Nº 2619 - Abril de 2020
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

A presente situação social e económica, decisivamente marcada pela crise sanitária designada por COVID-19, tem marcado a nossa vida quotidiana, as nossas relações familiares e de trabalho, assim como se tornou o foco da nossa comunicação social. Tem, igualmente, sido constante a presença do Senhor Presidente da República, do Senhor Primeiro-ministro, membros do Governo e responsáveis pelas Instituições de Segurança e pelas Forças Armadas.

A comunicação social tem feito eco das diversas intervenções e os comentadores dedicam-se a avaliar decisões, comportamentos, dados difundidos, previsões sobre a evolução futura e colocam também interrogações. O estabelecimento do Estado de Emergência e as sucessivas prorrogações têm trazido para esse debate público o papel das Forças Armadas não só pelo que têm vindo a fazer, mas também, relativamente a se poderiam ter sido melhor aproveitadas as suas capacidades e empregues mais cedo. Referiam-se às suas capacidades específicas vocacionadas para a resposta constitucional às ‘Outras Missões de Interesse Público’, as suas estruturas de planeamento, organização, coordenação, logística e malha territorial.

As Forças Armadas têm como características intrínsecas a sua permanente disponibilidade, a estrutura hierárquica, a disciplina, a sua Condição Militar que permite que sejam empregues, na guerra e também na paz, em situações limite de elevado risco, incluindo de vida, de forma auto sustentada e por tempo indeterminado.

Mas é legítimo interrogarmo-nos se estamos, em termos nacionais, a utilizar com eficácia e eficiência os recursos nacionais, disponíveis e mobilizáveis com oportunidade, para responder a esta crise, por agora de cariz sanitário, mas também àquela que se vai seguir de índole económica e uma crise também social, cujos primeiros indícios se verificam, já hoje, com o recrudescimento de filas para receber apoio em alimentos. A afirmação do Senhor Primeiro-ministro e passo a citar, “de que não podemos desperdiçar recursos”, só pode merecer a nossa concordância e apoio, particularmente no nosso país, cuja dimensão estratégica e recursos disponíveis exige essa permanente avaliação e consideração.O Exército tem atuado de forma diversificada, contabilizando, até ao dia 17 de Abril, o apoio a 128 Entidades e 95 Municípios, com a disponibilização de dezenas de tendas, milhares de camas, alojamento em infraestruturas militares, apoio sanitário, descontaminações, distribuição de alimentos, intervenção psicológica, centenas de testes COVID-19, apoio geoespacial, produção de milhares de litros de gel desinfectante, armazenamento da reserva estratégica de medicamentos (REM) e de material de proteção individual (EPI) e apoio logístico em transporte e distribuição deste material, a favor do SNS. A Força Aérea e a Marinha têm igualmente participado neste apoio, com especial relevo nas Ilhas, nas evacuações aéreas e no transporte aéreo e marítimo entre elas[1].

Constituem fundamentos básicos de uma qualquer Política de Defesa Nacional, nas suas vertentes civil e militar, a regra dos “5 P” – Proteger, ou seja, criar as condições que garantam a segurança e a sobrevivência dos recursos humanos e materiais, que materializam o poder nacional; Prever, conceber cenários de actuação dos instrumentos do poder, para aqueles que serão os mais prováveis, sem descurar as implicações daqueles que poderão ser os mais perigosos; actuar Preventivamente, dispondo de reservas estratégicas que garantam a capacidade para intervir, por antecipação, nas situações emergentes e não apenas de forma reactiva quando estas se degradam; Planear, criando planos de contingência, que permitam encurtar o tempo de ajustamento das estruturas de resposta existentes, às necessidades provocadas pela surpresa dos acontecimentos; estabelecer Parcerias, nacionais e internacionais, que permitam ampliar as capacidades de resposta.

Infelizmente, nem sempre estas orientações, tão básicas e várias vezes repetidas por aqueles que se preocupam com o planeamento, com a coordenação de procedimentos e com a optimização de recursos têm sido tomadas em conta. É exemplo disso a decisão meritória da proposta do Governo, em criar mais um centro de acolhimento a doentes infectados com o vírus COVID-19, mas que, no entanto, poderia ser feito em qualquer pavilhão desportivo ou de multiusos. Neste caso, a opção passa por recuperar apenas parcialmente (um único piso), o antigo Hospital Militar de Belém (HMB), outrora vocacionado para o tratamento de doenças infectocontagiosas e extinto por via de uma decisão política pouco esclarecida, de utilidade duvidosa e de justificação fortemente economicista; esta recuperação parcial peca por ser insuficiente e por desperdiçar um recurso capaz de ser um instrumento de actuação sanitária, no combate aos casos mais agudos desta pandemia.

O antigo HMB constitui uma infraestrutura hospitalar diferenciada, com instalações dotadas de pressão negativa e vocacionada para os cuidados intensivos de índole respiratória, com capacidade de ventiloterapia; nesta data e apesar do encerramento de vários anos, estas capacidades encontram-se ainda em situação operacional, passível de uma recuperação e atualização total, de acordo com uma avaliação realizada muito recentemente, viável, quer em termos de tempo quer em custos económicos.

A perceção de que esta pandemia ainda não desapareceu, que poderá ter novas vagas e que a ameaça de novas pandemias é real, a par de fenómenos de terrorismo biológico e químico que poderão ocorrer conjunturalmente, justificam a recuperação desta infraestrutura hospitalar militar, como reserva estratégica nacional, constituindo-se também como Centro de Investigação e Documentação no domínio das patologias de etiologia microbiana, viral, parasitária e química, em estreita ligação com a Unidade Militar Laboratorial de Defesa Biológica, Química e Radiológica do Exército, como acontecia no passado recente, que já detém parcerias internacionais, a que se poderiam juntar mais especialistas e investigadores, civis e militares, estabelecendo, para além disso, Protocolos de Cooperação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e com o Ministério da Saúde/ SNS.

Decisões e soluções ditadas pelo “imediatismo” pecam por carência de planeamento, podem conduzir a insuficiências na resposta pretendida, correm o risco de virem a ser desajustadas e ficarem aquém das exigências da realidade e traduzem-se sempre no desperdício de recursos – exactamente o oposto da intenção manifestada pelo Senhor Primeiro-ministro.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

[1] Ver crónica noticiosa sobre as “Medidas que o MDN e as Forças Armadas estão a executar no combate à COVID-19” (pp. 415-420).

 

 

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José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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