A eleição e correspondente tomada de posse do novo Presidente dos EUA, Donald Trump, tendo em conta a sua ação governativa e as “executive orders” que tem assinado, dirigidas a múltiplas áreas no âmbito da política interna, mas também no domínio das suas relações externas, a par de declarações relativas quer a aliados, quer a organizações internacionais, têm lançado a dúvida quanto à validade e permanência das práticas, valores, princípios e regras que configuravam um quadro político, estratégico e militar do relacionamento internacional entre atores, que nos habituámos a designar por Ordem Internacional vigente.
Esta situação dos EUA veio juntar-se aos atropelos ao Direito Internacional, ao Direito Internacional Humanitário e à Carta das Nações Unidas, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, e dos acontecimentos de 7 de outubro de 2023 pelo Hamas, em Israel, com tomada de reféns e os seguintes bombardeamentos israelitas e a ação militar terrestre em Gaza e na Cisjordânia. Igualmente, temos assistido ao bloqueio da ação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, fruto da utilização, à vez e de forma sucessiva, do direito de veto por cada um dos cinco membros permanentes. Também o Tribunal Penal Internacional tem sido incapaz de fazer cumprir os Mandatos que emitiu, fruto do desrespeito dos países que o poderiam fazer, incluindo aqueles que declaram não os cumprir, mesmo aceitando a sua jurisdição. Com um misto de surpresa e desconforto, somos levados a recordar as palavras do Professor Adriano Moreira quando, confrontados com “anomalias” de carácter político e estratégico, igualmente num ambiente de incerteza, referia que “a Ordem Internacional que conhecíamos, já não existe e que a Nova Ordem, ainda não se configurou”. A realidade da Conjuntura Estratégica atual coloca-nos perante a mesma interrogação.
Contudo, existem duas perceções que são claras na atual Conjuntura. Por um lado, identificamos quatro grandes áreas de instabilidade internacional, com potencial para afetar a estabilidade e a Paz internacional: a guerra Rússia/Ucrânia; a guerra na margem Sul do Mediterrâneo, envolvendo Israel, o Líbano, o Irão, o Iraque, a Síria, o Yémen, mas também a Turquia com o seu diferendo Curdo, sem esquecer a situação em Gaza e na Cisjordânia e o futuro dos Palestinianos; a potencial instabilidade na região Indo-Pacífico, a afirmação global da China, as reivindicações territoriais nos mares do Sul da China e a questão de Taiwan; a permanente tensão na Península Coreana com a presença do fator nuclear.
Por último, uma quinta área, não menos preocupante, decorrente da banalização do discurso sobre a posse e eventual emprego operacional de Armas Nucleares, o arrastar da Renegociação do Tratado NEW START, que visa a redução destas armas e dos seus lançadores o que, a par do discurso irresponsável referido, pode levar à corrida a estes armamentos, ao possível aumento de atores nucleares, em que as primeiras “vítimas” serão o Tratado de Não Proliferação Nuclear e a Segurança Internacional.
A segunda perceção tem a ver com o desaparecimento de “um mundo unipolar e de uma única Potência, reconhecida, ou que por vontade própria não queira ser vista como determinante” no contexto internacional. Estamos a configurar um mundo multipolar e a antever, de forma algo perversa, a definição e consequente aceitação de esferas de influência, onde se assumem Polos de Poder com capacidade para afirmar estratégias nacionais autónomas, alicerçadas no seu poder económico, militar, incluindo o fator nuclear, na extensão territorial, na dimensão da população, na posse de recursos estratégicos críticos, na tecnologia e na inovação, na exploração espacial e também, na atração ideológica.
Desta realidade, temos vindo a assistir a arranjos geopolíticos a nível global, que serão determinantes na definição de um novo relacionamento, que venha a configurar uma Nova Ordem. Por um lado, os EUA, apoiados por um Ocidente Alargado onde estão ainda naturalmente incluídos, o G 7, a OTAN, a Europa e a UE (importa aqui ponderar se é do interesse europeu um mau relacionamento com os EUA); por outro, a Rússia, a China e a Índia, que mobilizam o Sul Global, embora no Médio Oriente exista uma divisão quanto ao posicionamento político e estratégico de Israel, que alinha pelo Ocidente Alargado e, também, de alguns países árabes, designadamente o Egito, a Jordânia e a Arábia Saudita, que têm ligações importantes com o Ocidente.
Os três países mencionados integram e lideram duas organizações importantes, a Organização de Cooperação de Xangai e os BRICS. Todos contestam a liderança internacional dos EUA e a Ordem Internacional que conhecemos e, juntamente com o Sul Global, têm queixas relativamente ao Ocidente Alargado, seja os programas de cooperação tidos como injustos, seja o que consideram ser deficiente e desigual tratamento humanitário dos refugiados provenientes destas regiões do globo e ainda, políticas inadequadas e gravosas relativamente à transição energética, o não reconhecimento do seu atraso no desenvolvimento económico e também, alguns antigos traumas coloniais.
Uma palavra relativa à Índia, que embora tenha uma ligação estratégica à Rússia por razões de obtenção de energia a preços vantajosos e tecnologia militar e que procura uma relação não conflitual com a China, não deixa de fazer aproximações à Europa e aos EUA para beneficiar de acordos económicos e comerciais, que considera vantajosos.
Para além das áreas de instabilidade internacional que foram mencionadas e para as quais a Comunidade Internacional representada na ONU deveria procurar encontrar soluções pela via diplomática, apoiada no Direito Internacional e na Carta das Nações Unidas, fruto de um normal e eficaz funcionamento do Conselho de Segurança e em que a realidade atual demonstra não ser realista esperar que isso aconteça, há ainda outras situações para as quais importa garantir soluções.
Como estabelecer a necessária cooperação internacional em matérias que nos afetam já em termos globais? Como desenvolver políticas de proteção dos Oceanos? Como coordenar e ser capaz de empreender a resposta às futuras Pandemias? Como responder aos desafios das alterações climáticas? Como concretizar a alteração das políticas energéticas? Como combater a Pobreza, proporcionar o desenvolvimento e evitar as migrações desordenadas que fogem ao flagelo da fome, da guerra e da ausência de Direitos Humanos? Como garantir, afinal, a estabilidade e a paz internacionais? Como concretizar os grande desígnios das Sociedades Avançadas – o Bem Estar, a Segurança e a Justiça Social? Que configuração estratégica deverá ter o Sistema Internacional em que vamos viver e que deve ser capaz de dar estas resposta? Como será a Nova Ordem Internacional?
Perante os arranjos geopolíticos a nível mundial que foram apontados, podemos antecipar um sistema internacional, com tendência multipolar, com três ou eventualmente quatro Polos de Poder, afirmando-se, fruto dos fatores de poder que foram atrás enunciados, através do seu funcionamento que será a resultante da dinâmica da aplicação desses fatores, designadamente do político, do militar e do económico, no relacionamento com os demais atores da cena internacional e no seio das Organizações Internacionais onde intervêm em termos políticos e estratégicos.
A Ciência Política e a Teoria Geral da Estratégia dizem-nos que o funcionamento e a estabilidade dos Sistemas Multipolares estão diretamente ligados à natureza e postura estratégica dos diversos Polos de poder e também à disponibilidade política e estratégica que assumirem no contexto internacional.
Se os polos de poder desenvolverem uma postura estratégica de flexibilidade e de cooperação, o Sistema evidenciará ordem e estabilidade, com relações internacionais harmónicas, seguindo regras aceites como comuns e tornam-se previsíveis; de outra forma, se os polos de poder adotarem uma atitude estratégica mais rígida, as relações tornam-se mais crispadas, a subida da tensão é potencial, passa a existir menor previsibilidade das reações dos atores intervenientes e o Sistema torna-se instável; por último, se os polos de poder assumirem no seu relacionamento atitudes radicais e antagónicas, o Sistema torna-se rígido e conflitual, as relações e as reações são imprevisíveis, tende-se para o isolacionismo e as crises, a conflitualidade e a guerra são potenciais.
No futuro próximo, a desejada resolução dos conflitos da Ucrânia/Rússia e no Médio Oriente, este parecendo ainda mais complexo que o anterior, os Acordos que vierem a ser estabelecidos, irão certamente dar indicações claras, quer quanto à definição de uma arquitetura de segurança naquelas regiões, mas também na Europa e no Indo-Pacífico, quer também relativamente à qualidade estratégica do relacionamento entre os principais polos de poder e à definição do tipo e natureza do Sistema Internacional com o qual seremos confrontados e às características da nova Ordem Internacional.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.