e os ajudantes de cirurgião pertenciam àquilo que se designava como Pequeno Estado-Maior. Todos os outros médicos pertenciam aos chamados Corpos Civis do Exército.
 
As Cortes, saídas do movimento de 1820, nada fizeram quanto ao Serviço de Saúde, mas pode dizer-se que tudo desfizeram, já que o resolvido pelas Cortes foi traduzido na carta de lei de 20 de Dezembro de 1821 que, no seu parágrafo 6.º, declara extintos em tempo de paz, os lugares de físico e cirurgião-mor do Exército e seus deputados.
Em 13 de Novembro do mesmo ano, foi nomeado «Deputado Graduado do Físico-Mór do Exército», o médico Joaquim Tomaz Valadares, considerado ao abrigo do disposto no Regulamento de 1805 para a nomeação do físico-mor.
 
Talvez porque a carta de lei extinguia os lugares de «deputado do físico-mor» e como para o recém nomeado se inventou a designação de «deputado graduado», ficou ele empregado na repartição do Ministério da Guerra. a que foi atribuída a superintendência no Serviço de Saúde.
 
 
Durante a guerra civil D. Miguel restabeleceu os antigos cargos, voltando a ser Físico-Mor o Dr José Carlos Barreto.
 
D. Pedro, por seu lado, conforme a melhoria de recursos, foi a pouco e pouco, montando o Serviço de Saúde. Manda construir o primeiro hospital militar, construído de raiz para esse efeito, o Hospital Militar de D. Pedro V, na cidade do Porto.
 
Já com D. Maria II como Rainha, em 13 de Janeiro de 1837, reorganiza-se o Serviço de Saúde em novas bases, publicando-se em 10 de Novembro de 1847 o «Regulamento Geral do Serviço de Saúde do Exército». Pela primeira vez se publicou um diploma abrangendo todos os escalões, tanto em tempo de paz como de guerra.
 
Apenas em 1837, o Serviço de Saúde deixa de estar entregue às decisões de um só homem e passa a ser gerido por uma comissão específica, chamada Conselho de Saúde do Exército e que era constituído por um médico militar e por dois cirurgiões do Exército. O Governo nomeava um deles como Presidente, quase sempre o médico militar, que despachava directamente com o Ministro. Este Conselho dispunha ainda de dois delegados, cirurgiões do Exército, um em Lisboa e outro no Porto, com a responsabilidade das Divisões Militares. O primeiro Presidente nomeado foi o Dr José Ignácio de Albuquerque que pediu escusa dessa nomeação por grave estado de saúde e foi substituído pelo Dr Francisco Soares Franco.
 
Em 1841, também por razões de doença, foi este substituído, a princípio interinamente, pelo Cirurgião do Exército, José António de Azevedo. Em 1847, foi nomeado o Cirurgião do Exército, Libânio Constantino Alves do Valle. Em 1849, a Repartição do Conselho de Saúde do Exército, sendo uma das repartições da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, cria uma nova Repartição de Saúde no Estado Maior do Comando em Chefe do Exército, tendo por chefe um dos membros daquele Conselho e por adjunto um Cirurgião-Mor, como consta nas Ordens do Exército nº 16 e 54 de 19 de Março e 25 de Novembro de 1850. Por Decreto de 11 de Julho de 1850, publicado na O E. nº 34, passaram a ser atribuições da Repartição de Saúde do Estado Maior do Comando em Chefe «o pessoal de saúde; juntas de saúde; inspecções dos hospitais; convalescenças, ambulâncias e serviço de saúde em campanha», esvaziando muito as atribuições da Repartição do Conselho de Saúde. Em 1851, o Decreto de 6 de Outubro, publicado na OE nº 80, publica a reforma do Serviço de Saúde, por muitos considerada a passagem do passado ao futuro. Cria o lugar de Cirurgião em Chefe do Exército, com o posto de Coronel e atribui-lhe a chefia das duas Repartições. Foi extinto o Conselho de Saúde do Exército e criada uma Comissão Consultiva de Saúde do Exército, constituída por cirurgiões residentes em Lisboa e que se ocuparia dos trabalhos que lhe fossem encomendados pelo Ministro ou por consulta do Cirurgião em Chefe. Em 1859, é extinto o Comando em Chefe, o que obriga à remodelação da Secretaria da Guerra. Daí resultou que na sua 1ª Direcção fossem criadas 6 repartições, sendo a 6ª Repartição a encarregada da Saúde e tendo por chefe um cirurgião de brigada ou um cirurgião-mor. Tinha por funções «a correspondência com o cirurgião em chefe; preparar os trabalhos que dissessem respeito aos diversos ramos do serviço de saúde e que tenham de subir à presença do Ministro, com os competentes relatórios; indicar tudo que tenda a melhorar o referido serviço; examinar os documentos relativos aos hospitais; confeccionar o livro de registo de todo o pessoal técnico do Corpo de Saúde do Exército e a lista de antiguidades, acompanhada com as competentes informações periódicas; transmitir as ordens do Ministério em objecto de serviço de saúde». O Serviço de Saúde passou assim a estar atribuído a duas repartições diferentes, cada uma com seu chefe, pois o cirurgião em chefe continuava à testa da Repartição de Saúde do Exército, que não fazia parte da Secretaria da Guerra. A Organização do Exército de 1863 mantém as duas repartições, mas, por Carta de Lei de 23 de Junho de 1864 e publicada na OE nº 25, é novamente reorganizada a Secretaria da Guerra, sendo criada uma Repartição de Saúde nesta Secretaria, independente das Direcções, sendo extinta a antiga 6ª Repartição da 1ª Direcção. Fica a chefiá-la o Cirurgião em Chefe e divide-se em duas secções. Por Decreto de 11 de Dezembro de 1869 e publicado na OE nº 68, é reorganizada novamente a Secretaria da Guerra e a Repartição de Saúde deixa de ser independente e retoma o seu nome de 6ª Repartição, ficando dependente de uma Direcção-Geral única. Por Decreto de 7 de Setembro de 1899, publicado na OE nº 10, há nova organização do exército e os cirurgiões passam a ser chamados pelos postos seguidos da palavra médico.
 
O Decreto Lei de 25 de Maio de 1911, publicado na OE nº 11, com a organização do exército de 1911, distribui as funções que pertenciam à 6ª Repartição, por uma Inspecção Geral e por duas Repartições, uma no Estado-Maior do Exército e outra que constituía a 5ª Repartição da 2ª Direcção-Geral do Ministério da Guerra. Esta alteração só se mantém até 1919, não tendo sido alterada pelo Regulamento de Serviço do Exército de 1914. A Direcção do Serviço de Saúde Militar, agora não integrada em qualquer Repartição e com alguma autonomia, despachando o seu chefe com o General Ajudante-General, passou a estar instalada no chamado Palácio da Quinta da Alfarrobeira, propriedade que, por requisição militar, entrou na posse do Depósito Geral de Material Sanitário e Hospitalização em 10 de Outubro de 1943. De 15 de Março de 1946 até 31 de Dezembro de 1950, decorreram obras de conservação e adaptação para servir à instalação da Direcção do Serviço de Saúde Militar. Este magnífico Palácio foi edificado em 1727, pelo arquitecto João Frederico Ludovice, alemão de nação, como então se dizia e português por naturali­zação, autor celebrado de obras imorredoiras como os Convento de Mafra, de S. Pedro de Alcântara e Campo de Sant’Anna e das capelas-mor da Sé de Évora e da Igreja de S. Domingos em Lisboa.
 
Terminada a rápida visão sobre os aspectos estruturais e legais do Serviço de Saúde Militar durante toda a sua existência, há que acrescentar algumas palavras sobre a evolução dos hospitais que durante os vários séculos des­critos, serviram de base a este serviço.
 
Não se pode em trabalho deste tipo, com limitação estrita de páginas, tratar do assunto hospitais, com a descrição e pormenorização aconselhadas, tendo que nos limitar a uma visão apenas descritiva e o mais concisa possível.
 
Ao longo dos tempos, sempre que havia guerras e se tornava necessário criar um espaço onde se pudessem tratar os feridos e doentes, requisitavam-se e ocupavam-se casas que tivessem condições para esse efeito, a maioria das vezes sem qualquer compensação económica aos seus proprietários. Pode dizer-se que a Igreja, através das suas várias Ordens terá sido a mais sacrificada sob o ponto de vista das ocupações dos seus conventos. Também alguns nobres viram ocupadas suas casas ou parte delas. A estas casas atribuía-se-lhes o pomposo nome de hospitais. De grande parte deles não há memória registada por terem sido muito modestos na sua actuação e na sua duração.
Podemos dizer que o primeiro deles, de que há vários registos, alguns contraditórios, respeita ao chamado «Hospital do Castelo» (de S. Jorge), também referido como «Hospital dos Castelhanos», «Hospital dos Soldados» e ainda «Hospital de Nossa Senhora da Conceição» e cuja fundação por D. Pedro II (ainda Regente), se situa em 1673, segundo a maioria dos historiadores. Contudo existem referências que apontam as datas de 1587 ou 1588.
 
Depois deste e sem qualquer critério de importância ou data, é obrigatório referirem-se os seguintes hospitais:
Hospital dos Grilos, Hospital de S. Vicente de Fora, Hospital de S. Bento o Novo ou S. Bento da Saúde, Hospital do Páteo do Saldanha, Hospital da Graça, Hospital do Calvário, Hospital da Cordoaria ou da Junqueira, Hospital da Casa do Patriarca, Hospital da Nitreira, todos em Lisboa.
 
Merecem ser destacados ainda outros que existiram, bem como os que ainda existem:
Hospital Militar da Luz ou de Nossa Senhora dos Prazeres (1618-1814)
Hospital de São João de Deus (1755-1802)
Hospital de Xabregas (1802-1821)
Hospital Militar de Belém (1890 …)
Hospital de São Bento o Velho, da Estrela ou Estrelinha (1852 …) (existiram anteriormente no mesmo edifício, os Hospitais dos Ingleses (1797-1802 e 1808)), dos Franceses (1807-1808) e dos Portugueses (1804-1805 e 1834).
 
Devo ainda referir os hospitais do Porto:
Hospital de S. Bento da Vitória, Hospital de S. Francisco, Hospital de S. António da Cidade, Hospital da Misericórdia, Hospital de S. João Novo, Hospital da Serra de Vila Nova.
 
E principalmente
Hospital Militar do Porto ou de D. Pedro V (Hospital Militar Regional n.º 1)
 
Uma palavra ainda para os Hospitais Militares Regionais:
Hospital Militar Regional n.º 2 (Coimbra)
Hospital Militar Regional n.º 3 (Tomar) (Extinto)
Hospital Militar Regional n.º 4 (Évora) (Extinto)
 
Destaque ainda para:
Batalhão do Serviço de Saúde (1981 …)
Escola do Serviço de Saúde Militar (1979 …)
Centro de Classificação e Selecção do Porto (1993 …)
Centro de Classificação e Selecção de Lisboa (1993 …)
 
Esta é uma brevíssima história do Serviço de Saúde Militar. Simplificada por necessidade material, procurei contudo, dar-lhe algum nexo descritivo. Foi o trabalho possível. Baseei-o em dois trabalhos do grande historiador que foi o Dr Manuel Gião, de que transcrevi algumas passagens e na minha obra «História da Medicina Militar Portuguesa, 1.º e 2.º Volumes - 2005)».
 
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*      Presidente da União Mundial dos Escritores Médicos.
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