Nº 2676 - Janeiro de 2025
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Fatores determinantes da insegurança marítima no Golfo da Guiné: o caso da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada
Capitão-de-mar-e-guerra
António Gonçalves Alexandre

Introdução

Ao longo dos séculos o mar tem sido entendido como uma zona permanente de perigo e de insegurança, de fonte de ameaças específicas, de desordem e de disputas geopolíticas (Bueger & Edmunds, 2017), (Mack, 2011). Todavia, tem-se assumido, de igual modo, como domínio crucial para a obtenção de recursos, essenciais para a sustentabilidade da vida humana. Nesse sentido, Philip Steinberg (2001, pp. 8-9) evidenciou a importância do mar como fonte de recursos, referindo mesmo ser “difícil exagerar o papel dos oceanos na ascensão do sistema mundial moderno” e que “o mar continuava a ser um domínio crucial para os recursos que sustentavam a vida contemporânea”. E o facto é que as capturas de peixe têm vindo a crescer de forma muito significativa desde a segunda metade do século passado, assim como a extração de petróleo offshore. O turismo marítimo tem registado uma evolução acentuada em muitos Estados costeiros, desempenhando nas décadas mais recentes um papel fundamental no desenvolvimento económico (e social) de variadíssimos Estados. E até a biologia tem vindo a centrar-se cada vez mais no mar, encarando-o como um domínio a privilegiar nas pesquisas genéticas e farmacológicas (Steinberg, 2001).

Também Geoffrey Till (2009, p. 287) se referiu à importância do mar, afirmando que ao longo de milhares de anos “o mar tem sido uma fonte generosa de todos os tipos de recursos, vivos e não vivos, e um importante fator de desenvolvimento humano”. Afiançou, ainda, que as capturas da pesca comercial mundial mais do que quadruplicaram desde 1950. A maior parte das áreas de pesca em todo o mundo estão sob forte pressão e muitas comunidades piscatórias locais (sobretudo de Estados menos desenvolvidos) encontram-se ainda mais ameaçadas pelo advento de frotas de pesca longínqua provenientes de Estados desenvolvidos1, que se deslocam para aqueles hotspots de pesca por terem esgotado os seus próprios recursos (Till, 2009). Mas o mar tem sido igualmente percecionado como conector entre Estados que viabiliza vários fenómenos, entre os quais a globalização (Bueger & Edmunds, 2017). Till acentuou, outrossim, o valor do mar enquanto meio de transporte, afirmando que atento o facto de todos os países beneficiarem, em maior ou menor grau, do livre fluxo do comércio, a segurança e a prosperidade globais continuavam a ser absolutamente dependentes do transporte marítimo. Referiu, ainda, ser “provável que o comércio marítimo se expanda consideravelmente nos próximos 30 anos, podendo mesmo triplicar” (Till, 2009, p. 290).

O conceito-chave deste artigo é, pois, a dimensão marítima da segurança2. E são vários os elementos que concorrem para a materialização de um ambiente de insegurança marítima generalizada na região do Golfo da Guiné (GdG)3 ao longo do presente século4. De entre eles, destacam-se a falta de um edifício jurídico harmonizado e a existência de diversas lacunas jurisdicionais em muitos Estados da região, fronteiras marítimas porosas e corrupção alargada ao nível de funcionários de estruturas de segurança de vários Estados, falta de controlo e patrulhamento das águas de soberania e jurisdição da generalidade dos Estados costeiros, escassa cooperação regional e assistência internacional, deficiente capacidade de aplicação da lei no mar, situação socioeconómica frágil e volátil em terra, falta de recursos financeiros e limitada vontade política de grande parte dos Estados da região para investir na educação e formação dos seus marítimos (Côrte-Real, 2022, pp. 62-65).

No quadro de insegurança generalizada no GdG, a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada5 tem vindo a assumir preponderância acrescida na região, ao longo dos últimos anos, sendo mesmo, na atualidade, uma das principais ameaças à segurança daqueles vastos espaços marítimos.

O objeto de estudo deste artigo é então a pesca IUU no GdG. Definiu-se como objetivo geral o impacto da pesca IUU na insegurança marítima no GdG, sendo que a pergunta de partida que norteou a investigação produzida é a seguinte: de que forma pode a pesca IUU influenciar a segurança marítima no GdG?

Procura-se, assim, neste artigo, analisar o fenómeno da pesca IUU e perceber de que modo se constitui como uma ameaça relevante à segurança do GdG. Para isso, os capítulos seguintes caraterizam os conceitos de segurança marítima e segurança humana, a pesca IUU e a sua relação com a segurança humana6 (em particular das populações que utilizam o mar de forma lícita como meio de subsistência) e, por fim, de que forma a insegurança humana sentida pode influenciar a segurança marítima da região do GdG.

Em termos metodológicos, e em linha com o veiculado por Lúcio Santos e Joaquim Lima (2019), optou-se por seguir um quadro epistemológico interpretativista, um raciocínio do tipo indutivo e uma estratégia de investigação qualitativa. O desenho de pesquisa utilizado foi o estudo de caso. Como métodos preferenciais de coleta de dados, utilizou-se bibliografia diversa de relações internacionais, estudos de segurança e relatórios sobre a evolução do fenómeno da pesca IUU, bem como da pirataria e assalto armado no mar contra navios no continente africano. Relativamente à delimitação nas tradicionais dimensões tempo, espaço e conteúdo, o artigo centra-se, respetivamente, no século XXI, no GdG e no impacto da pesca IUU na segurança marítima daquela região.

O argumento estabelecido é que o fenómeno da pesca IUU é atualmente a maior ameaça à segurança humana das populações costeiras do GdG, o que recomenda a implementação de medidas concretas (e urgentes) para o combater, sob pena de muitos dos indivíduos que atualmente se dedicam à pesca legal poderem deixar de ter meios de subsistência adequados e enveredarem, a prazo, por atividades alternativas no quadro do crime organizado transnacional e com isso comprometer a segurança marítima de toda a região.

 

1. Segurança marítima e segurança humana

Neste capítulo caracterizam-se os conceitos enquadrantes desta investigação: segurança marítima e segurança humana.

 

1.1. Segurança marítima

Pode afirmar-se que a segurança marítima é um conceito relativamente recente, que foi adicionado ao edifício conceptual das relações internacionais no pós-Guerra Fria7. É, em todo o caso, um termo que chama a atenção para os novos desafios no domínio marítimo e para a forma como devem ser abordadas as questões que lhe estão associadas8.

Feldt, Roell e Thile (2013, p. 2) referiram-se à segurança marítima afirmando tratar-se de um “conceito nebuloso e complexo”, que envolvia entidades distintas de setores diferentes – internacional, público e privado – tendo em vista “preservar a liberdade de navegação, facilitar e defender o comércio marítimo e manter uma boa governança do mar”. Abordaram, de igual modo, os conceitos maritime security e maritime safety para desfazer equívocos amiúde existentes9. Referiram que a maritime security consistia na “combinação de medidas preventivas e respostas para proteção do domínio marítimo contra ameaças e atos ilegais intencionais”. Já a maritime safety dizia respeito à “combinação de medidas preventivas e respostas destinadas a proteger o domínio marítimo e limitar o efeito de perigo acidental ou natural, dano ao meio ambiente, riscos ou perda”. A distinção está relacionada, por conseguinte, com a existência de atos ilegais intencionais (ameaças), num caso, e de atos acidentais não intencionais (riscos), no outro. Fazem parte da maritime security para estes autores “paz e segurança nacional e internacional; soberania, integridade territorial e independência política; segurança das linhas de comunicação marítimas; proteção contra crimes praticados no mar; segurança dos recursos do mar [coluna de água] e fundo do mar; proteção ambiental; e segurança de marítimos e pescadores” (Feldt, Roell, & Thiele, 2013, p. 2).

Basil Germond (2015, p. 138) afirmou, por sua vez, que o termo maritime security raramente foi usado antes do final da Guerra Fria e, quando o foi, o enfoque esteve principalmente no controlo do mar em áreas marítimas específicas, no “contexto da confrontação entre superpotências”, e que apenas desde o final da década de 1990 foi utilizado para “descrever medidas preventivas criadas para responder a atividades ilegais no mar ou a partir do mar”. Neste artigo, o termo segurança marítima refere-se exclusivamente à vertente maritime security.

A segurança marítima lida com ameaças no domínio marítimo. Segundo Bueger (2015), alguns teóricos preferem interpretar a segurança marítima (de um determinado espaço) simplesmente como a ausência de ameaças (nesse mesmo espaço). Bueger (2015, p. 159) chama-lhe a “perspetiva negativa” (da segurança), em contraponto com a conceptualização oposta – a “perspetiva positiva” – que projeta um determinado estado final a atingir (para o qual será necessário implementar medidas concretas). Estão neste segundo lote teóricos – como Geoffrey Till (2009)10 ou Francois Vreÿ (2010)11 – que advogam um entendimento de segurança marítima como uma “boa” ou “estável” ordem no mar (2015, p. 159). A perspetiva positiva da segurança marítima – na qual as ameaças são consideradas e o foco deverá ser colocado no que pode (ou deve) ser feito para lhes fazer face – é a que foi seguida neste artigo. Uma dessas ameaças (que tem vindo a assumir preponderância acrescida ao longo do presente século) é a pesca IUU que será caracterizada no capítulo 2.

Mas Bueger apresentou, bem assim, a sua visão sobre a segurança marítima. Referiu que as discussões sobre aquele conceito apontavam, invariavelmente, para as ameaças que prevaleciam no domínio marítimo. Deste modo, em termos conceptuais optou por edificar uma matriz – a que chamou matriz de segurança marítima – na qual definiu quatro dimensões (ambiente marinho, desenvolvimento económico, segurança nacional e segurança humana) e quatro conceitos (segurança marinha, seapower12, economia azul e resiliência), bem como uma plêiade de riscos e ameaças, e concluiu afirmando que a segurança marítima podia ser interpretada através das relações passíveis de serem estabelecidas entre eles.

 

1.2. Segurança humana

O conceito de segurança humana foi igualmente acrescentado ao léxico das relações internacionais no pós-Guerra Fria. Até então, a segurança tinha sido interpretada de um modo muito restrito, e esteve sempre muito mais relacionada com os Estados do que com as pessoas. A segurança dizia respeito à segurança dos Estados, das suas fronteiras e dos seus interesses no exterior. E é o relatório sobre o desenvolvimento humano, de 1994, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, 1994), que está na origem da criação do termo segurança humana, ainda que tenha sido objeto de alguma contestação posterior13. O facto é que desde então multiplicaram-se as análises deste conceito por variadíssimos académicos, mas que remete, em todo o caso, para as necessidades básicas das pessoas, nos diferentes domínios – desde os direitos humanos, ao bem-estar e desenvolvimento socioeconómico das populações14.

Paul Heinbecker (1999, pp. 4-5), apresentou, alguns anos depois, uma definição muito ampla de segurança humana, afirmando o seguinte: “tem como referência os seres humanos e as suas comunidades (e não os Estados); utiliza a segurança e o bem-estar dos indivíduos e das suas comunidades como medida de segurança; reconhece que a segurança dos Estados é essencial, mas não suficiente, para garantir a segurança e o bem-estar dos indivíduos; considera as ameaças provenientes de fontes militares, mas também não militares (onde se incluem os crimes diversos); entende a segurança e o bem-estar dos indivíduos como parte integrante da paz e da segurança mundiais; é um complemento, e não um substituto, da segurança nacional; reconhece que a sociedade civil contribui diretamente para a segurança humana; e introduz novas técnicas e tecnologias no repertório dos instrumentos diplomáticos – por exemplo, alianças não tradicionais entre governos e organizações não governamentais”.

Mary Kaldor, Mary Martin e Sabine Selchow estão, outrossim, entre os teóricos que se dedicaram à análise daquele conceito. Entendem que se refere à segurança dos indivíduos e das comunidades, e que as ameaças à segurança humana ocorrem num largo espectro “desde o genocídio e a escravatura até às catástrofes naturais e às violações maciças do direito à alimentação, à saúde e à habitação”.

Roland Paris (2007, p. 208) afirmou, por seu lado, que “a segurança humana era o último de uma longa série de neologismos – onde se incluíam a segurança comum, a segurança global, a segurança cooperativa e a segurança abrangente – que encorajam os decisores políticos e os académicos a pensar na segurança internacional como algo mais do que a simples defesa militar dos interesses e do território do Estado”. Neste sentido, e embora as definições de segurança humana variassem, Paris considerou que a maioria das formulações enfatizava o bem-estar das pessoas comuns.

Também Astri Suhrke (2007, p. 127) apresentou a sua visão, afirmando que a “ideia de segurança humana” derivava dos valores que “durante a segunda metade do século XX, levaram a uma maior articulação de normas para garantir os direitos humanos, civilizar a condução da guerra e proteger os vulneráveis”. Afiançou, de igual modo, que a estrutura das relações internacionais no pós-Guerra Fria tinha criado mais espaço para a institucionalização daquelas ideias. Concluiu, sublinhando que agrupadas sob o rótulo de “humanitárias”, estas questões tornaram-se mais visíveis e adquiriram o estatuto de “alta política”, por várias razões. Talvez a mais relevante tenha estado relacionada com a transição do sistema internacional marcada pelo fim da Guerra Fria que trouxe apensos inúmeros conflitos locais. Essa mudança muito significativa tornou mais fácil o papel das Nações Unidas para intervir e fazer face às consequências humanitárias dos conflitos violentos que iam eclodindo15.

Sakiko Fukuda-Parr e Carol Messineo (2012, p. 3) consideram, por sua vez, que “a ideia central [da segurança humana] é a primazia da vida humana como objeto de referência”. Ao centrar-se no indivíduo, o objetivo é “conter todos os aspectos dos direitos humanos, incluindo a obrigação de satisfazer as necessidades básicas das populações e as exigências de liberdade política e social”(Fukuda-Parr & Messineo, 2012, p. 3).

 

2. A pesca ilegal, não declarada e não regulamentada

Neste capítulo caracteriza-se o conceito de pesca IUU, lato sensu, e de que forma se constitui como ameaça à segurança de todos os que se dedicam à pesca lícita no GdG.

 

2.1. Origem e caracterização do conceito

O relatório do secretário-geral das Nações Unidas de 10 de março de 2008, sobre os Oceanos e o Direito do Mar, apresentado na 63.ª sessão da assembleia-geral, referia que a definição do termo segurança marítima “variava em função do contexto e dos diferentes utilizadores” (UNSG, 2008, p. 15). Longe, portanto, de haver uma definição universal, existiam antes visões distintas. Uma delas, mais restrita, envolvia a proteção contra ameaças diretas à integridade territorial dos Estados e incluía a segurança contra crimes cometidos no mar, como a pirataria, o assalto armado contra navios e o terrorismo marítimo. Uma outra, mais alargada, incluía os danos intencionais e ilegais causados ao meio ambiente marinho, como o despejo ilegal de resíduos e a depredação de recursos naturais – em particular a pesca IUU – no leque de ameaças aos interesses dos Estados.

Importa, por conseguinte, começar por caracterizar a pesca IUU. Assim, a pesca ilegal refere-se a atividades realizadas por navios nacionais ou estrangeiros em águas sob jurisdição de um Estado – sem a autorização desse Estado ou em violação das suas leis e regulamentos. A pesca não declarada diz respeito a atividades que não são divulgadas ou que são deliberadamente mal comunicadas às autoridades competentes. A pesca não regulamentada refere-se a atividades exercidas em áreas onde não existem medidas de conservação ou de gestão aplicáveis (Bondarof, Werf, & Reitano, 2015).

Mas também a ligação da pesca IUU com outras atividades ilícitas deve ser objeto de análise, ainda que de forma necessariamente breve. Deste modo, é relevante referir o branqueamento de receitas provenientes de capturas ilicitamente obtidas e a subsequente fuga aos impostos como outros aspetos negativos que amiúde resultam da pesca IUU (com prejuízo claro dos Estados afetados por aquele fenómeno e das suas populações). Por outro lado, muitos navios e operadores envolvidos na pesca IUU estão também frequentemente ligados ao crime organizado transnacional – nomeadamente ao tráfico de seres humanos e trabalho forçado, bem como ao contrabando de armas e de drogas –, muito se devendo tais práticas ao facto de a pesca no alto mar (high seas) – que a figura 1 mostra – não ser usualmente observada e ter lugar fora das jurisdições nacionais, o que propicia grande espaço de manobra aos prevaricadores (Daniels, Kohonen, Gutman, & Thiam, 2022). A figura 1 elenca os espaços marítimos mais relevantes para o objeto de estudo definido nesta investigação e os direitos existentes em cada um deles e identifica, adicionalmente, os espaços onde ocorre a pirataria e o assalto armado no mar contra navios.

Figura 1 – Espaços marítimos e direitos dos Estados.

Fonte: Adaptado de United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS) (1982)

 

A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores a uma zona adjacente designada por mar territorial (territorial sea). Na zona económica exclusiva (exclusive economic zone) – EEZ –, o Estado costeiro tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais (vivos ou não vivos) das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo. Já o alto mar é um espaço aberto a todos os Estados, quer costeiros quer sem litoral (UNCLOS, 1982). É neste espaço (alto mar) que existem inúmeras organizações regionais de gestão das pescas16, que se destinam a regular a atividade da pesca. São constituídas por países (ou associações de países) com interesses comuns. Os países não costeiros, que operam com frotas longínquas, podem também ser partes contratantes dessas organizações regionais. As RFMO podem ser divididas entre as que regulam as espécies migratórias e as que regulam espécies pelágicas e/ou demersais (DGRM, 2018). O quadro 1 elenca as principais atividades de navios envolvidos na pesca IUU, tanto em zonas económicas exclusivas como em áreas de RFMO.

 

Quadro 1 – Tipos mais comuns de pesca IUU, em EEZ e nas áreas de RFMO.

Fonte: Adaptado de (US National Intelligence Council, 2016)

 

E o facto é que a pesca IUU tem vindo a assumir, sobretudo ao longo do corrente século, um impacto significativo na segurança das regiões onde ocorre. Entre os principais fatores que fomentam esta ideia, apontam-se os seguintes: compromete a gestão regular dos recursos vivos em tais espaços; prejudica as iniciativas emergentes da economia azul17, custando aos Estados costeiros milhares de milhões em receitas perdidas; causa danos à segurança alimentar das pessoas que estão muito dependentes da proteína que o peixe disponibiliza; e corrói a confiança das comunidades ribeirinhas na aplicação da lei, criando um sentimento de desrespeito e negligência.

 

2.2. Impacto da pesca IUU na segurança dos populações do GdG

Quase metade dos navios alegadamente envolvidos na pesca IUU entre 2010 e 2022 foram detetados em espaços marítimos africanos, conforme mostra a figura 2.

Figura 2 – Localização das infrações de pesca IUU.

Fonte: Adaptado de (Daniels, Kohonen, Gutman, & Thiam, 2022)

 

Por outro lado, o sector das pescas é fonte de emprego direto e indireto para mais de nove milhões de pessoas nos espaços marítimos de África, sendo que neste continente a região mais afetada é, de forma clara, a sua costa ocidental (e em particular o GdG), onde ocorreu, naquele período de tempo (2010 a 2022), cerca de 40% da pesca IUU a nível global (Merem, et al., 2019). O relatório Fishy networks: Uncovering the companies and individuals behind illegal fishing globally, de 2022, (Daniels, Kohonen, Gutman, & Thiam, 2022, p. 6), baseado na análise exaustiva de casos IUU até à data em que foi publicado (i.e. 2022), refere que 48,9% de todos os navios envolvidos em ações de pesca IUU, para os quais existiam dados sobre a ocorrência de infrações, foram detetados em espaços marítimos de África, levando a perdas económicas (devido a fluxos financeiros ilícitos) de até 11,49 biliões de dólares. A sub-região mais afetada foi a Costa Ocidental de África (sobretudo o GdG), com uma perda de até 9,4 biliões de dólares.

Mas há fatores que potenciam a participação de navios em atividades de pesca IUU no GdG, designadamente: a falta de capacidade da generalidade dos países da região para exercerem o controlo efetivo sobre as suas águas18; mudanças frequentes de pavilhão e de nomes dos navios de pesca envolvidos em atividades ilegais; evasão às sanções devido a corrupção e/ou controlo ineficaz das autoridades dos Estados costeiros da região; e utilização de práticas eticamente questionáveis por parte de muitos operadores de pesca (Merem, et al., 2019).

Nos últimos anos tem existido vontade de reforçar a governação das pescas e combater as práticas ilícitas, atribuindo maior ênfase à melhoria do controlo e da comunicação das capturas através da implementação de medidas pelo Estado do porto, incluindo a exigência de que as embarcações disponham de sistemas de identificação automática (AIS19) operacionais e estejam devidamente registadas na IMO20. No entanto, o regime atual continua a ser inadequado para o objetivo de promover uma gestão sustentável das pescas. As regras e mecanismos de execução atualmente em vigor são amiúde contornados com uma impunidade quase total. A utilização generalizada de navios não registados, o não cumprimento das responsabilidades que incumbem ao Estado do porto, o comportamento errático de muitos Estados de bandeira das embarcações de pesca (que simplesmente ignoram as suas obrigações) e a ausência quase integral de sanções efetivas para penalizar as más práticas21 contribuem para esta situação (Daniels, et al., 2016).

A falta de capacidade adequada de vigilância dos espaços marítimos pela maioria dos Estados do GdG assume grande importância e recomenda a criação de medidas concretas (com o apoio de Estados e de organizações extrarregionais, como a UE) para combater este fenómeno. Nestas circunstâncias, a implementação de uma boa ordem no mar (recuperando a ideia original de Till, de 2009, referida na introdução deste artigo) no que ao GdG diz respeito, parece ser crucial, uma vez que é provavelmente o único modelo que poderá permitir a definição de uma estratégia de gestão sustentável das pescas na região, congregando atores locais, regionais e extrarregionais.

Pode afirmar-se, em síntese, que a pesca IUU no GdG acarreta custos sociais, económicos e ambientais muito significativos e que a generalidade dos Estados da região não tem, per se, capacidade para combater aquele fenómeno de forma eficaz.

 

3. A influência da (in)segurança humana na (in)segurança marítima no Golfo da Guiné

Este capítulo analisa o modo como a insegurança humana das populações do GdG pode influenciar a segurança marítima da região.

 

3.1. A (in)segurança alimentar das populações ribeirinhas do GdG

No GdG – onde estão (ainda) localizadas algumas das zonas de pesca mais ricas do mundo – o peixe desempenha um papel vital na segurança alimentar das comunidades costeiras da região22 (Skrdlik, 2022). O relatório do secretário-geral das Nações Unidas de 10 de março de 2008, aludido no capítulo 2, afirma que “a insegurança alimentar foi identificada como uma das principais ameaças à paz e à segurança internacionais […]. No contexto do sector das pescas, a sobre-exploração dos recursos haliêuticos continua a ser um dos principais desafios à pesca sustentável, contribuindo assim para a insegurança alimentar em todo o mundo” (UNSG, 2008, p. 29). Sublinharam, a este propósito, Ifesinachi Okafor-Yarwood e Dyhia Belhabib (2019, p. 1) que “o peixe contribui para a segurança alimentar de mais de 3 mil milhões de pessoas a nível mundial e mais de 200 milhões de pessoas no continente africano – muitas das quais oriundas da África Ocidental e Central, no Golfo da Guiné”. O sector das pescas é, de igual modo, “a fonte de emprego direto e indireto para cerca de nove milhões de pessoas em toda a África Ocidental”. Todavia, a capacidade do sector das pescas para contribuir para a subsistência e o desenvolvimento das economias nacionais dos Estados do GdG é comprometida por práticas ilícitas e insustentáveis, como a pesca IUU – incluindo a sobrepesca –, especialmente por embarcações estrangeiras de grande porte23 (Okafor-Yarwood & Belhabib, 2019, p. 1).

As práticas abusivas mencionadas põem em causa a pesca lícita de pequena escala – usualmente praticada na costa (ou perto de costa) em pequenas embarcações muito rudimentares, sem qualquer tipo de tecnologia – mas que, ainda assim, contribui, de forma expressiva, para a subsistência de quem a pratica e para a segurança alimentar de muitas comunidades costeiras (Belhabib, et al., 2019). Essas zonas de pesca para pequenas embarcações, em África, são frequentemente definidas explicitamente na legislação dos Estados costeiros, nas quais a pesca industrial é muito limitada (ou mesmo totalmente proibida). Um estudo levado a cabo por Belhabib, Cheung, Kroodsma, Lam, Underwood e Virdin (2019, p. 380), revela que dos 33 Estados africanos analisados24, 30 designaram áreas para a pesca costeira, embora todos eles tenham estabelecido limitações da capacidade de pesca industrial naquelas águas, porém não acatadas por inúmeros armadores. As capturas resultantes da pesca industrial em África são, na sua maioria, detidas e operadas por empresas internacionais – em alguns casos em parcerias com empresas de Estados da região – e o peixe é normalmente comercializado nos mercados internacionais, contribuindo (mais ainda) para a escassez de peixe nos mercados da região e com isso incrementando a dificuldade para as populações locais acederem à proteína animal de que necessitam para a sua alimentação (Belhabib, et al., 2019).

As frotas de pesca distante25 no GdG – muito dominadas pela China – estão a deixar a pesca semi-industrial e artesanal em muitos países da África Ocidental e Central à beira do colapso. Além disso, os pescadores artesanais locais (com riscos físicos evidentes tanto para eles próprios como para as suas frágeis embarcações) entram frequentemente em conflito com as tripulações de navios dessas frotas estrangeiras e acusam-nas de os conduzirem à ruína, deixando-os fora do negócio da pesca e sem qualquer fonte de rendimento. Acresce, ainda, o facto de as frotas DWF recorrerem cada vez mais a outras práticas criminosas, como a corrupção de funcionários públicos, a fraude e a evasão fiscais, o branqueamento de capitais e a lavagem de dinheiro, entre outras, uma vez que optam por assumir maiores riscos (ainda que de forma controlada, pois antecipam que dificilmente serão impedidos daquelas práticas abusivas pelas estruturas responsáveis pelo exercício da autoridade do Estado no mar), e tiram adicionalmente partido da tecnologia muito superior existente nos seus navios para explorar as zonas de pesca no GdG (Ebo’o, 2022).

Em síntese, a pesca IUU Costa Ocidental de África – maioritariamente praticada por navios de pesca industrial que arvoram bandeiras da China, de outros Estados asiáticos e de Estados da União Europeia – tende a pôr em risco a subsistência de todos os que pescam de forma legal naquela região, colocando em causa a sua sustentabilidade económica, e comprometendo a segurança alimentar das populações costeiras que necessitam de incluir o peixe na sua cadeia alimentar.

 

3.2. Segurança humana versus segurança marítima

Em linha com o relatório secretário-geral das Nações Unidas de 10 de março de 2008, antes referido, a comunidade internacional compreendeu que existem novas ameaças26, que estas estão em franca evolução e que exigem uma outra visão da segurança coletiva27 no século XXI. Tais ameaças não reconhecem as fronteiras nacionais, estão interligadas e devem, por conseguinte, ser abordadas de forma transversal. Por outro lado, os desafios impostos por aquelas ameaças transnacionais vieram realçar de modo significativo a importância da cooperação internacional para garantir a segurança marítima e a necessidade de uma resposta coordenada. A natureza daquelas ameaças exige, portanto, uma abordagem mais integrada para as enfrentar a todos os níveis (UNSG, 2008). A ameaça da pesca IUU no GdG, em concreto, não tem sido devidamente combatida pelos Estados costeiros da região por manifesta falta de capacidade – a que amiúde se junta falta de vontade (política) – necessitando, muito provavelmente, de um maior envolvimento de atores extrarregionais – como é o caso da UE.

Ficou percetível do capítulo anterior o potencial impacto que a pesca IUU pode vir a ter em termos de falta de meios de subsistência de vários milhares de pescadores (sobretudos dedicados à pesca artesanal) no GdG, comprometendo a sua segurança (humana). E se esta situação extrema não vier a ser invertida a médio prazo, é bastante provável que confrontados com a inexistência de rendimentos, muitos deles optem por atividades alternativas no quadro do crime organizado transnacional. A pirataria e o assalto armado no mar contra navios poderão, nessas circunstâncias, assumir-se como saídas possíveis. E se tal vier a suceder, a segurança (marítima) do GdG será de novo fortemente afetada, porventura guindando-o à posição de mais relevante hotspot global daqueles crimes – que, aliás, já foi entre 2018 e 2020 (figura 3) –, o que representaria um verdadeiro retrocesso na implementação de uma boa ordem no mar naquela região.

Figura 3 – Incidentes de pirataria e assalto armado no mar no GdG no século XXI.

Fonte: Adaptado de International Maritime Bureau (IMB) (2006), (2010), (2015), (2021), (2024)

 

Por outro lado, a pesca IUU no GdG pode comprometer, a médio prazo, a captura de peixe – sobretudo de espécies pelágicas – e, dessa forma, colocar em causa o regular abastecimento às populações ribeirinhas dos diversos Estados da região, com isso afetando decisivamente a sua segurança alimentar, uma vez que é mesmo a única proteína animal disponível para milhões de indivíduos que ali vivem (Okafor-Yarwood & Belhabib, 2019). Nestas circunstâncias, é a própria segurança (humana) das populações que ficará seriamente comprometida, o que poderá implicar danos colaterais significativos, por exemplo, ter um efeito acelerador no aumento descontrolado da emigração ilegal para a Europa – em particular através das Ilhas Canárias28 (Alexandre, 2024). Neste contexto, a segurança (marítima) daqueles espaços do Atlântico (no corredor GdG – Ilhas Canárias) poderá vir a ser (ainda mais) severamente afetada.

Do que antecede, pode afirmar-se que se a segurança humana das comunidades costeiras do GdG for colocada em risco por falta de recursos haliêuticos (simultaneamente fonte de rendimento e fonte de proteína para muitos milhões de pessoas), a segurança marítima de toda a região do GdG pode vir a ser severamente afetada.

 

4. Conclusões

Os conceitos segurança humana e segurança marítima são ambos relativamente recentes, tendo surgido no edifício concetual das relações internacionais com a abertura da agenda da segurança no período pós-Guerra Fria. Cada um deles enfrenta diversas ameaças na atualidade, sendo uma das mais prementes a pesca IUU.

O GdG é, em termos globais, uma das regiões mais afetadas pelo fenómeno da pesca IUU, nas suas múltiplas componentes – desde a segurança de todos os que exercem atividades de pesca legal no mar até à vulnerabilidade das populações costeiras que se dedicam à venda e à indústria de transformação do pescado, passando pela segurança alimentar das comunidades ribeirinhas para quem o peixe é fundamental na sua cadeia alimentar.

O clima de (quase) total impunidade de todos os agentes (operadores e tripulantes de navios de pesca, sobretudo industrial) que se dedicam à pesca IUU no GdG – por inexistência de capacidade que permita um eficaz exercício da autoridade dos Estados costeiros no mar naquela região e por elevada corrupção de muitos agentes das burocracias de segurança existentes – leva a que os prevaricadores atuem livremente, delapidando a seu bel prazer os recursos que aí existem, e que conduzirão, a prazo, à escassez generalizada de muitas espécies (podendo mesmo levar à extinção de algumas delas, sobretudo as pelágicas, no curto/médio prazo).

O GdG, não obstante ter visto diminuir o número total de incidentes de pirataria e assalto armado no mar contra navios nos anos pós pandemia (2021 e 2022), continua a ser um relevante hotspot global, tendo-se mantido, ainda assim, como a mais perigosa região para os tripulantes de navios civis (já que foi, de longe, o hotspot com mais incidentes registados relacionados com o rapto de tripulantes em todo o mundo naqueles anos). Em 2023, registou-se uma inversão da tendência de decréscimo relativamente aos dois anos anteriores, o que indicia que o fenómeno está longe de estar controlado.

Se o fenómeno da pesca IUU no GdG não for travado a curto/médio prazo, é seguro que os recursos haliêuticos disponíveis para os pescadores daquela região (em particular os que se dedicam à pesca artesanal) serão muito escassos (sendo que algumas espécies poderão mesmo desaparecer), daí resultando poucos (ou mesmo nenhuns) meios de subsistência. Nessas circunstâncias (à semelhança, aliás, do que sucedeu nos primeiros anos deste século na região do Corno de África, em que vários indivíduos que outrora se dedicavam à pesca passaram a dedicar-se à pirataria), é provável que muitos dos atuais pescadores do GdG optem por atividades alternativas ligadas ao crime organizado transnacional. Se assim for, a pirataria e o assalto armado no mar contra navios no GdG podem vir ser francamente afetados, com isso comprometendo a segurança marítima de toda a região. Face às insuficientes capacidades instaladas no GdG, a implementação de uma boa ordem no mar (com o envolvimento dos diferentes atores regionais e com o apoio de stakeholders internacionais) parece ser um modelo possível (porventura único) que permitirá a definição de uma estratégia de gestão sustentável da pesca em todo o GdG, combatendo a pesca IUU e, com isso, evitando um retrocesso acentuado na segurança marítima da região.

Considera-se, assim, provado o argumento aduzido na introdução do artigo, uma vez que ficou claro que a pesca IUU é atualmente a maior ameaça à segurança humana das populações costeiras do GdG (desde os que procedem à captura do peixe, até aos que se dedicam à sua transformação e venda, passando por todos os que necessitam da sua proteína) e que só a implementação (urgente) de uma boa ordem no mar poderá evitar que muitos dos que atualmente se dedicam à pesca legal possam (por falta de meios de subsistência) enveredar por atividades alternativas ligadas ao crime organizado transnacional e com isso comprometer a segurança marítima de toda a região.

 

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1 De acordo com o relatório Fishy networks: uncovering the companies and individuals behind illegal fishing globally (Daniels, Kohonen, Gutman, & Thiam, 2022, p. 18), foram identificados 972 navios de pesca comercial industrial envolvidos na pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, entre janeiro de 2010 e maio de 2022. Destes, mais de um terço tinham pavilhão chinês, sendo que muitas outras embarcações utilizavam pavilhões de conveniência (em particular, do Gana). Coreia do Sul, Itália, Taiwan e Indonésia estavam entre os Estados com maior número de navios de pesca detetados em atividades ilegais de pesca, logo depois da China. Em termos de regiões, 54,7% dos navios envolvidos em ações de pesca ilícita (no período considerado) arvoravam pavilhão de Estados asiáticos, principalmente da China e da Coreia do Sul, enquanto 16,1% arvoravam pavilhão de Estados da América Latina, 13,5% de Estados de África e 12,8% de Estados da Europa (Daniels, Kohonen, Gutman, & Thiam, 2022, p. 20).

2 O conceito de segurança marítima será desenvolvido no capítulo 1.

3 Considerando não existir uma definição consensual internacional acerca da extensão geográfica do GdG, optou-se por seguir neste artigo a definição adotada pela União Europeia: o GdG inclui os Estados continentais costeiros desde o Senegal, a Norte, até Angola, a Sul, e os dois Estados insulares de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe (Council of the European Union, 2014).

4 Em linha com o veiculado por Adam Mohammed (2023, p. 62), na última década a região do GdG tornou-se um ponto fulcral das preocupações internacionais em matéria de segurança marítima, atento o facto de ter-se assumido como relevante hotspot global da pirataria e do assalto armado no mar contra navios, entre muitos outros desafios complexos no domínio marítimo – onde se incluem tráficos ilícitos diversos, o roubo de petróleo, a poluição e a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada.

5 No presente artigo adota-se o acrónimo em língua inglesa IUU, que significa Illegal, Unreported and Unregulated.

6 A segurança humana é um conceito relevante neste estudo e será abordado no capítulo 1.

7 Durante a Guerra Fria, a segurança marítima era sobretudo empregue em referência a considerações geopolíticas, como “reivindicações de soberania sobre territórios marítimos, o estatuto das águas costeiras e o controlo de [determinadas] zonas marítimas” (Germond, 2015, p. 138).

8 Christian Bueger e Timothy Edmunds (2017, p. 1293), por exemplo, consideram que a segurança marítima é “uma das mais recentes adições ao vocabulário da segurança internacional”, já que embora tivesse sido cunhada nos anos noventa do século passado só ganhou verdadeira autonomia e relevância no presente século com a intensificação do receio provocado pelo terrorismo marítimo e com o recrudescimento da pirataria somali.

9 Expressões que têm a mesma tradução para a língua portuguesa: segurança marítima.

10Referiu Till que alguns dos atributos do mar – relacionados com os seus recursos, a sua utilidade como meio de transporte e a importância como conector e meio de troca de informação – são agora tão importantes como sempre foram ao longo dos séculos, mas que “cada um deles enfrenta uma série de riscos e ameaças que podem colocar em causa a boa ordem da qual depende a sua contribuição contínua para o desenvolvimento humano” (Till, 2009, p. 286).

11Considera Vreÿ que o incremente de uma “má ordem no mar” afeta os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento, uma vez que todos eles dependem da segurança das rotas marítimas para o transporte de bens e serviços vitais. Igualmente relevante é, para Vreÿ, a obtenção de alimentos dos oceanos, os benefícios económicos resultantes do livre e ininterrupto fluxo do tráfego marítimo e a necessidade de acesso seguro e contínuo aos recursos marinhos num ambiente estável (Vreÿ, 2010, p. 121).

12Entendido como poder militar no mar.

13As principais críticas apontadas por alguns teóricos (entre os quais Roland Paris e Yuen Khong) prenderam-se com o facto de o conceito ser, segundo eles, demasiado abrangente, existir alguma ambiguidade conceptual e faltar uma definição precisa, o que implicava, no seu entender, suscitar falsas expectativas para os mais desfavorecidos (Okafor-Yarwood, 2020, p. 119).

14Em última análise, afirmou Yuen Khong (2001, p. 232) que “é a segurança e o bem-estar dos indivíduos que deve constituir o objeto da nossa preocupação”. É, pois, natural, no seu entender, estender a noção de segurança, de forma a ter presente que os seres humanos devem ser o objeto de referência da segurança.

15O crescente papel humanitário das Nações Unidas foi reforçado em 1992, com a criação de um Departamento de Assuntos Humanitários no Secretariado. A unidade foi reorganizada, mais tarde, em 1997, passando a existir como Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários (Suhrke, 2007, p. 127).

16Conhecidas pelo acrónimo em língua inglesa RFMO (Regional Fisheries Management Organisations).

17Ainda que as origens do conceito economia azul remontem a 1994, foi na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro, em 2012, (Smith-Godfrey, 2016) que foi defendida a ideia de que a economia azul era uma iniciativa global que se destinava a procurar melhorar o bem-estar humano e a equidade social, promovendo, em simultâneo, a redução significativa dos riscos ambientais e da escassez ecológica (United Nations Conference on Sustainable Development, 2012).

18A Nigéria é, porventura, o único Estado do GdG com capacidade para combater as ameaças existentes no domínio marítimo, nas suas águas de soberania e jurisdição. De acordo com a publicação CIA World Factbook (CIA, 2024), as forças armadas nigerianas implementaram um programa de modernização considerável. Nos últimos anos receberam equipamento diverso, sendo a China e a Rússia os seus principais fornecedores. Mas a Nigéria está também a desenvolver uma capacidade industrial de defesa própria, que inclui armas ligeiras, veículos blindados e produção naval em pequena escala.

19Acrónimo que significa Automatic Identification System.

20Acrónimo que significa International Maritime Organization. Criada em 1948, é a agência especializada das Nações Unidas dedicada exclusivamente às questões marítimas (IMO, 2024).

21De acordo com algumas fontes, vários Estados da Costa Ocidental de África (entre os quais o Senegal) admitiram abertamente que as coimas aplicadas não estavam a conseguir dissuadir os navios infratores de continuarem a praticar a pesca IUU (Daniels, et al., 2016).

22A título de exemplo, em países como a Gâmbia, a Serra Leoa e o Gana, o peixe fornece mais de 60% da proteína animal necessária para um crescimento saudável da população, e em comunidades costeiras remotas a quase totalidade da proteína animal provém do peixe (Daniels, et al., 2016, p. 11).

23Além de muitas unidades populacionais de peixes no GdG já se encontrarem sobreexploradas por ação de embarcações de pesca industrial, as frotas artesanais dos Estados africanos são adicionalmente prejudicadas pelo facto das suas ações, no mar, serem muito limitadas no tempo e no espaço, comparativamente com as primeiras (Okafor-Yarwood & Belhabib, 2019).

24Onde se incluem todos os Estados do GdG.

25Frotas de pesca conhecidas pelo acrónimo em língua inglesa DWF (Distant-Water Fishing).

26Essas ameaças vão muito além do simples uso da força e incluem “a pobreza, as doenças infeciosas e a degradação do ambiente, os conflitos internos a disseminação e possível utilização de armas biológicas, químicas ou nucleares, o terrorismo e o crime organizado transnacional” (UNSG, 2008, p. 16)

27Este conceito baseia-se, em termos gerais, na afirmação de que “o equilíbrio regulado e institucionalizado, tendo como foco a noção de todos contra um, proporciona mais estabilidade do que o equilíbrio não regulado e de autoajuda, centrado na noção de cada um por si”. Ainda no âmbito da segurança coletiva, “os Estados concordam em cumprir determinadas normas e regras para manter a estabilidade e, quando necessário, unem-se para impedir uma agressão” (Kupchan & Kupchan, 1995, pp. 52-53).

28Relativamente à atual situação migratória na Europa, existem cinco rotas principais. Uma delas é a rota da África Ocidental, que liga os países e regiões da África Ocidental – entre as quais o GdG – às Ilhas Canárias, “onde se registaram 27730 passagens ilegais das fronteiras apenas durante o período de janeiro a outubro de 2023” (Alexandre, 2024, pp. 79-80).

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REVISTA MILITAR @ 2025
by COM Armando Dias Correia