«Temos de ir à raiz do problema e precisamos de ser o mais claro possível acerca das origens destes ataques – e que é a existência de uma ideologia ‘extremista islamista’ (…). Muitos dos condenados por atos terroristas foram inicialmente influenciados por aquilo que foi denominado ‘extremistas não violentos’ e posteriormente levaram as suas crenças extremistas ao próximo nível ao abraçar a violência».
David Cameron, 5 de fevereiro de 2011
«Quase metade (23 de 51) dos ataques terroristas jihadistas planeados ou executados no Reino Unido até 2015 provinham de membros da rede do al-muhajiroun.»
Raffaello Pantucci, 2015
Apesar de inicialmente composto por três membros (em 1996), o al-muhajiroun adquiriu uma notoriedade que extravasou as fronteiras do Reino Unido, fruto do protagonismo mediático dos seus líderes, Omar Bakri (1996-2005) e Anjem Choudary (2005-2015), assim como do intenso ativismo dos seus membros. Inclusivamente, apesar de qualificados como extremistas não violentos pelas Forças e Serviços de Segurança do Reino Unido,1 a sua ideologia (do Califado) influenciou uma série de indivíduos, que se radicalizaram e vieram a cometer diversos atos terroristas no Reino Unido e na Europa, assim como desempenharam papeis relevantes no recrutamento para o DAESH.
Ora, o presente artigo pretende analisar as ameaças não violentas de uma ideologia, centrado na evolução do al-muhajiroun e da sua rede, até à decisão de aceitação (e obediência) ao califa Abu Bakr al-Baghadi. Para a compreensão das etapas da transformação deste grupo, importa analisar os seguintes seis fatores: ideologia; objetivo, estratégia, organização, perfil dos membros e ativismo.
1.1. Pergunta e objetivo
O presente artigo visa responder à seguinte pergunta: a obediência ao Califa Abu Bakr al-Baghadi foi determinante para a liderança do al-muhajiroun aceitar a utilização da violência?
Por outro lado, com base nos seis fatores acima identificados, após analisar o percurso do al-muhajiroun e da sua rede, temos como objetivo identificar as lições a serem aprendidas por Forças e Serviços de Segurança de forma a lidarem com as ameaças atuais e futuras colocadas por grupos islamistas2 não violentos.
1.2. Estado da arte
Como primeiro apontamento, relativamente às ameaças colocadas à democracia por grupos islamistas não violentos, destacamos Gartenstein-Ross (2007), e Husain (2007) e Nawaz (2012), que pertenceram ao Hizb ut Tahrir – estes dois últimos fundaram a Quilliam Foundation3.
Ora, a associação entre extremistas não violentos e a violência tem sido debatido em termos académicos, sendo que Vidino (2010, 220) sustenta que os extremistas não violentos funcionam como uma «escada rolante» para mais radicalização. No fundo, podem não promover explicitamente a violência, mas criam um clima de medo e de desconfiança no qual a violência pode ocorrer mais frequentemente, ao providenciar o «oxigénio moral» para a prática de atos terroristas (Sagar, 2009). Inclusivamente, Bright (2006) criticou a opção do governo trabalhista em encetar diálogo com grupos islamistas não violentos, assim como de ignorar as respetivas ameaças.
Finalmente, relativamente ao al-muhajiroun, destacamos Lowles e Mulhall (2013); Pantucci (2015), e Kenney (2020), sendo que Vidino (2017), analisou com bastante pormenor a sua rede: o movimentoSharia4.
No presente artigo, iremos analisar o al-muhajiroun e a sua rede com base nos seis fatores acima identificados (ideologia; objetivo, estratégia, organização, perfil dos membros e ativismo), recorrendo a fontes primárias4, assim como a algumas secundárias (livros e artigos especializados).
Além disso, usando um método comparativo pretendemos compilar e comparar dados disponíveis fornecidos por Lowles e Mulhall (2013) e pelo Home Office (2024), relativamente à data da criação e extinção das organizações satélite do al-muhajiroun (tabela n.º 1). De igual modo, usando dados compilados por Miller et al (2010); Raymond (2010); Pantucci (2015); Lowles e Mulhall (2013) e Kenney (2020), pretendemos identificar os eventos mais significativos das organizações satélite do al-muhajiroun (tabela n.º 2). Além disso, no que concerne ao recrutamento para o DAESH, com base nos dados fornecidos por Barret (2017), iremos elaborar uma tabela para ilustrar a grande capacidade de recrutamento de indivíduos para o DAESH, feito por membros do al-muhajiroun e da sua rede, assim como do movimento Sharia4 (tabela n.º 3). Por último, com base em alguns dados compilados por Lowles e Mulhall (2013); Pantucci (2014 e 2015) e Kenney (2020), iremos identificar alguns dos atentados terroristas mais emblemáticos perpetrados por indivíduos que estiveram ligados ao al-muhajiroun e a sua rede (tabela n.º 4).
A inovação introduzida pelo presente artigo consiste em compilar e analisar em conjunto o al-muhajiroun, e a sua rede, com base nos seis fatores acima identificados, porquanto têm apenas existido análises acerca do al-muhajiroun ou da rede Sharia4, mas isolados entre si, não sendo feito a respetiva interligação. Ademais, também não tem sido efetuada a relação com a organização de origem (Hizb ut Tahrir), que forneceu a ideologia do califado.
Finalmente, resta acrescentar que existem algumas limitações, pois inúmeros sítios da internet ligados ao al-muhajiroun e da sua rede já foram desligados, assim como determinada informação e documentação foi posteriormente classificada pelas autoridades do Reino Unido. Além disso, amiúde, torna-se difícil determinar qual a maior influência na execução de determinados atos terroristas, porquanto se porventura são associados à Al-Qaeda, todavia também se verifica uma conexão de determinados indivíduos ao al-muhajiroun e a sua rede. O caso mais emblemático são as ligações de todos os membros que executaram os atentados terroristas jihadistas de 7 de julho de 2005 em Londres ao al-muhajiroun (Lowles e Mulhall (2013, 20-21).
Além disso, não foi possível analisar o processo de radicalização individual de um número significativo de membros do al-muhajiroun, aplicando alguns modelos existentes de radicalização no extremismo islâmico5, face a dificuldades de obtenção (e validação) de elementos pessoais de determinados indivíduos. Como sublinha Ken McCallum do MI5 (CONTEST, 2023, 14): «Nem sempre é linear demarcar linhas para determinar o que é e o que não é considerado terrorismo. No caso de atacantes anteriormente desconhecidos, que não reivindicam qualquer responsabilidade, demora tempo a reunir os factos – e mesmo quando depois de reunidos, geralmente representam uma mistura confusa de fatores.» (Sublinhado nosso).
3.1. Origens: a ideologia do califado de an-Nabhani
As origens da ideologia defendida pelo al-muhajiroun, encontra-se na criação de outra organização: o Hizb ut-Tahrir al-Islami (Partido da Libertação) fundado em 1952, por Taqiu-Din an-Nabhani (1909-1977). Ora, an-Nabhani (antigo membro da Irmandade Muçulmana6), assistiu à extinção do Califado em 1924, assim como à criação do Estado de Israel em 1948, pelo que pretendia a unificação árabe baseada no Islão, ao invés da ideologia secular do pan-arabismo (Ahmed e Stuart, 2010, 1). Deste modo, an-Nabhani (escreveu o livro o Estado Islâmico7) tinha um grande objetivo a nível global: a criação do califado8 (com o Califa a presidir) num país muçulmano, no qual o Partido da Libertação teria um papel fundamental9. Posteriormente, todos os países teriam de aceitar este Regime Político10. Todavia, o próprio an-Nabhani defendeu que este seria um processo pacifico até à instauração do Califado (Karagiannis e McCauley, 2006, 325), mas após a sua implementação seria legítima a utilização da violência contra todos aqueles que não obedecessem ao Califa (Farouki, 1996; Baran, 2004 e Nawaz, 2012).
Ora, Omar Bakri (engenheiro de formação), aderiu ao Hizb ut Tahir em 1983, mas nesse mesmo ano é enviado para a Arábia Saudita, no qual funda (na cidade de Meca) a organização al-muhajiroun «os emigrantes» a 3 de março de 1983, data do 59.º aniversário da extinção do Califado (Abedin, 2005). Todavia, em janeiro de 1986, o al-muhajiroun foi ilegalizado na Arábia Saudita – e Omar Bakri chegou ao Reino Unido, em 14 de janeiro de 1986.
3.2. O Hizb ut Tahrir na Reino Unido (1985-1995): Liderança de Omar Bakri
Durante o período em que Omar Bakri exerceu as funções de líder (amir) do Hizb ut Tahir na Reino Unido (1986-1995), o al-muhajiroun não desenvolveu outras atividades. Por outro lado, Omar Bakri defendia a ideologia de an-Nabhani assim como o objetivo da criação do califado a nível global (Baran, 2004). Além disso, no período em causa, Omar Bakri manteve-se fiel à estratégia defendida pelo Hizb ut Tahrir: os seus membros deviam criar as condições para a aceitação da ideia política do califado (que surgiria num país muçulmano) pela comunidade muçulmana a residir no Reino Unido. De igual modo, Omar Bakri também se manteve fiel à estrutura da organização (hierárquica, em pirâmide11), assim como ao perfil dos seus membros (recrutados nas universidades), mas introduziu uma nova forma de ativismo islamista na Europa (Vidino, 2015, 3). Efetivamente, ao contrário de outros grupos que operaram discretamente sem atrair muita atenção, sob a liderança de Omar Bakri os seus membros começaram a distribuir panfletos e a organizar todo o tipo de eventos públicos para disseminar a sua mensagem, usando uma retórica bastante provocatória12. A título de exemplo, aquando da primeira invasão do Iraque, Omar Bakri referiu que John Major era um alvo legítimo para ser abatido, mas após ser detido retratou-se (Hamid, 2007, 145). Em janeiro de 1996, verifica-se a sua saída do Hizb ut Tahrir, pois a sua cúpula na Jordânia estava agastada com as suas polémicas públicas, a última das quais pretendia que a Rainha Isabel II se convertesse ao Islão (Enthoven, 2014, 15).
3.3. O al-muharijoun no Reino Unido (1996-2005): Liderança de Omar Bakri
Após a saída do Hizb ut Tahrir, Omar Bakri decide reativar o al-muhajiroun (em 1996), e embora continuando a defender a ideologia de an-Nabhani, defende um novo objetivo: a implementação do califado no Reino Unido (Ronson, 2002). Para esse efeito, implementou uma estratégia de islamização por etapas, na qual pretendia criar pequenos guetos islâmicos no Reino Unido, em zonas geográficas onde os crentes islâmicos fossem maioritários em termos demográficos e onde a xária13 poderia ser implementada, situação qualificada por Baran (2004) como um «apartheid voluntário». Além disso, apesar de manter uma estrutura hierárquica em termos de organização, optou por recrutar indivíduos ligados com um passado à «pequena criminalidade». Em resultado disso, inclusivamente para vincar a sua diferença em relação ao Hizb ut Tahrir no Reino Unido (organização que tinha liderado), o al-muhajiroun empregou metodologias mais agressivas no seu ativismo, orgulhando-se de ser um «partido de ação», em detrimento do Hizb ut Tahrir, classificado como «partido de palavras» (Ronson, 2002). Essa diferença ficou bem ilustrada aquando dos ataques terroristas jihadistas do 11 de setembro de 2001 – que o al-muhajiroun apoiou (Abedin, 2005). Inclusivamente, no dia 11 de setembro de 2002, realizou uma conferência em que apelidou os atacantes como «os magníficos 19» (Kenney, 2020). Perante este enquadramento, como evitar a associação à apologia da violência, no Reino Unido por parte do al-muhajiroun? Realmente, Omar Bakri sustentou a não utilização da violência no Reino Unido ou em países ocidentais devido à denominada «convenção de segurança»14: em troca da sua segurança e das suas vidas, não lhes era permitido atacar as vidas e os bens dos não muçulmanos no país onde residiam (Abedin, 2005). Ora, as autoridades do Reino Unido, «iludidas» com esta suposta benesse, permitiram que livremente os membros do al-muhajiroun difundissem a sua ideologia, sem restrições15. Todavia, após os atentados terroristas jihadistas de 7 de julho de 2005, Omar Bakri16 partiu para o Líbano, a 6 de agosto de 2005, e seguidamente foi proibido de regressar ao Reino Unido por decisão do então Ministro do Interior Charles Clarke, que revogou o seu visto de residência (Whine, 2006).
3.4. O al-muharijoun na Reino Unido (2005-2015): Liderança de Anjem Choudary
Ora, Anjem Choudary (antigo braço direito de Omar Bakri17), manteve a ideologia, o objetivo e a estratégia, mas introduziu uma alteração substancial relativamente à organização da estrutura organizativa. Aliás, em entrevista a Mulhall (2014), Anjem Choudary (advogado de formação) sustentou a criação frequente de plataformas e organizações que difundissem a mensagem, porquanto o nome das organizações era irrelevante, e que não podiam incorrer no erro do al-muhajiroun, isto é, ter o mesmo pessoal e estar sempre organizado da mesma maneira. Deste modo, desde 2005 a 2014, foram criadas as seguintes organizações satélite do al-muhajiroun18, que sucessivamente foram sendo proibidas ao abrigo do Terrorist Act 2000, conforme a tabela seguinte:
Tabela n.º 1: Criação das organizações satélite do al-muhajiroun e sua extinção.
Nome | Ano da criação | Data da proibição (Terrorist act 2000) |
al-muhajiroun | 24 de março de 1983 | 6 de julho de 2006 |
Saved Sect | 2005 | julho de 2006 |
al-Ghurabaa | 2005 | julho de 2006 |
Call to Submission | 2006 | janeiro de 2010 |
Islamic Path | 2006 | janeiro de 2010 |
London School of Sharia | 2006 | janeiro de 2010 |
Islam4UK | 2006 | janeiro de 2010 |
Muslims Against Crusades | 2010 | novembro de 2011 |
Need4Khilafah | 2011 | junho de 2014 |
The Sharia Project | 2011 | junho de 2014 |
The Islamic Dawah Association | 2011 | junho de 2014 |
Fonte: Tabela elaborada com base em Lowles e Mulhall (2013) e Home Office (2024).
Diferentemente do Hizb ut Tahrir, estas organizações satélites têm duas características distintas: em primeiro lugar, possuem uma estrutura fluída e pouco hierárquica e, em segundo lugar, o perfil dos membros também é distinto. Enquanto o Hizb ut Tahrir recrutava membros diretamente nas universidades, o al-muhajiroun e suas organizações satélite não tinham essa preocupação, procurando marginalizados e indivíduos ligados a atividades criminosas. Ademais, o perfil dos membros das organizações satélite do al-muhajiroun comportava diversos convertidos ao Islão e que, para mostrar o seu zelo, ainda eram mais extremistas do que os restantes membros19.
3.5. O ativismo das organizações satélite do al-muhajiroun
Realmente, conforme sublinham Raymond (2010) e Hamid (2007, 148), para além da constante criação de organizações satélite, Anjem Choudary tornou o ativismo ainda mais radical. Efetivamente, apesar de o al-muhajiroun e as suas organizações satélites se autodenominarem organizações não violentas20, a sua constante criação, compostos por diversos membros (com um perfil mais belicoso), e o seu ativismo em crescendo, levou ao emprego de metodologias cada vez mais «agressivas», atenta a tabela seguinte:
Tabela n.º 2: Eventos promovidos por membros das organizações satélite do al-muhajiroun.
Nome da organização satélite do | Evento | Data do evento Evento que se prolongou |
Saved Sect e al-Ghurabaa | Manifestações junto à embaixada da Dinamarca para protestar contra os 12 cartoons de Maomé, contendo cartazes muito provocadores | 3 de fevereiro de 2006 |
Islam4UK | Intenção de perturbação de funerais de membros das Forças Armadas do Reino Unido | 8 de janeiro de 2010 |
Muslims Against Crusades | Declarar bairros como «zonas controladas pela Xária» | 7 de julho de 2011 (continuou por vários dias) |
The Sharia Project | Criação das «patrulhas muçulmanas» | janeiro de 2013 (durou meses) |
Fonte: Tabela elaborada com base em Miller et al (2010); Raymond (2010); Lowles e Mulhall (2013); Pantucci (2015) e Kenney (2020)
Em 3 de fevereiro de 2006, membros do Saved Sect e do al-ghurabaa, protestam junto da embaixada dinamarquesa em Londres (contra a publicação dos 12 cartoons de Maomé), usando pósteres e cartazes com mensagem explicitas de ódio e de apologia à violência sobre qualquer pessoa que publicasse os cartoons de Maomé ou ousasse criticar o Profeta Maomé (Miller, 2010).
Posteriormente, em janeiro de 2010, o grupo Islam4UK ganhou uma atenção mediática exponencial ao anunciar que planeava encetar uma marcha de protesto em Wootton Bassett. Esta é uma cidade conhecida pelas manifestações públicas de luto para honrar os militares das Forças Armadas do Reino Unido mortos em combate. Ora, este protesto prometia crispar as emoções porquanto membros deste grupo pretendiam transportar caixões (vazios) em honra do «assassinato de milhares de muçulmanos civis por parte das forças da Coligação decorrente dos conflitos no Iraque e no Afeganistão. Inclusivamente, essa intenção foi alvo de um profundo desagrado (v.g., petição pública no Facebook, com cerca de 400 mil subscritores), além do repúdio por parte de decisores políticos, incluindo o então Primeiro-Ministro do Reino Unido, Gordon Brown (Raymond, 2010).
Em conclusão, os objetivos foram atingidos, porquanto alcançaram a publicidade que almejavam e nos dias e semanas seguintes, o seu líder, Anjem Choudary desdobrou-se em entrevistas a diversos órgãos de comunicação social (Mulhall, 2014).
Posteriormente, o Muslims Against Crusades implementou um ativismo mais enérgico, tendo lançado uma campanha para transformar 12 cidades inglesas em Estados Islâmicos Independentes. Nesse âmbito, os denominados «Emirados Islâmicos» funcionariam como enclaves autónomos regulados pela Xária – fora da alçada da legislação do Reino Unido O projeto denominado usava o lema acerca do «fim das leis feitas pelo homem e o princípio da aplicação da Xária», tendo sido lançado precisamente no dia 7 de julho de 2011: seis anos após os ataques terroristas jihadistas de Londres.
E em que consistia tal ativismo?
Ora, no verão de 2011, várias zonas do leste de Londres foram «inundadas» com panfletos e cartazes brilhantes contendo a seguinte mensagem: «Está a entrar numa zona controlada pela Xária – as normas islâmicas são aqui aplicáveis». Igualmente foi mencionado que as seguintes atividades eram proibidas: consumo de álcool, música e concertos (Lowles e Mulhall, 2013).
Subsequentemente, o ativismo foi ainda mais longe com a instituição das «patrulhas muçulmanas», em algumas áreas da zona este de Londres por membros do The Sharia Project (Lowles e Mulhall, 2013). Estas patrulhas importunavam prostitutas, pessoas que bebiam álcool ou até mulheres que não possuíam uma indumentária que considerassem aceitável21. Ora, este último ativismo ultrapassou a fronteira da não violência e, em resultado disso, em dezembro de 2013, três membros foram condenados a penas de prisão efetivas (Gye, 2013).
Como último apontamento, apesar de não condenar as patrulhas, Anjem Choudary veio mencionar que deviam ter sido efetuadas de modo diferente, e que o contato físico devia ter sido evitado (Churchill, 2013). Ora, isto é elucidativo que todo este ativismo (em crescendo) escapou ao controlo da sua liderança, o que se explica pela estrutura muito fluída e pelo perfil dos membros.
3.6. O franchising da marca SHARIA4 e a sua multiplicação
Pois bem, a criação de organizações satélite do al-muhajiroun não ficou limitada ao Reino Unido. Com efeito, Anjem Choudary confirmou que foi abordado por Fouad Belkacem (também conhecido por Abu Imran), em fevereiro ou março de 2010, que o informou de que tinha criado um movimento denominado Sharia4Belgium baseado no Islam4UK (Mulhall, 2014).
Na verdade, o Sharia4Belgium22 defendia a mesma ideologia (do califado de an-Nabhani) tal como ocorrera com o al-muhajiroun e suas organizações satélite. Inclusivamente, em termos de objetivo e de estratégia também eram similares: criação do califado na Bélgica, implementando uma islamização por etapas por etapas, no qual seriam criados guetos islâmicos, e apoio à introdução da Xária no país (Vidino, 2015, 4). Ademais, o ativismo do Sharia4Belgium era muito similar: protestos intimidatórios com o objetivo de captar a atenção dos órgãos de comunicação social e interrupção de eventos e uma presença online bastante agressiva23.
Posteriormente, o movimento Sharia4 extravasou as fronteiras da Bélgica, atraindo um pequeno grupo de simpatizantes em diversos países europeus, tendo sido criados os movimentos Sharia4Holland (liderado por Abu Qasim) e o Sharia4Spain, entre outros (Vidino et al, 2017, 88). Inclusivamente, na Bélgica e na Holanda, o movimento Sharia4 usou a mesma estratégia de multiplicação: criação de organizações satélite com a rotatividade de membros. A título de exemplo, assinale-se o Sharia4Holland e as suas duas organizações satélite «Behind Bars» e «Street Dawah» (AIVD, 2014, 13). Inclusivamente, o tom provocatório e a retórica exacerbada também eram usadas: em 5 maio de 2012 (data do 67.º aniversário da libertação da Holanda, do regime Nazi) membros do Sharia4Belgium e do Sharia4Holand, manifestaram-se à porta do estabelecimento prisional de segurança máxima de Vught (na Holanda) para exigir a libertação de Mohamed Bouyeri – que assassinou o realizador Holandês Theo van Gogh (Lowles e Mulhall, 2013, 36).
Por outro lado, Anjem Chudary encorajou o aparecimento de mais movimentos Sharia4, embora a esmagadora maioria tinha atividade reduzida e poucos seguidores. A título de exemplo, o Sharia4Finland, apenas registou a organização de uma conferência (28 de março de 2013) em Helsínquia, em que Anjem Choudary foi o principal orador, no qual defendeu a libertação do clérigo radical Mullah Krekar (Lowles e Mulhall, 2013, 36). Inclusivamente, alguns destes movimentos Sharia4, criados em países do sudoeste asiático (v.g Shariah4Pakistan e Shariah4Hind), defendiam abertamente a violência e glorificavam grupos terroristas jihadistas (Lowles e Mulhall, 2013, 37).
De igual modo, urge assinalar a estratégia da multiplicação da marca Sharia4 usando a internet: Segundo Klausen et al (2012), num estudo académico efetuado a 41 canais do YouTube (Sharia4Australia, Sharia4Poland, entre muitos outros), e apenas reportado ao ano de 2011, constataram que, apesar de parecerem independentes, reconduzem-se a apenas ao al-muhajiroun. Ademais, Lowles e Mulhall (2013, 18), também sustentam os inúmeros sítios da internet, redes sociais e vídeos, que supostamente pareciam independentes, mas se reconduziam ao al-muhajiroun.
3.7. A obediência às ordens do Califa: do recrutamento para o DAESH à prática de atos terroristas no Ocidente
No dia 29 de junho de 2014, na cidade de Mossul, o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS) proclamou o novo Estado Islâmico, assim como designou um Califa, Abu Bakr al-Baghdadi24. Ora, o sucesso militar (inicial) do DAESH e a declaração do Califado aumentaram exponencialmente o número de seguidores que atraiu no Ocidente. Na realidade, em 2014, a Europol (2015) já qualificava como sem precedentes o trânsito de europeus a deslocarem-se para o Teatro de Operações da Síria. Inclusivamente, até dezembro de 2015, cerca de 30 mil combatentes estrageiros foram para o DAESH, provenientes de mais de 100 países: cerca de 6 mil provinham do Ocidente (Vidino et al, 2017, 25), conforme se assinala na tabela seguinte:
Tabela n.º 3: Combatentes no DAESH por País.
Países | Combatentes no TO do DAESH | Mandados regressar/ detidos pela Turquia | Continuam no TO | Indivíduos que regressaram | Mulheres | Crianças | Data de compilação dos dados |
Bélgica | 528 | 85/1519 | 275 | 123 | 85 | 118 | outubro de 2017 |
Espanha | 204 | 21/325 | 129 | 30 | 21 | - | julho de 2017 |
França | 1910 | 254/2622 | 700 | 302 | 320 | 460 | agosto de 2017 |
Holanda | 280 | 22/520 | 190 | 50 | 90 | 90 | fevereiro de 2017 |
Itália | 110 | - | 57 | 13 | 6 | - | outubro de 2017 |
Reino Unido | 850 | 106/1172 | 400 | 425 | 100 | 50 | fevereiro de 2017 |
Suíça | 70 | - | - | 14 | 7 | - | fevereiro de 2017 |
Fonte: Tabela elaborada com base em Barrett (2017). Esta é apenas uma pequena amostra e composta por alguns países da Europa
Na verdade, numa primeira fase, em que se pretendia consolidar o novo território, o Califa abu-Bakr al-Baghadi deu ordens aos seus seguidores para migrarem para o novo território, no qual a revista DABIQ25 desempenhou um papel instrumental. E qual o papel desempenhado no recrutamento pelos membros do al-muhajiroun e das suas organizações satélites?
Ora, Stern e Berger (2015, 215) realçam a importância da rede do al-muhajiroun no recrutamento para o DAESH. Inclusivamente, como sublinhou Fawkes (2018), diversos membros do al-muhajiroun e suas organizações satélite desempenharam papéis importantes no DAESH, como Abu Rumaysa (The Sharia Project) e Abu Muwahhid (Muslim Against Crusades). Ademais, dois filhos de Omar Bakri morreram no DAESH (Bryson, 2017).
E qual o papel desempenhado no recrutamento para o DAESH pelo movimento Sharia4?
Na verdade, o envolvimento do movimento Sharia4 não se esgotou apenas na ida de membros para o DAESH, pois igualmente relevante foi o envolvimento de membros da sua rede, realidade particularmente visível no número muito elevado de indivíduos provenientes da Bélgica e da Holanda (face ao total da sua população) para o Teatro de Operações do DAESH (Coolsaet, 2015, 22). De sublinhar que a maioria dos indivíduos era proveniente de zonas onde as redes do Sharia4Belgium eram muito ativas, como Antuérpia, Bruges e Vilvoorde (Vidino et al, 2017, 90). De igual forma, a mesma dinâmica foi observada com o Sharia4Holland e nas suas duas organizações satélite «Behind Bars» e «Street Dawah» (AIVD, 2014, 13).
Por último, os dados da tabela no que tange à percentagem de mulheres, assim como de crianças provenientes do Reino Unido, da Bélgica e da Holanda, vêm atestar a capacidade de recrutamento para o DAESH, por parte dos membros do al-muhajiroun e das suas organizações satélite, assim como das redes do Sharia4Belgium e Sharia4Holand.
E quanto ao papel do Hizb ut Tahrir? Afinal a ideologia de an-Nabhani não era no sentido de reconhecimento do Califa?
É certo que o Hizb ut Tahrir não condenou o DAESH, culpando o Ocidente pela sua existência (Dyer, 2016, 7), mas já condenou a proclamação do Califado. Na verdade, o amir global do Hizb ut Tahrir, Abu al-Rashta, na sua página do Facebook referiu que para declarar o Califado, obrigatoriamente, teriam de ser seguidos os passos efetuados pelo Profeta (Dyer, 2016). Por outro lado, o Hizb ut Tahrir na Reino Unido, a 2 de julho de 2014, emitiu uma declaração condenando a criação do Califado, considerando-a ilegítima (Hizb ut Tahir Britain, 2014). Na verdade, o lugar onde o Califado será declarado teria de possuir os requisitos de um Estado, o que não sucedia com o DAESH. Afinal, não tinha autoridade nem na Síria, nem no Iraque, nem conseguia assegurar a segurança quer interna, quer externa. Em último lugar, o suposto Califa permanecia escondido, tanto antes como depois da declaração, o que comprometia o próprio papel do Califa como protetor do Califado (Hizb ut Tahir Britain, 2014). Todavia, deve ser salientado que estas razões assentaram numa estratégia de sobrevivência, sendo comparável à assumida em relação aos atentados de Londres de 7 de julho de 2005 as quais condenou, integralmente e sem reservas. Na realidade, a cúpula do Hizb ut Tahrir constatou que as fronteiras do DAESH eram frágeis e que o novo Califado resultava da «apropriação» de amplos territórios pertencentes a dois Estados-Nações: a Síria e o Iraque.
Mas posteriormente, o Califa não mandou executar atentados terroristas no Ocidente?
Na verdade, os ataques aéreos da coligação mudaram essa estratégia e essa mudança esteve patente no discurso do porta-voz do DAESH, Abu Mohammed al Adnani, em setembro de 2014 (Vidino et al, 2017, 29). Mais: as publicações da revista DABIQ nºs 9, 12 e 13 também demonstram essa nova mudança de estratégia por parte do DAESH, apelando a todos combatentes e simpatizantes para que efetuassem ataques terroristas jihadistas no Ocidente (Vidino et al, 2017, 32).
Com a mudança estratégica por parte do DAESH, os números de indivíduos detidos na Europa associados à prática de atos terroristas jihadistas, assim como os dos atentados, aumentaram exponencialmente: em 2015, 687 indivíduos foram detidos por terrorismo jihadista. De igual modo, no que diz respeito a ataques terroristas jihadistas realizados na Europa, em 2015, verificaram-se 17 ataques, dos quais resultaram 150 mortos, o que significou um aumento exponencial em relação aos dois anos anteriores: dois ataques, em 2014, e apenas um ataque, em 2013 (Europol, 2016, 23).
3.8. As Condenações pelos Tribunais: Líder do al-muhajiroun e membros do Sharia4Belgium
Em outubro de 2014, Omar Bakri (antigo líder do al-muhajiroun) foi condenado pelas autoridades judiciais do Líbano a uma pena de prisão de 6 anos por atos relacionados com o apoio à prática de atos terroristas. De igual modo, em 5 de agosto de 2015, Anjem Choudary foi acusado pela Procuradoria-Geral do Reino Unido da apologia da prática de atos terroristas por parte do DAESH, compreendidos no período entre 14 de junho de 2014 até 6 de março de 2015. De resto, a 6 de setembro de 2016, Anjem Choudary foi condenado a uma pena de prisão efetiva de cinco anos e seis meses por apoio ao DAESH (Judiciary of England and Wales, 2016)26. Por outro lado, em fevereiro de 2015, vários membros do Sharia4Belgium, incluindo o seu líder27, foram condenados por um Tribunal de Antuérpia por crimes relacionados com terrorismo e por incitamento à violência contra não muçulmanos. Dos 45 arguidos, apenas sete estiveram presentes em tribunal porquanto a maioria se encontrava no DAESH (Brandon, 2015).
3.9. O legado: atos terroristas executados por antigos membros/simpatizantes do al-muhajiroun e suas organizações satélite
O ativismo do al-muhajiroun e suas organizações satélite tiveram uma profunda influência numa serie de indivíduos que se radicalizaram e depois vieram a cometer atos terroristas28, destacando-se os seguintes exemplos (pois a lista é bastante extensa), conforme se assinala na tabela 4.
No dia 22 de maio de 2013, em Woolwich (Inglaterra), dois homens atropelaram o soldado britânico Lee Rigby192 (trajado à civil) e seguidamente, usando facas e um machete, esfaquearam-no até à morte – e tentaram decapitá-lo. Um dos atacantes (Michael Adebolajo) aproximou-se de um transeunte e proferiu um discurso autojustificativo do crime que acabara de cometer. Após a chegada de elementos das Forças e Serviços de Segurança os dois indivíduos investiram contra eles e foram atingidos embora não mortalmente29 (Pantucci, 2014).
Quando confrontado com o atentado, o antigo líder do al-muhajiroun (Omar Bakri) não condenou o ato. Por seu lado, em entrevista ao programa Newsnight da BBC News, Anjem Choudary expressamente não condenou o atentado (BBC NEWS, 2013).
Abdul Waheed Mahmood, apesar de em 2007 ter sido condenado a elevada pena de prisão pelo atentado falhado em Kent (em 2004), todavia, aproveitando a liberdade condicional, deslocou-se para a Síria e aí executou um atentado terrorista suicida, tendo sido o primeiro britânico a morrer no conflito da Síria (Bryson, 2017).
Tabela n.º 4: Atentados realizados ou evitados por elementos pertencentes ao al-muhajiroun e sua rede.
Nome dos indivíduos | Atentado concretizado Número de baixas | Atentado falhado | Data |
Asif Hanif Omar Khan Sharif | Detonaram-se num café em Tel Aviv 3 mortos e 60 feridos | - | 30 de abril 2003 |
Omar Khyam Abdul Waheed Mahmood Antony Garcia Jawad Akbar Saladhuddin Amin | - | Tentativa de colocação de engenhos explosivos, usando bombas fertilizantes, no Bluewater Shoping, em Kent (Reino Unido) | 30 de março de 2004 |
Mohammed Chowdhury Shah Rahman Gurukanth Desai Abdul Miah Usman Khan | - | Pretendiam colocar engenhos explosivos na Bolsa de valores e outros lugares simbólicos da cidade de Londres | dezembro 2010 |
Michael Adebolajo | Morte do soldado Lee Rigby em Woolwich (Reino Unido) | - | 22 de maio de 2013 |
Abdul Waheed Mahmood | Embateu com um camião contra os portões de uma prisão em Alepo na Síria | - | 6 de fevereiro de 2014 |
Khalid Masood | Embateu com o seu carro nos portões do palácio de Westminster, tendo posteriormente esfaqueado (mortalmente) um polícia | - | 22 de março de 2017 |
Khuram Butt Rachid Redouane Youssef Zaghba | Usando facas, mataram 8 pessoas e feriram mais de 48 pessoas na Ponte de Londres | - | 3 de junho de 2017 |
Usman Khan | Foram mortas duas pessoas e feridas três, na Ponte de Londres | - | 29 de novembro de 2019 |
Fonte: Tabela elaborada com base em Lowles e Mulhall, (2013); Pantucci (2014 e 2015) e Kenney (2020).
Todavia, os ataques terroristas de antigos membros do al-muhajiroun e suas organizações satélite, continuaram a suceder, mesmo após a prisão de Anjem Choudary (em 2016), pois afinal a ordem do Califa Abu Bakr al-Baghadi era para ser cumprida, sendo certo que o DAESH reivindicou todos esses ataques (ITIC, 2019). Aliás, a título de exemplo, segundo o ITIC (2019, 6), Usman Khan tinha ligações a Anjem Choudary, que era seu «(..) estudante e amigo». Ademais, apesar de inicialmente ter sido condenado a uma pena de prisão tendencialmente indefinida, pela tentativa falhada de colocação de engenhos explosivos em Londres em 2010, em sede de recurso a sua pena foi substancialmente reduzida, e Usman Khan era até apontado como modelo de ressocialização.
Por tudo quanto foi exposto, quer Omar Bakri, quer Anjem Choudary, foram sempre fiéis à ideologia de an-Nabhani no que concerne à implementação do califado, tendo inclusivamente sustentado que aquele sistema político devia ser implementado no Reino Unido.
Por outro lado, com a liderança de Anjem Choudary, através da criação de organizações satélites (cerca de 10) e a sua atuação cada vez mais belicosa (sempre em crescendo), visando se distinguir do Hizb ut Tahrir (organização de origem), levou o al-muhajiroun a se radicalizar ainda mais.
Além disso, devido à ausência de uma estrutura hierárquica e permanente (ao contrário do Hizb ut Tahrir), especialmente nas organizações satélite do al-muhajiroun, o controlo sobre os seus membros começou a ser menos eficaz: a prova disso é a metodologia das «patrulhas muçulmanas» empreendidas pelo «The Sharia Project» que não foi aprovada por Anjem Choudary.
Apesar da extinção entre 2006 e 2014 das 10 organizações satélite do al-muhajiroun, e da condenação de três membros do «the sharia project» em 2013, sustentamos que é apenas com a declaração do Califado pelo DAESH que se poderá enquadrar definitivamente a passagem para a radicalização violenta do al-muhajiroun e suas organizações satélite. Afinal, a liderança (antiga e atual) e diversos membros do al-muhajiroun estavam em total consonância na obediência ao Califa Abu Bakr al-Baghdadi, tendo tal questão ficado provado no julgamento que condenou Anjem Choudary. Inclusivamente, os membros do al-muhajiroun e sua rede foram instrumentais em seguir as ordens do Califa: primeiro para o recrutamento para o DAESH e, num segundo momento, na execução de atentados terroristas no Ocidente.
Por conseguinte, em jeito de conclusão, analisando o percurso do al-muhajiroun e a sua rede, que passaram de extremistas não violentos para um grupo terrorista transnacional, as Forças e Serviços de Segurança, deverão levar em conta as seguintes lições:
Deficiente Avaliação dos Riscos:
– Ignorar a ideologia. Se a ideologia de an-Nabhani refere que, após a implementação do Califado e nomeação do Califa, aquele teria de ser obedecido (sendo legítimo o recurso à violência) o al-muhajiroun e suas organizações satélite (assim como o movimento Sharia4) limitaram-se a retirar consequências daquela ideologia. A estrutura fluida da organização; o perfil dos membros e o ativismo em crescendo, foram o combustível para acelerar a aceitação da ideologia.
– Falácia da «convenção da segurança». Na verdade, a opção das Forças e Serviços de Segurança do Reino Unido em deixarem que indivíduos disseminassem mensagens extremistas (incluindo o apoio a grupos terroristas jihadistas) apenas assente numa promessa que não cometeriam atentados no país onde residiam, foi uma opção com elevados custos em termos de segurança a médio e a longo prazo. Afinal, a disseminação de uma ideologia extremista, aliado à capacidade de influenciar jovens que gravitaram na orbita do al-muhajiroun e sua rede tiveram resultados trágicos e visíveis que levaram à prática de atos terroristas quer no Reino Unido, quer no DAESH.
Identificar a estratégia da multiplicação:
– A criação de 10 organizações satélite do al-muhajiroun. Ademais, tal estratégia visava dois objetivos: dar a ideia da existência de inúmeros seguidores e dificultar a investigação por parte das autoridades judiciais do Reino Unido;
– O franchising da marca Sharia4. Tal estratégia consistiu na criação de movimentos denominados Sharia4, primeiro na Bélgica (Sharia4Belgium) e depois na Holanda (Sharia4Holand), entre outros. Inclusivamente, o Sharia4Holand também criou organizações satélite (Behind Bars; Street Dawa);
– Os sítios da Internet. Efetivamente, apenas em 2011, havia 41 canais independentes de Youtube, mas todos estavam ligados ao al-muhajiroun.
A obediência ao Califa:
– Recrutamento e migração para o DAESH. Efetivamente, o al-muhajiroun e as suas organizações satélites, assim como o movimento Sharia4 (v.g. especialmente na Bélgica e na Holanda) foram instrumentais para o recrutamento para o DAESH e diversos membros foram para aquele território.
– Execução de atentados terroristas no Ocidente. Quando o Califa Abu Bakr al-Baghadi mandou os seus simpatizantes executarem atos terroristas no Ocidente, diversos membros do al-muhajiroun e sua rede executaram atentados terroristas no Reino Unido e na Europa.
Todo o capítulo ainda não está encerrado. Omar Bakri já foi libertado pelas autoridades libanesas em 23 de março de 2023. Por outro lado, Anjem Choudary já se encontra em liberdade (desde 19 de outubro de 2018) e apesar de vigiado pelas autoridades do Reino Unido, não abandonou as suas ideias extremistas e continua ativo. Inclusivamente, em 24 de julho de 2023, foi novamente deduzida acusação (ao abrigo do Terrorist Act 2000) contra Anjem Choudary, por alegadamente dirigir e pertencer ao grupo «The Islamic Thinkers Society»31. Trata-se de uma organização que opera nos EUA e que defende o estabelecimento do califado, e que as autoridades do Reino Unido sustentam que é mais uma organização satélite pertencente ao al-muhajiroun32 (The Crown Prossecution Service, 2023).
É certo que o DAESH perdeu o âmbito territorial (mas tem uma presença muito ativa na internet), e o Califa abu Bakr al-Baghadi já faleceu (26 de outubro de 2019), mas, entretanto, já surgiram outros Califas que continuam a incentivar os seus seguidores a executar atentados terroristas no mundo ocidental.
Apesar da ideologia do Califado de an-Nabhani, ter inspirado as lideranças do al-muhajroun e sua rede, o Hizb ut Tahrir no Reino Unido sempre defendeu a não violência, sendo certo que, em 2005 e 201133, as autoridades do Reino Unido já tinham ponderado a sua proibição. Todavia, em 19 de janeiro de 2024, ao abrigo do Terrorist Act 2000, o Hizb ut Tahir foi qualificado como um grupo terrorista e todas as suas atividades no Reino Unido foram proibidas (Home Office, 2024).
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1 Inclusivamente, em termos académicos, foi elaborado um modelo de análise de radicalização no extremismo islâmico, elaborado por Wictorowicz (2005), baseado em membros daquele grupo e que foi qualificado como «grupo não violento».
2 O presente artigo adota a designação islamista (ativista) para fazer a distinção com islamita (crente islâmico). Sobre estas duas designações, consultar Lopes (2010, 121).
3 Foi o primeiro «Think Tank» dedicado ao combate ao extremismo islâmico e foi fundado por antigos membros que pertenceram ao Hizb ut Tahrir no Reino Unido.
4 Documentos oficiais de organizações (v.g. Hizb ut Tahir); documentos oficiais governamentais; decisões dos Tribunais; entrevistas de membros do al-muhajiroun, assim como entrevistas de Omar Bakri e de Anjem Choudary.
5 A título meramente exemplificativo, os modelos de radicalização no extremismo islâmico de Silber e Bhat (2007) e de Sageman (2008).
6 O pensamento político de an-Nabhani foi bastante influenciado pela Irmandade Muçulmana, que entendia que o Ocidente utilizava dois sistemas antagónicos (capitalismo e socialismo) para controlar os crentes islâmicos (Baran, 2004, 16).
7 Sobre o pensamento estruturante do Hizb ut Tahrir consultar An-Nabhani (1952). Para consultar alguns dos artigos mais emblemáticos da constituição do Hizb ut Tahir consultar Gonçalves (2022, pp. 467-476). Ademais, diversos pensadores islamistas, como Hassan al-Banna, Sayid Qutb e Mawdudi, foram bastante vagos no que concerne ao modelo de Estado Islâmico que pretendiam que fosse implementado. Diferentemente, an-Nabhani foi bastante mais preciso no que diz respeito à sua proposta de Estado Islâmico, que incluiu uma proposta de Constituição (Husain, 2007, 90).
8 Comparando com outros grupos islamistas, o Hizb ut Tahrir é a única organização que pretende unificar a Umma (comunidade dos crentes) através da instauração do Califado, em oposição à mera união dos muçulmanos num único Estado-Nação. Esta última opção, para o Hizb ut Tahrir, é qualificada como uma maldição (Baran, 2004, 17).
9 O Hizb ut Tahrir considera como sua missão (divina) a libertação da Umma. Consequentemente, ao unificar todos os muçulmanos no Califado, o Hizb ut Tahrir faz jus ao seu nome: Partido da Libertação (Sinclair, 2010, 69).
10Para Ahmed e Stuart (2009, 13), o Hizb ut Tahrir é um partido revolucionário e tem os seguintes três objetivos: estabelecer um Estado Islâmico expansionista, o Califado, e implementar a constituição do partido baseado numa interpretação bastante restrita da Xária; em segundo lugar, unificar os muçulmanos a nível mundial, através da constituição de um bloco político: a Umma; em terceiro lugar, anexar todos os Estados no Califado.
11Importa sustentar que o Hizb ut Tahrir possui uma estrutura em pirâmide, presidida no topo pelo supremo líder ou amir, acompanhado de um comité centralizado (a cúpula reside na Jordânia). Por outro lado, abaixo da cúpula, existem as províncias, também dirigidas por um amir local e finalmente os ramos (totalizando 43). No fundo, tratasse de uma organização composta por uma estrutura rígida e centralizada (Enthoven, 2014, 13).
12Sobre o modus operandi dos membros do Hizb ut Tahrir no Reino Unido, aquando da liderança de Omar Bakri, eram usados métodos bastante agressivos e intimidatórios, através dos quais os seus membros pressionam as mulheres para usarem o hijab. A título de exemplo, deslocavam-se a eventos considerados não islâmicos, visando com a sua presença afastar os muçulmanos (Husain, 2007, 61).
13A título de exemplo, em diversas entrevistas a Ronson, de acordo com a sua interpretação da xária, Omar Bakri sustentava o apedrejamento de adúlteros e o fecho de pubs (Ronson, 2002, 61).
14Para uma análise sobre a convenção de segurança consultar Lowles e Mulhall (2013, 59).
15É importante sublinhar que, até aos atentados do 11 de setembro de 2001, mas especialmente após os atentados terroristas jihadistas de 7 de julho de 2005 em Londres, as Forças e Serviços de Segurança no Reino Unido, tinham o seu enfoque nos grupos dissidentes do IRA (v.g. REAL IRA), que continuaram ativos e representavam igualmente uma ameaça à segurança interna (Kenney, 2020).
16Em 10 de março de 2004 (dia anterior aos atentados terroristas de Madrid), em entrevista a Mahan Abedin, Omar Bakri, negou que queria criar um Estado Islâmico no Reino Unido. De resto, durante a entrevista demonstrou conhecer o âmbito de aplicação do Terrorist Act (2000), e o próprio entrevistador notou que, nos seus aposentos, Omar Bakri possuía uma vasta biblioteca de legislação do Reino Unido (Abedin, 2005).
17Apesar de estar impedido de regressar ao Reino Unido, Omar Bakri continuava a comunicar com membros do al-muhajiroun, sendo que alguns (incluindo Anjem Choudary) até o visitaram no Líbano (Whine, 2006).
18Segundo Raymond (2010), Omar Bakri tomou a decisão de autodissolver o al-muhajiroun no dia 13 de outubro de 2004, na tentativa de evitar a extinção. Todavia, logo no início de 2005, criou o Saved Sect. Posteriormente, todas as restantes organizações satélites do al-muhajiroun foram criadas por Anjem Choudary.
19Relativamente a entrevistas a membros do al-muhajiroun, consultar Kenney (2020).
20É certo que, Anjem Choudary era a «favor da convenção de segurança», sustentando que não devia ser utilizado a violência no Reino Unido. Contudo, era percetível o seu apoio ideológico ao terrorismo jihadista. Essa realidade era visível na Internet, especialmente nos canais do YouTube ligados ao al-muhajiroun, onde estavam publicados vídeos que glorificavam atos de violência no Afeganistão e no Iraque. Inclusive, constavam hiperligações a vídeos de Bin Laden, em que este apela aos crentes islâmicos para migrarem para o Iraque e para o Afeganistão – entre outros locais (Raymond, 2010, 13-14).
21Para visualizar fotos e vídeos das patrulhas muçulmanas consultar Robinson (2013), disponível na seguinte hiperligação: https://web.archive.org/web/20160403205322/http://www.dailymail.co.uk/news/article-2263905/Muslim-patrol-Hooded-vigilantes-walking-streets-London-telling-women-cover-taking-alcohol-hands-revellers-behave-Islamic-way.html
22De resto, dentro do Sharia4Belgium notava-se que havia uma profunda admiração por Anjem Choudary (Coolsaet, 2015, 21).
23Num desses vídeos, gravado em Bruxelas em 2011, o líder do grupo Sharia4Belgium, Fouad Belkacem, anuncia a sua visão para o futuro da Bélgica. O vídeo começa em frente ao palácio real belga, onde Belkacem dirige uma mensagem ao rei, ao governo e ao povo da Bélgica e, especificamente, aos «muçulmanos sociológicos» daquele país, afirmando que a bandeira negra que exibem será em breve «colocada no topo daquele edifício (o palácio) em substituição da bandeira dos Taghut, dos infiéis.» O vídeo prossegue com a difusão de mensagens assentes na libertação da idolatria, através da destruição de determinados símbolos, fazendo uma alusão à destruição dos símbolos da idolatria no Afeganistão por ordem do Mullah Omar na década de 90 do século XX. Finalmente, sustenta a mensagem que se deve viver num califado (presidido por um Califa), no qual não existe idolatria e apenas existe Alá, sendo Maomé o seu Profeta (Sharia4belgium, 2011).
24Aliás, adotou o nome de Califa Ibraim (Abrão). A escolha do nome é uma forma de legitimação e de afirmação do, demonstrando a inteligência da cúpula do DAESH. Na verdade, para o Islão, Maomé é o último de uma série de Profetas (a quem também foi feita a mesma revelação e que reconhece como tal) que recebeu a revelação diretamente do único e verdadeiro Deus através do Arcanjo Gabriel, sem padecer dos erros e distorções que foram efetuados nas Escrituras judaicas e cristãs. Ademais, apesar de o Islão ser a mais recente das religiões monoteístas (em relação às religiões judaica e cristã), porque se legitima e reconhece Abraão como Profeta, então considera-se como a mais antiga e verdadeira religião (Gonçalves, 2015, 16).
25O primeiro número desta publicação, designa-se «o Regresso do Califado» e procura consolidar o Estado Islâmico criado, assim como conferir legitimidade religiosa aos seus atos, além de apelar ao recrudescimento da população, através de recrutamento e de alianças tribais. Por seu lado, a subsequente 2.ª edição, denominada «o Dilúvio», assenta na seguinte premissa: «O Estado Islâmico ou o Dilúvio», desempenhando o Califado o papel de arca. Posteriormente, a 3.ª edição veio promover a Hégira (migração) o mais rapidamente possível para o DAESH, visando a consolidação do Califado e, para o efeito, construindo uma sólida justificação religiosa (Anderson e Sandberg, 2020).
26Conforme consta da sentença proferida em 6 de setembro de 2016, ficou provado que Anjem Choudary tinha prestado juramento ao DAESH em junho de 2014 (que foi publicado online), assim como sustentou em dois seminários (realizados entre agosto e setembro de 2014) que o Califa era legítimo; que todos os muçulmanos deviam obediência ao mesmo e que deviam atacar todos aqueles que não obedecessem ao Califa. (Judiciary of England and Wales, 2016, 2-4).
27Já estava a cumprir uma pena de 2 anos (Brandon, 2015).
28Em termos metodológicos, nesta tabela apenas assinalamos atentados ou tentativa de atentados de atos terroristas e que seriam qualificados como tal pelo Terrorist Act 2000. De resto, muitos outros membros do al-muhajiroun foram condenados por outro tipo de crimes (v.g. incentivo ao ódio), conforme assinalam Lowles e Mulhall (2013).
29Sobre este atentado terrorista, consultar Intelligence and Security Comittee of Parliament (2014).
30No Reino Unido, existem cinco níveis de alerta de terrorismo: baixo; moderado; substancial; grave e critico. À data da conclusão da elaboração do presente artigo (29 de abril de 2024), o nível de alerta permanece no substancial. Além disso, no Reino Unido, desde 2018, a maior ameaça do terrorismo doméstico, advém do terrorismo Jihadista, que representa: 67% dos ataques terroristas; 75% dos esforços de monitorização efetuada pelo MI5 e 64% dos detidos relativamente a crimes relacionados com o terrorismo (CONTEST, 2023, 9).
31Cujo sítio da internet consta da seguinte hiperligação: http://islamicthinkers.com/home/ A última comunicação, reportada a março de 2024, apenas refere que o grupo se autodissolveu. Ora, não é a primeira vez que tal dissolução ocorreu, porquanto o mesmo já ocorrera em 2010 (Lowles e Mulhall, 2013, 32).
32Essa ligação é bastante antiga. Aliás, antes de 2010, foram organizadas manifestações pela the Islamic Thinkers Society, no qual foram visíveis a ostentação de bandeiras de apoio ao al-muhajiroun (Lowles e Mulhall, 2013, 32).
33Sobre essas razões, e como a suposta ameaça de proscrição levou o Hizb ut Tahrir a «moderar» as suas posições, consultar Gonçalves (2022, 229-231 e 269). Efetivamente, ao passo que Omar Bakri e Anjem Choudary verberavam o sistema democrático, com a liderança de Abdul Wahid Shaida (é médico, com a especialidade de cirurgia geral) o Hizb ut Tahrir, dissimulava as suas verdadeiras intenções, ao sustentar que o seu sistema da califado era um regime democrático, similar ao regime presidencialista vigente nos EUA, e que era permitido o multipartidarismo, o que não corresponde à realidade dos factos. Afinal, com base na proposta de constituição redigida por an-Nabhani constata-se o seguinte: os indivíduos que professam outras confissões religiosas têm restrições na sua capacidade eleitoral (ativa e passiva), não podendo participar na eleição do Califa; apenas o homem islâmico considerado «puro» é que pode ser eleito Califa (artigo 31.º) e o titular daquele cargo exerce amplas competências, muito para além dos regimes presidencialistas, incluindo competências que incumbem (tradicionalmente) aos poderes legislativo e judicial (artigo 35.º). Ademais, apesar de ser permitido o multipartidarismo, apenas são admitidos os partidos que defendam a sua interpretação do Islão, atento o artigo 21.º (Gonçalves, 2022, 446-447).
Doutorado e Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais.