Nº 2460 - Janeiro de 2007
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Revista Militar e a Guerra Naval Russo-Japonesa (1904-1905)
Professor Doutor
Júlio Joaquim da Costa Rodrigues da Silva
“Vai ferir-se agora a guerra russo-japonesa, terrível drama sangrento (estávamos ainda longe da Grande Guerra), a que o mundo assiste comovido, dominado pelo maior assombro. (...) E agora, dez anos após a primeira façanha, ainda contrariado em seus propósitos, vai bem longe, é ao colosso europeu, é à Rússia, o hercúleo urso branco do norte que impõe respeito a toda a gente, que pede contas, igualmente derrubando-o. Safa! O fenómeno é único na História...” (W. de Moraes, Relance da História do Japão, Lisboa, Parceria A. M. Pereira Ld.ª, 1.ª edição 1923, 2.ª edição 1972, p.177)
 
1.  A Guerra do Futuro
 
A Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 marca a emergência definitiva do Japão como potência de primeiro plano, senão mundial, pelo menos regional. A súbita descoberta da capacidade de um país do Extremo-Oriente derrotar, com as mesmas armas, uma poderosa potência euro-asiática, causou um tremendo impacto na opinião pública mundial e portuguesa. A relação de forças a nível internacional, entre os países ocidentais e o resto do mundo, tinha sido pela primeira vez posta claramente em causa. A hegemonia europeia, de matriz essencialmente colonial sobre os restantes continentes, fora decisi­vamente desafiada. Iniciava-se um longo processo que ainda hoje continua, no qual progressivamente se inverteu o equilíbrio de poder preexistente e até aqui extremamente favorável ao Ocidente. A transferência da tecnologia europeia e a assimilação das respectivas técnicas de produção, juntamente com o investimento na ciência e na educação modernas, foram os grandes trunfos dos japoneses no Período Meiji (1868-1912) iniciado nos anos 60 do século XIX. Tratou-se, essencialmente, de responder ao desafio do exterior, simbolizado pela repentina chegada à baía de Edo, da esquadra norte-americana do comodoro Perry em 1853 e abertura forçada dos portos ao comércio internacional no ano seguinte. A preservação da independência política do Japão exigia uma modernização do país sem implicar obrigatoriamente a sua ocidentalização A bem sucedida assimilação cultural das estruturas políticas, administrativas, económicas e científicas, do Ocidente não pôs nunca em causa a tradição nacional. A conciliação destes aspectos opostos deu origem a uma síntese original que marcou o “despertar” do Grande Japão, o Dai-Nippon do escritor português Wenscelau de Moares1.
 
A originalidade da evolução histórica do Japão fez dele um caso único na história da Ásia dos finais do século XIX e inícios do século XX. A importância da vitória deste país na Guerra Russo-Japonesa não se limitou a oferecer um exemplo passível de ser seguido pelos povos não-ocidentais e/ou coloni­zados. Na verdade, este facto teve igualmente um profundo impacto político na Rússia, não sendo possível separá-lo dos acontecimentos contemporâneos e posteriores: a falhada Revolução de 1905, as tentativas de reforma do regime czarista e, a longo prazo, a Revolução Bolchevique de 1917. O significado dos eventos dramáticos de 1904-1905 no Extremo Oriente ultrapassou em muito a importância de um conflito, aparentemente restringido à luta por territórios da China e da Coreia. Isto não implica desconhecer ou desvalorizar o facto da luta entre as duas nações ter um carácter essencialmente colonial, muitas vezes desprezado ou ignorado nas análises da época. A sua modernidade revelava-se na importância dada, por todos os observadores internacionais, aos aspectos não propriamente coloniais mas nacionalistas da guerra. A perspectiva dominante apontava para um choque de interesses nacionais e antagónicos no Extremo-Oriente. A luta pelo controlo de espaços e recursos estratégicos, parecia ser essencial, à sobrevivência dos dois países em confronto2.
 
 
1.1.     A Era da Nação-Estado
 
A mobilização nacionalista dos povos dos dois estados, na abertura das hostilidades, foi decisiva no desfecho final. A pressão da opinião pública sobre os respectivos governos e exércitos, teve um impacto considerável na evolução dos acontecimentos militares. Nesta perspectiva, podemos consi­derar que este conflito se insere no processo de transformação do estado-nação oitocentista na nação-estado do século XX. A nação passava a ter a primazia na definição dos objectivos do estado. A Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 não sendo propriamente uma Epochal War anuncia algumas das caracterís­ticas dos pleitos deste tipo. A nível mundial não deixou de antecipar a realidade da Primeira Grande Guerra (1914-1918), sendo a etapa inicial dos confrontos mundiais da primeira metade do século XX3. Porém, estes factos não podem fazer-nos esquecer as questões especificamente militares, num momento em que ainda não se tinham extinguido os ecos das polémicas em torno da Guerra dos Boers, nos finais do século XIX. A luta entre a Grã-Bretanha e as Repúblicas sul-africanas deu origem a uma discussão internacional, sobre as lições a tirar para as posteriores operações militares. O conflito russo-japonês veio reactivar e ampliar um debate sobre as realidades da guerra futura. A análise das alianças internacionais e das potencialidades dos novos armamentos era essencial. O confronto na África Austral fora relativamente localizado e não permitira obter uma percepção plena das realidades da guerra convencional entre dois exércitos modernos. No entanto, os combates entre boers e ingleses foram extremamente letais devido à utilização de armas de repetição. Todavia, não possibilitavam uma antevisão perfeita da utilização das metralhadoras, da artilharia, do arame farpado e das trincheiras que iriam caracterizar a Primeira Guerra Mundial na Frente Ocidental. A Guerra Russo-Japonesa teve a vantagem de permitir uma plena apreciação das virtualidades tácticas dos novos armamentos e da sua utili­zação racional no campo operacional. As consequências das transformações operadas a este nível, implicavam também uma nova concepção da estratégia militar e da defesa nacional. Além disso, a consciência das possíveis alterações e inovações na arte e ciência da guerra, tornaria possível prever as novas realidades que emergiram na Primeira Grande Guerra. Ou seja, os confrontos das frotas de couraçados, os ataques dos submarinos, a guerra de trincheiras e o impasse militar decorrente da superioridade dos meios defensivos sobre os ofensivos.
 
1.2.     A Imprensa Militar Portuguesa
 
A plena percepção destes diferentes aspectos do conflito no Extremo-Oriente era fundamental para as elites militares portuguesas dos inícios do século XX. Num mundo em rápida transformação política, económica e social, as noções pré-existentes dizendo respeito à defesa nacional e ao papel das forças armadas portuguesas estavam a ser revistas. Era preciso adaptá-las não só às necessidades nacionais, mas também às novas realidades internacionais. As implicações destas mudanças globais, eram avaliadas nas revistas militares por um conjunto de oficiais extremamente atentos às suas consequências quer ao nível estratégico quer ao nível táctico. As consequências políticas destas transformações não lhes escapavam, embora não se traduzissem em opções específicas em termos do regime monárquico ou republicano. A grande preocupação referia-se à definição de novos modelos de organização das forças armadas envolvendo, prioritariamente, a mobilização maciça das populações e dos recursos nacionais. A emergência dos nacionalismos modernos traduzia-se numa corrida aos armamentos, mas igualmente à constituição de exércitos e marinhas de guerra com efectivos gigantescos face às forças armadas do passado. As grandes potências contavam com os novos meios resultantes da industrialização, o que obviamente não acontecia com as pequenas nações como Portugal.
 
A primeira década de novecentos foi caracterizada em Portugal por um aceso debate sobre o modelo ideal para as forças armadas portuguesas e por uma reflexão sobre as diferentes concepções da defesa nacional. As análises não se limitavam ao foro puramente militar, pois eram acompanhadas por um interesse crescente da opinião pública portuguesa em geral e dos sectores políticos em especial. Existia uma constante inter-relação entre as forças armadas e a sociedade civil que dava azo a debates animados nas Cortes, nos jornais e revistas, por vezes, sobre problemas técnico-militares relativamente complexos. A curiosidade por estes assuntos por parte da população portuguesa mais culta, resultava em boa medida da mobilização política nacionalista, posterior ao célebre Ultimato dos finais do século XIX. A imprensa militar portuguesa era um instrumento privilegiado na divulgação, no exército e na armada, das novas concepções da guerra, resultantes das transformações operadas, ou em vias de se realizarem nos princípios do século XX. A sua importância era ainda maior porque, através dos contactos com a sociedade civil, eram lidos por um conjunto de interessados que não se restringia às forças armadas em geral. Os militares tinham fortes ligações aos meios políticos, jornalísticos e culturais, não sendo raro encontrar entre eles escritores célebres como Wenceslau de Moraes ou Abel Botelho4. Assim sendo, o impacto das questões militares no país era muito maior do que poderia parecer à primeira vista, não deixando de pesar nas decisões políticas de fundo. Os oficiais que produziam e/ou colaboravam activamente nesta imprensa representavam uma elite militar, especialmente preocupada com os problemas que diziam respeito à defesa nacional. A análise das forças armadas dos outros países e da respectiva evolução destinava-se a obter os elementos necessários, para uma adequada tomada de decisões fundamentais referentes às forças armadas. O poder político e a nação em geral precisavam de dispor das informações essenciais para garantir a independência nacional. O contacto dos meios castrenses com a opinião pública do país era fundamental para a implementação das reformas das forças armadas. A imprensa em geral e a militar em particular eram meios privilegiados de transmitir as opiniões dos oficiais à sociedade civil.
 
A elite militar portuguesa era constituída por oficiais pertencentes a diferentes gerações, patentes, ramos e armas, das forças armadas que procuravam reflectir e divulgar as suas ideias na imprensa escrita da época. As suas principais preocupações eram sobretudo veiculadas por um conjunto de órgãos de informação especializados em assuntos militares. O conhecimento das características dos mais importantes periódicos é essencial para com­preender, sucintamente a diversidade e riqueza da imprensa militar portu­guesa, no período que decorre entre 1904 e 1907. O jornalismo militar encontrava-se numa fase de reestruturação interna que não deixava de ter uma certa relação com a própria evolução política do país. Nos primórdios do século XX existia uma consciência crescente nas forças armadas portuguesas da necessidade de dispor de uma imprensa menos numerosa mas qualitati­vamente melhor. Só, assim, seria possível ser escutado pela opinião pública nacional e ser credível aos olhos dos decisores políticos, fornecendo um conjunto de informações e de apreciações fundamentadas num conhecimento técnico e científico, em permanente actualização. O ano de 1905 é marcado pela fusão da Revista do Exército e da Armada, da Revista da Administração Militar e do Portugal Militar com a Revista Militar propiciada pelo governo progressista de José Luciano de Castro. A absorção destes periódicos pela Revista Militar, era justificada pela sua direcção, em função dos seguintes objectivos:
“Entendeu agora o governo, semelhantemente ao que já havia pensado, em 1894, o ministro que então estava á frente dos negocios da guerra, que a dispersão dos esforços, em materia de jornalismo militar, não era conveniente em um exercito pequeno, como o do nosso paiz, e que muito conviria que todos os jornaes existentes se congregassem, para que da união dos seus esforços pudesse redundar a formação de um periodico com condições materiaes e profissionaes capazes de melhor fazer valer os interesses do exercito e de mais profundamente auxiliar o derramamento da instrução nas suas fileiras.”5
 
Não significava isto o desaparecimento da diversidade existente no jornalismo militar da época, pois considerava igualmente a manutenção da maioria das revistas das respectivas armas. Com efeito, a Revista de Infanteria, a Revista de Cavallaria, a Revista de Artilharia e a Revista de Engenheria Militar continuavam a editar-se independentemente da Revista Militar, com a qual mantinham um bom espírito de colaboração. De forma semelhante, a marinha de guerra podia contar com duas excelentes publicações que abarcavam especificamente os problemas da guerra marítima: os Annaes do Club Militar Naval e o Boletim Official da Liga Naval. A primeira, mais especificamente direccionada para os problemas do foro militar e a segunda, dando um grande tratamento aos aspectos da marinha mercante nacional e estrangeira. Ambas estavam ligadas a associações preocupadas em divulgar, junto do público as principais questões referentes à defesa nacional no campo da organização naval. A única diferença residia no carácter mais restrito e mais especializado da primeira, intimamente ligada à oficialidade da marinha de guerra e a segunda mais permeável nas suas colaborações a elementos civis. Procurava integrar no esforço de renovação da marinha portuguesa os grupos sociais com diversos interesses, mas relacionados directa ou indirectamente com as actividades marítimas. Apesar das diferenças resultantes dos interesses sectoriais que representavam, estas revistas partilhavam preocupações e objectivos comuns. Assim sendo, era muito natural que contassem com a participação de elementos pertencentes aos quadros das outras revistas o que esbatia as rivalidades, as divergências e permitia uma compreensão mútua da evolução das diferentes armas e ramos das forças armadas portuguesas.
 
As capacidades de integração das forças armadas num todo coerente, capaz de propiciar um trabalho de conjunto, eram potencializadas por este intercâmbio permanente de ideias entre os seus elementos constituintes. Não obstante, as realidades políticas da época não deixavam de condicionar este processo, marcando o calendário das reflexões e dos debates sobre temas militares. O primeiro facto a ter em consideração refere-se ao facto das análises da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) não se limitarem ao período da duração do conflito, durante o qual as informações muitas vezes são impressivas e fragmentárias. Prolongam-se no tempo até 1907 e em alguns casos encontramo-las em 1909 ou ainda mais tarde em 1910. Estas obser­vações são contemporâneas da fase final da monarquia constitucional, da decadência do rotativismo regenerador e da emergência e triunfo do movimento republicano. Na prática, elas coincidem com a vigência do governo progressista de José Luciano de Castro (1904-1906) e do governo regenerador-liberal de João Franco (1906-1907). Coincidem no tempo com as últimas tentativas do franquismo de viabilizar o regime monárquico, num primeiro momento numa vertente liberal e num segundo tempo numa perspectiva autoritária. Além disso, a partir de 1907 abre-se nas Cortes e na imprensa, um debate complexo em torno da defesa nacional e da constituição do Conselho Supremo de Defesa Nacional, que, sem extinguir as reflexões sobre a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), as remete para um segundo plano das preocupações nacionais6. De igual modo, o ano de 1908 é marcado pelo início das comemorações das campanhas da Guerra Peninsular que se prolongam até 1910 e ocupam largo espaço nas revistas militares, numa evocação histórica da mobilização maciça dos recursos da nação numa antecipação das guerras do futuro. Por fim, a Revolução republicana de 5 de Outubro de 1910 vem definitivamente colocar outras questões, resultantes da própria queda do regime monárquico que obviamente remetem para um relativo esquecimento os acontecimentos do passado recente, nomeadamente os ensinamentos da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905).
 
 
2.  A Hegemonia do Extremo Oriente.
 
A declaração da neutralidade portuguesa na guerra entre a Rússia e o Japão, em 24 de Fevereiro de 1904, foi mantida escrupulosamente pelas autoridades nacionais. O pedido de fornecimento de carvão à esquadra russa foi terminantemente recusado, em 10 de Setembro de 1904, para evitar qualquer suspeita de parcialidade de Portugal neste conflito internacional. Contudo, não impediu uma apaixonada tomada de posição das diversas correntes da opinião pública em favor dos dois adversários, baseada em simpatias pessoais, político-ideológicas e/ou simplesmente culturais. Não obstante, o confronto parecia relativamente estranho e distante da realidade nacional, sem parecer ameaçar qualquer parcela dos territórios sob administração portuguesa com a excepção de Macau. Porém, mesmo neste caso os riscos pareciam ser mínimos e resultavam apenas do seu posicionamento na proximidade da área. O único perigo para a soberania nacional resultaria da eventual utilização do porto de Macau para o reabastecimento das esquadras dos dois países. Além disso, as operações militares poderiam também supor a interferência no seu espaço marítimo e na navegação comercial, com desagradáveis consequências económicas para a província. Contudo, tratava-se de hipóteses remotas e sem consequências de maior para a preservação da independência nacional, que não pareciam ameaçar nem os equilíbrios de poder na Europa nem as alianças internacionais. Os comentadores portu­gueses da imprensa militar não descuraram, nas suas reflexões, os possíveis envolvimentos da política externa portuguesa no confronto do Extremo-Oriente7.
 
 
2.1.     A Neutralidade Portuguesa
 
Os primeiros problemas advinham do sistema de relações internacionais que podia propiciar um envolvimento indirecto de Portugal no conflito, através da aliança com a Grã-Bretanha. A Inglaterra tinha um acordo com o Japão (1902) destinado a contrabalançar a expansão russa no Oriente que poderia eventualmente conduzir a uma intervenção militar na guerra. Embora essa hipótese nunca fosse colocada pelo gabinete inglês, não deixava de ser uma perspectiva a considerar numa escalada da guerra. Se países como a França ou mesmo a Alemanha alinhassem do lado contrário, estar-se-ia perante um conflito mundial de contornos imprevisíveis que só excluiria de momento os EUA. É esta a questão, colocada pelo general Moraes Sarmento ao chamar a atenção para o facto do jogo das alianças poder arrastar o nosso país para a guerra ao lado da Inglaterra. A possibilidade da Grã-Bretanha se ver obrigada a socorrer militarmente o Japão poderia exigir um contributo do exército português, pois era totalmente auto-suficiente a nível das forças navais:
“ (...) E, sendo assim, o natural é que recorra ao segundo paiz com quem tem fechado um tratado de alliança ofensiva e defensiva para que lhe forneça um contingente de tropas expedicionarias adequado, que reforce o effectivo do contingente inglez.”8
 
A eventualidade destes factos ocorrerem num futuro próximo não presumia a recusa da aliança anglo-lusa cujos benefícios em prol da defesa nacional eram reconhecidos. A vertente, aparentemente menos agradável dos tratados, determinava o fornecimento de tropas portuguesas à Inglaterra, em teatros de operações não necessariamente nacionais. Os dois aspectos encontravam-se interligados pelo facto de se tratar de uma aliança defensiva e ofensiva, o que impunha o cumprimento integral das obrigações mútuas. Tratava-se de fazer um apelo, em nome da imparcialidade política da Revista Militar, a um repensar modernizador da organização e das estruturas do exército português, oferecendo simultaneamente o contributo desinteressado dos seus colabo­radores.
 
Numa posição aproximada, embora ligeiramente diferente, se colocava o 1.º tenente M. Correa ao reflectir sobre as consequências para o nosso país deste confronto armado. Inicia as suas reflexões salientando o insucesso da diplomacia. A impossibilidade de qualquer conciliação entre o Japão e a Rússia demonstraria o fracasso das tentativas de resolução pacífica das dissenções entre os estados. O espectáculo da impotência do “império do meio” levava-o a colocar a questão do papel de Portugal no adensar da situação internacional. Ironicamente refere o envio da esquadra de observação aos mares da China e a preparação de outra com os navios de reserva. Sobressai, assim, a impotência nacional perante uma crise desta dimensão, em que os recursos da diplomacia clássica não parecem ser uma garantia de segurança para ninguém. O cepticismo sobre a eficácia do direito internacional leva-o a chamar a atenção, para o facto da força ter um papel ainda essencial, no plano das relações entre os estados. O exemplo, acima citado da China, é paradigmático desta realidade que não pode ser ignorada sem se correr o risco de pôr em causa a independência do país. A neutralidade de Portugal não é um dado garantido, mas algo que tem de ser defendido através da política de defesa nacional. Pois, mesmo as pequenas nações neutrais não estão livres da implacável luta pela sobrevivência que decorre entre as grandes potências beligerantes9. Perante estes factos nada valem as “Gloriosas tradicções” do passado e é igualmente duvidosa a eficácia da aliança inglesa por si só, na salvaguarda da independência portuguesa:
 
“Supponhamos, mesmo, que o conflicto do Extremo-Oriente se aggrava, e que aproveitando-se d’isso, uma certa potencia, - que não a França - cujos interesses são antagonicos aos dos inglezes, propõe uma acção commum contra a Inglaterra com o duplo fim de a molestar e tirar compensações do seu velho alliado, promettendo, outras, aos pseudo-associados de empreza tão illustre.”10
 
Não se trata aqui de colocar a questão da contribuição militar directa de Portugal para a Grã-Bretanha impor o envio de uma força expedicionária ao Extremo Oriente. O objectivo é chamar a atenção para a necessidade de dispor de forças navais modernas, capazes de garantir uma certa autonomia nacional na defesa do país. Não se pretende com isto prescindir do apoio essencial da Royal Navy, mas obter os meios que permitam alargar a margem de manobra das autoridades portuguesas, no caso da inesperada emergência nacional. A atenção do governo não deve recair só na defesa terrestre considerada mais fácil de improvisar, mas antes valorizar a acção da armada. A preparação adequada à guerra moderna exigiria uma mais longa adaptação do seu pessoal e uma mais demorada aquisição do novo material naval. Isto significava que era essencial obter navios verdadeiramente significativos pela sua capacidade de combate, não se limitando ao cenário das lutas coloniais ou dos tradicionais guarda-costas da metrópole. O material seria comprado em Inglaterra e completado com a criação de uma verdadeira indústria nacional de armamento, especialmente no campo das munições. A adopção desta solução teria a vantagem de nos dar garantias da sua obtenção, resultante da aliança com a Grã-Bretanha e o aliciante de dar uma certa autonomia às nossas forças armadas. Através destas duas análises constatamos a exis­tência de preocupações semelhantes, embora as observações dos dois comentadores derivarem de diferentes perspectivas do exército e da armada sobre as prioridades da defesa nacional.
 
2.2.     “Struggle for Life”
 
Todos estavam de acordo, no facto do país ter de estar preparado para as eventualidades desta competição internacional, submetida apenas à lei da selva. Importa agora analisar a maneira como a imprensa militar portuguesa percepciona a Guerra Russo-Japonesa, na perspectiva da luta entre as grandes potências por territórios e recursos considerados vitais para a sobrevivência das nações. A emergência dos nacionalismos, de tendências expansionistas nos finais do século XIX e inícios do seguinte, foi acompanhada por uma crescente ansiedade quer a nível popular quer a nível dos governantes. A evolução das sociedades e das nações era, muitas vezes, concebida segundo as concepções do darwinismo social dominante: uma luta pela sobrevivência do mais forte. Isto, impunha, o desenvolvimento de concepções da política externa que davam uma ênfase especial à necessidade do rearmamento dos estados na óptica de uma dramática e apocalíptica conflagração geral11. Os colaboradores das revistas militares portuguesas não eram indiferentes às tendências gerais da cultura política europeia e mundial. Estavam conscientes dos limites da diplomacia, do direito internacional e do pacifismo militante uma vez em causa valores reputados essenciais pelas nações12. Assim sendo, importa analisar a maneira como estes comentadores nacionais se referiam aos dados da geopolítica asiática, como elementos determinantes no deflagrar do conflito. A luta pela hegemonia do Extremo Oriente, entre o “colosso moscovita” e o “império do sol nascente”, era o resultado da política de expansão das duas potências na região, à custa da China13.
 
A questão resumia-se, em determinar o momento em que as duas potências, em rota de colisão, optariam por resolver os seus desacordos pela força das armas. A competição pelo controlo dos territórios da China e da Coreia encontrava-se na origem da guerra. As causas remotas estavam inscritas na própria natureza dos dois estados rivais e tinham a sua génese nas estratégias expansionistas de cada um14. O alastrar do domínio do czar na Manchúria, na Coreia e em novas regiões da China era percepcionada como uma ameaça imediata aos japoneses. A inevitabilidade do conflito era um tema frequente nas páginas dos Annaes do Club Militar Naval desde 1902. No entanto, as razões invocadas para justificar esta observação não remetem para a situação estratégica específica do império do sol nascente, face às posições russas no mar da China, na península da Coreia ou na Manchúria, ameaçando as comunicações das ilhas nipónicas e de certa maneira o seu próprio território. O principal problema parece ser de natureza demográfica e económica, pondo em causa a sobrevivência do Japão pelo risco da exaustão dos seus recursos15.
 
Os dois países vão entrar em combate pelo domínio do “espaço vital”, considerado essencial na luta pela sobrevivência que comanda a existência das nações pensadas como um todo orgânico. No mesmo sentido, vão as afirmações do comentador da Revista de Cavallaria, ao falar nas suas causas remotas baseando-se nas afirmações do coronel de engenharia austríaco Robert Weber nas páginas da Revue Militaire Suisse. O antagonismo de interesses que provocaria o choque entre a Rússia e o Japão resultaria do “mútuo desenvolvimento histórico” dos dois países. A rivalidade colonial, em torno do domínio da Coreia, assentaria na busca da supremacia global da Rússia, embora derivada de factores essencialmente económicos:
 
“A Russia, procurando expandir-se e dilatar os seus dominios para o S. das paragens pouco dadivosas e, em parte, inhospitas da Siberia, ambicio­nando portos de mar livres de gelos, e que lhe assegurassem a supremacia no Pacifico, como a pretende no Baltico e no Mar do Norte, no Mediterraneo e no Mar Negro”16
 
O Japão, preocupado com a explosão demográfica das suas ilhas e a expansão da sua indústria, procurava territórios para colonizar e mercados para os seus produtos. A Coreia seria o pomo da discórdia proveniente sob o ponto de vista económico quer da sua fertilidade quer da posição geográfica. A mesma ideia aparece nas páginas de outras revistas, nomeadamente na Revista Militar, que transcreve o texto do coronel Robert Weber através da tradução anotada das suas observações17. As análises não escamoteavam as realidades de ordem estratégica que pesaram decisivamente no despoletar da guerra. Estas dependiam da correlação de forças e da oportunidade mais favorável para o início do conflito por parte dos dois adversários. De facto, encontramos nos comentadores militares a preocupação em descrever a cadeia de acontecimentos que conduziu a abertura das hostilidades. Referem aos leitores os tratados existentes e os equívocos resultantes das tensões derivadas do anterior conflito sino-japonês (1894-1895). Descrevem, igualmente, as etapas sucessivas da crescente tensão entre a Rússia e o Japão que conduziram à guerra aberta dos dois países.
 
A primeira referência importante é feita ao tratado de Shimonosaki de 1895 que roubou aos japoneses os frutos da vitória sobre a China, pela intervenção conjunta da Rússia, da Alemanha e da França. Seguidamente, relatam a progressiva instalação dos russos, a partir de 1896 na Manchúria, a pretexto da protecção do caminho-de-ferro transiberiano destinado a ligar a região do lago Baikal ao porto de Vladivostok. A etapa final inicia-se com a posse de Porto-Artur e Dalny e da respectiva península de Liaotung em 1898. Conclui-se depois da Guerra dos Boxers (1900) com a formação do Governo do Extremo Oriente (1903) dirigido por um Vice-rei, o almirante Alexiev. Assim sendo, a posterior posse do porto de Masampo, no sul da península da Coreia, completava a manobra de cerco dos russos destinada a isolar o Japão e garantir a segurança estratégica da sua esquadra. A partir deste momento os japoneses eram impedidos de interferir na Coreia e na Ásia em geral18. A resposta japonesa vai ser fulgurante, fundamentada nos apoios obtidos pelo tratado com a Grã-Bretanha e a simpatia dos EUA. Com efeito, os nipónicos provocaram um incidente diplomático em 1904 em torno da abertura das cidades de Antung e Mukden ao comércio internacional tal como vigorava num anterior tratado sino-japonês. Assim sendo, a Rússia não tinha alternativa à guerra senão o de abandonar as suas posições na China e na Coreia.
 
As estratégias dos dois adversários são então analisadas cuidadosamente em função das respectivas capacidades militares. O Japão optou por não se lançar prematuramente na guerra em 1903 por não ter ainda recebido todos os couraçados de que necessitava, o que só aconteceu nos princípios de 1904. Contudo, tinha toda a vantagem em desencadear o mais rapidamente possível as hostilidades beneficiando da temporária superioridade naval. Adiar esta decisão permitiria à Rússia reforçar as suas forças navais e eventualmente o seu exército na zona19. Nestas condições, os japoneses teriam de aproveitar uma janela de oportunidade em 1904, seguros da sua excelente organização militar e da mobilização da opinião pública alimentada pelo ressentimento contra a Rússia. A unidade do país em torno desta causa contrastava, aos olhos dos observadores internacionais, com as fragilidades dos russos, caracterizada por uma liderança hesitante e uma falta de unidade na acção20. Assim sendo, teriam de retardar ao máximo o início dos combates, procurando ganhar tempo e prolongando indefinidamente as negociações diplomáticas. Em caso de conflito, a estratégia possível das forças do czar passaria por opor, à guerra curta de aniquilamento nipónica, uma guerra duradoura de desgaste. Os limitados meios materiais e humanos do adversário esgotar-se-iam inevitavel­mente num prazo não muito longo. Os recursos muito mais vastos da Rússia permitir-lhe-iam reforçar de maneira crescente as forças terrestres e navais no Extremo-Oriente. Chegar-se-ia ao ponto da sua superioridade ser de tal forma esmagadora que os japoneses seriam destruídos pelo simples peso dos números21. Definidas as opções militares e os objectivos dos dois países no quadro da grande estratégia, importa agora compreender a forma como o desenrolar da guerra foi percepcionado a nível táctico e estratégico.
 
 
3.  Sob o Signo de A. T. Mahan
 
Os finais do século XIX e os inícios do século XX foram marcados, no campo da estratégia naval, pelo pensamento de Alfred Thayer Mahan (1840-1914). Antigo oficial da marinha de guerra dos Estados Unidos da América do Norte, desenvolveu um conjunto de concepções centradas na afirmação da prioridade do poder marítimo, na história da Europa do século XVII e XVIII. O “profeta” ou “evangelista” da supremacia naval baseava-se principalmente na análise do confronto plurissecular entre franceses e ingleses. Valorizava o exemplo da Grã-Bretanha e a consequente formação do império britânico de dimensões mundiais. Acentuava a importância de uma esquadra de alto mar para a defesa dos interesses nacionais, superando as armadas rivais. Era preferência lógica de um oficial da marinha, no período posterior à Guerra da Secessão dos EUA, marcada pela abrupta redução dos efectivos e meios da marinha de guerra americana. A opção do autor não se ficava apenas por uma competição com o exército dos Estados Unidos, pela prevalência junto dos círculos políticos de Washington. A defesa da expansão naval americana definia-se em relação às possibilidades, surgidas com a abertura do canal do Panamá. As novas realidades daqui resultantes, obrigá-los-iam a dispor de uma marinha adaptada à protecção dos seus interesses ultramarinos nos dois oceanos (Atlântico e Pacífico), agora verdadeiramente interligados. Os EUA não tinham escolha possível, senão criassem uma força naval de primeira importância compatível, ou igual à mais poderosa do mundo, ou seja a da Grã-Bretanha. Aliás, a admiração crescente pela Grã-Bretanha, pela Royal Navy, pelo seu império e pela sua história estiveram presentes desde o seu primeiro trabalho e mais célebre de 1890: The Influence of Sea Power upon History, 1660-1783. Este estudo foi seguido por outros menos conhecidos, mas igualmente relevantes como o de 1892 intitulado: The Influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire, 1793-1812.
Contudo, existia uma excessiva valorização do poder marítimo, definido através do papel fundamental das grandes esquadras formadas por navios de linha, na destruição das esquadras rivais em batalhas decisivas seguindo o modelo de Trafalgar (1805). Mahan, ao acentuar o papel essencialmente ofensivo da marinha de guerra, desvalorizava o papel da guerra de corso, na destruição do comércio marítimo inimigo como meio de o derrotar. Do mesmo modo não reconhecia a importância fundamental das defesas costeiras, dos bloqueios dos portos e da necessidade de bases fortificadas. No primeiro e segundo casos, tratava-se de deter ou de “engarrafar” as forças navais adversárias e, no último, a preocupação principal era assegurar a logística ou as “comunicações” da sua esquadra. No entanto, o perigo de dividir as forças navais da esquadra principal levava-o a desvalorizar a relevância das bases, procurando, em nome do princípio da concentração, reduzi-las ao mínimo. Desprezava o papel dos desembarques e da projecção do poder marítimo em terra opunha-se às operações anfíbias, ou aos simples bombardeamentos das posições fortificadas, considerados limitadores da liberdade dos navios de batalha. Na verdade, ao ficarem “amarrados” ao apoio às operações terrestres expunham-se, inutilmente, a perderem a iniciativa e a serem surpreendidos pelo inimigo numa posição de fraqueza. Tratava-se de perigoso desperdício de meios, pois só a destruição da principal força naval inimiga, numa batalha decisiva, assegurava o total domínio do mar e a vitória final sobre o inimigo22.
 
Os seus estudos provocaram, desde o início algumas reticências sobre a adaptabilidade de princípios pretensamente intemporais e universais. Não parecia muito provável que as lições tiradas da era dos navios à vela dos séculos XVII, XVIII e princípios do século XIX fossem aplicáveis à época dos couraçados, que se deslocavam graças às turbinas a vapor e eram depen­dentes dos abastecimentos em carvão. A consequente expansão dos EUA, após a Guerra Hispano-Americana (1898), pareceu justificar muitas das suas concepções e permitiu-lhe encontrar um grande admirador, na pessoa do futuro presidente americano Theodore Roosevelt. O seu prestígio continuou a ser de grande importância nos meios políticos e militares internacionais, nos anos iniciais do século XX23. Portugal não escapou também à sua influência sendo, de certa maneira, a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) aproveitada para um debate sobre a viabilidade das suas teses. As propostas do estratega americano concernentes à batalha decisiva, à concentração da frota em combate, à utilização da posição central e às linhas interiores, são testadas no decorrer deste confronto militar. A inicial incursão japonesa contra Porto Artur (08/02/1904) e a batalha final do estreito de Tsushima (27/05/1905) podem ambas ser percepcionadas, dentro da prioridade concedida por A. T. Mahan à destruição da esquadra inimiga, para obter a vitória.
 
3.1.     A Decisão no Mar
 
Na noite de 8 para 9 de Fevereiro de 1904 o almirante Heiachiro Togo (1847-1912) lançou uma incursão de surpresa sobre a esquadra russa fundeada na base naval de Port-Arthur. Os contemporâneos consideram-na um dos mais audaciosos e bem sucedidos raids da história naval de todos os tempos. A posterior historiografia do século XX entusiasmou-se menos com este feito de armas apresentando-o sob cores menos brilhantes. A operação militar não foi totalmente bem sucedida tendo sido incapaz de alcançar o principal objectivo: a destruição da esquadra russa do Pacífico. Os contratorpedeiros japoneses apenas danificaram dois couraçados e um cruzador embora fossem dos mais modernos navios de guerra russos. Os erros apontados foram vários recaindo não tanto sobre a formação das tripulações dos destroyers e a preparação do ataque, mas sobretudo pelas decisões tomadas pelo comandante da armada nipónica. A divisão das forças entre Port-Arthur e Chemulpo ajudou a enfraquecer, o ataque contra o objectivo principal onde se encontravam os navios de batalha do czar. O insucesso levou Togo a colocar os seus navios de linha nas Elliots Islands e a realizar sucessivas tentativas de bloqueio de Port-Arthur embora sem qualquer êxito decisivo. A utilização de minas e os confrontos fragmentários entre as duas marinhas de guerra, conduziram progressivamente à destruição da esquadra russa do Báltico. Apesar disso, foi o cerco terrestre o responsável pela fuga desesperada do esquadrão do Pacífico em direcção a Vladivostok. A subsequente batalha do Mar Amarelo ou Round Island (10/08/1904) deu a vitória aos japoneses e trouxe o fim operacional da frota do czar. A fracção da marinha de guerra do czar refugiada em Vladivostok foi parcialmente derrotada na batalha de Ulsan ou Mar do Japão (14/08/1904) e bloqueada neste porto siberiano. No entanto, a artilharia de sítio do exército nipónico teve de ser utilizada contra Port-Arthur para dar o golpe final nas forças navais russas. A solução final foi muito diferente do modelo defendido por A. T. Mahan, estando muito dependente da evolução da batalha terrestre. Togo era um admirador de Nelson, mas foi forçado a seguir um caminho, que não era necessariamente o da batalha decisiva de Trafalgar. A necessidade de preservar as linhas de comunicação dos exércitos japoneses, obrigava-o a combinar o desejo de aniquilar a primeira esquadra do Pacífico do czar com o apoio às tropas terrestres e aos comboios navais de reabastecimento. Tarefa complexa, exigindo a conciliação entre dois objectivos nem sempre coincidentes e pedindo uma estratégia diferente da pretendida linearmente pelo comandante americano24.
 
A percepção dos observadores portugueses dos acontecimentos do Extremo-Oriente dependia de múltiplas fontes: notícias das agências de infor­mação internacional, artigos de revistas e jornais quer nacionais quer estrangeiros, informações veiculadas por via diplomática ou particular. As suas reflexões resultavam também do conhecimento oriundo de anos de estudo e meditação sobre as forças armadas dos outros países, principalmente das grandes potências. A interpretação que faziam da evolução da guerra, dependia igualmente das doutrinas e dos debates entre os expoentes da intelligentsia militar mundial. Deste ponto de vista, o impacto das ideias na transformação do pensamento dos oficiais portugueses, ao longo do conflito russo-japonês não pode ser menosprezado25. Assim sendo, será essencial analisar, a par dos comentários que se faziam sobre os acontecimentos, a importância que as questões teóricas tinham nas observações do progresso do confronto bélico.
 
A Revista Militar aborda também estas ocorrências, embora estivesse mais vocacionada para a análise das questões relacionadas com as operações terrestres dos exércitos russo e japonês. Recorrendo a comentadores estrangeiros e a traduções realizadas por nacionais, esforçou-se por manter os seus leitores devidamente informados da evolução da guerra e das trans­formações tácticas e estratégicas em curso. Luiz Henriques Pacheco Simões, baseando-se no texto do coronel de engenharia suíço Robert Weber, aprovava a sua crítica à dispersão inicial da esquadra russa entre os vários portos de Port-Arthur, Dalny, Chemulpo e Vladivostock. Os diversos elementos poderiam ser com facilidade batidos, separadamente pelas forças nipónicas, concentradas em torno da esquadra principal do almirante Togo. O problema fundamental resultava da estratégia defensiva escolhida pelos russos, optando por manter as suas forças inactivas em Port-Arthur e Vladivostock. Não desencadeariam ataques laterais aos desembarques japoneses enquanto não chegassem os reforços navais da Europa26. A concordância geral de Luiz Henrique Pacheco Simões com Robert Weber não o impediu de corrigir muitas das suas observações sobre a campanha em curso, nomeadamente sobre o grau de impreparação da esquadra russa em Port-Arthur. Refere, baseado em publicações inglesas como Japan’s Flight for Freedom de H. W. Wilson e History of the Russo-Japanese War de Cassell, o facto de na noite do ataque os oficiais russos assistirem a um espectáculo de circo. De igual modo explica o êxito dos torpedeiros japoneses, devido a uma série de equívocos, por parte dos homens da esquadra russa que os confundiram com os seus navios. A surpresa foi realmente total não tendo os últimos sido detectados pelos primeiros durante a execução do raid27.
 
O ataque dos torpedeiros a Porto Artur só tinha relevância, inserido no conjunto das operações navais levadas a cabo pela marinha do Império do Sol Nascente: o triplo objectivo de neutralizar a frota russa, proteger os desembarques de tropas na Coreia e na China e manter abertas as comunicações destas forças com o Japão28. As descrições subsequentes dos combates de Chemulpo, dos ataques posteriores a Porto Artur, da morte do almirante Makaroff, confirmavam a inevitável superioridade naval japonesa e o aforismo de A. T. Mahan da influência decisiva do poder marítimo na guerra. As dúvidas ainda existentes foram totalmente postas de lado pelas subsequentes vitórias japonesas, de 10 e 14 de Agosto de 1904 (Mar Amarelo e Mar do Japão), sobre o que restava dos esquadrões russos de Porto Artur e Vladivostock29. Não deixava de ser interessante ver a maneira pela qual o autor destas notas comparava a evolução da guerra russo-japonesa de 1904-1905 com a hispano-americana de 1898. A estratégia naval nipónica em Port-Arthur não era muito diferente da americana ao “engarrafarem” a esquadra espanhola do almirante Cervera em Santiago de Cuba. De igual modo, esperava que os russos fossem suficientemente clarividentes para procederem, como os seus congéneres espanhóis da guerra de 1898, evitando lançar na batalha a última esquadra que lhes restava. A frota do Báltico não deveria ser enviada para o Extremo-Oriente para não ser massacrada pelos japoneses como tinha anteriormente acontecido às unidades aí sediadas. As diversas fracções da marinha czarista tinham sido destruídas em combates parciais sem se dar um enfrentamento geral das duas frotas e sem graves danos causados aos nipónicos. O risco de algo semelhante vir a acontecer à frota do Báltico despojada dos seus apoios em Porto Artur e Vladivostock era bastante prevísivel. Não deixava de ser premonitório este aviso que a derrota final dos navios russos em Tsushima, a 27 de Maio de 1905, veio confirmar plenamente30. O balanço provisório que faz da evolução das operações navais confirmava as suas observações e as do coronel Robert Weber sobre a inactividade inicial da esquadra russa como causa principal da sua destruição31.
 
No entanto, as observações de Pacheco Simões não são as únicas que nos aparecem na Revista Militar, no que diz respeito aos combates navais no Extremo-Oriente. O coronel de engenharia C. R. du Bocage abordou, numa série de artigos durante o ano de 1905, as questões referentes à guerra naval mas interligando-as mais estreitamento com o cerco de Porto Artur. As suas concepções acentuavam o valor essencial da artilharia de costa na defesa dos portos marítimos e a inutilidade das grandes esquadras na sua protecção32. A análise da evolução subsequente do conflito militar assentava na oposição entre o inútil sacrifício da esquadra russa sediada em Porto Artur e a acção positiva da força de cruzadores de Vladivostock. Enquanto a primeira, ficando presa à defesa do porto, não fora capaz de o defender e acabou por ser destruída sem impacto positivo na evolução geral da guerra contra o Japão, a segunda, remetendo para uma acção característica da guerra de corso obtivera efeitos muito mais positivos, quer sobre o comércio quer sobre a opinião pública japonesa. A dispersão aparente das forças navais nipónicas, derivada da sua actividade incessante, foi acompanhada por um desgaste ou quebra da moral que deveria ser aproveitada pelas forças navais russas33. Deste ponto de vista, o erro fatal do almirantado russo foi ter abandonado esta táctica que surtia bons resultados em prol da tentativa de concentração das forças de Porto Artur e Vladivostock. Esta operação realizada de forma apressada e improvisada, conduziu às desastrosas batalhas de 10 de Agosto do Mar Amarelo e de 14 de Agosto do Mar do Japão em 1905.
 
3.2.     “All-Big-gun ship” e “Jeune École”
 
O paradigma da batalha decisiva baseada na concentração das forças navais e nas grandes esquadras de couraçados seguia as concepções de Alfred T. Mahan. A Jeune École francesa defendia uma opção diferente que era muito mais sensível aos efeitos, a longo prazo da guerra económica. O factor decisivo para obter a vitória sobre um adversário aparentemente mais poderoso, seria a guerre de course. Optando pela utilização dos cruzadores, dos torpedeiros, das minas, e posteriormente, dos submersíveis e submarinos, desenvolvia uma concepção assimétrica da guerra mais adaptada às necessidades das pequenas e médias potências. Os seus recursos económicos e financeiros não lhes permitiam possuir os navios de linha das grandes potências da época. A perspectiva francesa recusava o confronto directo entre esquadras, sempre desfavorável aos mais fracos, procurando substituir a estratégia de choque directo e de aniquilação pelo desgaste e a manobra indirecta. A economia e a moral da população civil e dos militares seria então fortemente afectada, conduzindo ao colapso da vontade de lutar e portanto à vitória de David sobre Golias. Esta concepção arrojada anunciava as campanhas de submarinos da 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais, sobre as linhas de comunicações dos aliados. Na época encontrou importantes resistências por parte dos defensores das teses de A. T. Mahan do poder marítimo, mas igualmente devido às dificuldades técnicas de êxito com os torpedeiros, cruzadores e submersíveis existentes. Estava-se no limiar do triunfo do couraçado moderno - o Dreadnought (1906) do almirante inglês e First Sea Lord, John Fisher. Projecto inovador, dispunha de uma arrojada disposição das peças de artilharia pesada, a partir da posição central do navio, e de uma poderosa couraça. Foi, sem dúvida, uma revolução na arte da guerra naval que se adequava perfeitamente ao pensamento dos defensores do All-Big-gun ship, partidários da visão de Alfred T. Mahan. O confronto decisivo das grandes esquadras formadas por navios de linha, desvalorizando o papel dos outros tipos de embarcações e da guerra económica, parecia triunfar. John Fisher atenuou ou completou posteriormente, esta concepção, com o desenvolvimento do novo tipo de cruzador couraçado (ou cruzador de batalha) capaz de conduzir uma guerra de corso no alto mar. As ambiguidades quanto ao emprego deste navio mais rápido, mas protegido por uma blindagem mais ligeira, nunca foram totalmente resolvidas. Aliás, conduziram a terríveis tragédias de que são exemplo a batalha da Jutlândia (31/05/1916) na 1.ª Grande Mundial e o afundamento do Hood (24/05/1941) na 2.ª Guerra Mundial34.
 
De certa maneira C. R. du Bocage considerava que a existência de fortes defesas marítimas, se encaixava plenamente nesta última perspectiva e era perfeitamente adequada a um pequeno país como Portugal. As suas reflexões apoiavam-se em autores conceituados da época e no exemplo ainda relativamente recente da guerra hispano-americana de 1898, para deduzir a máxima de que um porto de mar se conquista pela porta traseira. O ataque directo de uma esquadra naval não seria determinante na conquista de uma fortaleza costeira, devidamente provida de meios de defesa, ideia aparente esquecida por ingleses e americanos no Pacífico no início da 2.ª Guerra Mundial35. As observações do oficial português baseavam-se, igualmente, nos factos observáveis nos acontecimentos da guerra russo-japonesa, nomeadamente na batalha final de Tsushima (27/05/1905). Este confronto decisivo, entre duas marinhas de guerra modernas, terminou com o aniquilamento da esquadra russa do Báltico e a vitória absoluta dos nipónicos. As concepções de Alfred T. Mahan pareciam ter-se totalmente confirmado, fornecendo ao Japão o domínio dos mares e abrindo caminho para a subsequente derrota das forças navais e terrestres do czar. Embora os factos, aparentemente pusessem em causa as reflexões de C. R. du Bocage, este fez uma leitura da batalha, passível de confirmar as suas anteriores observações. O autor baseando-se no estudo do almirante italiano Bonamico publicado na Rivista Maríttima de Junho de 1905, intitulado La grande battaglia di Tsushima, analisa os impactos das peças de artilharia naval sobre as blindagens dos couraçados pre-dreadnought das marinhas de guerra. As suas conclusões apontam para a superioridade tecnológica e técnica dos navios e das tripulações japonesas sobre os seus congéneres russos. Na sua opinião, os feitos mais destrutivos nos duelos de artilharia resultaram não do afundamento dos navios pela perfuração ou penetração das couraças, mas pelo massacre das tripulações, causada pelos efeitos indirectos das explosões no interior dos vasos de guerra atingidos e pela destruição parcial das superestruturas dos navios. O golpe mortal ou de misericórdia acabou por ser dado aos couraçados russos pelos torpedeiros nipónicos, que aproveitaram a oportunidade oferecida pela situação desesperada dos grandes navios de linha, praticamente indefesos e, portanto, incapazes de se defenderem eficientemente com a sua artilharia36. Deste modo, não só se comprovavam as teses da Jeune École, mas também a validade das fortificações e das baterias de artilharia costeiras na interdição do espaço marítimo nacional à acção de poderosas frotas guerra de alto mar, constituídas por couraçados e cruzadores couraçados. Este escritor militar colocava-se, assim, do lado dos autores portugueses que defendiam o modelo existente da “esquadra fortaleza”. Opunha-se aos defensores da necessidade da construção imediata de uma esquadra de alto mar capaz de neutralizar a marinha de guerra espanhola, num contexto não só ibérico mas também europeu. Numa hipotética guerra futura entre a Inglaterra e a Alemanha uma esquadra portuguesa, mesmo modestamente formada de cruzadores, podia ser um elemento importante, embora auxiliar, das esquadras britânicas. E, desempenharia ainda um papel fundamental na salvaguarda das linhas de comunicação com a Europa e as colónias. A preservação do Ultramar português poderia exigir uma nova marinha nacional, muito diferente das pequenas frotas de canhoneiras do anterior período colonial.37
 
As concepções de C. R. du Bocage eram a resposta tardia às posições em sentido contrário de Pedro Diniz e Fernando de Carvalho. O primeiro autor em dois artigos publicados em 1905 nas páginas da Revista Militar, reflectia sobre a organização da marinha portuguesa, tendo como ponto de partida a nomeação em Maio de 1904 de uma comissão de oficiais da armada, para escolher os navios mais convenientes à defesa do país. Apoiando-se na autoridade praticamente inquestionável na época de Alfred T. Mahan e do almirante Bonamico e nos exemplos da guerra entre os E.U.A. e a Espanha dos finais do século anterior, interrogava-se sobre qual seria a melhor opção para Portugal: a defesa activa assente numa poderosa frota de alto mar, ou a defesa passiva baseada numa esquadra limitada à protecção das costas e portos marítimos?38
 
A opinião deste escritor era de que os acontecimentos da guerra russo-japonesa forneciam a resposta definitiva a esta questão: demonstrando que só a defesa activa poderia garantir a salvaguarda da actividade comercial mantendo os portos abertos. A questão aplicava-se também a pequenas potências como Portugal, que não poderiam pretender alcançar o domínio dos mares, como acontecia com a poderosa Grã-Bretanha.39 Por outro lado, a pátria portuguesa tinha uma dimensão territorial fora da Europa que não podia ser defendida pela fraca marinha colonial. Esta era incapaz de proteger as linhas de comunicação entre as diversas possessões ultramarinas e a metrópole. A necessidade de uma esquadra in being tornava-se imprescindível à defesa do território continental e do das colónias, exigindo-se para tal embarcações que não se podiam reduzir aos navios guarda-costas e aos torpedeiros40.
 
Pedro Diniz aceita tirar duas lições da guerra russo-japonesa, no campo dos tipos de navios ideais para futuras guerras navais. Seguindo as opiniões conceituadas do almirante alemão Von Tirpitz e do almirante inglês Cyprian Bridge sustenta a necessidade de navios dotados de artilharia poderosa e mais velozes, apesar de hesitar entre as posições não totalmente coincidentes destes dois autores. Segue a opinião generalizada em prol da esquadra mais homogénea, dotada de número menor de grandes couraçados, possuindo todos um armamento homogéneo. Todavia, apoiando-se em autores como A. T. Mahan, Jurien de la Gravière e James Sear defende a necessidade dos cruzadores para conduzir as operações navais, no papel de auxiliares indispensáveis na guerra ofensiva dos couraçados e na defesa activa como uma fleet in being, capaz de ameaçar os portos inimigos e a navegação comercial adversária. A acção da marinha do czar na guerra russo-japonesa com os cruzadores de Vladivostock era um bom exemplo a seguir41. Estes factos não põem em causa a sua fé nas concepções de Mahan, recusando liminarmente as teses da Jeune École, ao considerar episódicos os sucessos daqueles navios e, à guerra de corso, a capacidade de alcançar sozinha a vitória sobre o inimigo.
 
As reflexões de Pedro Diniz sobre o reequipamento futuro da armada terminam com a sugestão sub-reptícia da excelência dos cruzadores, que seriam os navios ideais para a marinha de guerra portuguesa. Poderiam igualmente desempenhar o papel de complemento essencial da poderosa esquadra de couraçados que, na ausência da necessária capacidade nacional para os adquirir, teria de ser a Royal Navy. A sua utilidade não deixaria de se estender ao papel de um importante contrabalanço da esquadra espanhola, em fase de reequipamento com cruzadores, dentro do equilíbrio estratégico ibérico. Prestava-se um “serviço” à nação aliada, neutralizava-se a Espanha e preservava-se o território metropolitano e ultramarino42. Não implicava esta a atitude a defesa dos cruzadores e a recusa de outros tipos de navios como os torpedeiros e os destroyers. Tais vasos de guerra eram importantes dentro da concepção de uma esquadra moderna, dotada de forma equilibrada de todo o tipo de navios.
 
No mesmo sentido vão as reflexões de Fernando de Carvalho em dois artigos de 1905 referentes respectivamente ao material e à estratégia navais. Desde o início do primeiro artigo que o autor se apresenta como um apoiante indefectível dos “gigantescos Battleships”, seguindo a escola britânica e mostrando-se muito céptico quanto ao papel dos torpedeiros tão defendidos pela escola francesa. Os combates de Porto Artur e Mar do Japão mostraram que não eram de forma alguma um rival dos navios de linha, remetendo-se o seu papel para acções úteis, mas mais secundárias numa esquadra43. De igual modo, considera desnecessária a artilharia secundária dos navios, pela incapacidade de perfurar as modernas couraças e totalmente fantasiosa a existência de navios dotados de esporão. A única concessão que fez à escola francesa foi a de considerar o submarino como uma “probabilidade futura”. Recomenda às autoridades políticas nacionais a apreciação da relevância da capacidade defensiva das esquadras, embora em estreita cooperação com o exército, numa linha nitidamente próxima de Alfred T. Mahan44. As suas observações sobre estratégia naval vão na mesma direcção, ao abordar a questão dos diferentes objectivos da guerra naval. Apoiando-se mais uma vez em A. T. Mahan, mas sobretudo nos estudos do almirante italiano Bonamico, define o autor as qualidades estratégicas da esquadra, pela sua capacidade de recusar ou impor o contacto físico ou seja a batalha ao inimigo. Considerando a batalha naval não tanto como um fim, mas como um meio de obter a vitória, a estratégia naval deve ser definida em função do tipo de guerra, que se pretende travar apontando o autor para dois tipos essenciais: a grande guerra e a guerra de cruzeiro45. A primeira caracterizada pela luta pelo domínio do mar só convém às grandes potências dotadas de grandes esquadras e enormes recursos financeiros. Estes factos não o impedem de reflectir sobre a questão, inspirado nos acontecimentos da guerra russo-japonesa, para concluir da necessidade da esquadra mais fraca à semelhança da nipónica se subdividir na esquadra de contacto e na esquadra em potência. A primeira dispondo de grande velocidade deve obrigar à dispersão das forças inimigas para que a segunda chegado o momento oportuno possa dar o golpe de misericórdia. O navio que mais corresponderia ao perfil requerido, embora não sendo referido, era sem dúvida o cruzador. A hipótese mais provável para Portugal seria uma guerra de cruzeiro na qual seriam valorizadas as possibilidades estratégicas do triângulo Atlântico com os vértices em Lisboa, Açores e Cabo Verde. Isto forneceria condições extraordinárias à guerra de corso, pois permitiria interceptar o comércio das “cinco partes do mundo”46. A defesa da guerra de cruzeiro para a qual o cruzador seria o navio ideal, não se apoiava apenas nas observações da guerra russo-japonesa nomeadamente, na tão citada acção dos cruzadores de Vladivostock, ou nas condições específicas do espaço marítimo português. Conseguia obter também a caução da máxima autoridade em matérias estratégicas e navais. Nesta questão o capitão Alfred T. Mahan, embora profundamente hostil à guerra de corso à francesa, concordava que em condições especiais, dispondo-se nomeadamente de uma esquadra de contacto que distraia o inimigo, o ataque ao comércio inimigo pode ser realmente eficaz47.
 
3.3.     A Armada Portuguesa
 
A guerra de cruzeiro implicava também o ataque e a defesa dos comboios de forças de desembarque. Fernando de Carvalho, seguindo sempre Mahan, considera que a potência que dispuser do domínio dos mares decidirá automaticamente da sorte dos comboios navais, não tendo mais do que uma importância marginal. As necessidades de fornecer navios de escolta para comboios navais são por ele considerados de difícil realização, dispendiosas e pouco eficazes para qualquer país, quanto mais para uma pequena potência como Portugal. De igual modo, as operações de exploração e observação do inimigo são adequadas para navios rápidos e relativamente bem armados. Assim tornava-se perfeitamente compreensível a defesa indirecta dos cruzadores como instrumento essencial à Armada portuguesa. Seguia as opiniões abalizadas do General Moraes Sarmento, de Bonamico e, mais uma vez, de A. T. Mahan. Também é interessante a análise do 2.º tenente Matta de Oliveira, historiador naval da Guerra Peninsular, sobre a importância das ilhas atlânticas do ponto de vista da guerra marítima, tomando como exemplo os acontecimentos da guerra russo-japonesa, designadamente da esquadra de cruzadores de Vladivostock. A relevância da guerra de corso ou de cruzeiro, contra as linhas de comunicação do inimigo, teria ficado perfeitamente comprovada na guerra russo-japonesa48. Aliás, os arquipélagos dos Açores, Madeira e Cabo Verde podiam fornecer fortes pontos de apoio fortificados a uma fleet in being à maneira de Mahan. Matta de Oliveira, seguindo Mahan e o comandante Pedro Diniz, situa-se na linha de pensamento dominante da escola anglo-saxónica de estratégia naval49. Não quer isto dizer que haja uma aceitação da teoria da esquadra fortaleza tradicional, Nem de se reduzir a uma estratégia puramente defensiva, mas de capitalizar a capacidade defensiva dos pontos fortificados para uma guerra ofensiva, apoiando-se mais uma vez em Mahan50.
 
As reflexões deste tipo não podem ser devidamente analisadas, sem uma interligação estreita com as observações produzidas na imprensa militar portuguesa sobre a batalha de Tsushima de 27 de Maio de 190551. O espanto e a admiração pela vitória total, absoluta do almirante Togo sobre a esquadra do Báltico do almirante Rojestwensky, irradia de todos os comentários mesmo dos mais cépticos. Fernando de Carvalho é o primeiro a celebrar a vitória nipónica comparando-a às maiores batalhas navais do passado52. Do mesmo modo celebra o comandante da marinha japonesa como um novo Nelson, equiparando a vitória de Tsushima à de Trafalgar53. Nesta mesma linha de pensamento analisa a estratégia das esquadras e depois de criticar a opção do almirante russo, ao tentar forçar o estreito de Tsushima, afirmou a vantagem deste ter tentado dirigir-se directamente a Vladivostock navegando pelo leste do Japão e o estreito de La Pérouse. Segue de certa maneira a opinião de Mahan, pois refere a possibilidade do comandante do czar ter podido beneficiar do apoio da esquadra de Vladivostock com a qual formaria uma nova fleet in being. Nas suas reflexões sobre o desenrolar da batalha recusa a visão do almirante italiano Bonamico e do almirante inglês Fremantle, de que a vitória seria o resultado único da velocidade superior dos navios japoneses sobre os russos e do superior treino das tripulações nipónicas. É menos crítico face às opiniões de Mahan que dá relevância à superioridade numérica japonesa e ao maior valor individual de cada navio, juntamente com a flexibilidade de movimentos e, secundariamente, a velocidade superior dos navios japoneses. A velocidade tinha a primazia no plano estratégico enquanto, no plano táctico, o canhão e a couraça eram decisivos. Estava plenamente de acordo com as teses do All-Big-gun ship e as concepções de Mahan, embora com algumas peculiaridades no respeitante à guerra de corso e de cruzeiro54.
 
No entanto, ainda no ano de 1906 o capitão-tenente Polycarpo de Azevedo, redactor dos Annaes do Club Naval, produz uma série de conferências nas salas do Club Militar Naval sobre a batalha de Tsushima, que são reproduzidas quer pelos Annaes do Club Naval quer pela Revista Militar. Polycarpo de Azevedo, amigo pessoal de Wenceslau de Moraes, escritor e cônsul português no Japão, visitou em 1904 os estaleiros navais japoneses, pela mão deste seu amigo e é portanto dos portugueses que melhor conhece as forças navais japonesas. As suas descrições da batalha de Tsushima são longas e demoradas apoiadas em numerosos e ilustrados croquis da batalha naval. As análises extensas da batalha acabam por justificar a vitória japonesa devida sobretudo a uma superior velocidade dos navios e a uma melhor organização e treino das tripulações. Os nipónicos mostraram dispor de melhores artilheiros e de maior flexibilidade táctica na manobra dos grupos de combate face aos russos. A capacidade excepcional do almirante japonês Togo é também dada como justificação do triunfo do Império do Sol Nascente. O factor humano foi determinante nesta batalha, confirmando a máxima inglesa de que os “ships dont’ fight but men”. Nesta perspectiva, os couraçados têm sem dúvida uma importância fundamental, mas no seio duma esquadra dispondo de vários tipos navios, organizados em formações diferentes, complementares e combatendo harmoniosamente. Confirmar-se-ia a máxima de Mahan sobre o papel essencial do poder marítimo na resolução dos conflitos, pois a Rússia desistiu de lutar depois da derrota naval, embora em terra os seus exércitos ainda não estivessem totalmente derrotados55.
 
O ponto de chegada final é o artigo do 2.º tenente Manuel Rueda sobre o Dreadnought no mesmo ano de 1906. A sua descrição das características do novo tipo de couraçado são consideradas na linha de desenvolvimento das lições da guerra russo-japonesa, nomeadamente a nível das influências tácticas e estratégicas. A primeira questão referia-se à escolha do armamento e à importância dos grandes calibres. Sem renegar totalmente o papel das peças de pequeno calibre, de alguma utilidade contra os torpedeiros, defende a uniformização da artilharia em torno das grandes peças de 305 mm. A experiência de Porto Artur e Tsushima parece demonstrar que, no futuro, o confronto entre as grandes esquadras, será decidido a favor daquele que consiga alvejar o adversário a maior distância com os projécteis mais potentes e mais numerosos56. Outros elementos derivados da experiência da Guerra Russo-Japonesa são: a concentração máxima dos fogos em todas as direcções, a elevação da altura da plataforma de assentamento das peças de grande calibre, a adequada distribuição das peças de artilharia não interferindo na acção de cada uma individualmente57. No aspecto fundamental da velocidade dos navios, as lições da batalha decisiva de Tsushima demonstraram que a superioridade japonesa permitiu ao almirante manobrar a esquadra adversária, “traçar o T” e dispor de um serviço de exploração, baseado em velozes cruzadores muito superiores aos russos58. Sob a importância do raio de acção dos navios, as lições de Tsushima são essenciais, pois afectaram a mobilidade da esquadra russa e consequentemente as opções do almirante do czar na sua rota para Vladivostock59.
 
A importante questão da protecção das tripulações com o reforço das couraças, foi outro problema que se tornou vital solucionar nos novos couraçados como o Dreadnought60. De igual modo, torna-se essencial proteger os postos de comando, para evitar a morte dos comandantes e a desintegração do comando e subsequentemente da esquadra como aconteceu na batalha de 10 de Agosto do Mar Amarelo com o almirante russo Withefft61. O resultado final de todas estas lições da guerra russo-japonesa e da batalha de Tsushima, materializa-se na opinião deste autor no novo couraçado britânico o Dreadnought, simultaneamente cumulo de sofisticação tecnológica e da arte naval62. As vitórias navais do Japão pareciam confirmar aos olhos dos observadores militares internacionais, o acerto das concepções de A. T. Mahan sobre a importância da guerra marítima. Simultaneamente alimentavam a ilusão da existência e perenidade de princípios estratégicos universais, embora readaptados às novas tecnologias do início do século XX. Aliás, a batalha de Tsushima podia ser considerada a nova Trafalgar dos couraçados dos tempos modernos. As perspectivas dos comentadores da Revista Militar mostram uma saudável capacidade crítica face ao pensamento dominante. Com efeito, procuraram manter uma abertura de espírito perante as teorias rivais sem recusar as teses de A. T. Mahan e a ideia da batalha decisiva entre duas poderosas esquadras. O debate subsequente prolongar-se-ia ainda durante vários anos, tentando definir o modelo das forças navais portuguesas, mas sendo tributário das reflexões sobre os episódios navais da Guerra Russo-Japonesa de 1904-190563.
 
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* O presente texto foca sobretudo os aspectos navais do conflito. Em artigo posterior serão focadas as questões relacionadas com as operações terrestres da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905).
**     Doutorado em História e Teoria das Ideias, pela FCSH/UNL (1999), Professor Associado da FCHS da Universidade Lusíada de Lisboa.
 
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 1 Cf. Henshall, Kenneth, História do Japão, Lisboa, Edições 70, 2005, p.94-150.
 2 Cf. Ferguson, Niall, The War of the World. History’Age of Hatred, London/New York, 2006, p.1-71.
 3 As concepções de estado-nação, nação-estado, “Epochal War” ou “Long War (1914-1990)” foram desenvolvidas no livro de Bobbitt, Philip, The Shield of Achilles, War, Peace and the Course of History, Allen Lane The Penguin Press, 2002. Ver também Howard, Michael, A Guerra na História da Europa, Lisboa, Pub. Europa-América, 1997, p.113-156 e Keegan, John, A History of Warfare, London, Pimlico, 1993, p.3-60 e p.319-385. Winston Churchill numa frase célebre chamou-lhe a “Guerra dos Trinta Anos”.
 4 A ligação à sociedade civil incluía por vezes colaboração de civis ou oficiais que não estavam no activo interessados nas questões militares. É de certa maneira o caso de Wenceslau de Moraes que embora sendo oficial de marinha desempenhava as funções de cônsul de Portugal em Kobe no Japão. A sua colaboração não se limitava à produção de textos para revistas militares mas igualmente em fornecer outros tipos de esclarecimentos e apoios como especificamente relata: “Ha cerca de um anno tive a fortuna de visitar um d’estes estabelecimentos particulares, em Kobe, em companhia do meu distincto camarada e hoje membro da commissão de redacção d’estes Annaes, o sr. capitão-tenente Polycarpo d’Azevedo.”, Moraes, W. de, “Como se faz o official, de marinha, japonez”, Annaes do Club Militar Naval, Gusman, Miguel Sanches de, Caldeira, João Vellez, Corrêa, Manoel Eduardo, Costa, Victorino Gomes da, Costa, Abel Fontoura da, Coutinho, Victor Hugo D’Azevedo, Sarmento, Adolpho de Moraes, Barros, Eugenio Estanislau de, Santiago, José Antonio, Figueiredo, Carlos Pinto Tasso de Lisboa (dir.), Tip. da Empreza da História de Portugal, n.º7, Julho de 1904, p.395, nota 1.
 5 Redacção (José Estevão de Moraes Sarmento), “Pro Patria”, Revista Militar, José Estevão de Moares Sarmento, José Nicolau Raposo Botelho e Fernando da Costa Maya (dir.), Lisboa, Tip. Universal, n.º1, Janeiro de 1905, p.6-7. Entre os órgãos de informação que mais se opuseram a este processo destaca-se a Revista de Infanteria. Ver sobre esta questão o editorial da Redacção (David Augusto Rodrigues) intitulado, “Á Revista Militar”, Sarsfield, Alexandre José, Augusto Rodrigues, David, e Leal, Alfredo de (dir.), Revista de Infanteria, N.º3, 8.º Ano, Lisboa, Typographia Militar, Março de 1905, p.65-68.
 6 Ver a este propósito Carrilho, Maria, Forças Armadas e Mudança Política em Portugal no Século XX. Para uma explicação sociológica do papel dos militares, Lisboa, Estudos Gerais Série Universitária, 1985, p.174-178.
 7 “Estará o equilibrio europeu ou porventura a paz universal sob a pressão inqietadora da guerra russo-japonesa? Os ultimos dias que precederam essa temerosa lucta que se está ferindo encarniçada entre a Russia e o Japão foram de extrema anciedade para as nações da Europa especialmente para as que tem sérios compromissos com as potências belligerantes, traduzidos em allianças e accôrdos.», Fraga, B., “A Guerra no Extremo-Oriente”, Portugal Militar, Suplemento da Revista de Administração Militar, Macedo, Alfredo D’Antas Lopes de (director), n.º15, Lisboa, Of. Estêvão Nunes & Filhos, Março de 1904, p.39.
 8 “Mas se a Inglaterra tiver de auxiliar o Japão em terra, por este ser ahi impotente para destruir a defeza russa, então as circunstancias serão muito mais graves. Emquanto uma vigorosa reorganisação não haja mudado o modo de ser actual do exercito inglez, não lhe será facil luctar vantajosamente contra as tropas de uma grande potencia europeia. Sob esse ponto de vista a fraqueza da Grã-Bretanha é reconhecida pelas auctoridades mais competentes e insuspeitas. (...)”, Sarmento, José Estêvão de Moraes, “Nuvens no horisonte”, Revista Militar, Sarmento, José Estevão de Moraes, Botelho, José Nicolau Raposo e Maya, Fernando da Costa (dir.), n.º1, Ano LVI, Lisboa, Tip. Universal, 15/01/1904, p.19.
 9 “O nosso papel, se não fossemos sollicitados pela gravitação politica, deveria resumir-se á conservação da neutralidade, pois é o papel mais caracteristico das nações pequenas; são estas, pode-se assim dizer, os pontos mortos do movimento entre os grandes belligerantes. O que resta saber é se estamos tão bem preparados como qualquer d’aquelles pequenos paizes para fazer face aos inesperados acontecimentos derivados do Struggle for life em que se debatem as nações.”, Correa, M., “Portugal e o Conflicto no Extremo Oriente”, Annaes do Club Militar Naval, Gusman, Miguel Sanches de, Caldeira, João Vellez, Corrêa, Manoel Eduardo, Costa, Victorino Gomes da, Costa, Abel Fontoura da, Coutinho, Victor Hugo D’Azevedo, Sarmento, Adolpho de Moraes, Barros, Eugenio Estanislau de, Santiago, José Antonio, Figueiredo, Carlos Pinto Tasso de Lisboa (dir.), Lisboa, Tip. da Empreza da História de Portugal, n.º4, Abril de 1904, p.193.
10 Correa, M. ob. cit., p.194.
11 Cf. Howard, Michael, ob. cit, p.113-135 e Howard, Michael, The Invention of Peace. Reflections on War and International Order, London, Profile Books, 2000, p.33-59. Ver ainda sobre esta questão Bond, Brian, War and Society in Europe 1870-1970, Gloucestershire, Sutton Publishing, 1998, p.40-99 e também Bond, Brian, The Pursuit of Victory from Napoleon to Saddam Hussein, New York, Oxford University Press, 1998, p.80-103. Ver também sobre as concepções militaristas dos princípios da guerra Alves, José Lopes, Estratégia. Panorama Geral da Sua Teoria, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1999, p.70-81 e sobre as teorias da guerra bio-sociológicas e evolucionistas Couto, Abel Cabral, Elementos de Estratégia. Apontamentos para um curso. Pedrouços, I.A.E.M., 1988, p.108-138 e Aron, Raymond, Penser la guerre, Clausewitz II L’Áge Planétaire, Paris, Éditions Gallimard, 1976, p.7-56.
12 “Não ha conferencias de paz, não ha tribunaes arbitraes, não ha diplomacia, não ha nada, quando as nações correm a defender interesses que reputam de integral importancia para sua autonoma e preponderancia; quando o seu orgulho, a sua dignidade e a sua fazenda são ameaçados; quando o seu direito e a sua honra são postos em cheque, porque n’este caso é sempre a guerra a ultima razão, a razão do mais forte.”, Rodrigues, David Augusto, “A Guerra”, Sarsfield, Alexandre José, Augusto Rodrigues, David, e Leal, Alfredo de (dir.), Revista de Infanteria, N.º 3, 7.º Ano, Lisboa, Typographia da Cooperativa Militar, Março de 1904, p.81. Sobre as concepções pacifistas nesta época ver Anderson, M.S. The Rise of Modern Diplomacy, 1450-1919, London and New York, Longman Group UK Limited, 1993, p.236-279 e também Howard, Michael, The Invention of Peace. Reflections on War and Internacional Order, London, Profile Books, 2000, p.33-59.
13 “ (...) mas o que é geralmente reconhecido é que qualquer dos dois paízes quer exercer a hegemonia no extremo oriente em detrimento do outro, concorrendo a China com as custas do processo, que diga-se de passagem já se vão tornando pesadinhas, para ella sobretudo, por isso que na sua escripturação o que vae avolumando é a conta de ganhos e perdas.”, Correa, M. “Portugal e o Conflicto no Extremo Oriente”, Annaes do Club Militar Naval, Gusman, Miguel Sanches de, Caldeira, João Vellez, Corrêa, Manoel Eduardo, Costa, Victorino Gomes da, Costa, Abel Fontoura da, Coutinho, Victor Hugo D’Azevedo, Sarmento, Adolpho de Moraes, Barros, Eugenio Estanislau de, Santiago, José Antonio, Figueiredo, Carlos Pinto Tasso de Lisboa (dir.), Lisboa, Tip. da Empreza da História de Portugal, n.º4, Abril de 1904, p.192. Ver sobre esta questão Westwood, J. N., Russia against Japan, 1904-05. A New Look at the Russo-Japanese War, Albany, State University of New York Press, 1986, p.1-23. Sobre as principais concepções geopolíticas predominantes nesta época ver Chauprade, Aymeric, Géopolitique. Constantes et changements dans l’histoire, Paris, Ellipses Édtion Marketing S.A., 2001, p.27-95 e também Martin, François, Apontamentos de Geopolítica e Geoestratégia, Bloco IV, As Principais Teorias, Lisboa, Universidade Lusíada de Lisboa, 2000, p.329-360.
14 “ (...) O Japão sustenta que para a livre e legitima expansão dos seus mais sagrados interesses carece da integridade territorial da Corêa. A Russia sustenta, a despeito mesmo do accordo feito com a China, que não pode deixar de ter nas suas mãos a Mandchuria.”, Redacção, “A Favor da Paz”, Sarsfield, Alexandre José, David, Augusto Rodrigues e Leal, Alfredo de (dir.), Revista de Infanteria, Lisboa, Typographia da Cooperativa Militar, N.º2, Fevereiro de 1905, p.58.
15 “O Japão com uma população densissima e augmentando em proporções tão extraordinarias, que em 50 anos estará dobrada, via successivamente fecharem-se-lhe as províncias e cidades para onde a sua expansão era natural e indispensavel, e não podia sem grande responsabilidade para os estadistas que estão á testa dos seus destinos, assistir indifferente á invasão que o condemnava a um aniquillamento por plethora de gente.”, Azevedo, Polycarpo José de, “Guerra Russo-Japonesa”, Annaes do Club Militar Naval, Gusman, Miguel Sanches de, Caldeira, João Vellez, Corrêa, Manoel Eduardo, Costa, Victorino Gomes da, Costa, Abel Fontoura da, Coutinho, Victor Hugo D’Azevedo, Sarmento, Adolpho de Moraes, Barros, Eugenio Estanislau de, Santiago, José Antonio, Figueiredo, Carlos Pinto Tasso de Lisboa (dir.), Lisboa, Tip. da Empreza da Historia, n.º 2, Fevereiro de 1904, p.58.
16 “O Japão, d’uma população assustadoramente crescente (no momento actual já mais de 250 habitantes por kilometro quadrado!) e d’uma industria desmarcada e promettedora, carecendo emfim de territorios proprios á colonisação e de mercados sufficientes para os seus productos.”, Chaves, F. Sá, “A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria) - Proemio”, Revista de Cavallaria, Rosado, Carlos Bazílio Damasceno, Sepulveda, Christovam Ayres de Magalhães, Aguiar, Joaquim José Ferreira de, Soares, Leopoldo Augusto Pinto (Dir.), Lisboa, Tip. Belenense, Ano II, N.º 21, Abril de 1906, p.287. Este trabalho foi posteriormente publicado na íntegra pelo autor com o título A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria), Lisboa, Tip. Belenense, 1907.
17 Simões, Luiz Henriques Pacheco, “A Guerra Russo-japonêsa - I Causas da Guerra”, Revista Militar, José Estevão de Moares Sarmento, José Nicolau Raposo Botelho e Fernando da Costa Maya (dir.) Lisboa, Tip. Universal, n.º11, 15 de Junho de 1904, p.321-322. Ver também Westood, J. N., Russia Against Japan, 1904-05. A New Look at the Russo-Japanese War, Albany, State University of New York Press, 1986, p.25-36.
18 Esta análise baseada nas observações do acima citado coronel Robert Weber e está presente em Simões, Pacheco, ob. cit., idem, p.321-328. Também baseada no mesmo autor mas duma forma mais original encontramos esta posição em Chaves, F. Sá, “A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria) - Proemio”, Revista de Cavallaria, Rosado, Carlos Bazílio Damasceno, Sepulveda, Christovam Ayres de Magalhães, Aguiar, Joaquim José Ferreira de, Soares, Leopoldo Augusto Pinto (Dir.), Lisboa, Tip. Belenense, Ano II, N.º 21, Abril de 1906, p.287 e igualmente Chaves, F. Sá, A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria), Lisboa, Tip. Belenense, 1907, p.17: “Para completar o isolamento do Japão e garantir a segurança estrategica da esquadra russa, conseguiu-se da Corêa, que a pequena cidade de Masampo, no extremo S. da peninsula corêana, se transformasse n’um novo porto militar. D’este modo, contando com os bellos pontos de apoio - Vladistok, Masampo e Porto Arthur - A Russia arredava o perigo amarello, a preponderancia japoneza na Corêa e a influencia nipponica no continente Asiatico.”
19 Azevedo, Polycarpo José de, ob. cit., p.59: “O Japão por seu lado esperava o momento opportuno de provocar a guerra. No verão de 1903 acabava de receber os ultimos navios feitos na Europa, segundo o programma de construcções navais votado no parlamento, ultimava os preparativos de mobilisação das tropas, e tendo as suas forças navaes equilibradas, ou um pouco superiores ás de que a Russia dispunha nos mares do Oriente, tinha tudo a perder em demorar uma guerra que estava resolvido a fazer, porque dava-lhe a possibilidade de augmentar a sua esquadra com reforços partidos do Baltico.”
20 “Esta posição subalterna não a acceitou incondicionalmente o Mikado. Seguro de que o seu exercito, organisado e instruido á allemã, como a sua esquadra, servida e disciplinada á ingleza, e aguerridos um e outra, pela Campanha de 94-95, eram sufficiente garantia de sucesso; conscio da má preparação militar moscovita, do desprezador desconhecimento russo  a proposito do que eram e do que poderiam as forças de terra e mar do Imperio do Sol Nascente; palpando o odio profundo, desmarcado, indomito, que dominava e vencia os seus nacionaes, contra esses máos e imprevidentes vizinhos de ao pé da porta, a guerra foi decidida, em principio, e aceite como desideratum unico, tacitamente reconhecido pelos politicos, financeiros, militares e pelo proprio povo japonezes. (...)”, Chaves, F. Sá, “A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria) - Proemio”, Revista de Cavallaria, Rosado, Carlos Bazílio Damasceno, Sepulveda, Christovam Ayres de Magalhães, Aguiar, Joaquim José Ferreira de, Soares, Leopoldo Augusto Pinto (Dir.), Lisboa, Tip. Belenense, Ano II, N.º 21, Abril de 1906, p.287-288 e igualmente Chaves, F. Sá, A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria), Lisboa, Tip. Belenense, 1907, p.18-19.
21 “A guerra afigurou-se-lhes infalivel. Mas se ganhar tempo, era o que restava á sua diplomacia desmascarada, a defensiva tornou-se o recurso unico dos seus generaes surprehendidos!... A salvação consistia: para os diplomatas em pleno descredito, em affastar, se fosse possivel, o rompimento das hostilidades; para o exercito em completa desorganisação, em esgotar os recursos economicos do Mikado, prolongando a guerra dois ou trez annos; em reduzir-lhe o exercito de operações activas, affastando-o das suas bases de operações e de abastecimentos, constrangendo-o a um larguissimo serviço de etapes, absorvente, mas imprescindivel; em destruil-o, por fim de tempo, pela massa de homens e pelso rigores de toda a ordem, como esgotado, desfalcado e destruido fôra o Grande Exercito.”, Chaves, F. Sá, “A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria) - Proemio”, Revista de Cavallaria, Rosado, Carlos Bazílio Damasceno, Sepulveda, Christovam Ayres de Magalhães, Aguiar, Joaquim José Ferreira de, Soares, Leopoldo Augusto Pinto (Dir.), Lisboa, Tip. Belenense, Ano II, N.º 21, Abril de 1906, p.288 e igualmente Chaves, F. Sá, A Guerra Russo-Japoneza (A Cavalleria na Campanha da Mandchuria), Lisboa, Tip. Belenense, 1907, p.‑19.
22 Sobre o pensamento e a importância de Mahan, A. T. consultar Crowl, Philip A., “Alfred Thayer Mahan: The Naval Historian”, ed. by Paret, Peter, Makers of Modern Strategy from Machiavelli to the Nuclear Age, Oxford, Clarendon, 1994, p.444-509 e também O’Connell, Robert L., História da Guerra, Armas e Homens. Uma história da guerra, do armamento e da agressão, Lisboa, Teorema, 1989, p. 257-278.
23 A. T. Mahan contestou antecipadamente nas suas obras históricas as objeções dos seus adversários: “War has such principles, their existence is detected by the study of the past, which reveals them in successes and in failures, the same form age to age. Conditions and weapons change, but to cope with the one or successfully wield the others, respect must he had to these constant teachings of history in the tactics of the battlefield, or in those wider operations of war which are comprised under the name o strategy.”, Mahan, A. T., The Influence of Sea Power upon History 1660-1783, London, Sampson Low, Marston & Company, Limited, 1890, p.7. Ver sobre a aceitação do pensamento deste autor nos finais do século XIX e inícios do seguinte: Crowl, Philip A., ob. cit., idem e Keegan, John, Battle at Sea from Man-of-War to Submarine, London, Pimlico, 169-170.
24 Ver a este propósito Westood, J. N., ob. cit., p.37-51 e p.73-93. Ver ainda Demerliac, A., Kulikov, V., Stahl, F., “La Guerre Russo-Japonaise de 1904-1905. 2ème partie: espoirs et désespoirs d’une flotte isolée”, Navires & Histoire, Le Magasin d’Histoire Maritime, Boulogne sur Mer, S.A.R.L. LE.LA PRESSE, Mars, 2000, p.70-81 e também Demerliac, A., Kulikov, V., Stahl, F., “La Guerre Russo-Japonaise de 1904-1905. 3ème partie: La bataille de la Mer Jaune et la chute de Port Arthur”, Navires & Histoire, Le Magasin d’Histoire Maritime, Boulogne sur Mer, S.A.R.L. LE.LA PRESSE, Septembre, 2000, p.64-77.
25 “Le plus grand écrivain militaire de notre temps, Sir Basil Liddell Hart partage avec Lord Keynes une conviction que la destinée posthume de Marx, en dépit du marxisme officiel, tend à justifier; l’influence des idées sur le cours de l’histoire. Selon le plus illustre des économistes du XXe siècle, les gouvernants et les hommes d’affaires appliquent les doctrines apprises de leurs professeurs vingt ans plus tôt, de même Sir Basil, entre les deux guerres, écrivait: «L’influence de la pensée sur la pensée est, dans l’histoire, le facteur le plus important (1). L’inspiration de nouvelles idées et l’introduction des nouvelles méthodes dans l’organisation militaire, la stratégie et la tactique, ont joué rôle qui n’est pas moins significatif que les exploits des génies militaires (2).», Aron, Raymond, Penser la Guerre, Clausewitz. II L’âge planétaire, Paris, Éditions Gallimard, 1976, p.7.
26 “Parece, porém, ter entrado nos planos do commando russo a idéa de comprehender a esquadra nas suas intenções defensivas, e de se limitar, aproveitando as posições de flanco de Vladivostock e de Porto Arthur, a difficultar por meio de surprezas os desembarques dos japonêses, esperando entretanto os reforços da Europa.”, Weber, Robert (Luiz Henriques Pacheco Simões trad. e notas), “A guerra russo-japonêsa”, José Estevão de Moares Sarmento, José Nicolau Raposo Botelho e Fernando da Costa Maya (dir.) Revista Militar, Lisboa, Typ. Universal, 15 de Agosto de 1904, Ano LVI, n.º 15, p.451.
27 “(1) Para não nos alongarmos excessivamente em notas, não faremos a descripção minuciosa da surpreza de Porto Arthur, extrahida das publicações inglezas que já citámos e que não concorda absolutamente com a que o auctor do artigo que traduzimos apresenta; diremos entretanto que, segundo os inglêses referem, os torpedeiros japoneses conseguiram penetrar na enseada onde se achava fundeada a esquadra russa e circular ao longo d’esta a 500 ou 600 metros de distancia semserem descobertos, denunciando apenas a sua presença o ruido da explosão dos primeiros torpedos por elles arremessados. Não é, pois, verdade terem sido descobertos a 1:000 metros dos navios russos, nem terem travado o combate proximo das 3 horas da manhã, porquanto este começou momentos depois da meia noite, como está averiguado.”, Simões, Luiz Henriques Pacheco, ob. cit., p.454-455, n.1.
28 “O fim dos japonêses fôra attingido; tinham protegido o desembarque em Chemulpo, e tinham alcançado mesmo mais do que isso, porque a esquadra russa encontrava-se enfraquecida, tanto quanto se podia presumir, para toda a duração das hostilidades. Os dois adversarios accusaram perdas insignificantes: do lado dos japonêses, 70 a 80 mortos e feridos; do lado dos russos, 99.”, Weber, Robert (Luiz Henriques Pacheco Simões trad. e notas), ob. cit., p. 454.
29 “(1) Deveria parecer talvez um pouco prematura a idéa que esta epigraphe (a decisão no mar) traduz no momento em que foi apresentada - 25 de abril -, não obstante mesmo os poderosos argumentos que o auctor d’este trabalho - o coronel d’engenharia Robert Weber - adeante expõe em sua defesa e justificação.
Hoje, porém, - em agosto - depois das derrotas e completa dispersão das esquadras de Porto Arthur e de Vladivostock, hoje não ha duvida que os japonêses lograram alcançar a decisão da campanha do mar. (...)”, Simões, Luiz Henriques Pacheco, “A guerra russo-japonêsa V A decisão no mar”, Revista Militar, José Estevão de Moares Sarmento, José Nicolau Raposo Botelho e Fernando da Costa Maya (dir.), Lisboa, Typ. Universal, 15/09/1904, Ano LVI, n.º 17, p.521, n.1.
30 “(...) Apesar de todos os boatos relativos á partida da esquadra do Baltico, tantas vezes annunciada quantas desmentida, é mais do que provavel que a essa esquadra succeda o mesmo que á hespanhola do almirante Cervera - por occasião da guerra hispano-americana -, isto é que os russos a conservem bem longe do theatro da guerra para a não perderem e com ella o seu ultimo recurso naval e o nucleo da futura reconstituição da sua armada. Assim evitarão tambem proporcionar aos japonêses, agora senhores absolutos do mar no Extremo Oriente, a gloria de mais alguma ruidosa victoria naval, impondo ao mesmo tempo á marinha russa um duro e inutil sacrificio de vidas e de prestigio moral, hoje já tão profundamente abalado.”, Simões, Luiz Henriques Pacheco, ob. cit., p.521, n.1.
31 “(2) Esta sensatissima reflexão, se por um lado prova que o almirante Stark não se mostrou um marinheiro audacioso, como o seu illustre e infeliz successor, por outro deixa claramente perceber que o almirante Alexeieff, de quem sem duvida partiu, ou deveria ter partido, a direcção inicial relativa à missão que à esquadra russia cabia desempenhar, não se mostrou tambem á altura da situação, confirmando assim os fracos creditos de que, segundo parece, já gosava entre os russos quanto á sua pericia estrategica e naval. Referindo-se ao vice-rei do Extremo-Oriente russo, diz o escriptor inglês H. W. Wilson: «But those who knew him well doubted «whether he possessed the mental qualities required for such a position as he held...»”, Simões, Luiz Henriques Pacheco, ob. cit., p.528-529, n.1.
32 “Tendo-se provado em Porto-Arthur, como voltaremos a demonstra-lo a completa inutilidade d’uma esquadra para defesa d’um porto fortificado embora as suas fortificações deixem muito a desejar, basta compara o que se passou n’um e n’outro porto (Porto- Artur e Vladivostock) para podermos tirar d’ esta guerra russo-japonesa um duplo ensinamento, que não deve ser esquecido por quem tenha portos a defender e esquadras a adquirir.” Bocage, C. R. du, “A Defeza Maritima de Porto-Arthur IX Operações da divisão naval de Vladistock 10 de Fevereiro a 14 d’Agosto”, Sarmento, José Estevão de Moares, Botelho, José Nicolau Raposo e Maya, Fernando da Costa (dir.), Revista Militar, Lisboa, Typ. Universal, Dezembro de 1905, Ano LVII, n.º 12, p.1003.
33 “Assim foram decorrendo junho e julho, sem que a sorte deixasse de proteger a divisão de Vladistok, apesar de crescer de dia para dia a sua ousadia, apresando navios neutros carregados com contrabando de guerra e vindo até à bahia de Yedo, ao fundo da qual fica Yokohama, e assim foi também crescendo a inquietação dos japonezes, de cujos portos já ninguem se atrevia a sair.”, Bocage, C. R. du, ob. cit., p.1006.
34 “The outcome of Fisher’s technological star-gazing and Scott’s down-earth gunnery drills was to be a battleship, Dreadnought, of truly revolutionary design. Constructed and launched in record-breaking time between October 1905 and February 1906, Dreadnougth embodied all those disparate features of which Fisher had noted the significance. She was turbine-driven, giving her a contemporary cruiser’s rather than a battleship’s speed, more robustly and rationally armoured than any ship afloat, and armed exclusively with armour-cracking guns, ten 12-inch mounted in five turrets. She was, moreover, intended as only the first of a series, among which were to be included a class of ‘all-big-guns’ ships, sacrificing protection to speed, which would come to be called ‘battle cruisers’. Their role would be to sweep away the protective screen of an enemy battle fleet, bringing on a Trafalgar-style encounter of capital units with a minimum of preliminaries.’, Keegan, John, Battle at Sea from Man of War to Submarine, London, Plimlico, 1993, p.104 e também p.97-155.Ver também Dunn, James, “The Trafalgar in Reverse. The Battle of Jutland”, Gnam, Carl A., JR., Military Heritage, Herndon, V.A., Sovereign Media, 2006, Vol.8, N.º3, p.28-35 e Preston, Anton, An Ilustrated History of the Navies of World War II, London, Bison Books Limited, 1976, p.16-41 e p.105-112.
35 “O exemplo de Porto-Arthur, reproduzindo o que nos ensinára a guerra de Cuba, confirma por outro lado, e muito peremptoriamente, que as baterias de costa nada teem a recear dos navios inimigos; e permitte-nos concluir com o almirante Bridge ((1) Naval Annual, 1905, pag. 170): «Um porto fortificado - se um inimigo que tem o dominio do mar determina conquista-lo - toma-se pela porta traseira, isto é, cahe quando sitiado por um exercito de terra».”,Bocage, C. R. du, ob. cit., p.10-18.
36 “ Os russos tinham superioridade em peças de 30,5cm e 25 cm, mas os japonêses tinham maior experiencia no tiro e melhores apparelhos telegoniometricos; estas circumstancias e:« mais que tudo, diz o almirante italiano ((1) o almirante Bonamico (loc. Cit., pag. 5143) diz positivamente: «que o calibre de 20 cm é sempre o mais efficaz pela sua acção destruidora das partes não couraçadas, na acção preparatoria;» mas accrescenta que «a peça só por si não resolve rapidamente a lucta entre couraçados, se o torpedeiro não intervém, ou se não determina incendio».); «a preponderancia japonêsa nos calibres 20cm e 15cm, asseguráram rapidamente a estes uma superioridade que tornou possivel fazer entrar em acção os torpedeiros, por estarem demolidas em grande parte as superstructuras e haver numerosos incendios e avarias importantes, achando-se tambem bastante abalado o moral das guranições». Assim se passou á segunda phase do combate, e entráram em scena os torpedeirtos, sem que na primeira phase, a do combate de artílharia, tivesse sido afundado ou mesmo sahido da formação navio algum russo por motivo de rombo abaixo da linha de fluctuação., Bocage, C. R. du, ob. cit., p.1017-1018.
37 Ver a este propósito Telo, António José, Economia e Império no Portugal Contemporâneo, Lisboa, Edições Cosmos, 1994, p.199-275 e também Telo, António José (coordenador e autor), História da Marinha Portuguesa. Homens, Doutrinas e Organização 1824-1974 (Tomo I), Lisboa, Academia da Marinha, 1999, p. 205-295 e também Costa, Bruto da, “Estudo sobre a marinha de guerra portugueza (Continuação e fim)”, Annaes do Club Militar Naval, Gusman, Miguel Sanches de, Caldeira, João Vellez, Corrêa, Manoel Eduardo, Costa, Victorino Gomes da, Costa, Abel Fontoura da, Coutinho, Victor Hugo D’Azevedo, Sarmento, Adolpho de Moraes, Barros, Eugenio Estanislau de, Santiago, José Antonio, Figueiredo, Carlos Pinto Tasso de Lisboa (dir.), Vol. XXXVIII, N.º1, Lisboa, Tip. da Empreza da História de Portugal, Janeiro de 1907, p.5-27.
38 “É sabido pelo que ensinam Mahan, Bonamico e outros, que a melhor defesa das costas maritimas de um paiz está no ataque ás da nação inimiga, e d’aqui vem o dizer-se que as fronteiras maritimas de um estado estão nas aguas territoriais do inimigo. Foi por isso que os Estados Unidos atacaram Cuba e Porto Rico, apesar das diversas cidades do litoral americano pedirem navios que as guardassem, receiosas da esquadra de Cervera, foi assim que praticaram, diversas vezes, por intuição inteligente, os antigos almirantes”, Diniz, Pedro, “Uma Opinião sobre a Organisação da Marinha de Guerra Portugueza”, Sarmento, José Estevão de Moares, Botelho, José Nicolau Raposo e Maya, Fernando da Costa (dir.) Revista Militar, Lisboa, Typ. Universal, Janeiro de 1905, Ano LVII, n.º 1, p.30 e ainda “Veja-se a commissão de defesa dos Estados Unidos de que fazia parte Mahan, attendeu aos instantes pedidos de navios, que lhe faziam as cidades do litoral. Estava bem aviada se o fizesse, estava bem aviada se espalhasse as forças de mar, que seriam assim batidas separadamente. Não attendeu, e foi defender esses portos nas aguas de Cuba”, Diniz, Pedro, ob. cit., Maio de 1905, Ano LVII, N.º 5, p.378.
39 “Veja-se de que serviu o papel passivo da esquadra russa de Porto Arthur, apesar de ser composta de excellentes vasos de guerra? Que navios japonezes metteu a pique? Que communicações interrompeu? Aquella preoccupação de querer apenas defender o porto, serviu para abater o moral das tripulações moscovitas; serviu para dar aos japonezes o domínio completo do mar, que sem elle, nunca o Japão teria conseguido chegar com os seus exercitos ao Sha-ho e vencido em Lião Yang; e, serviu emfim para levantar o prestigio dos almirantes japonezes.”, Diniz, Pedro, ob. cit., Janeiro de 1905, Ano LVII, n.º1.º, p.31.
40 “De que serviriam os navios guarda-costas, e os torpedeiros, desacompanhados dos coura­çados de linha, que são os navios de combate por excellencia? De nada. Estariamos no caso indicado pelo sr. Lannessan. De tal ataque só nos poderia livrar uma esquadra bem organisada, segundo aconselham as regras modernas, que aliás não se afastam muito dos antigos preceitos; uma esquadra, in being, apta para tomar a offensiva, na occasião opportuna, e que proteja o ponto que se quer atacar, ou por uma acção naval, ou melhor ainda por uma diversão, que obrigue a esquadra adversa a desviar-se do seu empenho.”, Diniz, Pedro, ob. cit., Janeiro de 1905, Ano LVII, N.º1.º p.32-33.
41 “Resumindo; os cruzadores são uteis e necessarios para todo o serviço de exploração em tempo de guerra; para estabelecer em contacto com o inimigo e vigiar-lhe os movimentos; para a communicação entre as esquadras amigas; para as proteger contra os ataques dos torpedeiros e destroyers, obrigando-os a fugir; para auxiliarem as esquadras em occasião de combate e á distancia do alcance da sua artilharia; para perseguirem o commercio inimigo, para os bloqueios, correndo sobre os navios que tentavam forçal os.”, Diniz, Pedro, ob. cit., Maio 1905, Ano LVII, N.º5.º, p.380.
42 “É pois evidente, que nenhuma potencia maritima, mesmo de Segunda ordem, deve dispensar estes navios se quizer ter uma esquadra bem organisada, e errado modo de vêr tem, em minha opinião, os que julgam a possibilidade de haver marinha de combate sem auxiliares tão importantes. Seria, repito a comparação, como o corpo de exercito que só tivesse infantaria e artilharia, e carecesse completamente de cavallaria.”, Diniz, Pedro, ob. cit., Maio de 1905, Ano LVII, N.º 5., p.381.
43 “Todavia se a guerra actual reduziu as pretensões audaciosas do torpedo, a sua lição não é de molde a promover o abandono do torpedeiro na tactica naval. Pelo contrario, os microzoarios barquinhos confirmaram as suas aptidões como sentinellas vigilantes de uma costa e como auxiliares poderoso da tactica de combate”, Carvalho, Fernando de, “Material Naval. Lições da Guerra”, ob. cit., Março de 1905, Ano LVII, N.º3, p.193.
44 “No mar e em terra a lição tem sido retumbante, e oxalá que d’ella tire ensinamento a nossa politica militar, que, systematicamente esquecida da poderosa capacidade defensiva das esquadras, não tem querido, até hoje, considerar a importancia, a indispensabilidade mesmo, da estreita e intelligente cooperação dos exercitos de mar e terra na defeza do paiz.”, Carvalho, Fernando de, ob. cit., Março de 1905, Ano LVII, N.º3, p.191.
45 “Os processos estrategicos tambem differem essencialmente. Bonamico, melhor que ninguem, definiu essa diferença quando escreveu que para o exercito a batalha era o fim, enquanto para a marinha era tão sómente o meio. E, sendo assim, o objectivo estrategico póde tender á conquista do dominio do mar ou simplesmente a impedir o uso d’esse dominio. A comparação das forças dos dois adversarios regularão o objectivo. Se se pretende conquistar o dominio do mar teremos a grande guerra, a lucta pela conquista do mar; se não podemos levar tão longe as aspirações far-se-há uma guerra mais comesinha, mas nem por isso menos intelligente nem menos absoluta - a do cruzeiro.”, Carvalho, Fernando de, “Notas Sobre Estrategia Naval”, ob. cit., Junho de 1905, Ano LVII, N.º 6, p.469.
46 “Nenhum falso sentimento de humanidade deve deter uma nação fraca no uso de tão poderosa arma [guerra de cruzeiro]. Nós, principalmente, que possuimos sobre o Atlantico esse admiravel triangulo, Lisboa, Açores e Cabo Verde, dentro do qual há de passar quasi todo o commercio das cinco partes do mundo, nós que, apoiados n’estes pontos, podemos vigiar as melhores ligações oceanicas com a Europa, não temos o direito de prescindir de tão fascinadora arma de combate.”, Carvalho, Fernando de, “Notas Sobre Estrategica Naval”, ob. cit., Junho de 1905, Ano LVII, N.º6, p.474.
47 “Comprehende-se bem que o belligerante que se encontre em situação de fazer favoravelmente a guerra de cruzeiro obriga o seu adversario a uma grande dispendio de forças para a protecção do seu commercio, dispendio que será impossivel para muitos se aquelle possuir uma esquadra de contacto que vigie de perto o inimigo e seja uma ameaça constante ás costas d’este. O sabio critico naval Mahan, apezar de adversario da guerra de corso, concorda que n’estas condições o seu rendimento póde ser remunerador.”, Carvalho, Fernando de, “Notas Sobre Estrategica Naval”, ob. cit., Junho de 1905, Ano LVII, N.º6, p.475.
48 “O effeito moral e os resultados materiaes d’este genero de guerra são de tal natureza, que o simples receio de que a Hespanha a exercesse contra os Estados Unidos (e tudo indicava a impossibilidade de Cervera se abalançar a taes emprezas) foi o bastante para que o povo americano cauzasse os mais graves embaraços ao seu gabinete de estrategia naval. Na presente guerra os raids dos cruzadores de Vladistock sobre as costas do Japão, foi o sufficiente para que o povo japonez se insurgisse contra a sua esquadra, que já contava um activo brilantissimo e para incriminar o almirante Kaminura que depois da acção de 14 de agosto, passou a ser, com toda a justiça, um dos maiores heroes do seu paiz.”, Oliveira, Matta, “As nossas ilhas atlanticas e os Pontos de Apoio da Esquadra”, Sarmento, José Estevão de Moraes, Botelho, José Nicolau Raposo e Maya, Fernando da Costa (dir.) Revista Militar, Lisboa, Typ. Universal, Agosto de 1905, Ano LVII, N.º8, p.655.
49 “6.ª Poder receber permanentemente a fleet in being, como lhe chama Mahan, ou a esquadra vigilante, segundo a designação uzada por um vosso distincto escriptor militar ((2) Commandante Pedro Diniz. - O futuro de Portugal está no mar, pag.24.), e eventualmente toda a esquadra ou a sua maior parte”, Oliveira, Matta, ob. cit., p.657.
50 “Uma é de Mahan e do theor seguinte: O nosso organismo naval tem sido fortemente prejudicado n’estes ultimos annos, e está presentemente mettido entre duas concepções ambas egualmente erradas, uma é que o fim fundamental d’uma marinha é a guerra defensiva e não offensiva, a outra que é em grande parte consequencia da antecedente, é que o monitor, sendo mais capaz de defender que de atacar o inferior debaixo do ponto de vista de mobilidade, constitue o melhor typo de guerra ((1) Mahan - La guerre sur mer et ses leçons, pag. 40.);”,Oliveira, Matta, ob. cit., p.665.
51 “During the bombardment, the Japanese main body, steaming at 15 knots, had pulled steadily ahead of the Russians, who plodded on at 10 knots. Within minutes of the battle’s opening, the rearmost Russian ships could not fire at the enemy; either the Japanese had pulled out of range or the Russian view was blocked by the ships ahead. As the Japanese ships drew near the head of the Russian line, again threatening the classic naval maneuvrer of crossing the Russian’ T, they directed their fire manly at the Suvorov.”, Vail, Jason, “Shocking Triumph at Sea”, Phillips, Kenneth H., Great Battles, Leesburg VA, Cowlen History Group, September 1994, Vol. 8, N.º 7, p.55.
52 “A historia maritima não refere uma batalha naval que possa comparar-se á monumental derrota soffrida pelos russos no mar do Japão. Nem Salamina, nem Hogue, nem Trafalgar, nem mesmo a famosa destruição da Armada Invencivel excedem, nas suas consequencias militares, a brilhante victoria alcançada pelo valente almirante Togo.”, Carvalho, Fernando de, “Batalha do Mar do Japão. Estrategica e tactica.”, Sarmento, José Estevão de Moraes, Botelho, José Nicolau Raposo e Maya, Fernando da Costa (dir.), Revista Militar, Lisboa, Typ. Universal, Julho de 1905, Ano LVII, N.º7, p.540.
53 “Muitas outras considerações ainda se me offerecem a apresentar, mas este artigo já vae longo e eu não devo abusar da benevolencia dos leitores da Revista Militar, e por isso, termino as minhas reflexões, affirmando que, sob o ponto de vista tactico, a batalha do mar do Japão foi tão perfeita como a de Trafalgar, Togo egualou Nelson.”, Carvalho, Fernando de, ob. cit., p.546.
54 “Não me parece, portanto, que a batalha de Tsushima affirme decididamente a supremacia tactica da velocidade. Eu, por ora, continuo convencido que a velocidade é a primeira de todas as qualidades estrategicas, mas que, tacticamente, o canhão e a couraça primem a velocidade. Escusado é observar que a considero de grande vantagem tactica, não comungando nas idéas do almirante Bridge e muito menos nas do celebre engenheiro naval francez Normand, mas, depois de empenhado o contacto tactico, dou a primazia ao canhão e á couraça.”, Carvalho, Fernando de, ob. cit., p.546.
55 “E provou-se tambem com a derrota de Tsushima quanto é grande a importancia do dominio do mar: the influence of the sea power, como lhe chama o captain Maham. (...) Pois a Russia, que depois da derrota dos seus exercitos em Liaoyang e em Mukden não quis ouvir fallar de paz, que podia fazer em melhores condições; no dia seguinte á de Tsushima, quando de todo não lhe podia restar a menor esperança de vir a recuperar o dominio do mar, acceitou de braços abertos o ir a Washington fazel-a.”, Azevedo, Polycarpo de, “Considerações sobre a Batalha naval de Tsushima”, Sarmento, José Estevão de Moraes, Botelho, José Nicolau Raposo e Maya, Fernando da Costa (dir.) Revista Militar, Lisboa, Typ. Universal, Fevereiro de 1906, Ano LVII, N.º2, p.128.
56 “Os grandes calibres, destinados a sustentarem a lucta com unidades semelhantes em armamento e protecção, mostraram bem claramente a sua acção decisiva, tanto na sortida de Porto-Arthur como na batalha de Tsushima, fazendo prevêr que, de futuro, um combate entre esquadras analogas em elementos potenciaes será decidido a favor do belligerante que consiga alvejar o inimigo a maior distancia, com maior numero de projecteis animados de velocidade restante, força viva e poder de penetração superiores.”, Rueda, Manuel, “As Lições da Ultima Guerra Naval e a construcção do «Dreadnought»”, Sarmento, José Estevão de Moraes, Botelho, José Nicolau Raposo e Maya, Fernando da Costa (dir.) Revista Militar, Lisboa, Typ. Universal, Novembro de 1906, Ano LVIII, N.11, p.1131.
57 “2.ª A distribuição da artilharia deve obedecer à prescripção importante de cada peça ficar livre da influencia do sopro das outras, quando façam fogo simultaneamente; porque na guerra russo-japoneza houve muitos casos de graves accidentes, produzidos pela causa acima apontada, nas guarnições de algumas torres adjacentes que por esse motivo não podiam entra em fogo ao mesmo tempo.”, Rueda, Manuel, ob. cit., p.1132.
58 “Na batalha de Tsushima, os japonezes, com a superior velocidade de que dispunham, obrigaram os russos a combater sempre a distancias que lhes eram desfavoraveis e iniciaram o combate (segundo os relatorios officiaes) aproveitando uma occasião em que os navios russos seguiam sob uma formação impropria para combate e que apenas como exercico costumavam pôr em prática.”, Rueda, Manuel, ob. cit., p.1133 e também na p.1134: “A facilidade evolutiva tambem permittiu aos japonezes mudar frequentemente de formatura, durante o combate de Tsushima, com maior ordem e rapidez do que os russos, que por isso ficaram sempre em posições desvantajosas.”
59 “A falta de raio de acção coagiu o almirante Rodjestvenski a não seguir a derrota passando ao largo da costa oriental do Japão - o que teria obrigado os japonezes a fraccionarem as suas forças para exercerem vigilancia nos estreitos de Tsugaru e La Pérouse - e determinou a accumulação de carvão no convez de alguns navios russos, cujos paioes eram de menor capacidade, produzindo embaraço nos movimentos da artilharia e alterando-lhes a estabilidade a ponto de ter sido attribuido a esse factor o afundamento quasi subito do couraçado Alexandre III.”, Rueda, Manuel, ob. cit., p.1133.
60 “O pessoal das torres, nos navios japonezes, sahia dos combates quai totalmente incolume, o que prova que é de grande vantagem proteger a artilharia com um couraçamento tão espesso quanto possam consentir o deslocamento e os outros factores caracteristicos do navio.”, Rueda, Manuel, ob. cit., p.1134.
61 “Os leitores devem estar lembrados de que n’esse combate (em que o destino foi manifestamente adverso aos marinheiros russos) a victoria estava indecisa e o almirante Togo, em virtude das grandes avarias soffridas, ia mandar fazer o signal de retirada, quando um projectil de 305mm batendo na torre de commando do Cesarwitch matou com os seus estilhaços o desditosos e valente almirante Withefft, trazendo como consequencia a desorientação, a que se seguiu a retirada da esquadra russa em varias direcções, ficando ainda mais fracas, d’ essa fórma, ás insufficientes e já dispersas forças navaes que a Russia possuía nos mares do Extremo Oriente.”, Rueda, Manuel, ob. cit., p.1135-1136.
62 “Taes são as lições mais importantes deduzidas da ultima guerra naval; vejamos agora como a rainha dos mares, a nossa poderosa alliada, aproveitou esses ensinamentos na construcção do seu mais recente e poderoso couraçado - o formidavel Dreadnought -.”, Rueda, Manuel, ob. cit., p.1136.
63 Cf. Telo, António José, (coordenador e autor), História da Marinha Portuguesa. Homens, Doutrinas e Organização 1824-1974 (Tomo I), Lisboa, Academia da Marinha, 1999, p. 205-295.
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