Nº 2644 - Maio de 2022
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Travessia Aerea do Atlantico

O periodico norte americano – Boletim da Sociedade de navegação aerea da America (Aero Club of America Bulletin) – publica no seu numero de abril do corrente anno um curioso artigo sobre a travessia do Atlantico, acompanhado dum elucidativo mapa. Embora nele haja alguma coisa que se nos afigura fantastico, pelo menos por agora, esse artigo tem para nós o interesse de pôr a importância que num futuro, talvez proximo, hão-de ter as nossas ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, como estações de descida ou de paragem na travessia aerea do Oceano Atlantico; por isso damos dele um extráto, acompanhado do mapa que o ilustra. O auctor dessas linhas, destinadas, ao que parece, a causarem grande sensação entre os cultores da navegação aerea e os que lhe seguem os progressos com interesse, é o sr. Raffe Emerson, engenheiro e aviador e autoridade incontestada no assunto.*

 

«É muito possível que o oceano seja atravesado por via atmosferica antes de 1914, talvez mesmo neste ano de 1912.

O mapa anexo indica alguns dos mais favoraveis itinerarios para a travessia. Haverá presentemente algum veículo aéreo capaz de fazer o trajéto?

Os seguintes dados reunem os melhores resultados obtidos pela navegação aerea até esta data (março de 1912), e sugerem uma ideia do que se pode conseguir:

 

Um veículo aereo que consiga manter-se no ar durante um trajéto de 270 ou, melhor ainda, de 450 a 870 milhas, numa determinada direcção, pode atravessar o oceano.

 

 

Existem hoje dirigiveis e aeroplanos capazes de realizar este desideratum, repetindo o resultado obtido nas suas melhores experiencias.

Em quanto importaria a travessia?

Em que occasião e como deveria realizar-se?

Qual seria a utilidade pratica?

Os admiraveis progressos de que se ufana a moderna civilização humana, devem-se a pioneiros que arriscaram a saúde, o trabalho e a vida, caminhando e lutando passo a passo para que aquêles que os seguiram podessem tirar proveito que eles não gosaram.

Colombo atravessou o furioso Oceano em busca de um caminho para a Índia, mais curto, menos demorado e mais barato do que o que até aos seus dias se trilhára.

Semelhantemente, os Aeronautas do Ar esperam achar um meio mais rápido e mais barato para transporte de passageiros e de malas atravez da grande distancia, que sepára os povos da terra. As probabilidades a favor daqueles que querem atravessar o oceano numa só viagem de 1.800 ou 3.000 milhas, não parecem tantas como as dos que pensam fazê-lo em pequenos voos.

Não nos esquecâmos de que o Atlantico foi atravessado pela primeira vez, via Islandia e Groenlandia, 500 anos antes de Colombo; o propio Colombo veiu pelos Açores.

Havia mais de 300 anos que o Atlantico era regularmente atravessado por navios de vela, e foi só 9 anos após a aplicação de engenhos de vapor a um desses navios, que uma embarcação conseguiu atravessar as aguas obedecendo apenas ao impulso do novo motor; 31 anos depois da feliz excursão do barco a vapor de Fulton, de Nova York a Albany.

Na travessia aerea do Atlantico há a considerar os engenhos cujo motor é o vento e aqueles que não empregam esse agente. Para os primeiros, quatro projétos tem sido considerados:

1.º – Navegar para oeste, pouco acima do nível do mar, aproveitando os ventos aliseos do norte do equador.

2.º – Caminhar para leste, num nivel mais alto, com os ventos contrarios aqueles.

3.º – Seguir um cíclone, na direcção de nordeste, acompanhando o caminho geralmente preferido pelos vapores.

4.º – Procurar o movimento da atmosféra, para léste, (a umas 3 ou 4 milhas de altura) na zona temperada do norte, e ser levada por ela com velocidade de 80 a 100 milhas por hora.

 

Como veículos teem sido propostos: balões livres, dirigiveis e hídroplanos (ou navios do ar), assim como papagaios ou deslisadores, ligados por meio de uma corda a uma quilha mergulhada na agua, a fim de lhes dar direcção e a necessaria resistencia para se manterem no ar.

Independentemente do ventos, os trajétos que proporcionam os mais curtos lances sobre a agua, e nos quais mais se tem pensado são:

1.º – Da Terra Nova (Newfoundland) à Irlanda, cerca de 1.700 milhas.

2.º – Da Terra Nova aos Açores, cerca de 1.200 milhas.

3.º – Via Lavrador, Groenlandia, Islandia, Ilhas Faroe e Escossia; cerca de 4.500 milhas de Nova York a Paris (comparado com 3.500 milhas, via vapor e caminho de ferro) e com um lance máximo sobre a agua de 270 milhas.

4.º – Uma rota análoga, ao sul, via Antilhas (West Indies) America do Sul, Ilhas de Cabo Verde e Espanha, cerca de 9.400 milhas, com um lance sobre a agua de 1.280 milhas. Empregando uma grande jangada como estação suplementar, ancorada na altura do banco da Terra Nova, temos a acrescentar:

5.º – Banco da Terra Nova (Flemish Cap) aos Açores, 870 milhas.

6.º – Flemish Cap a uma jangada análoga, ancorada à altura do Banco Porcupine, a oeste da Irlanda, cerca de 1.400 milhas.

 

Vaniman propõe-se partir em dirigivel, de Atlantic City, no principio de uma tempestade, ajudando-o os seus motores a dominar a violencia dos elementos e estes, por sua vez, auxiliando-o na travessia pela velocidade. Calcula o aeronauta aproximadamente 3 ou 4 dias para fazer a travessia nestas condições e tem mais duma probabilidade de exito. A sua rota provavel e o seu aparelho de telegrafia sem fios pô-lo-hão em continua e segura comunicação com os transatlanticos.

Brucker há de vir do oeste, da Madeira, com o vento aliseo, também em dirigivel, descendo nos Barbados ou nas Antilhas.

Tratando-se de dirigiveis e balões livres, para voos de grandes distancias, a maior dificuldade está na expansão do gaz pelo calor do sol, pelo que vários meios de evitar os efeitos dessa expansão tem sido estudados.

O que limita a resistencia do aeroplano é a confiança no motor, o qual será necessario duplicar para voos amplos.

Quer com balões, quer com aeroplanos, a barquinha deve ser bem resistente contra o mar, e possuir os indipensaveis aparelhos de telegrafia sem fios. Se um homem foi capaz de atravessar o Atlantico em três semanas num barco de 16 pés, o piloto aéreo e o seu engenheiro devem poder atingir o itinierario dos transatlanticos, ou pelo menos a mais próxima costa, mesmo que lhes suceda serem despostos no meio do oceano.

Quatro vias realizaveis para a travessia do oceano se nos oferecem, a saber:

1.º – Por aeroplanos ou dirigiveis, via Groenlandia e Islandia, com estações de descida;

2.º – ou via Terra Nova e Açores;

3.º – ou Terra Nova à Irlanda diretamente (sacrificando a carga do combustivel);

4.º – Nível alto (3 a 4 milhas) em dirigivel (usando só a corrente de leste).

A viagem entre Nova York e Paris durará provavelmente 1 a 3 dias.

 

Acrescentemos aos serios preparativos de Vaniman e de Brucker (dirigiveis de grande velocidade), para um voo em 1912, os de Rodgers, que se propõe tentar a travessia pela Groenlandia, pelos Açores ou por S. John’s-Irlanda, usando um hídro-aeroplano. Ignoramos se ha outros preparativos para este ano.

Antes de 1920, talvez lá para 1915, esperamos ver um caminho comercial entre a America e a Europa, com transporte de passageiros e bagagens. É de crer que os europeus possam vir à exposição de S. Francisco sempre pelo ar e que o mundo terá sido circundado por uma viagem em menos talvez de dezoito dias».

 

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 * Revista Militar n.º 4, abril de 1912, pp. 280-284.

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