Nº 2641/2642 - Fevereiro/Março de 2022
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Uma estratégia militar para a União Europeia
Tenente-coronel
João Ricardo de Sousa Barbosa e Dias Costa

Introdução*

Josep Borrell Fontelles, Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, escreveu no Twitter, no dia 7 de janeiro de 2022, que os próximos seis meses serão a chave para a construção da Europa do futuro, com uma UE mais soberana e capaz de agir em matéria de segurança e defesa (Fontelles 2022). Estava a referir-se às alterações em matérias de segurança e defesa, que previsivelmente serão impulsionadas pela presidência francesa da União Europeia (UE), durante o primeiro semestre de 2022.

De facto, apesar de o processo de aprofundamento da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da UE já ser longo, não tem evoluído de forma contínua e regular, mas sim por etapas, normalmente impulsionadas pela França e/ou pela Alemanha. Certamente que vivemos um destes momentos históricos. Aliás, o Presidente francês, Emmanuel Macron, apresentava a 9 de dezembro de 2021 as ambições da França para a presidência da UE, que assumiria em janeiro de 2022, afirmando claramente que temos de ter uma Europa poderosa no mundo, totalmente soberana, livre nas suas escolhas e dona do seu destino (Macron 2021).

Esta ideia de soberania ou autonomia da Europa não é nova. Em 2017, ainda no rescaldo das eleições francesas, o Presidente francês fez um discurso na Universidade de Sorbonne intitulado “Iniciativa para a Europa”, onde defendeu a necessidade de reforçar a soberania europeia (Macron 2017). Em 2020, o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, defendeu que a autonomia estratégica da Europa constituía o desafio da atual geração (Charles Michel 2020). Em 2021, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no discurso do “State of the Union”, apelou à soberania tecnológica da Europa (Leyen 2021).

Apesar de o uso de expressões como “soberania” ou “autonomia estratégica” da Europa ser relativamente recorrente entre políticos e académicos, a sua utilização não é conceptualmente consensual. Não obstante, é uma realidade inegável que a UE tem vindo a defrontar-se com a necessidade crescente de assegurar os seus valores e interesses, num mundo geopoliticamente cada vez mais competitivo. A invasão da Crimeia pela Rússia (e, atualmente, a situação com a Ucrânia), o reconhecimento (embora lento) da crescente rivalidade com a China, a eleição de Trump nos Estados Unidos, a crise migratória ou o Brexit, são alguns exemplos que contribuem para o reconhecimento da transformação do ambiente estratégico pela UE e pelos seus Estados-membros.

A soberania ou autonomia europeia, não sendo exclusivas da PCSD, terá certamente nesta área uma expressão significativa, já a partir de março de 2022, com a aprovação da “Bússola Estratégica”1. Neste contexto, para que a soberania ou autonomia sejam efetivas, terão de ser acompanhadas pela adoção de uma estratégia militar, que permita que a UE atue de forma credível no âmbito da segurança e defesa, na medida em que interliga duas questões fulcrais: quais são os objetivos de segurança e quais são as capacidades militares necessárias para atingir esses objetivos. Assim, considerou-se que uma estratégia militar para a UE terá de conjugar três dimensões: fins (ends), meios (means) e formas (ways), que serão seguidamente abordados.

 

1. Os fins de uma estratégia militar da União Europeia

A vontade da UE em dispor de uma capacidade militar não é de agora. O Tratado de Maastricht criou a União Europeia, em 1992, que assentava em três pilares, dos quais um era a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), e que incluía uma Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) (Tratado de Maastricht 1992). Já o Tratado de Amesterdão reforçou a intenção de integrar a União da Europa Ocidental (UEO) na UE, como forma de garantir o acesso a uma capacidade operacional própria, tendo incorporado as missões de Petersberg (Tratado de Amesterdão 1997).

O Tratado de Nice abandonou a intenção de ter a UEO como “braço armado”, tendo criado condições para o aparecimento de uma estrutura autónoma, mormente através do desenvolvimento de estruturas de apoio à decisão, da definição de metas a atingir, da previsão da criação de novas instituições, bem como de forças militares, o que permitiu que a UE passasse a dispor de uma dimensão militar autónoma (Tratado de Nice 2001). Por fim, o Tratado de Lisboa criou a PCSD, na qual foram materializadas importantes alterações no âmbito militar e da defesa, destacando-se o alargamento das missões de Petersberg2, a introdução da Cláusula de Ajuda e Assistência Mútua e da Cláusula de Solidariedade, ou a consagração da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) (Tratado de Lisboa 2007).

Com a adoção, em 2016 da Estratégia Global para a Política Externa e de Segurança da UE, constituindo a mesma uma evolução da Estratégia de Segurança Europeia de 2003, a UE passa a defender uma atuação externa assente num pragmatismo de princípios. Reconhece a necessidade de assumir uma maior responsabilidade na sua segurança, no que respeita aos desafios com dimensão simultaneamente interna e externa, bem como o facto da fragilidade dos Estados para além das suas fronteiras ameaçar os seus interesses vitais (Conselho Europeu 2016/06). Isto implica que a UE tenha de ter a capacidade de desenvolver três tarefas chave: responder a conflitos e crises externas, contribuir para a criação de capacidades de países parceiros, e proteger a UE e os seus cidadãos, tal como identificado no Plano de Implementação da Estratégia Global da União Europeia (EUGS) no âmbito da Segurança e Defesa (Conselho da UE 2016/14392).

Para isso, reforça a necessidade de ter uma Abordagem Integrada na resolução de conflitos (Conselho Europeu 2016/06), tendo vindo a reformular as suas estruturas, no sentido de melhorar a coordenação entre todos os instrumentos à sua disposição, bem como de desenvolver capacidades civis e militares passíveis de serem empregues. Neste contexto, e quando os seus interesses vitais estiverem em causa, a UE poderá ter de empregar o seu instrumento militar de forma efetiva, com uma dimensão substancial e com um elevado poder de fogo, quer de forma autónoma quer em conjunto com outras organizações internacionais (Silvestri, et al. 2013). Para tal, a UE precisa de estar dotada de capacidades militares autónomas, até porque a atuação autónoma, ainda que não desejável, poderá ser a única opção.

Assim, no que respeita aos fins (ends) de uma Estratégia Militar da UE, estes correspondem num sentido mais abrangente às missões militares que a UE prevê que venham a ser cumpridas pela sua componente militar. Neste contexto, estão relacionados com o enquadramento legal dessas missões no quadro da UE, bem como com a intenção política para o emprego da componente militar expressa através de uma grande estratégia da UE.

 

2. Os meios de uma estratégia militar da União Europeia

O Conselho da União Europeia é o órgão por excelência de decisão no âmbito da elaboração da PESC/PCSD devido à intergovernamentalidade que caracteriza esta política (Tratado de Lisboa 2007). Em particular, é ao Conselho dos Assuntos Externos, na configuração COREPER II, composto pelos Ministros da Defesa dos Estados-membros e presidido pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (HR/VP), que compete a responsabilidade global sobre as operações e missões militares da UE, incluindo a decisão de as iniciar ou terminar.

Neste âmbito, o Comité Político e de Segurança (COPS) contribui para a definição das políticas através de pareceres ao Conselho em todos os assuntos relacionados com a PCSD, tendo a competência de exercer o “controlo político e a direção estratégica” de operações de resposta a crises (Conselho da UE 2001/78/CFSP). É aconselhado pelo Comité Militar da União Europeia, pelo Grupo Político-Militar e pelo Comité para os Assuntos Civis de Gestão de Crises. O Comité Militar da União Europeia (EUMC), composto pelos Chefes do Estado-Maior das Forças Armadas de todos os países da UE, é o órgão militar mais elevado do Conselho da União Europeia, competindo-lhe a direção de todas as atividades militares da UE (Conselho da UE 2001/79/CFSP). É responsável pelo aconselhamento militar ao COPS e assume igualmente o papel de Conselheiro Militar do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

O Alto Representante da União é também apoiado pelo Serviço Europeu de Ação Externa (EEAS) criado com o Tratado de Lisboa, realçando-se o papel da Diretoria para a Abordagem Integrada para a Segurança e Paz (ISP/DMD) a quem é atribuída a responsabilidade político-estratégica da gestão de crises, com as principais atividades a incluírem o planeamento político-estratégico de missões civis e de operações militares (Tratado de Lisboa 2007). O Estado-Maior militar da UE (EUMS), composto por cerca de 200 militares, é parte integrante do EEAS e desempenha um conjunto de funções nesse âmbito, ao mesmo tempo que apoia também o Comité Militar. Está dividido em cinco repartições: Conceitos e Capacidades, Informações, Operações, Logística, Comunicações e Sistemas de Informação (Conselho da UE 2008/298/PESC, p. nº2).

Quanto à estrutura de comando nas missões militares não executivas, relembra-se que é diferente da estrutura de comando nas operações militares, bem como da estrutura de comando nas missões civis. Nas missões militares não executivas, o Comandante ao nível estratégico-militar é, desde 2017, o Diretor da Capacidade Militar de Planeamento e Condução (MPCC) instalada no EUMS, que coordena estas missões com o seu homólogo para as operações civis através da Célula Conjunta de Coordenação (JSCC), recentemente criada, com o objetivo de melhorar as sinergias entre a dimensão civil e a dimensão militar (Conselho da UE 2017/971). Por sua vez, o nível operacional e tático da cadeia de comando fundem-se num só, sendo materializados no Comandante da Missão Militar (MCdr) que é apoiado no Teatro de Operações pelo Quartel-General da missão.

Nas operações militares, o Comandante da Operação (OpCdr) é apoiado por um Quartel-General de nível estratégico-militar (OHQ), que pode ser assegurado de três formas distintas (EUMS, 2015b), designadamente: através de um dos Quartéis-Generais já identificados pelos Estados-membros da UE; ou através do Centro de Operações da UE instalado no EUMS; ou, ainda, com recurso aos acordos de Berlin Plus com a NATO. Ao nível operacional, é nomeado um Comandante da Força (FCdr) que é apoiado por um Quartel-General de nível operacional (FHQ) disponibilizado por um dos Estados-membros e localizado dentro da área de operações. Ao nível tático, estão ainda previstos os Comandantes das Componentes e diversos níveis de comando, dependendo da dimensão da força, também assegurados pelos Estados-membros participantes na operação.

Se a opção de criar a MPCC contribui claramente para a melhoria da capacidade de comando e controlo das missões militares não executivas, bem como do fortalecimento da Abordagem Integrada através do desenvolvimento das sinergias entre a dimensão militar e civil da gestão de crises, já a inexistência de um Quartel-General permanente de nível estratégico-militar (OHQ) continua a constituir uma lacuna na capacidade de comando e controlo das operações militares lideradas pela UE. Isto porque a utilização de um Quartel-General de um dos Estados-membros da UE, que tem sido a opção mais comum até ao momento, tem inerente um conjunto de problemas, resultantes das dificuldades de coordenação com outras estruturas do Serviço de Ação Externa da UE ou ainda o estabelecimento de lições aprendidas relativas ao emprego da força militar em operações de gestão de crises da UE. Além disso, debilita a afirmação da dimensão militar da UE.

Já a opção do Centro de Operações da UE (OPSCEN) constitui uma possibilidade meramente teórica, quer pela pequena dimensão do seu núcleo permanente, que limita o recurso ao mesmo em situações urgentes, quer pelo efetivo previsto para a sua máxima configuração não permitir capacidade de comando e controlo sobre forças de grande dimensão, quer ainda pelo facto de as suas tarefas terem passado para a MPCC.

Quanto à opção para o Comando e Controlo das operações militares da UE com recurso aos acordos de Berlin Plus, ela só pode ser compreendida num contexto em que as duas organizações tenham interesse em estarem envolvidas, o que limita, à partida, a capacidade autónoma da UE. Não obstante, é de realçar que as ameaças e os desafios contemporâneos à segurança incentivam a que no futuro sejam aprofundadas as relações entre a NATO e a UE com vista a uma cooperação mais efetiva, quer no âmbito dos acordos de Berlim Plus, ou Berlin Plus in reverse, ou em outro contexto (Vukasović & Stančić, 2012, p. 150). No entanto, para que essa parceria estratégica seja conseguida, é necessário que a UE clarifique a sua opção política no âmbito da PCSD em dois pontos fundamentais: que defina a área e as condições em que as operações e missões militares são efetuadas; e que disponha de estruturas para gestão de crises da PCSD com os recursos humanos, materiais e financeiros necessários.

No que respeita às forças militares que estão previstas para as operações a liderar pela UE, refere-se que ainda é válido o definido, em 1999, no Helsinki Headline Goal 2003, como nível de ambição militar da UE, ou seja, um Corpo de Exército com os correspondentes meios aéreos e navais (cerca de 50.000-60.000 pessoas) para uma Operação Conjunta de Grande Envergadura (MJO) (Conselho Europeu 1999/12, p. parte II). No entanto, apesar de nunca ter formalmente abandonado este nível de ambição, a UE também nunca o materializou em ações concretas.

Com a adoção da Estratégia Europeia de Segurança, a UE assume, em 2004, um novo objetivo, o Headline Goal 2010, pretendendo dispor de uma capacidade de agir de uma forma decisiva e rápida em todo o espectro das operações de gestão de crises previstas para a UE, contribuindo, desta forma, para a afirmação da UE como “ator global” (Conselho Europeu 2004/06). Para o conseguir, mantém, desde 2007, permanentemente disponíveis dois Agrupamentos Táticos (BG), constituídos por cerca de 1500 militares (escalão Batalhão com Apoio de Combate e Apoio de Serviços, bem como enablers aéreos e navais), sem, no entanto, os ter usado até ao momento.

Apesar do referido, sempre que é necessário conduzir uma operação/missão militar, dá-se início a um processo de geração de forças especificamente orientado para essa operação ou missão, que compreende três etapas (EUMS, 2015). A etapa da “Compreensão” da intenção dos Estados-membros no que respeita à disponibilização dos meios para uma determinada operação, incluindo a identificação do Comandante de nível estratégico-militar para a operação e o seu Quartel-General. A etapa da “Geração” da Força, já formal e vinculativa, e que inclui um conjunto de conferências de geração de forças que decorrem antes da Decisão do Conselho de iniciar uma operação ou missão militar. A etapa da “Previsão” da futura força, necessária quando se prevê que a operação/missão militar seja de longa duração.

Com a implementação da Estratégia Global para a política externa e de segurança da União Europeia (EUGS), a partir de 2016, identifica-se que, em alternativa ao emprego do Corpo de Exército numa grande operação, a UE deverá estar preparada para executar operações militares de gestão de crises, de resposta rápida, de segurança aérea, de segurança marítima, entre outras (Conselho da UE 2016/14392). Ou seja, a UE deverá ter a capacidade de planear e conduzir simultaneamente um conjunto de operações e missões mais pequenas, designadamente: duas operações de resposta rápida com duração limitada usando os Agrupamentos Táticos; uma operação de emergência para a evacuação de nacionais europeus; uma operação de interdição marítima ou aérea; duas operações de estabilização e reconstrução; uma operação civil-militar de assistência humanitária; doze missões civis de PCSD com formatos variados em conjunto com missões militares (Conselho Europeu 2008/12).

Para a identificação das necessidades militares em falta, a UE tem estabelecido, desde 2003, o Mecanismo de Desenvolvimento de Capacidades (CDM) militares. Com este mecanismo, da responsabilidade do EUMS, elabora um “Catálogo de requisitos de capacidades” e um “Catálogo de Forças”, cujo diferencial resulta num “Relatório de Progresso”, onde são listadas as Capacidades obtidas, identificadas e priorizadas as lacunas existentes, e apresentado o risco potencial para as operações, o que permite apoiar a elaboração do Plano de Desenvolvimento de Capacidades (CDP).

Desta forma, as prioridades estabelecidas pelos Estados-membros no CDP, cuja responsabilidade de coordenação é, desde 2008, da Agência Europeia de Defesa (EDA), são analisadas no ciclo da Revisão Anual Coordenada de Defesa (CARD), o que permite o início de novos projetos colaborativos pelos Estados-membros com recurso à PESCO (ou de outros projetos dentro ou fora da EDA), alguns dos quais poderão ser cofinanciados por intermédio do Fundo Europeu de Defesa (EDF).

A última versão do CDP tem por objetivo principal aumentar a coerência do planeamento feito pelos Estados-membros no que se refere às necessidades de material, definindo prioridades comuns no desenvolvimento de capacidades, e incentivando a cooperação europeia assente nas necessidades futuras (EDA, 2019b). Desta forma, as novas prioridades no desenvolvimento de capacidades foram elencadas com base em quatro grandes vertentes (A – identificação das necessidades, B – lições aprendidas, C – possibilidades de colaboração e D – tendências futuras) e em três perspetivas (curto, médio e longo prazo).

Por seu lado, a Revisão Anual Coordenada de Defesa (CARD) tem o objetivo de desenvolver de uma forma mais estruturada as capacidades de defesa, e onde a EDA tem um papel preponderante, uma vez que atua, em conjunto com o EUMS, como o “secretariado” da CARD (EDA, 2019). A CARD permite uma melhor compreensão da situação dos Estados-membros relativamente ao investimento nas capacidades de defesa. No entanto, trata-se de um mecanismo voluntário, pelo que levanta um conjunto de questões, como, por exemplo, se conseguirá estimular a cooperação entre os Estados-membros para além do que já tem sido conseguido numa base voluntária no passado. Deve-se, por isso, questionar se a abordagem voluntária continua a ser atualmente a melhor opção para atingir a finalidade de ter uma defesa europeia mais credível.

Quanto à PESCO entre os Estados-membros da UE, urge dizer que, apesar do aspeto voluntário de participação dos Estados-membros na PESCO, existe um compromisso vinculativo pelos Estados-membros que decidem aderir, muito embora seja deixado à consideração dos Estados quais os projetos específicos e qual o nível de profundidade de participação nos mesmos (42º e 43º do TUE/TL). É a combinação deste conjunto de elementos, assente na natureza dos compromissos vinculativos assumidos pelos Estados-membros, na prestação de contas relativa à sua efetivação, e na existência de um quadro permanente de cooperação, que constitui a mais-valia da PESCO relativamente aos esforços passados.

No que respeita ao EDF, é direcionado para apoiar o investimento na investigação conjunta e o desenvolvimento conjunto de capacidades da defesa que, apesar de complementares, têm diferentes enquadramentos legais e recursos financeiros (Comissão Europeia 2017/295). O primeiro, pode ser financiado pela primeira vez e na totalidade pelo orçamento da UE, e o segundo, apesar de o financiamento ser menor, a participação do orçamento da UE permitirá reduzir o risco nas fases iniciais do ciclo de desenvolvimento industrial.

Por isso, é de constatar que o desenvolvimento de capacidades militares pela UE tem assumido uma cada vez maior importância, plenamente justificada pela fragmentação atual dos mercados de defesa da UE, com implicações na interoperabilidade dos equipamentos e no enorme diferencial entre o que é gasto pelo conjunto dos Estados-membros e as correspondentes capacidades que são efetivamente produzidas. A isto acresce um mundo globalizado onde as economias de escala são determinantes, com os Estados-membros da UE a serem já demasiado pequenos para, por si só, garantirem as capacidades militares de que necessitarão no futuro. Assim, a EDA desempenha, principalmente desde a adoção da EUGS, de 2016, um papel fundamental na melhoria desta situação.

Assim, no que respeita aos meios (means) de uma Estratégia Militar da UE, estes correspondem aos recursos militares que a UE deve ter à sua disposição que, numa perspetiva estrutural, estão relacionados com os órgãos militares próprios da UE, com as forças que os Estados-membros colocam à sua disposição, e ainda com a estrutura de comando prevista para as operações militares. Já numa perspetiva genética, relacionam-se com as principais iniciativas de desenvolvimento de capacidades que se prevê que venham a ser realizadas no quadro da UE.

 

3. As formas de uma estratégia militar da União Europeia

O planeamento militar de resposta a crises é integrado num planeamento de resposta a crises da UE composto por cinco fases sequenciais e progressivas (embora o processo possa ser abreviado): identificação da crise (Fase 1), aprovação de uma operação ou missão da PCSD (Fase 2), planeamento da operação ou missão da PCSD (Fase 3), execução da operação ou missão da PCSD (Fase 4) e revisão estratégica da operação ou missão da PCSD (Fase 5) (EEAS 2015).

Neste âmbito, é inicialmente produzido pelo Departamento Geográfico do EEAS com responsabilidade sobre a área da crise um documento com o nome de Enquadramento Político para a Abordagem da Crise (PFCA), onde se apresenta um conjunto alargado de opções disponíveis para a UE lidar com a crise, contribuindo assim para a Abordagem Integrada. O PFCA poderá levar ao desenvolvimento do Conceito de Gestão de Crises (CMC) pela Diretoria para a Abordagem Integrada para a Segurança e Paz (ISP/DMD) do EEAS, com o apoio da CPCC e do EUMS, garantindo assim a coerência e abrangência no emprego dos instrumentos civis e militares da PCSD.

Nesta fase, o EUMS prepara também as Opções Militares Estratégicas (MSO) que identificam as modalidades de ação possíveis e os recursos necessários, incluindo o Comandante da Operação e o Comandante da Força, e respetivo Quartel-General de nível estratégico-militar para a operação (OHQ) e Quartel-General de nível operacional (FHQ) (EEAS 2015). Caso seja autorizada pelo Conselho o início de uma operação ou missão militar, o EUMS elabora a Diretiva Militar Iniciadora (IMD) que é aprovada pelo Comité Militar da UE, o que permite a elaboração subsequente do Conceito de Operações (CONOPS) e do Plano de Operações (OPLAN) pelo Comandante da Operação.

É de reconhecer que este processo veio melhorar a decisão do emprego dos meios, devendo continuar a ser feito um esforço, no futuro, no sentido de melhorar a rapidez, tornando-o mais aligeirado e flexível. Também de destacar que a criação da MPCC veio facilitar o planeamento das missões militares. No entanto, no que respeita às operações militares, a inexistência de um Quartel-General permanente de nível estratégico-militar continua a constituir uma dificuldade acrescida no planeamento militar, bem como na coordenação de forma permanente entre a componente militar e a componente civil da PCSD.

Uma análise das operações e missões militares já desenvolvidas sob a liderança da UE, também permite compreender a importância de África como centro de gravidade da PCSD da UE, procurando, por norma, seguir o princípio da apropriação. Neste âmbito, a ênfase da participação da UE assenta no aconselhamento ao processo de Reforma do Setor de Segurança, no apoio ao treino, e nas atividades de capacitação das forças militares locais, como são exemplo as missões militares não executivas EUTM RCA, EUTM MALI e EUTM SOMÁLIA.

Não obstante, quando necessário, a UE também realiza operações militares com o intuito de garantir um ambiente estável e seguro, como é o caso da EUFOR ALTHEA; ou com o objetivo de reprimir atos de pirataria e proteção dos navios, como acontece com a EUNAVFOR ATALANTA; ou de ajudar na disrupção do tráfico humano, como no caso da EUNAVFOR MED SOPHIA; ou, ainda, para assegurar um embargo de armas, como é exemplo a EUNAVFOR MED IRINI.

De igual forma, é de referir que, quando se justificou, as operações militares evoluíram para missões militares, como foi o caso da operação militar EUFOR RCA que foi substituída pela missão militar de aconselhamento EUMAM RCA, e posteriormente pela missão militar de treino EUTM RCA. A utilização abrangente dos instrumentos militares e civis da PCSD também é visível nos diversos teatros de operações, com as operações e missões militares a serem conjugadas ou sucedidas por missões civis que, consoante a necessidade, atuam em áreas variadas, como aconselhamento, apoio nas fronteiras, construção de capacidades, justiça e estado de direito, monitorização ou polícia.

Este envolvimento com o recurso aos instrumentos da PCSD em operações e missões civis e militares nos países afetados pelas crises é ainda conjugado com o poder político-diplomático junto dos países terceiros das zonas de conflitualidade, nomeadamente através das Delegações da UE, dos Representantes Especiais, mas também de sanções, e ainda com os apoios financeiros da Comissão em áreas tão diversificadas como ajuda humanitária, desenvolvimento, democracia, paz, ou Direitos Humanos, entre outras, materializando assim a Abordagem Integrada que defende.

Quanto ao financiamento, é da responsabilidade dos países participantes nessa operação ou missão, o que é frequentemente apontado como umas das principais razões que limitam o recurso à componente militar, e em particular às operações militares. Os custos comuns são administrados, desde 2004, através do mecanismo ATHENA (Conselho da UE 2015/528/CFSP), que está a ser substituído pelo Mecanismo Europeu para a Paz (EPF), pensado como um instrumento com uma maior capacidade de financiamento e com uma abrangência mais global (EEAS, 2018b, p. 7).

No que respeita às perspetivas futuras para o emprego do poder militar da UE, apesar dos cenários prospetivos apontarem para que os conflitos entre Estados sejam menos frequentes, continua a ser provável a existência ocasional de conflitos de grande dimensão (como o da Ucrânia). Por outro lado, embora os conflitos internos nos Estados também tenham tendência para diminuir, algumas regiões de interesse estratégico para a UE continuarão a ser palco de conflitos violentos (Szayna, et al. 2017).

Assim, e no que respeita aos conflitos de grande dimensão, quer entre Estados quer resultantes de elevados níveis de violência em conflitos dentro dos Estados, apesar de também dever constituir uma preocupação da UE, esta não tem necessariamente de dispor de capacidades militares autónomas que lhe permitam responder a este tipo de desafios, para os quais a NATO deverá continuar a constituir o principal veículo de resposta militar, sendo que a maioria dos Estados-membros da UE também fazem parte da NATO. Neste contexto, a UE deverá desenvolver ações no sentido de estreitar as relações com a NATO, ao mesmo tempo que apoia os seus Estados-membros para que disponham de capacidades militares mais adequadas aos desafios militares do futuro, ainda que estes meios possam vir a ser empregues fora do quadro das operações militares previstas para serem desenvolvidas pela UE.

Quanto aos conflitos dentro dos Estados de menor dimensão, é previsível que a UE continue certamente empenhada na prevenção dos conflitos através da Abordagem Integrada e recorrendo a capacidades civis, militares, económicas, diplomáticas, entre outras, bem como envolvendo um conjunto alargado de atores. Mas a UE irá também necessitar de desenvolver a sua componente militar para dar resposta a conflitos dentro dos Estados mais exigentes, nomeadamente nas regiões de interesse estratégico para a UE e nos quais os EUA podem não estar interessados em envolver-se.

Isto implicará uma maior solidariedade operacional e financeira na área da defesa, permitindo aumentar a capacidade de projetar o poder militar, conduzindo operações militares de gestão de crises em ambientes mais complexos e intensos do que atualmente, ainda que sempre abaixo do limite previsto no Tratado da NATO para a defesa coletiva. Para tal, terá de implementar estruturas de planeamento e de comando e controlo militar ao nível da UE, cuja capacidade seria exponenciada através de formação conjunta, do treino e de exercícios no quadro das operações a desenvolver pela UE, sendo acompanhada de vontade política assente num processo de decisão mais rápido e eficiente, que lhe permitia apresentar-se como um maior e mais forte provedor de segurança no sistema internacional.

A cooperação na defesa entre os Estados-membros passaria a ser a norma e não a exceção, com os planeamentos nacionais de defesa a estarem mais alinhados, facilitando a cooperação na aquisição e manutenção de capacidades dos Estados-membros, com impactos na melhoria da interoperabilidade. Isto é apenas passível de se concretizar caso haja um alinhamento e aprofundamento da cultura estratégica de defesa comum entre os Estados-membros, bem como o estabelecimento de uma clara linha limitadora da tipologia de operações militares que poderiam ser conduzidas no quadro da UE, com vista a evitar excessivas e perigosas duplicações com a NATO.

Tomando como referência os conceitos NATO (NATO, 2017, pp. 2-20), o “Empenhamento militar em tempo de paz” engloba um conjunto de atividades militares, como, por exemplo, apoio ao treino das forças locais ou atividades de aconselhamento e assessoria. Com elas, podemos encontrar correspondência nas missões militares da EUTM SOMÁLIA, da EUTM MALI, ou da EUTM RCA, e para as quais a criação da MPCC constituiu um grande avanço e uma mais-valia na capacidade de planeamento, comando e controlo. Assim, vai-se ao encontro do nível de ambição relacionado com o desenvolvimento de doze missões civis de PCSD em conjunto com missões militares durante vários anos.

Por outro lado, o tema de “Apoio à Paz” corresponde a um empenhamento na sequência de um acordo ou de um cessar-fogo que permita um ambiente permissivo para a atuação da força militar. Apesar disso, embora o uso da força esteja normalmente muito limitado, pode ser necessário desenvolver ações ofensivas ou defensivas, ainda que de pequena dimensão. Aqui podemos encontrar paralelismo com as operações militares EUFOR ARTEMIS, EUFOR RDC, EUFOR CHADE/RCA, EU NAVFOR ATALANTA ou EUFOR ALTHEA, onde tem sido normal o recurso a um Quartel-General de um dos seus Estados-membros para suprimir a lacuna que existe ao nível do planeamento e do comando e controlo de nível estratégico-militar, embora com sérias limitações.

Uma vez que este tema é o que mais corresponde à probabilidade de emprego de forças militares da UE, assente em operações de pequena dimensão e com intensidade e frequência dos combates baixa, é de todo aconselhável que a UE ultrapasse esta limitação com a criação de um QG permanente de nível estratégico-militar de pequena dimensão, bem como com a flexibilização do conceito dos Agrupamentos Táticos, e o financiamento das operações, o que lhe permitiria atuar militarmente num cenário que tem uma grande probabilidade de ocorrer. Desta forma, vai-se ao encontro do nível de ambição militar referente a duas operações de resposta rápida com duração limitada usando os Agrupamentos Táticos; uma operação de emergência para a evacuação de nacionais europeus; uma operação de interdição marítima ou aérea; uma operação civil-militar de assistência humanitária de curta duração, ou duas operações de estabilização e reconstrução envolvendo até 10.000 efetivos, por um período de, pelo menos, dois anos.

Quanto ao tema “Segurança”, reflete a transição das operações de “Apoio à Paz” para as operações de “combate”, onde as forças militares devem ter a capacidade de desenvolver um conjunto de atividades de estabilização e, ao mesmo tempo, de conduzir operações ofensivas e defensivas, nomeadamente contra forças irregulares. Neste quadro é admissível que a existência de um QG permanente de nível estratégico-militar mais robusto, mas ainda assim de pequena dimensão, possa permitir a atuação autónoma neste tipo de ambiente, embora em operações de relativa reduzida dimensão, como, por exemplo, de escalão Brigada com enablers ou Divisão.

Já o estreitamento das ligações com a NATO e o aprofundamento de acordos permitiria, através do recurso a meios da NATO, que a UE conduzisse operações militares de média dimensão no tema “Segurança”. Iria assim ao encontro do seu nível de ambição de conseguir empenhar 50.000 a 60.000 efetivos, ou seja, escalão de Corpo de Exército com as correspondentes forças navais e aéreas.

No tema “Guerra” a maioria das atividades é dirigida contra forças militares de grande dimensão, quer de atores estatais quer de atores não-estatais com grande organização e recursos, sendo o empenhamento das forças feito num contexto de grande dimensão de forças e alta intensidade na violência dos conflitos. Pela exigência e complexidade inerente a este tema, a UE deveria assumir que não pretende conduzir operações militares neste âmbito, com a NATO a constituir o quadro de atuação único. De realçar que as ações no âmbito da defesa coletiva, independentemente do seu espectro ou dimensão, seriam também da exclusiva responsabilidade da NATO. Naturalmente que esta situação constitui em si um risco estratégico, mas é inerente à opção por uma Estratégia Militar assente nestas bases, devendo ser formalmente assumida pela UE.

Assim, no que respeita às formas (ways) de uma Estratégia Militar da UE, estas correspondem às linhas de atuação militar definidas para o emprego do instrumento militar da UE, ou seja, estão relacionadas com a forma como é feito o planeamento que leva ao início de uma operação militar liderada pela UE, bem como a forma como as operações militares têm sido realizadas e financiadas, e ainda com as perspetivas futuras do seu emprego.

 

Conclusões

Uma estratégia militar para a UE terá de conjugar as três dimensões “fins – meios – formas” que, no caso da UE, correspondem ao trinómio “missões militares – recursos militares – linhas de atuação militar”.

Uma futura estratégia militar deverá identificar como fins militares o cumprimento das Missões de Petersberg previstas no Tratado de Lisboa e estar inserida numa Abordagem Integrada da UE para a resolução de conflitos. Neste quadro, deverá ser acautelada a capacidade de executar missões mais exigentes, num contexto em que os interesses vitais da UE estejam em causa. Essas poderão ser conduzidas de forma autónoma ou em conjunto com outras organizações internacionais, em particular a NATO. A UE deve, para isso, estar dotada de capacidades militares próprias, até porque, a atuação autónoma poderá ser a única opção.

Sobre os meios militares, para além dos órgãos próprios de que a UE já dispõe ao nível político-militar, tais como o Comité Militar e o Estado-Maior militar, uma futura estratégia militar para a UE deverá prever a existência de um Quartel-General permanente de nível estratégico-militar (OHQ), que permita a atuação autónoma em operações militares de dimensão e complexidade relativamente reduzidas, bem como o comando e controlo de missões militares não executivas. A existência desta estrutura em permanência, permitiria igualmente fortalecer a Abordagem Integrada, pois facilitaria o desenvolvimento estruturado de sinergias entre a dimensão militar e civil da gestão de crises a esse nível. Não obstante a manutenção do atual processo de geração de forças militares para a realização das operações/missões, uma estratégia militar para a UE deverá afirmar a necessidade de dispor de forma permanente de dois Agrupamentos Táticos (BG), com o intuito de assegurar uma capacidade de agir de forma decisiva e rápida em todo o espectro das operações de gestão de crises previstas para a UE.

Figura 1 – Modelo para uma Estratégia Militar da UE.

 

Neste contexto, é determinante que a estratégia militar da UE assuma o desenvolvimento de capacidades militares no seu quadro, independentemente de o emprego dos meios ser feito em operações da UE ou da NATO. A Agência Europeia de Defesa (EDA) desempenha um papel fundamental na concretização das capacidades, com a cooperação na defesa entre os Estados-membros a ter de passar a ser a norma, e não a exceção como tem sido até aqui. Os planeamentos nacionais de defesa devem estar mais alinhados, para facilitar a cooperação na aquisição e manutenção de capacidades dos Estados-membros, com impactos na melhoria da interoperabilidade. Uma estratégia militar para a UE deverá prever que isto seja acompanhado do desenvolvimento de ações com vista a um alinhamento e aprofundamento da cultura estratégica de defesa comum entre os Estados-membros, sempre subordinado ao estabelecimento de uma clara linha limitadora da tipologia de operações militares que podem ser conduzidas no quadro da UE e da NATO, evitando excessivas duplicações.

No que respeita à forma de emprego do instrumento militar, considera-se que o atual planeamento militar de resposta a crises está adequado e corretamente integrado no planeamento de resposta a crises da UE, devendo, no entanto, estar prevista numa futura estratégia militar para a UE a necessidade de continuar a ser feito um esforço no sentido de melhorar a rapidez, tornando-o mais aligeirado e flexível.

A estratégia militar deverá igualmente prever a necessidade de alterações no sistema de financiamento das operações militares, situação que constitui um efetivo entrave ao recurso ao instrumento militar, uma vez que aquele é da responsabilidade dos países participantes nessa operação. O financiamento deve passar a ser suportado na sua totalidade por um instrumento de administração comum, de forma a ultrapassar as limitações impostas pelo Tratado de Lisboa. O Mecanismo Europeu para a Paz (EPF) poderá constituir, eventualmente, uma oportunidade neste sentido. De igual forma, será fundamental flexibilizar o processo de decisão política na UE no que respeita à decisão de emprego do instrumento militar em missões e operações no âmbito da PCSD, situação que também tem constituído um entrave à utilização efetiva dos meios militares já disponíveis.

Uma estratégia militar da UE deverá também realçar a previsível continuação do “Empenhamento militar em tempo de paz” no quadro da Abordagem Integrada, nomeadamente no apoio ao treino das forças locais ou em atividades de aconselhamento e assessoria. No entanto, tendo em consideração os diversos cenários prospetivos para a conflitualidade armada em áreas de interesse estratégico da UE, a estratégia militar deverá considerar igualmente provável o emprego de forças militares da UE no tema de “Apoio à Paz”. Neste tema, as operações militares são de pequena dimensão e com intensidade e frequência dos combates baixa, em que os Agrupamentos Táticos deverão constituir uma opção lógica e credível.

Mas uma futura estratégia militar também deverá acautelar a possibilidade de a UE ter de atuar militarmente no tema “Segurança”. Nesta situação, as forças militares da UE podem ter de desenvolver um conjunto de atividades de estabilização e, ao mesmo tempo, de conduzir operações ofensivas e defensivas, nomeadamente contra forças irregulares. A existência de um QG permanente de nível estratégico-militar mais robusto, mas ainda assim de pequena dimensão, poderá permitir a atuação autónoma neste tipo de ambiente, embora em operações de dimensão relativamente reduzida, como de escalão Brigada com enablers ou Divisão.

Será também fundamental que uma estratégia militar para a UE assuma a necessidade do estreitamento das ligações com a NATO, o que permitirá que a UE conduza operações militares de média dimensão no tema “Segurança”, ou seja, de escalão de Corpo de Exército com as correspondentes forças navais e aéreas, indo assim ao encontro do nível de ambição que assumiu. Pela exigência e complexidade inerentes ao tema “Guerra”, ou no contexto de uma defesa coletiva, a UE deverá claramente afirmar na sua estratégia militar que não pretende conduzir operações militares neste âmbito, com a NATO a constituir o quadro de atuação único nessa situação, assumindo formalmente o risco estratégico inerente a esta opção.

As opções elencadas permitem assegurar uma capacidade militar à UE para atuar autonomamente nos espectros de conflito nos quais tem maior probabilidade de se envolver no futuro, ao mesmo tempo que acautelam a possibilidade de participação em operações mais exigentes e complexas. Também evitavam excessivas duplicações com a NATO, grandes gastos, bem como o agudizar de divergências políticas internas e externas.

Pelo que foi referido anteriormente, considera-se que as bases para uma Estratégia Militar da UE aqui apresentadas permitem compreender o papel que o instrumento militar da UE desempenha no atingir dos fins políticos, auxiliar a identificação dos meios militares adequados e apoiar a definição da forma de atuação da sua componente militar. De igual modo, considera-se que estas bases são adequadas ao nível de ambição assumido pela UE, exequíveis para os Estados-membros e aceitáveis politicamente no que respeita aos compromissos com a NATO, constituindo assim um contributo válido para o conhecimento com vista à concretização de uma futura Estratégia Militar para a União Europeia.

 

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* Artigo efetuado com base na Tese de Doutoramento realizada na Universidade de Coimbra, que foi publicada pelo Instituto Universitário Militar com o nome “Da Estratégia Militar para a União Europeia”.

1 A aprovação deste documento materializa um processo de dois anos, que teve início em março de 2020, numa reunião informal dos ministros da defesa realizada na Croácia, e irá moldar os avanços da PCSD nos próximos anos.

2 Atualmente, as missões de Petersberg englobam “as ações conjuntas em matéria de desarmamento, as missões humanitárias e de evacuação, as missões de aconselhamento e assistência em matéria militar, as missões de prevenção de conflitos e de manutenção de paz, as missões de forças de combate para gestão de crises, incluindo missões de restabelecimento da paz e operações de estabilização no termo dos conflitos” (Tratado de Lisboa 2007).

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Tenente-coronel

João Ricardo de Sousa Barbosa e Dias Costa

Desde outubro de 2016, é docente da Área de Ensino de Estratégia, no Instituto Universitário Militar

Mestrado em Ciências Militares – Artilharia, na Academia Militar

Mestrado em Estudos sobre a Europa (Dissertação “A Dimensão Militar da Política Europeia de Segurança e Defesa”, na Universidade de Coimbra.

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