Nº 2609/2610 - Junho/Julho de 2019
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
NATO, 70 anos de transformação militar. Que desafios numa Zona de Operações Global?
Tenente-coronel
João Manuel Pinto Correia

Introdução

“Ao examinar as qualidades de um Estado, um príncipe deve avaliar se este é tão grande e forte que possa, precisando, manter-se por si mesmo, ou então se tem sempre a necessidade da defesa de outrem.” [1]

“O Homem é o Homem e as suas circunstâncias.”

(Ortega & Gasset)

 

Setenta anos depois, e após ter sobrevivido ao fim da Guerra Fria, a North Atlantic Treaty Organization (NATO) confronta-se com um tempo de turbulência acelerada, que coloca parte dos seus Estados-membros perante o paradoxo de, por um lado, verem na Aliança um chapéu protetor fundamental e, por outro, sentirem que se torna cada vez mais difícil acompanhar os desafios de uma organização impulsionada pela superpotência ‘Estados Unidos da América’ (EUA), num período de desafio à sua hegemonia.

Este artigo centra-se numa análise aos desafios que se colocarão à NATO num horizonte de médio e longo prazo (10-20 anos), o leque temporal que se impõe, tendo em vista a edificação atempada e oportuna de capacidades de defesa. Sendo certo que, ao longo da sua existência, a Aliança tem sabido adaptar-se, tem sido um motor de transformação e tem acolhido novos membros, expandindo-se, também é verdade que vivemos num momento de incerteza estratégica e que pairam no ar velhos fantasmas de uma “nova Guerra Fria”, esta bem mais perigosa. Neste contexto, Kaplan (2019) refere, por exemplo, que a China será um adversário “mais formidável que a Rússia alguma vez foi”. Por seu lado, Feffer (2018) recentra a “nova, nova Guerra Fria” na Rússia e na subida de tensão que se tem observado entre esta e a NATO, um género de déjà vu, desta vez, mais complexo e imprevisível[2]. Mas não são apenas os “velhos fantasmas”[3] que ameaçam a mais perene das organizações de defesa coletiva. Hoje, e certamente no futuro, a NATO enfrenta desafios em todas as frentes (Leste, Sul, Norte, interna), dimensões (política, militar, económica e tecnológica) e domínios (naval, terrestre, aéreo, espacial e cibernético), fazendo crer que estamos numa “Zona de Operações Global” (ZOG).

Olhando para “a Aliança, como a Aliança e as suas circunstâncias”, impõe-se um questionamento sobre: (1) O que é a Aliança? e (2) Quais as suas circunstâncias? Estas duas questões configuram uma análise aos ambientes interno e externo da organização, respetivamente. Neste contexto, este artigo está dividido em três partes: uma primeira, em que discorremos sobre o que existe escrito sobre os desafios que se colocam à NATO e onde se apresenta o modelo de análise; uma segunda, relativa à metodologia, e; uma terceira, de análise, que incorpora o futuro ambiente conflitual (as circunstâncias da NATO), os desafios para a Aliança Atlântica e respetivas implicações. Conclui-se que a NATO será confrontada com ameaças díspares e com riscos catastróficos para os quais existe a necessidade de construir uma maior agilidade estratégica e comprometimento. De outra forma, terá atingido o auge da sua vitalidade.

 

1. Enquadramento Teórico e Concetual

a. Estado da Arte

Num percurso pela literatura, encontramos algumas referências aos desafios colocados à Aliança. Num vídeo publicado em 2017, a NATO assumia que os seus desafios de segurança incluíam: a Leste, a postura agressiva da Rússia, materializada pela anexação da Crimeia e pela militarização junto da fronteira da NATO; e, a Sul, a deterioração da situação de segurança no Médio Oriente e em África, causadora de fluxos migratórios em grande escala e inspiradora de ataques terroristas. Também a disseminação de armas de destruição em massa (ADM), os ataques cibernéticos e as ameaças ao fornecimento de energia, bem como os desafios ambientais foram associadas a implicações de segurança[4]. Raine (2019) refere que os membros da NATO têm colocado em segundo plano a sua desarmonia política para forjar um genuíno sentido de unidade. Para a autora, a NATO enfrentará quatro desafios nos tempos que se seguem, cuja gestão determinará a coesão dos aliados: (1) a necessidade de manter uma postura unida relativamente ao Intermediate-Range Nuclear Forces (INF) Treaty; (2) a manutenção do papel da NATO nos Balcãs ocidentais (3) a gestão das tensões políticas relativas às operações da NATO (e.g.: Resolute Support Mission); e (4) o equilíbrio das ambições europeias de autonomia estratégica. Shea (2019) sublinha que a NATO enfrentará: (1) a Leste, a Rússia, um adversário com forças armadas modernas, com armamento hi-tech e com experiência de guerra; (2) a Sul, os Estados frágeis e tudo o que estes arrastam consigo; e (3) internamente, a polarização das sociedades, a luta face às dependências da globalização e o ambiente híbrido fomentado pela tecnologia. No capítulo da coesão, Shea destaca que existe uma contradição entre, por um lado, a perceção externa de que a NATO vive numa crise constante, e que cada nova crise parece ser a “crise terminal” e, por outro, a consciência interna de que a Aliança nunca esteve tão robusta e empenhada, num período de “regresso” à sua missão primária, a defesa coletiva. Esta ideia de robustez da Aliança fica também expressa nas palavras de Knudsen (2019), que refere que a atual capacidade operacional da NATO supera a de qualquer outro momento da memória recente. Por isso, num período de instabilidade, a Aliança continua a ser o pilar mais importante da segurança europeia, e sê-lo-á no curto e médio prazo. O autor estima que serão necessários cerca de 15 anos para preencher todas as lacunas nas capacidades de defesa europeias.

Farkas (2019) atribui à Rússia o rótulo de maior ameaça à NATO, destacando que o regime de Putin viola a lei e as normas internacionais, bem como os direitos humanos, como ficou expresso: na invasão da Geórgia e da Ucrânia, em 2008 e 2014, respetivamente; na eliminação seletiva de adversários; no “suposto” abate de um avião do voo 17 da Malaysian Airlines sobre a Ucrânia; na interferência de processos eleitorais em países ocidentais; na condução de operações de informação, destinadas a deteriorar e a desacreditar os sistemas democráticos; na violação do INF Treaty e de outras convenções de controlo de armamento; na violação provocadora do espaço aéreo dos EUA, da Europa e do Japão; e no apoio ao regime sírio, de que resultou a utilização de armas químicas contra as populações. Gaspar (2019) destaca que o futuro da Aliança estará na forma como os aliados europeus venham a orientar as suas decisões em torno da competição estratégica dominada pelos EUA, pela China e pela Rússia. Para o efeito, os europeus terão que aceitar que, acima de outras razões, estão na NATO para defender a ordem liberal das democracias ocidentais. Zandee (2018) dá destaque aos desafios estruturais em torno da coesão da NATO, conjuntamente com a previsão da postura de dissuasão e defesa da Aliança até 2024. Para o autor, a coesão tenderá a ser afetada: pelo fim do domínio dos EUA e o surgimento de novas potências, como a China; por uma mistura de multilateralismo e multipolaridade (multi-ordem); pela pressão crescente na manutenção das normas e valores ocidentais; e pela crescente complexidade de ameaças e desafios à segurança dos aliados, cuja geografia, história e preocupações nacionais tenderão a dividir uma Aliança pressionada por um arco de instabilidade a Leste e a Sul. Finalmente, Raza (2019) refere que as relações NATO-EUA foram fortes durante a Guerra Fria e que, com o “11 de setembro”, a Aliança ganhou momentum quando os EUA anunciaram a “guerra ao terror”. Não obstante as intervenções na Líbia e no Iraque terem dividido a Aliança e a chegada de Trump à Casa Branca ter também trazido alguma agitação, Raza conclui que a postura agressiva da Rússia junto à fronteira Leste da NATO reforça a ideia de que uma relação NATO-EUA forte é favorável a ambos.

Em síntese, podemos extrair da literatura várias preocupações de segurança. Desde logo, assinala-se a preocupação com a China e com a Rússia em resultado da competição estratégica de ambos com os EUA. Ao mesmo tempo, regista-se algum ceticismo com a estabilidade da Aliança, seja em relação às divergências de perceção da ameaça (Leste versus Sul), ou ainda em relação a divergências internas de vária ordem (política, de investimento em defesa, sobre as operações em curso, etc.). Paralelamente a estes aspetos, a NATO olha também para outros desafios, como a proliferação de ADM, as consequências do abandono do INF Treaty, o terrorismo nas suas várias dimensões, os fluxos migratórios, as alterações climáticas e a tecnologia. Esta amplitude de riscos e ameaças, em todo o espectro, traz preocupações acrescidas para a Aliança, pelo que se impõe um maior detalhe quer ao ambiente interno da NATO, quer ao ambiente estratégico para o qual terá que se preparar militarmente. Formulamos assim a seguinte questão: Que desafios estratégicos se colocarão à NATO e qual o seu impacto na aplicação do instrumento militar?

b. Modelo de Análise

No sentido de responder à questão de investigação, considera-se relevante discorrer sobre os conceitos de: ‘comunidade de segurança’, pela natureza que se pode atribuir à NATO; de ‘ameaça’, pelo condicionamento que impõe ao processo de formulação estratégica; de ‘zona de operações’, o espaço em que a Aliança se move; e de ‘estratégia’, pela necessidade de obter respostas aos desafios.

As comunidades de segurança, trazidas por Deutsch (pp. 1-5), em 1957, são um reflexo das políticas de segurança estabelecidas entre Estados e que permitem aos mais fracos defenderem a sua soberania. Por outro lado, foram também uma resposta às exigências e aos perigos de um mundo bipolarizado, trazido pela Guerra Fria. Deutsch dividiu as comunidades de segurança em dois tipos: as amalgamadas e as pluralistas. Nas primeiras, existe uma governação única e, nas segundas, os Estados mantêm a sua independência. Centremo-nos, por isso, nas segundas. Rosamond (2000, pp. 12 e 205) destaca que o aspeto crucial que leva à criação de uma comunidade de segurança pluralista é a improbabilidade de guerra entre as unidades políticas que a integram, a que podemos adicionar a existência de uma ameaça militar comum na região ou para lá das suas fronteiras, como sugere Wallensteen (1994, pp. 5-6). Encontramos nestas palavras a ideia do que representa a NATO. Ou seja, o facto de ser pouco provável um conflito entre os seus membros e a necessidade de defesa perante uma ameaça militar comum, seja na região, seja “out of area”, como ocorreu no Afeganistão. Contudo, apesar de pouco provável, a possibilidade de um conflito entre os aliados deve ser reavaliada no horizonte em estudo. Por outro lado, como ficou exposto no estado da arte, haverá que validar o quão “comuns” podem ser percecionadas as ameaças pelos aliados e se, não o sendo, isso não aumenta as divergências.

Uma ameaça[5] é qualquer acontecimento ou ação, em curso ou previsível, que contraria a consecução de um objetivo e que, normalmente, é causador de danos materiais e morais (Couto, 1988, p. 329). O facto de as ameaças poderem atuar internamente, na região, ou fora desta, transporta-nos para uma dimensão espacial onde decorrem as operações. Jomini dizia que uma zona de operações era uma determinada fração do teatro de guerra que podia ser atravessada pelo exército na consecução do seu objetivo, atuando isoladamente ou em conjunto com outros exércitos (2008, p. 71). Transferindo o termo para os dias de hoje, e adjetivando-o de ‘global’, obtemos que uma ZOG é um teatro onde a guerra se desenvolve, sendo que esta pode conjugar um ou os vários instrumentos de poder (cariz multidimensional), e que cada instrumento se desenvolve em vários domínios (multi-domínio). Com isso, a guerra pode continuar a ser a “continuação da política por outros meios”. Porém, tais meios não se restringem a uma ­natureza cinética. Ou seja, podem ser de cariz económico, informacional, diplomático (sendo a diplomacia uma subárea da política) ou psicológico, entre outros, o que configura a aplicação de outras estratégias tidas como de aproximação indireta, com as classificou Lidell Hart (1941).

Para Cabral Couto (2014), a estratégia é a ciência e a arte da dialética das vontades na consecução de objetivos num sistema político-social complexo. Lykke refere que a estratégia é a arte que define fins (ends) a atingir, os meios (means) a utilizar para os alcançar e os modos (ways) como esses means serão utilizados (Yarger, 2010, p. 45). Caso estes três elementos não estejam em equilíbrio, há que adicionar o risco (risk) como quarto elemento. A adição do risco [estratégico] à equação da estratégia obriga a que esta se transforme numa teoria do sucesso[6], na procura de criar vantagem, de gerar novas fontes de poder e de explorar fraquezas no oponente.

Em síntese, temos uma comunidade de segurança que, fruto das circunstâncias, atua numa ZOG polvilhada de ameaças e riscos, face aos quais deve formular estratégias. É, portanto, o futuro ambiente conflitual (ZOG + amea­ças) que teremos que avaliar, em contraponto com a estratégia da Aliança na sua relação “ends + ways + means + risk”.

Admite-se que [Ambiente Conflitual Futuro Estratégia da Aliança = gap estratégico (De)], conforme a figura 1 e cuja eliminação pressupõe a prossecução de linhas de ação por parte da Aliança. A rejeição destas linhas implica a assunção de riscos estratégicos.

Fonte: Autor (2019)

Figura 1 – Gap estratégico que se colocará à Aliança em resultado
de um novo quadro de ameaças e riscos.

 

2. Metodologia

Importa, então, caraterizar o futuro ambiente conflitual e, com base neste, extrapolar os desafios para a Aliança Atlântica que se refletem em linhas de ação estratégica (LAE). Uma das metodologias válidas para obter estas LAE é a análise SWOT (strengths, weaknesses, opportunities and threats). Assim, no sentido de caraterizar o ambiente conflitual, começamos por lhe atribuir o rótulo de ambiente externo, no qual serão identificadas as oportunidades e as ameaças (OT), consolidadas em desafios. A avaliação da Aliança incorpora uma análise ao seu ambiente interno, ou seja, às suas forças e fraquezas (SW). A definição de LAE, que decorre do cruzamento das variáveis SW versus OT[7], terá por base uma validação segundo as provas da estratégia: aceitabilidade, exequibilidade e adequabilidade[8].

A caraterização de ambos os ambientes (interno e externo) será ancorada em relatórios e bases de dados de plataformas de reconhecido valor e fiabilidade, como a “RAND Corporation”, a NATO, o SIPRI[9], o CFR[10], o “Fund for Peace”, os documentos estratégicos das principais forças competidoras ou adversárias da Aliança num horizonte de médio-longo prazo, bem como alguns discursos de líderes estratégicos, entre outros elementos.

 

3. Análise

a. Os Multiplicadores de Efeitos

Como ponto de partida, torna-se necessário abordar dois elementos comuns da contemporaneidade, que afetarão amplamente a “NATO e as suas circunstâncias” no período em análise: a globalização e a pós-verdade.

O século XXI confrontou o mundo com uma globalização galopante, irreversível e multiplicadora de efeitos. Não sendo um conceito novo, o fenómeno global contemporâneo veio transformar o Sistema Internacional (SI), onde as unidades (estatais e não-estatais) se movem, num espaço híbrido (líquido e também virtual), “desterritorializado”, conectado, interdependente, em metamorfose constante e amplamente marcado por uma evolução tecnológica desenfreada, pela informação em quantidade e pela desinformação.

O ambiente de globalização atual é também sinónimo de “pós-verdade”. Para Feitosa (2017), a ideia de que “onde não há factos, nada é verdade” evoluiu para a ideia de que “onde não há factos, há verdades em demasia”. Arendt referiu em tempos que, quando há verdades em demasia, existe o perigo de descrença generalizada na realidade, passando a ser fácil desacreditar a verdade factual com apenas outra opinião, frequentemente mal sustentada, inconsistente ou falseada (1977, p. 243).

Em síntese, se por um lado, a globalização encurta o espaço e o tempo, por outro, estas duas dimensões [espaço e tempo] são fundamentais para que a pós-verdade se projete no campo das ideias. Assim, a globalização e a pós-verdade serão multiplicadores de efeitos influenciadores do ambiente conflitual.

b. Futuro do Ambiente Conflitual (Ambiente Externo)

(1) As Tendências

De acordo com o Global Risks Report de 2019, há uma tendência para a intensificação dos riscos globais “fora de controlo”, e que apontam para: (1) vulnerabilidades económicas (2) tensões geopolíticas; (3) tensões sociais e políticas; (4) fragilidades ambientais; e (5) disrupções tecnológicas. Como “choques futuros”[11], o relatório aponta: as guerras pela água doce, algo que podemos ver em redor do Lago Chade[12]; o boom da computação quântica, que transformará a criptografia, da qual o mundo atual depende, em obsoleta; a corrosão da relação entre a cidade e o mundo rural, motivada pelo aumento das divergências entre ambos na educação, na prosperidade, nas oportunidades, etc.; a escassez de alimentos, por via das alterações climáticas, da escassez de água e do abandono das zonas rurais, com potencial para gerar fluxos migratórios, guerras comerciais e outros desequilíbrios; o aumento da vigilância biométrica[13], como forma de controlo social e de manipulação de milhões de pessoas; a falta de água potável nas megacidades e grandes metrópoles, de onde resulta o termo “dia da água zero”[14], e cujas consequências conflituais poderão ser imprevisíveis; a corrida ao espaço e a sua militarização pelas grandes potências; a inteligência artificial, capaz de responder a emoções, abrindo uma “caixa de pandora” de potenciais riscos; a violação dos direitos humanos sem consequências, inclusive em Estados democráticos; e os populismos monetários, gerados por políticas de independência monetária passíveis de utilização para confrontações entre os blocos económicos mundiais (WEF, 2019, pp. 66-75).

Outros relatórios elaborados pela comunidade científica permitem-nos também recolher tendências para as décadas futuras. Neste âmbito, C. Lewis (Universidade do Colorado) obteve, em 2010, um conjunto de 31 forças motrizes que afetarão a vida nas próximas décadas, entre as quais: o aumento das divisões e, consequentemente, das migrações, entre o Primeiro e Terceiro Mundos; o aumento dos Estados falhados; o aumento da ameaça terrorista; o aumento da insegurança global, em resultado da interação do colapso ambiental e da insegurança económica; e o medo crescente de que o futuro será pior que o passado (Lehrman, 2011, p. 27). Também o Strategic Monitor 2018-2019 do The Hague Centre for Strategic Studies (HCSS) nos apresenta um conjunto de elementos de preocupação para o futuro, como: a competição militar entre Estados; o regresso da “guerra política”[15], cuja maior atenção está voltada para a Rússia; o aumento das tensões verticais na União Europeia, em resultado de divergências entre Estados-membros e dentro da cúpula da União face a temas como as migrações, o terrorismo, os populismos, a moeda, etc.; a violência política na periferia da Europa; e as tensões verticais dos Estados que afetam o “contrato social” e podem constituir-se como ameaça (HCSS, 2018). Finalmente, os estudos elaborados pela NATO, em particular: (1) o Multiple Futures Project (MFP), elaborado em 2009 com o horizonte de 2030, que destaca quatro tipos de mundos futuros (o lado obscuro da exclusividade, a estabilidade enganosa, o choque da modernidade e os novos blocos políticos), de onde resultam implicações na segurança (NATO, 2009)[16]; (2) o Strategic Foresight Analysis (SFA), elaborado em 2017, com 20 tendências (de natureza política, humana, tecnológica, económica e ambiental) e respetivas implicações (NATO, 2017); e (3) o Framework for Future Alliance Operations (FFAO), de 2018, que replica as tendências do SPA, embora com um detalhe mais bem arrumado no capítulo das implicações (NATO, 2018). Da análise e interpretação destes seis documentos resultaram 50 tendências conflituais globais, sintetizadas na tabela 1. Destas, após uma avaliação de probabilidade e impacto, resultarão as preocupações de segurança para a Aliança no horizonte de médio-longo prazo.

 

Tabela 1 – Tendências Conflituais Globais. 

Sublinha-se que várias destas tendências são exponenciadas por via da interdependência e por falhas nas ações de mitigação e capacidade de adaptação. Dá-se um exemplo de como as alterações climáticas se enquadram nesta observação. Em 2016, investigadores do Instituto Max Planck e do Instituto Chipre, em Nicósia, calcularam que o Médio Oriente e o Norte de África poderão tornar-se tão quentes que a habitabilidade humana naquelas regiões ficará comprometida. O objetivo de limitar o aquecimento global a menos de 2oC, acordado na Cimeira do Clima em Paris, não será suficiente para evitar tal cenário. Para os investigadores, a temperatura durante o verão, que atualmente já é muito elevada no Médio Oriente e no Norte de África, aumentará mais de duas vezes mais rápido em comparação com o aquecimento global médio. Isso significa que, durante os dias quentes, as temperaturas a Sul do Mediterrâneo atingirão cerca de 46oC em meados deste século. Adicionalmente, estes dias de temperaturas extremas ocorrerão cinco vezes mais do que no início do milénio. Em combinação com o aumento da poluição do ar devido às poeiras do deserto, as condições ambientais podem tornar-se intoleráveis ​​e forçar as pessoas a migrar[17]. Este cenário merece uma profunda reflexão se pensarmos que, no Norte de África e no Médio Oriente, vivem mais de 500 milhões de pessoas e que destas, tendencialmente, muitas poderão rumar à Europa. O efeito das alterações climáticas nas migrações poderia ainda ser amplificado pelo aumento terrorismo, pela instabilidade destas regiões e pelo agravamento da fragilidade de muitos dos Estados ali implantados.

Antes de selecionarmos as tendências com maior potencial de risco para a Aliança no horizonte em análise (10-20 anos), importa discorrer, de forma breve, sobre os atores estatais e não-estatais que farão parte da “circunstância” da Aliança.

(2) Os Atores Estatais

Hoje, a comunidade académica divide-se quanto à classificação do SI no que concerne à distribuição de poder. Ora ouvimos que o sistema é multipolar, ora que é apolar, ou ainda que é uni-multipolar, embora possa ser tripolar e, finalmente, que continua unipolar[18]. De facto, em termos estratégicos e para a NATO, pouco importa o presente. Nada do que classifica o presente tem impacto na edificação de capacidades militares. Para lidar com o presente, as capacidades e o instrumento militar, como um todo, foram pensados, no mínimo, há uma década. O que interessa à Aliança é como será o sistema num horizonte de médio-longo prazo (10-20 anos). Neste contexto, os indicadores apontam que o sistema terá mais que dois polos. Qual destas classificações poderá traduzir-se em maior ameaça para a NATO? De acordo com a figura 2, os sistemas tripolares são mais instáveis. Se visitarmos a teoria dos jogos percebemos porquê. É que, num sistema com três polos, impera o medo e a desconfiança das alianças[19]. Porém, mesmo que a classificação do SI seja multipolar, a estabilidade do sistema será sempre menor, quando comparada com a bipolaridade caraterística da Guerra Fria. Por aqui se vê que uma “nova Guerra Fria” tenderá a ser mais instável, seja com três ou mais polos de poder.

Fonte: Schweller (1998)

Figura 2 – Estabilidade do Sistema Internacional mediante o
número de polos de poder.

Quanto falamos em atores estatais com potencial para integrarem o ambiente conflitual da NATO, a Rússia[20] assume uma posição de destaque. Mais recentemente, também a China figura nas preocupações da Aliança, pelo que serão analisados de seguida. Segundo o SIPRI, em 2018, estas duas potências alocaram para a defesa 3,9 % (6ª posição global) e 1,9 % (2ª posição global) do seu Produto Interno Bruto (PIB), respetivamente (2019, p. 2).

A afirmação militar destas potências globais tem sido visível, seja através da exploração de todos os domínios (ar, terra, mar, espaço e ciberespaço), seja através da modernização abrangente do instrumento militar que, amiúde, tem sido apresentado: em exercícios estratégicos[21]; em paradas militares; em conflitos (e.g.: Síria, Ucrânia, Venezuela), tido como laboratórios de operacionalização da forma russa de fazer a guerra (híbrida e moderna); e em discursos.

 

(a) A Rússia. Bases para o seu Ressurgimento e Postura

Kohl: Acreditamos que a NATO não deve expandir-se. Temos que encontrar uma resolução razoável. Compreendo corretamente os interesses de segurança da União Soviética (…).

Gorbachev: Se retirarmos unilateralmente todas as tropas da RDA, você também não conseguirá segurar a NATO. Precisamos de soluções razoáveis que não envenenem a atmosfera das nossas relações[22].

 

O cenário descrito em 1991, numa conversa entre Kohl e Gorbachev, foi alterado a partir de 1999, com a adesão de três países a Leste da Alemanha, em concreto a República Checa, a Hungria e a Polónia. Em 2004, foi a vez da Bulgária, dos Países Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), da Roménia, da Eslováquia e da Eslovénia. Em 2009, juntaram-se mais dois países, a Albânia e a Croácia. Finalmente, em 2017 chegou o Montenegro, o 29º aliado, e, na Cimeira de Bruxelas, em julho de 2018, a NATO endereçou o convite à Macedónia do Norte[23]. Poderão seguir-se a Bósnia Herzegovina, a Ucrânia e a Geórgia (Garamone, 2019). Em termos geopolíticos, o processo de alargamento iniciado em 1999 pode classificar-se como “brutal” por várias razões.

Em primeiro lugar, porque o ano de 1999 coincidiu com a intervenção norte-americana no Kosovo à revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), algo que pode considerar-se como a “pedra de toque” para o ressurgimento da Rússia de Putin[24]. A atitude dos EUA foi interpretada na Rússia como um ataque à sua posição de membro permanente e ao seu inerente direito de veto. Esta crise, não só modificou a visão do sistema de relações internacionais e a perceção de “ameaça imediata” como reforçou a recusa da elite e da sociedade russa em relação à expansão da NATO. Consequentemente, a doutrina estratégica russa foi reorientada. Na nova versão, aprovada em 2000, a ameaça externa e o efeito desestabilizador do Ocidente, em particular dos EUA, passaram a ser uma realidade. A Rússia reafirmou ainda o seu direito ao uso de armas nucleares em resposta a ameaças à segurança do país, e deu ênfase à projeção externa das forças armadas para proteger seus interesses (Perrier, 2014, pp. 21-22).

Em segundo lugar, porque o Kosovo, ainda hoje reconhecido por pouco mais que metade dos países da Organização das Nações Unidas (ONU), corresponde a um território que, na ótica da Rússia, foi retirado à Sérvia, o aliado histórico russo dos Balcãs. Por essa razão, em 1996, em consequência das ações do Ocidente contra “irmãos sérvios”, foi aprovada a doutrina “Primakov”, com três linhas mestras: (1) a realização de parcerias seletivas, rompendo a ideia de que o Ocidente poderia ser um aliado natural da Rússia; (2) a condução de uma política de “counter-balancing”, contra o domínio norte-americano, através de um reforço das ligações com a Ásia (em prol do triângulo estratégico Moscovo, Nova Deli e Pequim) e com o Médio Oriente; e (3) o estabelecimento de uma área de interesse russa correspondente à antiga fronteira ocidental da URSS. Qualquer expansão da NATO através dessas fronteiras, inclusive nos Estados Bálticos, seria entendida como um ato hostil (Perrier, 2014, pp. 20-21).

Em terceiro lugar, porque com as adesões acima referidas, desde 1999, a Sérvia ficou geopoliticamente “cercada” pela NATO. A Sérvia é um “prisioneiro da geografia”. O mesmo se passa com a Síria, a única “cabeça de ponte” russa no mediterrâneo (Marshall, 2016). Percebe-se por isso, a persistência russa em manter Assad no poder desde a eclosão das primaveras árabes, em 2011, e que originaram uma guerra na Síria, ainda em curso.

As bases de relançamento da Rússia na competição estratégica com o Ocidente iniciaram-se em finais da década de 1990. Mas, além do alargamento da NATO, estas seriam reforçadas no século XXI com o abandono, pelos EUA, do Tratado de Defesa Antimíssil (ABM)[25], em 2002. Em 2007, Putin profere um discurso na Conferência de Segurança de Munique[26], onde critica a conduta internacional dos EUA e seus aliados, culpando-os pelo uso ilegítimo da força e por criarem focos de instabilidade internacional (SEDE, 2017, p. 4). Curiosamente, estes indicadores dados por Putin não se refletem no conteúdo do Conceito Estratégico da NATO de 2010. Em 22 de outubro de 2015, em Sochi, no Valdai Discussion Club, Putin reitera, entre várias acusações, a condenação da postura unilateral do Ocidente, destacando: a interferência dos EUA em regiões de fronteira[27], em colisão com os interesses de outros blocos; e o desenvolvimento de sistemas de defesa antimíssil na Europa, numa tentativa de alterar o equilíbrio de forças e de “ditar a vontade” à Rússia (Dibb, 2016, p. 7). Numa referência à nova Ordem Mundial, o líder russo defendeu “novas regras, ou um jogo sem regras”[28]. Finalmente, destaca-se a anúncio, pelos EUA, do abandono do INF Treaty. Embora esta decisão fosse baseada em acusações de violação[29] do tratado apontadas à Rússia, e também porque outros países, como a China, não estão sujeitos às restrições do tratado, o que é facto é que esta medida pode incitar uma corrida ao armamento na Europa (Kühn, 2019).

Presentemente, o poder militar russo incorpora elementos convencionais, nucleares e não-convencionais evoluídos, em linha com os EUA e com a China[30]. A Rússia tem desenvolvido a um ritmo acelerado capacidades de anti-acesso e de negação de área (A2/AD), nomeadamente: defesas e mísseis antiaéreos; mísseis balísticos terra-terra; baterias de mísseis de cruzeiro, para lançamento em terra, no ar e no mar; e capacidades de guerra antissubmarina. Estas capacidades estão orientadas para onde os estrategos russos anteveem enfrentar maior pressão militar externa no futuro, designadamente, a Crimeia, Kaliningrado e o Ártico (SEDE, 2017, p. 15). Além destas regiões, devemos acrescentar o Atlântico Norte, pois, à data (logo, também futuramente), a atividade submarina da Rússia nesta região, absolutamente estratégica para a Aliança, atinge o valor mais elevado desde a Guerra Fria (NATO/DSC, 2019, pp. 4-5)[31]. A capacidade de guerra cibernética é também uma aposta forte de Putin e é onde assenta a New Generation War (NGW) russa (Adamsky, 2018, p. 149). O mesmo se passa com o arsenal nuclear, invocado em 2014, no contexto do conflito com a Ucrânia, e que tem sido objeto de
modernização, como se observou em 1 de março de 2018, quando Putin apresentou uma arma nuclear que classificou de indestrutível face a defesas antimíssil, o RS-28 Sarmat (SS-X-30 Satan II)[32]. Ou seja, com esta suposta arma, a Rússia tem vantagem estratégica sobre os EUA, pois pode atacar solo e interesses americanos e defender-se de uma retaliação recorrendo aos seus sistemas de defesa antimíssil, S-400 e S-500. O relançamento desta competição implica a militarização do espaço onde, a par da Rússia e dos EUA, se juntarão a China e a Índia.

Mas, em termos estratégicos, a Rússia não recorre somente ao instrumento militar. Um estudo das táticas empregues pelos russos na Crimeia e em Dombass (Ucrânia) concluiu que os meios militares assumiram formas ambíguas (disfarçadas, negadas, limitadas, etc.) e foram combinados com ataques cibernéticos, pressão política e económica, operações psicológicas e uma intensa campanha de desinformação. É nesta combinação de meios, militares (inclusive nucleares) e não-militares, que a Doutrina Gerasimov[33] se apoia para atuar de forma híbrida (SEDE, 2017, pp. 16-17). Esta estratégia de NGW Cross-Domain Coercion[34] pode considerar-se “total”, pela utilização concertada de todos os instrumentos de poder e é um jogo complexo que esbate a linha entre a guerra e a paz (não-guerra), podendo tornar-se num problema sério para a Aliança (Adamsky, 2015, p. 37).

Em linha com este esbatimento entre guerra e não-guerra, Petr Pavel, Chefe do Comité Militar da NATO, numa entrevista em 2018, referiu que:

“(…) a Rússia não distingue entre paz, crise e guerra. Para a Rússia tudo é um conflito permanente, apenas com meios diferentes. Portanto, aquilo a que chamamos uma guerra híbrida é um conflito de baixa intensidade dentro da concorrência com o Ocidente, em que a Rússia empenha todas as ferramentas disponíveis em campanhas de desinformação, no apoio a elementos em países ocidentais, onde tentam promover hostilidades e divisões. Também usam todos os tipos de propaganda e também não hesitam em usar meios militares sempre que apoiem os seus objetivos de política externa. Então, estamos num momento de competição estratégica. A qualquer momento pode escalar para algo pior (...)” [35].

 

Em síntese, a maskirovka (Keating, 1981) (surpresa, ocultação, deceção e desinformação), apoiada na tecnologia, continuará a ser o elemento central da cultura estratégica russa. O atual ambiente estratégico, líquido e virtual é, assim, propício à NGW Cross-Domain Coercion.

 

(b) A China

Em comparação com a Rússia, a China pode ser percecionada como um “não-assunto” para a Aliança. Porém, existem vários indicadores de mudança que nos impelem a considerar a China como um ator que integrará o ambiente conflitual da Aliança. O principal desses indicadores é postura de Xi Jinping, tido como o timoneiro da terceira revolução chinesa, em formato 360o, depois de Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping, respetivamente (Economy, 2018). A grande diferença de Jinping, face aos seus antecessores, reside na alteração de lógica, que havia sido consolidada com Xiaoping em dois momentos. O primeiro, no início da década de 1990, através da “Estratégia dos 24 Carateres”, orientada para “observar calmamente as situações, defender a posição, fazer face às mudanças com confiança, dissimular as capacidades e aguardar pela oportunidade, manter um low profile intencional, evitar protagonismos e ser proactivo (MCIA, 2009, p. 10). O segundo momento, com o Novo Conceito de Segurança de 1997, que assentava em: (1) quatro pilares – segurança cooperativa, segurança abrangente, segurança coordenada e segurança comum; e (2) quatro “nãos” – não à hegemonia, não às políticas de poder, não à corrida ao armamento e não às alianças militares (Carriço, 2013, pp. 25-25).

Em 31 de dezembro de 2017, escassos dias depois de ver rotulada a China como “revisionista” na Estratégia de Segurança Nacional (NSS) dos EUA (White House, 2017, p. 25), Jinping discursa para o país referindo-se às grandes linhas da política externa chinesa, orientadas para: a consolidação do estatuto na ONU; o comprometimento no combate às alterações climáticas; o impulso do Belt and Road Initiative (BRI)[36]; a construção da paz mundial; o desenvolvimento e prosperidade global; a manutenção da ordem internacional. Sem destacar os EUA, Jinping refere que Pequim está pronta para substituir Washington na liderança mundial (Gao, 2018). Esta mensagem pode ser interpretada de várias formas. Em primeiro lugar, se os EUA pretendiam que a China se assumisse, a China fê-lo. Em segundo lugar, Jinping rompeu, em parte, com a estratégia de Xiaoping, pela vontade de assumir o protagonismo, em contradição com uma das disposições da “Estratégia dos 24 Carateres”. Adicionalmente, feriu dois dos “nãos” do Novo Conceito de Segurança de 1997, designadamente o “não à hegemonia” e o não às “políticas de poder”! Em terceiro lugar, destaca-se que as linhas referidas para a política externa assentam em temas globais (alterações climáticas, ordem internacional, paz mundial e desenvolvimento global), e que só uma potência que pretende ser global pode ter esta ambição. Em quarto lugar, sublinha-se a atitude de desafio à superpotência (EUA), algo que transforma o SI num mundo a três, e que colocará os EUA naquilo que se pode designar como “dilema das duas frentes”, a Euro-Atlântica, onde lidam com a Rússia, o adversário militar clássico; e a da Ásia-Pacífico, onde se confrontam com a China, o atual e futuro adversário económico, mas que vê no crescimento militar uma consequência natural do dilema de segurança naquela região. É, por isso, óbvio que os EUA pretendem da Europa um maior comprometimento com a sua defesa.

Ao nível securitário, destaca-se a construção e militarização, ainda que contestada internacionalmente, de bases no Mar do Sul da China, que permitem o controlo daquele choke point estratégico, bem como o envolvimento de Taiwan e a definição de uma primeira linha de defesa apoiada numa cadeia de ilhas (USCC, 2018, p. 225)[37]. No que concerne ao desenvolvimento do instrumento militar, no final de 2017, Jinping estabeleceu: (1) para 2035, a modernização[38] militar total do Exército de Libertação Popular (PLA); e (2) para 2049[39], um Exército (instrumento militar) de classe mundial, ou seja, com meios e capacidade de projeção e sustentação global (USCC, 2018, p. 205). O cumprimento destes objetivos irá abranger os três níveis das operações (estratégico, operacional e tático), os cinco domínios do campo de batalha (terrestre, marítimo, aéreo, espacial, cibernético) e as várias tipologias de meios (convencionais, não-convencionais[40] e nucleares). A capacitação militar engloba também os objetivos de unificação chinesa estimada para o ano de 2049 (Bierman, 2018). Para Pequim, “a unificação é o objetivo e a força é uma opção”, conforme referiu Jinping (Buckley & Horton, 2019a). Para o líder chinês, “a China deve preparar-se para uma luta militar abrangente (...)” e “a preparação para a guerra e para o combate devem ser aprofundados para garantir uma resposta eficiente (…)” (Zhao, 2019).

Estes sinais fazem antever uma elevada tensão entre os EUA e a China, numa região que já é o centro económico mundial, a mais nuclearizada e a mais densificada do globo. A par de tudo isso, é a região que tem a potência que aspira ao trono do SI e que estima duplicar o seu crescimento económico até 2040 (Dobbins, et al., 2018, p. 4). Betts & Christensen (2016) questionam se a China poderá ser uma superpotência sem uma guerra? Esta questão impõe que se reflita sobre o que consideramos ser uma “guerra”. Note-se que a Guerra Fria terminou por colapso de um dos blocos. Houve uma guerra? Sim, mas sem guerra (direta)! Outros instrumentos, nomeadamente o económico (mas não só), contribuíram para que o bloco ocidental vencesse. Então, porque não poderá a China vencer uma “guerra” sem guerra? De facto, pode. Porém, aquilo que o Ocidente considera como não-guerra, para a China é guerra. Ou seja, à semelhança do modelo russo, a China vive uma guerra permanente e todos os instrumentos (que integram a sua grande estratégia ou estratégia total) funcionam em prol da prosperidade e sobrevivência do Estado[41]. Este conceito está vertido no livro “Unrestricted Warfare”, de Liang & Xiangsui (1999), onde podemos ler:

“A guerra pode ser militar, ou quase militar, ou não-militar. Pode usar violência, ou pode ser não-violenta. Pode ser um confronto entre soldados profissionais, ou entre forças constituídas à base de pessoas comuns ou especialistas. Estas características divergem da guerra tradicional e são a linha de partida para novos tipos de guerra” (pp. 206-207).

 

Através de uma grande estratégia, a China procurará provocar a exaustão dos EUA, mais habituados a abordagens convencionais, que exigem muitos recursos e longas linhas de comunicação. Enquanto isso, a China preservará os seus recursos, construirá lentamente as suas capacidades e aguardará até que uma oportunidade surja para desafiar convencionalmente os EUA (Cho, 2011, pp. 8-13).

A tabela 2 apresenta uma comparação do modelo de guerra híbrida chinês e russo.

 

Tabela 2 – Comparação dos modelos chinês e russo de guerra híbrida.

Modelo chinês

Modelo russo

Assenta no revisionismo histórico do império chinês e no século de humilhação (1839-1949).

Assenta no revisionismo histórico do império russo e na ideia de “humilhação” pós-Guerra Fria.

Recorre à estratégia total (Guerra Irrestrita: supra-nacional, supra-domínio e supra-meios).

Recorre à estratégia total (Cross-Domain Coercion).

Processo de tomada de decisão imediato centralizado no presidente.

Processo de tomada de decisão imediato centralizado no presidente.

Focada no domínio terrestre (devido ao BRI) e marítimo.

Focada no domínio terrestre e marítimo.

Entendida como uma resposta à invasão ocidental dos mares próximos da China e do seu território soberano.

Entendida como uma resposta à invasão ocidental do espaço de influência da Rússia e do seu território soberano.

Estrategicamente pretende impedir os EUA de ter influência no Mar do Sul da China e, através do BRI, pretende cooptar economicamente parte dos seus aliados ocidentais.

Estrategicamente, pretende eliminar a influência da NATO e da UE do seu espaço próximo de influência estratégica.

Codificada no conceito das “Três Guerras” (psicológica, da opinião pública e legal).

Codificada na “maskirovka” e na sua evolução, a “Doutrina Gerasimov”.

Forte e amplo sistema de informações, também apoiado numa diáspora global.

Forte e amplo sistema de informações.

Apoiada em meios militares (convencionais, não-convencionais) e não-militares, empregues ao nível operacional e tático. Opera em todos os domínios do campo de batalha (terrestre, marítimo, aéreo, espacial, cibernético). Meios estratégicos de dissuasão nuclear com capacidade de second strike (retaliação).

Apoiada em meios militares (convencionais, não-convencionais) e não-militares, empregues ao nível operacional e tático. Opera em todos os domínios do campo de batalha (terrestre, marítimo, aéreo, espacial, cibernético). Meios estratégicos de dissuasão nuclear com capacidade de first strike.

Indiferente aos tipos de governo dos Estados com os quais interage.

Apoia movimentos políticos, de extrema direita ou extrema esquerda, com o objetivo de perturbar a política das sociedades/Estados adversários e, se possível, instalar regimes alinhados com a Rússia.

Predomínio do soft power (persuasão).

Predomínio do hard power (coação).

 

(3) Os Atores não-Estatais

Os atores não-estatais assumirão no futuro um papel ainda mais importante e decisivo no ambiente conflitual. Até hoje, a única vez que um membro da Aliança invocou o artigo 5º do Tratado, fê-lo devido a atores não-estatais. Por essa razão, a NATO passou a perceber que, ainda que fosse uma organização regional, a sua zona de operações é global, facto pelo qual, em 2001, projetou forças para o Afeganistão, e ainda ali mantém uma presença. Desde 2001, temos assistido à proliferação do radicalismo, do terrorismo, da violência, da pirataria, da criminalidade transnacional organizada, da subversão e da conflitualidade que, ao estilo “bola de neve”, está na génese de um aumento do fluxo de refugiados e deslocados (Correia, 2018a, p. 6). As primaveras árabes de 2011 serviram para agravar a situação de insegurança no Norte de África e no Médio Oriente, destacando-se, neste âmbito, os conflitos sírio, líbio e iemenita, que se antevê que perdurem por muitos anos, e com fortes consequências humanitárias. Hoje, além destas regiões, temos instabilidade quase generalizada na África Ocidental, Central e Oriental, em particular no Golfo da Guiné, no Sahel, no Corno de África e no Lago Chade. Todas estas zonas de conflito têm sido um verdadeiro alfobre de terroristas, de radicais e de deslocados e refugiados que, em grande número, rumam à Europa, colocando o seu flanco Sul numa circunstância de forte pressão e agitação social e política.

Por esta razão, em 15 de setembro de 2015, no quadro da Cimeira de Defesa da UE, o General Paloméros (ACT – Allied Command Transformation) fez uma intervenção acerca da postura futura da NATO que, à data, se via confrontada com uma mistura interdependente de ameaças e riscos associados, sem precedentes, e que designou por 3 R’s: Rússia, Radicalismo e Refugiados. Para Paloméros, esta circunstância iria implicar uma estratégia total baseada na solidariedade e que atendesse às sensibilidades dos aliados e à real natureza dos riscos, provenientes do flanco Leste e do flanco Sul (2015). Dois anos mais tarde, em 3 de abril de 2017, o Vice-Almirante C. Johnstone (Allied Maritime Command) adiciona um 4º R – Retórica. Para Johnstone, a Retórica é o “ataque avassalador de meias verdades e de mensagens incompletas” (2017), algo definido a montante de pós-verdade.

Posto isto, uma vez que já verificámos como se apresentará a Rússia ‘R’ no futuro, e que também já constatámos que a Retórica ‘R’, por nós designada de pós-verdade, será um multiplicador de efeitos, restará discorrer sobre a evolução do radicalismo ‘R’ (onde podemos inserir o terrorismo e a violência) e dos refugiados ‘R’. Numa visita à base de dados da Universidade Uppsala, verifica-se que, em África, o número de conflitos não-estatais, ocorridos entre 2014 e 2017, aumentou de forma muito superior em comparação com outras regiões (Uppsala, 2019). Deve ainda ser realçado que, desde 1990, África tem sido a região com maiores valores de conflitualidade não-estatal. Desde 2015, que os números têm superado os máximos anteriores, datados de 2000 (Uppsala, 2019). Como se justifica este aumento e que tendência poderemos ter num horizonte de médio-longo prazo?

Se consultarmos o Global Terrorism Index de 2018, verificamos que, dos 20 países onde o terrorismo teve maior impacto, dez são africanos (Nigéria, Somália, Egito, República Democrática do Congo (RDC), Líbia, Sudão do Sul, República Centro-Africana (RCA), Camarões, Sudão e Quénia) e três são do Médio Oriente (Iraque, Síria e Iémen). Integram a lista dois países asiáticos importantes para a NATO, o Afeganistão e o Paquistão. De registar que, entre 2016 e 2017, os países que registaram as maiores subidas de número de mortes devidas ao terrorismo, foram a Somália, o Egito e a RCA (2018, p. 8 e 14). Numa análise às evoluções do terrorismo, entre 2002 e 2017, em África, regista-se um agravamento severo da situação na Nigéria, na Somália, no Egito, na Líbia, no Sudão do Sul, na RCA, nos Camarões, no Mali e no Níger, entre outros. No caso do Médio Oriente, a situação replica-se para a Síria, Iraque e Iémen. O mesmo se passa com o Afeganistão e o Paquistão no Sudoeste Asiático (2018, pp. 35-37). A maior parte destes atos são atribuídos a grupos como o Estado Islâmico (ISIS), o Boko Haram, o Al-Shabaab, os talibãs, a Al Qaeda e outros, inclusive afiliados (2018, p. 15). Em abril de 2018, o Major-General Marcus Hicks, Comandante das Operações Especiais dos EUA em África, referia que o ISIS e a Al Qaeda representavam grandes ameaças e a sua presença na África Ocidental estava a aumentar fortemente. Reforçou ainda que as ameaças inspiradas pela Al Qaeda e pelo ISIS na bacia do Lago Chade e no Sahel eram muito reais e continuavam a crescer de forma acelerada (Correia, 2018a, p. 7). Num cruzamento com o Índice de Estados Frágeis, verifica-se que existe uma associação entre a fragilidade do Estado com a predominância do terrorismo (FFP, 2019). Sabe-se também, por comparação dos vários relatórios do Fund For Peace (FFP), que tem havido um agravamento na fragilidade[42] dos Estados.

No que respeita aos refugiados, há também uma correlação com a fragilidade dos Estados. Ou seja, Estados mais frágeis têm tendência a gerar um maior número de refugiados/deslocados. Assim, em 2018, segundo o FFP, os dez países com a situação mais grave eram, o Sudão, a Somália, a RDC, o Chade, a RCA, o Afeganistão, a Síria, o Iraque, o Uganda e o Paquistão[43]. A grande maioria destes países foi referida atrás no que concerne ao terrorismo e à conflitualidade. A título de exemplo, entre 2010 e 2015, o conflito sírio gerou cerca de cinco milhões de refugiados. No caso do conflito afegão, os valores rondam os três milhões desde 2000[44]. Porém, como se observou anteriormente, as causas associadas ao deslocamento de pessoas podem ser outras, embora interdependentes, com destaque para as alterações climáticas, nomeadamente, a seca extrema, uma realidade que se observa em vários países africanos (e.g.: região do lago Chade). Em consequência, têm chegado à Europa milhares de migrantes/refugiados provenientes de zonas de conflito, de zonas de escassez de recursos e de zonas de seca extrema (e.g.: África, Médio Oriente, Sudoeste Asiático). A par de tudo isto, o Mediterrâneo tem sido o palco de uma crise humanitária grave, onde morrem vários milhares de pessoas, o que põe a nu o pior da espécie humana face ao aproveitamento de ‘oportunistas’, de ‘senhores da guerra’, de ‘negociadores’, de ‘traficantes de seres humanos’, de ‘piratas’, de organizações não-governamentais com propósitos pouco claros, etc. Torna-se muito difícil distinguir a origem destes fluxos, bem como perceber quem são os migrantes e quem são os refugiados, ou ainda, quem de entre estes possa estar radicalizado ou ser terrorista, enfim, ser uma ameaça real.

Em reforço da tese de associação do radicalismo, do terrorismo e da “perpetuação” da violência com as deslocações em massa de pessoas, destacamos as palavras de Mary Kaldor acerca das “novas guerras”:

“O que enfrentamos hoje não é uma guerra como no século XX, mas sim aquilo a que chamo uma guerra nova, como aquilo que vemos na Líbia ou na Síria. (…) é uma espécie de situação social anárquica em que, literalmente, centenas de grupos armados beneficiam com a violência per se e não de perderem ou ganharem a guerra. Ganham com a violência, porque é uma forma de espalharem ideologias políticas baseadas no medo. O jihadismo extremista, por exemplo. E ganham, porque lucram com as pilhagens, sobre o contrabando e com as taxas sobre a ajuda humanitária. (…) Estas guerras tendem a prolongar-se, uma vez que todas as partes ganham com a continuação da violência. O terrorismo é a tática de eleição das novas guerras. (…) muita da violência é dirigida contra civis e tem como objetivo normalmente as deslocações forçadas como forma de ganhar controlo político. Isso é terrorismo” [45].

 

Em síntese, no caso do radicalismo (e seus derivados, como o terrorismo, a violência, a criminalidade transnacional e os refugiados, etc.), podemos antever que a situação do flanco Sul da Europa, e também o Médio Oriente se irá manter como arco de instabilidade, possibilitando a formação, a consolidação e a propagação de grupos terroristas, radicais e extremistas, com potencial para se transformarem em grupos de subversão e de perpetuarem o clima de violência. Esta realidade será uma das consequências da continua­ção das deslocações forçadas com destino à Europa, onde, misturados com os refugiados, teremos pessoas radicalizadas e potenciais “lobos solitários” em formato de “Cavalo de Troia”!

 

(4) Os desafios para a Aliança

Depois de analisar, numa ótica de maior risco (probabilidade e impacto), as 50 tendências conflituais futuras (tabela 1), bem como os atores estatais e não-estatais que farão parte da circunstância da NATO no horizonte de médio e longo-prazo, sem esquecer o efeito multiplicador da globalização e da pós-verdade, considera-se que a Aliança deve capacitar-se para lidar com o ambiente conflitual apresentado na tabela 3.

 

Tabela 3 – Síntese das situações conflituais que se colocarão à Aliança no médio longo prazo.

(1)    Cerco geopolítico: de Sul (África e Grande Médio Oriente), através de atores não-estatais; de Leste e de Norte (Ártico), através da Rússia; e de Oeste, por meio da China, que aborda os EUA pelo Pacífico.

(2)    Potências emergentes e ressurgentes (e.g.: China e Rússia, respetivamente) com paridade ou quase-paridade de meios (convencionais, não-convencionais e nucleares); com posturas híbridas, de desafio e de perturbação na hierarquia do SI; e que aplicam uma estratégia total.

(3)    Proliferação/ameaça/uso de ADM (Nuclear: Coreia do Norte, Irão, Arábia Saudita (?)), com potencial para se alastrar a atores não-estatais.

(4)    Estados frágeis e em falência, nomeadamente no continente africano e no “Grande Médio Oriente”47, de onde, por várias razões, provirão deslocados e refugiados, bem como radicais e terroristas quiçá com “pele” de refugiados.

(5)    Adversários radicais, ideologicamente motivados, tecnologicamente evoluídos e de âmbito global.

(6)    Ataques cibernéticos invisíveis, combinados e difíceis de dissuadir.

(7)    Corrida ao armamento, militarização do espaço e recurso à Genetic, Robotic, Artificial Intelligence and Nano Technologies (GRIN Tech) para fins bélicos.

(8)    Novos sistemas de armas, sistemas autónomos e sistemas de informação.

(9)    Ataques a populações civis, instituições e infraestruturas críticas.

(10)  Desumanização da guerra, com implicações éticas e legais.

(11)  Interdependência e, ao mesmo tempo complexificação, dos vários domínios do campo de batalha (terrestre, marítimo, aéreo, espacial, cibernético) e do ambiente de (des)informação.

(12)  Compressão dos níveis da guerra (estratégico, operacional e tático), que se tornam confusos e sobrepostos.

(13)  Uma ampla gama de guerras (convencional, irregular, irrestrita, assimétrica, híbrida, de informação, por procuração, suja, de desgaste/exaustão, “nova”, urbana, subterrânea…), em grande parte perpetuadas na forma de violência e que recorrem a outros instrumentos (económico, psicológico, diplomático).

(14)  Alterações climáticas com potencial para gerar fenómenos extremos (e.g.: inundações, deslizamentos, furacões, ondas de calor e frio, terramotos e seca extrema), “refugiados do clima” e exploração de outros espaços geopolíticos (e.g.: Ártico e global commons), etc.

(15)  Catástrofes provocadas pelo Homem.

(16)  Pandemias.

(17)  Dicotomias obscuras/esbatidas (sem uma fronteira definida) que se acentuarão, tal será a dificuldade em distinguir entre ‘estratégia e tática’, ‘guerra e paz’, ‘guerra e não-guerra’, “guerra e pós-guerra’, ‘guerra e catástrofe’, ‘interno e externo’, ‘legal e ilegal’, ‘ético e não-ético’, ‘soldados e civis’, ‘vítimas e perpetradores’, ‘ameaça e risco’, ‘refugiado e terrorista/radical’, ‘adversário e competidor’, ‘perceção e realidade’, ‘realidade e construção’, ‘causa e efeito’ e ‘objetivos e aspirações’48.

 

Não obstante a síntese, estas 17 situações conflituais encerram em si aquilo que Gray (1999, p. 81) descreveu como “o contexto incognoscível do século XXI”, o que é sinónimo de mutáveis, metamórficas e imprevisíveis. Sabemos que haverá ameaças, mas não que tipo de ameaça (tipo de potencial conflito), nem que ameaça teremos que enfrentar primeiro (tempo), nem quando (tempo), nem onde (lugar). Somos levados a concluir que, além da guerra, também o tempo e o espaço, em que esta [guerra] se irá desenvolver, serão híbridos. É neste ambiente de incerteza profunda[46] que a Aliança terá [47][48] que observar, orientar, decidir e atuar. Admitindo que não, a NATO é um motor de transformação, logo as suas “circunstâncias”[49] tenderão a ser um produto da NATO e vice-versa. Estamos em condições de transportar este futuro ambiente conflitual para um confronto com as potencialidades e vulnerabilidades da Aliança, que se analisam de seguida.

 

c. A Aliança Atlântica

“A principal tarefa de um Soldado em tempo de paz é preparar-se efetivamente para a próxima guerra. Para isso, deve antecipar como será essa próxima guerra” (Lind, et al., 1989).

 

Vimos anteriormente que a NATO terá que se preparar para um contexto cada vez mais ambíguo e mal definido, onde, mesmo as alianças, antes esclarecidas, poderão vir a estar em risco. Zweibelson, et al. (2017, p. 84) referem que o espaço de batalha futuro será uma Gray Zone (figura 3) que desafia os modelos tradicionais de tomada de decisão e de resolução de problemas das organizações de defesa (e.g.: NATO e aliados per se), que assim perdem relevo. Será?

Fonte: Zweibelson, et al. (2017, p. 84)

Figura 3 – Gray Zone, o espaço de batalha futuro.

O Framework for Future Alliance Operations (FFAO) 2018 refere que para manter a vantagem militar e prevalecer em operações futuras, as forças da NATO devem evoluir continuamente, adaptar-se, inovar, ser credíveis, estar conectadas, ser conscientes e ser ágeis e resilientes (NATO, 2018, p. 7). O mesmo documento estabelece, como princípios para as operações futuras, a necessidade de: (1) conhecer os adversários melhor que eles mesmos; (2) entender os aspetos humanos; (3) promover mudanças a todos os níveis; (4) alinhar o que se diz com o que se faz; (5) trabalhar de forma conjunta e combinada em todos os domínios do campo de batalha e com todos os parceiros; (6) vencer, improvisando, adaptando e superando; (7) ter um moral sempre elevado.

Hammond refere que a adaptação às circunstâncias implica transformação. Esta é um processo que “pressupõe uma alteração da natureza, do funcionamento, da forma, do aspeto, da condição de alguém ou de algo. É um sinónimo de mudança, a mudança maior, uma completa revisão das coisas (…). O processo de transformação requer que as pessoas e organizações aceitem e corram riscos, que testem, que falhem, que reavaliem, que inovem (…)” (2015, p. 60). Podemos constatar que, apesar de ser um “motor de transformação”, para manter a vantagem militar e prevalecer em operações futuras, a NATO terá que se “transformar”.

A Aliança é “motor de transformação” na exata medida em que, ao longo destas décadas, foi sendo capaz de mobilizar os seus membros para as questões da defesa e de passar uma imagem de comunidade de segurança (e de paz), razão pela qual se tem expandido[50], acolhendo novos membros, que vêm nesta pertença uma vantagem efetiva. Há, portanto, que “transformar, transformando-se”. “Transformar”, pelo efeito mobilizador e integrador, que conota a NATO com um sistema complexo organizado, em que o todo é superior à soma das partes (Sochor, 1988, p. 45). “Transformando-se”, pela necessidade de manter a vantagem e de prevalecer em operações futuras (num ambiente já descrito), especialmente quando antevê poder confrontar-se com outros atores em relações de paridade, ou quase paridade, de meios (e.g.: Rússia e China); e especialmente quando o principal timoneiro da Aliança, os EUA, sente que a sua hegemonia começa a ser desafiada. É nesta relação “transformar, transformando-se” que reside o grande desafio da Aliança. Impõe-se, por isso, analisar que vulnerabilidades (fraquezas) e potencialidades (forças) poderão colocar-se no caminho deste desafio? Daremos ênfase às vulnerabilidades.

(1) Vulnerabilidades

EUA-UE. Recentemente, o jornal “El Pais”[51] publicou uma notícia que anunciava que o risco de uma “paz fria” transatlântica nunca foi tão alto, existindo a ameaça de os EUA deixarem a UE sozinha contra a Rússia e outras ameaças. Este género de ultimato resultou de uma reunião recente em Washington, e vai ao encontro da necessidade de um maior comprometimento da UE para com a defesa, a materializar através da compra de armamento aos norte americanos, algo que Bruxelas terá rejeitado (França, 2019). A Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), o Fundo Europeu de Defesa (EDF) e a Revisão Anual Coordenada dos Planos de Defesa (CARD), recentemente impulsionados por Bruxelas com metas de investimento e comprometimento pela maioria dos países, restringe o envolvimento de empresas de defesa norte americanas (França, 2019). Este aspeto poderá constituir-se como um elemento de divergência no espaço euro-atlântico e colocar os europeus perante um paradoxo. Ou seja, se, por um lado, a UE, ao querer estimular a sua indústria de defesa e edificar capacidades, porque perceciona uma retração estratégica[52] dos EUA, se arrisca a entrar num conflito de interesses com os norte-americanos, por outro, a mesma UE sabe que se nada fizer em prol da sua defesa, pode correr riscos estratégicos por via dessa mesma retração, por outro, estas restrições impostas pela PESCO, podem colocar em causa aquilo que, na ideia de Brands & Edelman (2017, p. 15), é uma espécie de Doutrina Nixon para o século XXI e que permite aos EUA retrair mas manter a “pegada” estratégica, garantida através de apoio indireto, ou seja, da venda de armas e de partilha de informação, entre outras iniciativas.

As disparidades de investimento no seio da Aliança. Na Cimeira de Gales de 2014 os aliados acordaram um investimento de 2% do PIB em defesa. Um quadriénio depois, em 11 de julho de 2018, na Cimeira de Bruxelas, Trump referiu que os EUA estavam a gastar muito mais na defesa da Europa do que os europeus, pelo que isso tinha que mudar (Béraud-Sudreau & Childs, 2018). Em 2018, somente cinco países cumpriam a norma dos 2%: Grécia, Estónia, Letónia, Reino Unido e EUA. Espera-se que a Lituânia, a Roménia e a Polónia alcancem essa meta até ao final de 2019. Apenas em 2024 se espera que outros nove Estados-membros alcancem a meta acordada: Albânia, Bulgária, Croácia, República Checa, Hungria, Montenegro, Noruega, Eslováquia e Turquia. Em 2025, será a vez da França. Os restantes países: Bélgica, Canadá, Dinamarca, Alemanha, Itália Luxemburgo, Holanda, Portugal, Eslovénia e Espanha, não preveem alcançar a meta (Zandee, 2018)[53]. Observa-se uma preocupação dos Estados Bálticos, e também de Leste com a ­segurança, algo que tem pontos de contacto com a história e com a geografia. Em sentido contrário, observam-se dois países, a Espanha e a Itália, banhados pelo Mediterrâneo, onde a tipologia de ameaças é diferente, que figura na lista dos que não preveem atingir a meta. Este nível de comprometimento, em que cerca de 1/3 dos Estados-membros não prevê atingir metas que, ao nível político, terão sido acordadas, é um fator que atenta contra a coesão da Aliança. Por outro lado, coloca em causa os objetivos de prontidão, anunciados pelo seu Secretário-Geral, Jens Stoltenberg, em julho de 2018, designadamente o Plano dos “Quatro Trintas”, uma iniciativa de prontidão, também acordada ao nível político, e que prevê para 2020: 30 batalhões mecanizados, 30 esquadrões aéreos e 30 navios de combate, todos com um nível de prontidão de 30 dias ou menos (Stoltenberg, 2018). Finalmente, pelo facto de, na sua maioria, estes países serem também membros da UE, deixa antever que também a PESCO, a CARD e o EDF passarão por realidades idênticas.

Leste-Sul-Norte(?). Outro aspeto debatido na cimeira de Bruxelas foi a tipologia de ameaças/desafios provenientes de Leste (Rússia) e de Sul (radicalismo/refugiados). Numa tentativa de colmatar esta divisão, a Aliança procura estabelecer uma abordagem de 360º​, em que as forças da NATO são capazes, simultaneamente, de dissuadir as ameaças de Leste, bem como de se envolverem com as ameaças/desafios que surgem de Sul. Porém, esta iniciativa mantém-se no plano político e sem uma expressão militar (Morgan, 2018, p. 3). Prevê-se que este assunto continue a dividir os Estados-membros no futuro. Além disso, prevê-se que também o quadrante Norte, devido ao degelo do Ártico, venha a ser uma preocupação, por onde a Rússia, e até a China, possam surgir de flanco.

O desafio à potência dominante. Os recentes acontecimentos que mostram uma aproximação da Turquia à Rússia, e que, inclusivamente, levaram a que esta última acordasse em fornecer sistemas de defesa antimíssil S-400 a Ancara, e apoiá-la na construção de uma central nuclear, são um sinal de desafio extremamente perigoso para a coesão da Aliança. A relação da Turquia com a NATO está em declínio desde 2011, devido ao apoio dos EUA aos curdos na Síria e ao alegado envolvimento dos norte-americanos na tentativa de golpe de estado contra Erdogan, em 15 julho de 2016 (Gürsoy & Toygür, 2018). Em certa medida, a aproximação à Rússia, foi também a forma da Turquia se conotar com Assad contra os curdos, apoiados pelos EUA. Esta aproximação russa à Turquia, poderá precipitar a sua saída da Aliança, o que se configura num envolvimento geopolítico à Europa, também por Sul, através dos dois estreitos (Bósforo e Dardanelos) que, desde 1952, contêm o acesso da Rússia ao Mediterrâneo. Esta circunstância, aliada à anexação da Crimeia[54] representaria um cataclismo geopolítico com implicações na Aliança e no Médio Oriente.

A disparidade tecnológica. Aparentemente, quando se aborda o termo “NATO” pensa-se na Aliança com um todo, enquanto organização de Defesa Coletiva, na vanguarda tecnológica e que foi sendo capaz de se adaptar. Porém, num “olhar à lupa”, percebemos que Aliança é uma organização cada vez mais heterogénea em termos tecnológicos, pois, com limitações de investimento, não se acompanha a velocidade da mudança. Foi neste contexto que surgiu a Connected Forces Initiative (CFI), em 2013, orientada para colmatar disparidades tecnológicas, melhorar o comando e controlo, reduzir diferenças doutrinárias e eliminar lacunas de recursos. Porém, a competição estratégica entre EUA, China e Rússia, tornará o fosso tecnológico cada vez maior (Fiott, 2017, p. 434) (Gouré, 2019, p. 63).

A retração estratégica dos EUA. Um dos pilares do poder dos EUA, em comparação com os seus potenciais adversários, tem sido o seu sistema de alianças. Porém, existem indicadores de que não é assim que Trump vê o mundo. Esta foi, aliás, uma nas razões pela qual Mattis se demitiu do cargo de Secretário de Defesa do EUA, em dezembro de 2018 (Borger, 2018). Adicionalmente, o estado de “insolvência estratégica” a que já aludimos, prejudicará as alianças dos EUA, criando dúvidas em relação à credibilidade das suas garantias de segurança em regiões como o Médio Oriente, os Bálticos e Taiwan, entre outras. Isso reduzirá a capacidade dissuasora perante adversários como a Rússia, a China, o Irão e a Coreia do Norte, que interpretam esta atitude como um deferimento tácito para posturas de maior desafio que se poderão refletir na Europa, no Médio Oriente e na Ásia (Brands & Edelman, 2017, p. 15). Em consequência, teremos o regresso de uma lógica realista de autoajuda nestas regiões, algo muito perigoso. Haass (2018, p. 4) refere que qualquer dúvida quanto à confiabilidade dos EUA encorajará a agressão e aumentará a inclinação dos países para se acomodarem a um vizinho mais forte. O autor acrescenta que uma falha na resposta a uma agressão clara contra qualquer membro da NATO poderá significar efetivamente o fim da NATO.

A heterogeneidade. A Aliança continuará a ser constituída por Estados-membros homogéneos no que concerne ao regime político (democracias), mas heterogéneos ou assimétricos em relação à sua inserção geográfica, aos objetivos e aspirações, bem como ao poder, seja este total, ou setorial (militar, económico, tecnológico, demográfico, informacional, etc.). O seu cariz homogéneo é secundarizado em relação aos seus elementos de heterogeneidade. Para o demonstrar, podemos recuar a 1949, onde vemos que os objetivos maiores da Aliança suplantaram a “inconveniência” do convite a um país não-democrático, Portugal, para ser membro fundador. Porém, a heterogeneidade extremada pode afetar a coesão da Aliança.

Os paradoxos. (1) Se, por um lado, o alargamento a Leste amplia a comunidade de paz e segurança, e enriquece a Aliança com novas vozes, experiências e capacidades (Garamone, 2019), por outro, pode ser interpretado como um ato hostil para a Rússia. Mas, podemos questionar o alargamento? Sim, de facto. Mas, será que países, como os Bálticos (que interrompem a continuidade da Rússia na sua ligação a Kaliningrado), não correriam o mesmo risco que a Ucrânia, caso não tivessem integrado a NATO? (2) O “jogo” entre os EUA e a Rússia é de aproximação indireta. Porém, explora os meios de uma estratégia de aproximação direta (forças convencionais, nucleares…), ainda que esta esteja envolta num paradoxo, na medida em que ambos sabem que, se alguma vez se defrontarem diretamente poderá ser o fim dos dois. O jogo a três tenderá a ser idêntico em termos de estratégia. Porém a probabilidade de um ato irracional tenderá a ser maior.

Divergências face a temas estratégicos. O facto de os EUA não terem assinado o acordo de Paris sobre as alterações climáticas coloca a NATO à margem deste problema global e que, direta ou indiretamente, se transformará numa ameaça para a Aliança. O mesmo se passa com as migrações. Existem diferentes posturas no seio da NATO relativamente a este tema, o que pode condicionar a resposta da Aliança em relação ao flanco Sul.

Ausência de Estratégia Total (Grande Estratégia). Ao longo deste artigo fizemos referência à guerra híbrida russa e chinesa e à estratégia total em que se apoia. A Rússia e a China vivem numa “guerra permanente”, manifestada em várias dimensões (económica, cultural, social, militar, psicológica, etc.), devidamente coordenadas. Em contrapartida, na NATO e nos seus Estados-membros, não obstante as várias referências à Comprehensive Approach[55], a estratégia está eminentemente ligada ao instrumento militar e não a uma estratégia total que também integre este. Mesmo no campo da resolução de conflitos, o aspeto chave é também este, a estratégia total. Mas, como é que o Ocidente pode integrar mecanismos sólidos de resolução de conflitos se na grande maioria dos seus países não existe uma estratégia total? (e.g.: Portugal) Como é que um decisor envolvido num processo de statebuilding pode explorar todas os instrumentos de poder se, de facto, o seu mindset não apela a essa abordagem compreensiva?

Ausência de doutrina(s). Depois de muitos anos a combater o terrorismo (pelo menos, desde 2001), inclusive “declarando-lhe guerra”, a NATO não tem doutrina de combate a esta ameaça que continuará a atuar, no seu interior, na sua fronteira e out of area. O mesmo se passa noutras áreas, com a “guerra-híbrida” que, há vários anos, foi identificada como uma estratégia de ingerência da Rússia no espaço NATO.

 

(2) Potencialidades

A NATO per se é uma potencialidade. É um espaço de paz, do qual, durante 70 anos, ninguém ousou sair totalmente (a França apenas saiu da estrutura militar em 1966). Enquanto organização, tem demonstrado resiliência, está na vanguarda tecnológica em todos os domínios do campo de batalha (ar, terra, mar, espaço e ciberespaço), tem permitido desenvolver capacidades críticas com responsabilidades partilhadas (através da Smart Defense Initiative) e tem promovido a interoperabilidade. Ao nível das operações, tem experiência em ambientes full spectrum, opera nos três níveis das operações (estratégico, operacional e tático) e tem capacidade expedicionária. Em termos geopolíticos, tem ascendente sobre o Atlântico, o Mediterrâneo e o Mar do Norte. Tem influência no Ártico. Tem um elevado número de parcerias e parceiros para a paz (PfP’s).

 

(3) A Linhas de Ação Estratégica

Numa lógica de cruzamento do ambiente externo com o ambiente interno, apresentam-se, na tabela 4, as LAE validadas, e que julgamos necessárias para que a NATO tenha capacidade para enfrentar um quadro conflitual futuro.

 

Tabela 4 – Síntese das Linhas de Ação Estratégica e prosseguir pela NATO.

 

Em síntese, chegámos a 24 LAE, que se consideram adequadas, aceitáveis e exequíveis, para que uma organização como a NATO, marcada pelos seus 70 anos de história e de transformação, ultrapasse o gap estratégico (representado na figura 1) e possa enfrentar melhor os desafios numa ZOG.

 

Conclusões

“A NATO existe justamente para garantir a liberdade e a prosperidade (…)”[63]

 

Este artigo centrou-se na análise aos desafios que se colocarão à NATO num horizonte de médio e longo prazo (10-20 anos), tendo em vista a edificação atempada e oportuna de capacidades de defesa. Concluiu-se que a Aliança será confrontada com um leque vasto de desafios, traduzidos em ameaças e riscos, provenientes de atores estatais e não-estatais, que colocarão à prova a sua coesão e relevância, enquanto comunidade de segurança e espaço de paz, levando à necessidade de desenvolver uma estratégia alicerçada em várias linhas de ação.

Recorrendo a uma abordagem dedutiva, centrada nos conceitos de ‘comunidade de segurança’, ‘ameaça’, ‘zona de operações’ e ‘estratégia’, procurou responder-se à questão: “Que desafios estratégicos se colocarão à NATO e qual o seu impacto na aplicação do instrumento militar?” Para o efeito, a análise incidiu sobre a NATO, enquanto organização de defesa coletiva, e as suas circunstâncias futuras. Começámos pelas circunstâncias (o ambiente externo) ao analisar os multiplicadores de efeitos e o futuro ambiente conflitual, evoluindo depois para a Aliança e o seu ambiente interno. Verificámos que a globalização e a pós-verdade serão os grandes multiplicadores de efeitos. O primeiro, porque encurta o espaço e o tempo, que passarão a ser superados por uma “ainda maior” velocidade. O segundo, porque precisa dessa mesma velocidade para se projetar no campo das ideias e das “verdades em demasia”. No que concerne ao ambiente conflitual futuro, obtiveram-se 17 situações conflituais (tabela 3), de onde se destacam: o cerco geopolítico, a ressurgência e emergência de potências competidoras (nomeadamente, a Rússia e a China, que dão ênfase a um mundo futuro tripolar, o mais instável), a proliferação de ADM e de estados frágeis, a corrida ao armamento, os ataques cibernéticos, a militarização do espaço, os perigos da tecnologia, a radicalização e seus efeitos, a ampla e mal definida gama de guerras, as alterações climáticas, as catástrofes naturais e provocadas pelo Homem, as pandemias e as dicotomias obscuras (e.g.: fronteira indefinida entre guerra e não-guerra). Ou seja, a NATO será confrontada com um contexto incognoscível.

No que respeita à Aliança e ao seu ambiente interno, deu-se ênfase às vulnerabilidades que se enquadram: na relação NATO-UE; nas disparidades de investimento entre Estados-membros; nas diferentes perceções da ameaça ente o Leste, o Sul e, de futuro o Norte, no desafio à potência dominante, por parte de aliados como a Turquia; na disparidade tecnológica entre aliados; na retração estratégica dos EUA, que pode fazer colapsar a Aliança; na heterogeneidade entre aliados; em paradoxos, como o do alargamento em prol de uma comunidade de segurança e espaço de paz versus maior hostilidade percecionada pela Rússia; as divergências face a temas estratégicos, como as alterações climáticas e a temática dos refugiados; a ausência de uma grande estratégia, que começa em grande parte dos aliados; e a ausência de doutrinas em áreas-chave emergentes e pertinentes como o combate ao terrorismo.

No confronto das circunstâncias que se colocarão à NATO com a sua realidade interna, surge a necessidade de edificar uma estratégia apoiada em 24 Linhas de Ação (tabela 4) e que vão ao encontro: de uma melhor compreensão da realidade conflitual; do desenvolvimento e robustecimento de um mindset estratégico, orientado para a melhor integração dos vários instrumentos de poder e domínios do campo de batalha; da promoção e reforço de parcerias, com a ONU, UE, OSCE e União Africana, entre outras; do fortalecimento e capacitação da Aliança, tornando-a mais capaz para dissuadir, negar, compelir e derrotar ameaças; do maior comprometimento dos Estados-membros no quadro de uma abordagem de 360o; da criação de novos Centros de Excelência, conectados e que permitam à NATO lidar com a radicalização e com os potenciais perigos das narrativas; da criação de doutrina em várias áreas (e.g.: guerra urbana, combate ao terrorismo e contra guerra híbrida, entre outras); do fortalecimento e aposta no conhecimento, enquanto último reduto e ponte entre períodos de “seca financeira”; da aposta na Smart Defense Initiative integrada; na cooperação com a Agência Europeia de Defesa; e na compatibilização do futuro conceito estratégico da NATO com a Estratégia Global da UE.

Considera-se, assim, atingido o objetivo proposto, impondo-se uma reflexão final. Com os seus 70 anos, a NATO sabe que carrega uma herança da Guerra Fria. Porém, apesar de não querer alimentar-se dela, também não a quer esconder. E porquê? Porque a história tem um papel fundamental. A lição que ensina “não é que, o que aconteceu ontem, acontecerá necessariamente amanhã; ou, que o passado continuará a repetir-se. A verdadeira lição, é que, ao examinarmos, como e porquê, o ontem diferiu do dia anterior, podemos concluir que o amanhã será diferente de ontem” (Bloch, 1999, pp. 117-118). Ou seja, o futuro já começou! Cabe, por isso, à NATO evoluir continuamente, adaptar-se, inovar, ser credível, estar conectada, estar coesa, estar consciente, ser ágil e ser resiliente.

 

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[1]In: O Príncipe, de Maquiavel, capítulo X (pp. 50-51, 1984).

[2]    Continuará a “nova Guerra Fria” a ser um período de “guerra improvável e paz impossível”, como defendia Aron (1947) e (1948, pp. I. 13-31)? Ou a guerra passará a ser provável?

[3]    Não será esta designação um apelo à procura de soluções idênticas num novo tempo?

[4]    NATO. Disponível em: , [Consult. em 05 de maio de 2019].

[5]    O que distingue uma ameaça de um risco, é que este último não tem uma intenção associada, mas sim uma probabilidade de ocorrer e uma severidade. Nos riscos atuamos, maioritariamente, nas consequências.

[6]    Meiser (2017), em “Are Our Strategic Models Flawed? Ends + Ways + Means = (Bad) Strategy”, explora as vulnerabilidades da relação entre Ends, Ways e Means aplicada ao teatro de operações do Afeganistão. A minimização do risco estratégico impõe que esta relação a três seja revista de forma cíclica.

[7]    A caraterização das quatro variáveis que materializam a análise SWOT terá por base, e de forma implícita, algumas variáveis da análise PEST(EL) (political, economic social, technological, environmental/ecological and legal) que, em determinadas circunstâncias, nos trazem um melhor refinamento.

[8]    Considera-se que uma LAE: (1) é adequada se permitir atingir os objetivos estratégicos e alcançar o estado final desejado, bem como se conseguir lidar com as condições operacionais, e ainda com a oposição e resistência do inimigo ou adversário, sem que daí resultem efeitos indesejados; (2) é aceitável, se os benefícios/ganhos obtidos/alcançados superam os custos associados à opção. A análise deve identificar potenciais riscos, compromissos e custos que possam ser politicamente inaceitáveis; e (3) é exequível se for viável dentro dos meios estratégicos que podem ser disponibilizados por uma determinada nação (UK_MoD, 2013, pp. 3-18) (Bartholomees, 2010, pp. 16-17).

[9]    Stockholm International Peace Research Institute.

[10]    Council on Foreign Relations.

[11]    Por norma, os choques futuros estão associados a um elevado impacto e a uma probabilidade baixa. Porém, estes apresentados pelo WEF, atendendo à sua observância em alguns locais, merecem reflexão.

[12]    Disponível em: , [Consult. em 20 de maio de 2019].

[13]    Algo que está em curso na China e que tem merecido um amplo debate mundial. Fonte – Biometric-Update.com. Disponível em: , [Consult. em 28 de maio de 2019].

[14]    A Cidade do Cabo, com mais de quatro milhões de habitantes, atravessa uma situação muito grave de falta de água. Fonte – The Guardian. Disponível em: , [Consult. em 20 de maio de 2019].

[15]    “Guerra política” é a aplicação lógica da doutrina de Clausewitz em tempos de paz.

[16]    O relatório dispõe ainda de um conjunto de anexos. Disponíveis em: , [Consult. em 01 de junho de 2019]. Em 2005, a NATO tinha também elaborado o relatório “Future Worlds. Na Input into the NATO Long-Term Requirements Study”, onde, de igual modo, apontou quatro Mundos Futuros, ainda que ligeiramente diferentes. Disponível em: , [Consult. em 02 de junho de 2019].

[17]    Max-Planck-Gesellschaft. Disponível em: , [Consult. em 19 de maio de 2019].

[18]    Conclusão retirada por J. Shapiro (Geopolitical Features), em “Is a Multipolar World Emerging?”, de 02 de maio de 2018. Disponível em: , [Consult. em 1 de maio de 2019].

[19]    Para Schweller (1998), um sistema tripolar pode ter várias combinações: 1. A = B = C | 2. A > B = C, A < B + C | 3. A < B = C | 4. A = B + C, B = C | 5. A > B > C, A < B + C. Não obstante algumas destas combinações serem mais prováveis que outras, o que é facto é que fomentam a desconfiança e exponenciam os dilemas de segurança. Assunções: (1) as guerras são caras; (2) os arranjos possíveis entre os membros da tríade podem ser: (2a) não fazer nada; (2b) alinhar com outro membro para bloquear um ataque; (2c) alinhar com outro membro para eliminar o terceiro membro; (2d) fazer um ataque solitário para eliminar um ou ambos os membros da tríade; (3) um membro mais forte ou coligação derrota um membro ou coligação mais fraca; (4) a força de uma coligação é igual aos recursos totais combinados dos seus membros. Ou seja, se A = 3 e B = 2, então AB = 5; (5) num ataque de coligação, os recursos da vítima são divididos proporcionalmente entre os vencedores, membros da coligação. Num ataque solitário, são absorvidos no total pelo vencedor; (6) os recursos são aumentados apenas pela eliminação de um membro da tríade. Estados não cedem recursos voluntariamente.

[20]    A Rússia é uma potência essencialmente regional. Porém, o facto de ser um ator relevante noutras regiões do globo, bem como de ostentar um estatuto de colosso energético e de potência nuclear e militar, levam a que Putin ambicione uma refundação da arquitetura de segurança global com a Rússia a materializar um dos polos (Tomé, 2018, p. 93).

[21]    De que são exemplo: da Rússia, o ZAPAD, o VOSTOK, o TSENTR e o KAVKAZ; e, da China, o STRIDE e o FIREPOWER, entre outros. O Exercício VOSTOK 2018, que envolveu 300 mil militares russos, contou com a participação da China (NATO, 2018b) e (USA DoD, 2019, pp. 22-25).

[22]    NSA. “Document 09. Memorandum of conversation between Mikhail Gorbatchev and Helmut Kohl”, de 10 de fevereiro de 1990. Disponível em: , [Consult. em 15 de maio de 2019].

[23]    Fonte – NATO. Disponível em: e , [Consult. em 12 de maio de 2019].

[24]    Em junho de 1999, as forças armadas russas executaram um exercício estratégico “ZAPAD 99” (“West 99”), durante o qual lutaram, com sucesso, contra uma ofensiva das forças da Aliança na região do Báltico (Perrier, 2014, pp. 20-21).

[25]    A saída do Tratado ABM sinalizou o abandono de uma estratégia de defesa por parte dos EUA que perdurava desde 1972. Por outro lado, alterou o contexto de interação estratégica entre os Estados, uma vez que o Sistema de Defesa Antimíssil pode potencialmente ameaçar a eficácia das capacidades dissuasoras das outras potências. Disponível em: , [Consult. em 22 de maio de 2019].

[26]    Disponível em: , [Consult. em 01 de maio de 2019]. Gardner (2015, pp. 59-80), classifica a intervenção na Crimeia como a origem da reação russa e da vingança de Putin.

[27]    Referia-se possivelmente ao alargamento e aos eventos que motivaram a ação russa sobre a Ucrânia.

[28]    Palavras proferidas por Putin no “Valdai Discussion Club”, em 22 de outubro 2015, em Sochi (Rússia). Disponível em: , [Consult em: 10 de maio de 2019].

[29]    Os EUA referem que o míssil de cruzeiro russo SSC-8 ou Novator 9M729, testado em 2014, pode atingir alvos em cerca de 2500 km, o que excede claramente os limites definidos pelo INF (Kasapoglu, 2018).

[30]    Dá-se como exemplo a aeronave de 5ª Geração SU-57, um competidor dos F-35 e F-22 norte-americanos e do J-20 chinês. Fonte – National Interest. Disponível em: , [Consult. em 02 de junho de 2019].

[31]    A violação do território marítimo e do espaço aéreo da NATO tem sido um alvo particular de escalada da agressão russa. Esta postura de desafio no Atlântico levou, inclusivamente, a que Foggo & Fritz (2016) se referissem a este assunto, intitulando-o como “a quarta batalha do Atlântico”. O Oceano Atlântico é um género de personificação da Aliança. É a ponte vital que liga a América do Norte à defesa do território europeu aliado. Esta importância traduz-se no espaço aéreo e marítimo. Neste último, destaca-se a importância estratégica do fundo (leito) do mar, onde estão instalados cabos submarinos que ligam ambas as massas terrestres (NATO/DSC, 2019, p. 2).

[32]    Esta arma, no pressuposto de que tais caraterísticas são reais, traz um desafio estratégico aos EUA, pois torna ineficazes os sistemas de defesa antimíssil (THAAD, AEGIS e PATRIOT). Fonte – Missile Threat. Disponível em: , [Consult. em 18 de maio de 2019].

[33]    Atual Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas russo e que esteve na origem desta forma integrada e adaptável do uso da força militar que traduz uma evolução à guerra não-linear russa do período da Guerra Fria (Morris, 2015).

[34]    Abarca domínios convencionais, nucleares, militares e não-militares (Adamsky, 2015, p. 37). A Crimeia foi um laboratório de operacionalização da “NGW Cross-Domain Coercion” (Adamsky, 2018, p. 149). Em vez de “Cross-Domain Coercion”, Blank (2018, p. 8) classifica a estratégia russa de “destabilização estratégica”.

[35]    Fonte – Antena 1, programa “Visão Global” de 4 de março de 2018. Disponível em: , [Consult. em 07 de março de 2018].

[36]    Para Kissinger, o BRI terá implicações políticas, culturais, económicas e securitárias, desde o Mar do Sul da China até ao Canal da Mancha, chegando também a África, fazendo recordar Mackinder e a importância que este atribuía ao Heartland Euroasiático como pivot geoestratégico do globo. O BRI é um projeto que deslocará o centro de gravidade do Atlântico para o espaço Euroasiático, cabendo ao seu extremo, as nações da Europa Ocidental, decidir se vão unir-se, cooperar, ou opor-se à China, e em que circunstâncias (2017).

[37]    A China recupera assim a nine-dash line, definida no início da década de 1950, e que envolve uma massa de água sobre a qual os chineses reivindicam direitos marítimos históricos, ainda que viole as jurisdições das Filipinas, do Brunei e do Vietname (Zhen, 2016).

[38]    Em prole da modernização, a China definiu recentemente uma estratégia de Integração Civil-Militar por forma a alinhar o desenvolvimento tecnológico civil com o da defesa. Desde 2003, que o PLA integra no seu planeamento operacional a “Estratégia das Três Guerras”: guerra psicológica, destinada a alterar a forma como um alvo interpreta informações; guerra da opinião pública, para controlar as informações divulgadas ao público; e guerra legal, para manipular a lei internacional e nacional (USA DoD, 2019, pp. III-8). Adicionalmente, pretende estar na vanguarda do ciberespaço e da inteligência artificial, para ter vantagem sobre os competidores diretos, tal é, e será, a dependência da guerra futura destas duas áreas (Demchak, 2019b). A preparação atual do PLA está orientada para dissuadir e, se necessário, combater uma intervenção militar dos EUA na região da Ásia-Pacífico (Chase, et al., 2015, p. 135).

[39]    Ano em que se assinala um século da República Popular da China, tido como o século da vitória, em contraste com o século anterior, tido como de “humilhação”. Entre 1839 e 1949, a China perdeu o controlo sobre grandes parcelas de território, algo que agora faz parte da sua narrativa moderna, e cujas lições têm moldado a sua trajetória na arena global (Kaufman, 2011, p. 1).

[40]    Para Mao Tsé-Tung, uma guerra de resistência era a conjugação de uma guerra regular (convencional) com uma guerra de guerrilha (não-convencional). A guerra regular era a principal e a de guerrilha era a suplementar, ambas a conduzir contra um inimigo ou invasor externo (Cho, 2011, p. 8).

[41]    Liang & Xiangsui introduzem os conceitos de: (1) supra-nacional, que combina organizações nacionais, internacionais e não-estatais; (2) supra-domínio, que envolve o emprego e a combinação de domínios além do militar, como o político, o diplomático, o económico e o cultural; e (3) supra-meios, que abarca os vetores de cada um dos domínios. No caso do militar, incluem-se a estratégia e a tática, a dissuasão, as alianças militares, os exercícios militares, o controlo de armamento, os embargos, os bloqueios e o uso da força (1999, p. 192).

[42]    O Fund for Peace, avalia a fragilidade segundo quatro tipos de indicadores: (1) os indicadores de coesão, onde se inserem o aparato de segurança, a distribuição das elites e as reivindicações dos vários grupos que compõem a população; (2) os indicadores económicos, relativos ao declínio económico, às desigualdades e à fuga de cérebros e de população para o exterior; (3) os indicadores políticos, que incluem a legitimidade do Estado, os serviços públicos e os direitos humanos e a regulação do Estado de direito; e (4) os indicadores sociais e transversais, que se traduzem nas pressões demográficas, nos refugiados e deslocados e na intervenção externa (FFP, 2019, p. 33).

[43]    Fonte – FFP. Disponível em: , [Consult. em 29 de maio de 2019].

[44]    World Migration Report 2018, p. 33. Disponível em: , [Consult. em 5 de maio de 2019].

[45]    RTP, Visão Global de 6 de maio de 2018. “Entrevista de George Friedman, Mary Kaldor e Ivan Timofeev”. Disponível em: , [Consult. em 2 de maio de 2019].

[46]    Relativa ao “unknown unknowns”, um dos quadrantes da matriz da incerteza de Rumsfeld, conforme resposta a uma questão formulada, em 26 de janeiro de 2016, por Stephen Colbert, relativamente à intervenção dos EUA no Iraque. A incerteza profunda é relativa às coisas que nem sabíamos com as quais nos deveríamos preocupar. Disponível em: , [Consult. em 5 de junho de 2019].

[47]    Termo introduzido, em 2004, por G. Bush, no quadro de uma iniciativa para a região. Fonte – CEIP. Disponível em:; [Consult. em 05 de maio de 2019].

[48]    Para Loureiro dos Santos, as aspirações encerram em si uma percentagem de utopia (1983, p. 45).

[49]    Contrariamente a Ortega & Gasset, Benjamin Disraeli refere que “o Homem não é produto das circunstâncias, mas as circunstâncias é que são produtos dos Homens”.

[50]    De todos os membros que aderiram à NATO, até hoje, apenas a França saiu da sua estrutura militar em 1966.

[51]    Disponível em: , [Consult. em 5 de junho de 2019].

[52]    Brands & Edelman (2017, p. 15) designam a retração de “insolvência estratégica”.

[53]    Com base nos dados de defesa da OTAN de 2018, a implementação da norma dos 2% por todos os aliados europeus, implicaria um aumento anual de aproximadamente 100 mil milhões de Euros (+ 35%) dos gastos com a defesa (Zandee, 2018).

[54]    A anexação da Crimeia foi um game changer que demonstrou que um ataque convencional em larga escala na Europa, outrora remoto, é agora uma possibilidade. À luz do Direito Internacional, a anexação da Crimeia: (1) configura-se como um ato de agressão, de acordo com a Resolução 3314 (XXIX) da Assembleia Geral das Nações Unidas; (2) viola o Memorandum on Security Assurances de 1994; (3) viola o Acordo da Frota do Mar Negro de 1997 (Art.º 6.1); (4) viola a Constituição ucraniana; e (5) viola os acordos de Minsk-2, que obrigavam à retirada dos sistemas de armas russos.

[55]    Para Courtney, os modelos de guerra híbrida da Rússia e da China são um género de Comprehensive Approach na ofensiva (2019).

[56]    É necessário compreender a guerra não-linear (na sua forma de combinação de “velhas táticas” com nova tecnologia e num novo ambiente) promovida pela Rússia no flanco Leste da NATO, designadamente na Ucrânia, na Geórgia e também nos Bálticos, para que seja possível definir as melhores estratégias e respostas (Moore, 2017, pp. 82-83).

[57]    Informação adicional em Heftye (2017).

[58]    Inclui reforçar e desenvolver parcerias para estabilizar o Sahel e outras regiões instáveis de África e do Médio Oriente. “A Europa apenas conseguirá ter segurança e manter a sua identidade se contribuir para a estabilização do Sahel”. Palavras do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas da Mauritânia, General Mohamed Cheikh Mohamed Lemine, em conferência no Instituto Universitário Militar, em 23 de abril de 2019, por ocasião de uma visita de trabalho a Portugal.

[59]    Deve estar orientado também para as áreas que se relacionam com a radicalização, como o extremismo violento, o terrorismo, a violência e a criminalidade transnacional. Organismo já constituído pela UE, mas que, por via da matriz transatlântica, ganha mais força. Fonte – European Commission. Disponível em: , [Consult. em 5 de maio de 2019].

[60]    Quer o NATO RAN CoE, quer o NATO CN CoE, devem estar conectados com o NATO Strategic Communication CoE (Riga – Letónia) e com o NATO Defense Against Terrorism CoE (Ancara- Turquia). Não obstante esta conexão, considerada essencial, quer o NATO RAN CoE, quer o NATO CN CoE, se centram em áreas muito específicas, que implicam os três níveis das operações militares (estratégico, operacional e tático) e cujo aprofundamento e desenvolvimento lhes darão um cariz subsidiário face a outros CoE. Em consequência, o apoio à transformação que impende sobre os CoE sairá reforçado.

[61]    Toda a doutrina conjunta deve desenvolver-se no quadro das funções de combate conjuntas: Comando Controlo e Comunicações, Informações, Fogos e Manobra, Proteção da Força, Operações de Informação, Sustentação e Cooperação Civil Militar (Fonte: Allied Joint Publication-1). Estas áreas, para as quais se está a propor o desenvolvimento de doutrina conjunta, poderão implicar novas capacidades, dando-se como exemplo, a edificação de uma capacidade de contra-terrorismo nas Forças Armadas dos Aliados (a estudar caso a caso).

[62]    “Multinational, Multiagency, Multidisciplinary, Multidomain Information-Sharing & Sense-Making” (Segell, 2012, p. 411).

[63]    “NATO Alliance Marking 70 Years, Looks to Counter Threats”. US Department of Defense, March 18, 2019. Disponível em: , [Consult. em 5 de maio de 2019].

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Tenente-coronel

João Manuel Pinto Correia

Oficial de Engenharia Militar do Exército Português. Docente Área de Estudo das Crises e dos Conflitos Armados do Departamento de Estudos Pós-Graduados do IUM. Investigador Integrado do Centro de Investigação e Desenvolvimento do IUM. Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

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