A relação entre a Rússia (e anteriormente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, vulgo União Soviética, ou URSS) e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que são Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) tem as suas raízes nas complexas dinâmicas da Guerra-Fria (Oliveira, 2009), onde as potências globais buscavam influenciar países emergentes, especialmente aqueles em processos de descolonização.
A União Soviética, em particular, aproveitou-se das lutas anticoloniais na África para expandir sua influência, oferecendo apoio militar, formação e acordos de cooperação nas áreas de defesa e segurança. A interação histórica entre União Soviética, até 1991, e Rússia, desde a implosão daquela, e os PALOP – de que fazem parte oficial Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe e que incluirá, igualmente, a Guiné-Equatorial, dado ser Estado-Membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, logo, por inerência, deve ser considerado um Estado PALOP1 – tem se caracterizado por um complexo conjunto de acordos de cooperação no domínio da defesa e da segurança. Estas relações foram influenciadas por factores políticos, económicos e sociais, e têm raízes profundas que remontam à era da Guerra-Fria, facto que foi e tem sido acompanhado pelos estrategas brasileiros, no âmbito daquilo a que designam como o seu “Entorno Estratégico Brasileiro” (Albuquerque, 2020), apesar da aproximação político-económica que existe entre o Brasil e a Rússia, na vigência dos BRICS2.
Este ensaio tenta examinar, com o maior detalhe possível, os acordos assinados com cada um dos PALOP, as suas implicações e o contexto histórico, além de trazer uma perspetiva sobre a evolução dessas relações até os dias atuais. E porque a posição dos PALOP face a Portugal e vice-versa é importante, procurou-se analisar quanto o impacto destes Acordos para as atuais relações com Portugal e, por extensão, para o Ocidente de que, geopoliticamente, Portugal faz parte.
1.1. A Guerra-Fria e a Expansão Soviética na África
Durante a Guerra-Fria, a África tornou-se um campo de batalha ideológico, onde as superpotências, à época, EUA e URSS – ainda que a influência da República Popular da China não seja de descartar – procuraram expandir sua influência. A União Soviética, diligenciando promover o socialismo e contrabalançar o poder ocidental, estabeleceu relações estreitas com vários países africanos, especialmente aqueles que lutavam contra o colonialismo. Nos PALOP, as lutas de independência foram vistas como oportunidades para a União Soviética reforçar sua presença no continente.
1.2. O Papel dos PALOP na Geopolítica Africana
Os PALOP, com suas estruturas políticas e sociais, apresentaram-se como pontos estratégicos para a União Soviética em África. A cooperação em defesa e segurança era fundamental para garantir a estabilidade interna e a resistência contra as influências ocidentais. A seguir, exploraremos os acordos de cooperação firmados com cada um dos países PALOP. Angola, por exemplo, seja no espaço dos PALOP, como no âmbito geral do continente africano, foi um dos países africanos onde a presença soviética se mostrou mais acentuada durante a Guerra-Fria.
Após a denominada “Revolução dos Cravos” de 25 de Abril de 1974, em Portugal, Angola alcançou a sua independência em 19753, momento em que a União Soviética rapidamente se posicionou como um aliado estratégico da então República Popular e Angola, liderada pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) de tendência socialista (Rocha, 2013).
Os diferentes Acordos de Cooperação Militar com Angola, reportam-se entre:
– Acordo de Cooperação Militar (1976): Um dos acordos mais significativos entre os dois países foi o Acordo de Cooperação Militar assinado em 1976, que contemplava a assistência militar, em geral, fornecimento de armamentos, treinamento militar e assessoria estratégica, como parte da estratégia soviética de apoiar movimentos de esquerda e comunistas na África e em outras partes do mundo durante a Guerra-Fria. A União Soviética via Angola como um importante aliado na luta contra o imperialismo ocidental e como um potencial ponto estratégico na expansão em e pela África;
– Acordo de Assistência Militar (1985): Estabelecido um protocolo para a formação de pessoal militar angolano em escolas soviéticas;
– Acordo de Cooperação Técnica (1990): Focado na reestruturação das forças armadas angolanas após o fim da Guerra-Fria;
– Acordo de cooperação técnico-militar (2014): Este programa previa o fornecimento de armamento aos três ramos das forças armadas angolanas, incluindo aviões de combate, vigilância e treino, mísseis e outras armas sensíveis à força aérea angolana; navios de patrulha à marinha ou construção de uma fábrica de artilharia e outra de armas ligeiras, modernização de blindados, e cedência de armas ligeiras ao exército e polícia angolanos. Este programa que se estenderia entre os anos 2014-2020, e cujos programas individuais só terminam quando concluídos, podendo estender-se para lá do prazo de vigência do plano, chega a prever a construção de fábricas de armamento com patente russa em território angolano.
De uma maneira geral, a então assistência soviética contribuiu para o fortalecimento do MPLA e para a sua resistência contra a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), que era apoiada pelos EUA e pela África do Sul. Este relacionamento russo-angolano manteve-se forte durante a guerra civil angolana, que durou até 2002.
Cabo Verde, após a independência em 5 de julho de 1975, apesar de não ter recebido o mesmo nível de envolvimento soviético que Angola – tal como o mesmo não aconteceu com a maioria dos restantes PALOP, ainda assim estabeleceu relações com a União Soviética num contexto de enfrentamento pós-colonial e de busca de desenvolvimento e estabeleceu alguns acordos significativos. Como principais Acordos no âmbito de Defesa e Segurança temos:
– Acordo de Cooperação em Defesa (1977): Em 1977, Cabo Verde e a União Soviética assinaram um Acordo de Cooperação em Defesa que se centrava no treinamento das forças armadas e na assistência técnica. Este acordo tinha como principal objetivo fortalecer a capacidade defensiva do país;
– Acordo de Cooperação em Matérias de Defesa (1984): estabeleceu um mecanismo para intercâmbio de informações e colaboração em questões de defesa;
– Acordo de Cooperação em Assuntos de Segurança (2002): visou aprofundar a colaboração em questões de segurança regional, combatendo o tráfico de drogas e o terrorismo, refletindo novas ameaças à segurança global;
– Intercâmbio Tecnológico e Consultas Militares (2010): incluiu a troca de informações e técnicas sobre segurança em fraudes financeiras, tráfico de armas e crimes transnacionais;
– Acordo sobre a Formação de Pessoal Militar (2018): visa a formação de quadros técnicos militares de Cabo Verde, por instituições russas, permitindo que membros das forças armadas de Cabo Verde possam aceder a diferente treinamento especializado.
Ainda que Cabo Verde tenha vindo a beneficiar deste, ou da maioria, destes acordos desenvolvendo sua capacidade de resposta a ameaças externas, embora o foco tenha sido em questões de segurança interna, especialmente relacionadas à estabilidade política, é de assinalar que os diversos Governos cabo-verdianos, em particular após a implementação da Democracia mo País, têm procurado diversificar a tipologia e a qualificação dos Acordos de, com e sobre a Defesa e Segurança, porque eles reflectem um interesse na segurança marítima da ilha, uma vez que sua localização estratégica no Atlântico torna o País num ponto estratégico de interesse militar.
São estes os principais instrumentos celebrados entre Guiné-Bissau e a URSS/Rússia em termos de Cooperação de Segurança e de Estratégia Militar:
– Acordo de Cooperação Militar (1973); Este acordo foi assinado logo após a declaração de independência de Guiné-Bissau, em 19734, quando o país buscou apoio militar na sua luta contra o colonialismo português. O apoio incluiu o fornecimento de armamentos, treinamento militar e assistência técnica, com o objetivo de estruturar as forças armadas do país;
– Acordo de Assistência Técnica (1975): Após o reconhecimento formal, por parte de Portugal e de outros países, da independência de Guiné-Bissau, foi formalizado um acordo para assistência técnica na formação de forças armadas e na criação de uma infraestrutura de defesa. A União Soviética enviou especialistas militares para ajudar a formar e treinar as forças armadas guineenses, o que teve um impacto significativo na capacidade militar do país;
– Acordo de Cooperação Militar (1978): previa apoio em termos de treinamento e fornecimento de equipamento militar, visando a modernização das Forças Armadas;
– Acordo de Protocolo Militar (1985): Um protocolo que reiterou o compromisso da União Soviética em continuar fornecendo apoio militar e financeiro a Guiné-Bissau. Incluiu a cura de programas de troca de oficiais e renovação de equipamentos militares;
– Colaboração nos Anos 2000: Após o colapso da União Soviética, a Rússia manteve a relação com Guiné-Bissau, embora de maneira mais limitada e focada na assistência técnica, sem que tenha deixado de oferecer algum suporte militar, sendo que a natureza dos acordos se tornou menos formal e mais dependente das circunstâncias políticas locais;
– Acordo de Parceria Estratégica Técnico-Militar (2018): Em anos mais recentes, a Rússia expressou interesse em reestabelecer laços estratégicos com Guiné-Bissau em diversos campos, incluindo segurança. A cooperação se concentrou em questões como a luta contra o narcotráfico e o terrorismo, com a Rússia oferecendo recursos e conhecimento técnico. Ao abrigo deste acordo, recentemente o presidente Sissoco Embaló, solicitou à Federação Russa que autorizasse que 100 oficiais Bissau-guineenses tivessem formação na República da Chechénia (Rodrigues, 2024).
Estes acordos mostram uma trajetória de cooperação que começou com um forte apoio militar e evoluiu para uma parceria mais voltada para a assistência técnica e desenvolvimento de capacidades. A relação entre Guiné-Bissau e a Rússia é influenciada por contextos políticos e regionais e pelas necessidades específicas do país ao longo do tempo, tendo sio crucial durante as tensões internas que se seguiram à independência e ajudou a moldar a estrutura das forças de segurança da Guiné-Bissau, que enfrentaram – e continua a enfrentar – desafios significativos nas décadas seguintes.
Moçambique, que conquistou a independência em 25 de julho de 1975, também se alinhou com a União Soviética como um meio de afirmar sua nova soberania e promover suas ideologias socialistas. De uma maneira geral, pode se afirmar que Moçambique, face à URSS/Rússia, foi a parte mais beneficiária desta relação, uma vez que as elites militar e política foram, na sua maioria, formadas na União Soviética e o próprio Estado moçambicano foi constituído através de um forte apoio russo.
Neste campo de ação assinou vários Acordos em matéria de Defesa e Segurança, como seguem:
– Acordo de Cooperação Militar (1977): Este acordo estabeleceu os fundamentos da assistência militar soviética a Moçambique, que incluía o fornecimento de armamento, equipamentos e treinamento. Este acordo foi crucial para o fortalecimento das capacidades de defesa de Moçambique, especialmente em um contexto de guerra civil e resistência interna;
– Acordo de Assistência Técnica e Defesa (1980): previa o envio de especialistas soviéticos para ajudar na formação de tropas moçambicanas e na fiscalização de operações militares. Contribuiu para a modernização das forças armadas moçambicanas e o desenvolvimento de uma doutrina militar baseada em princípios socialistas;
– Acordo de Cooperação em Defesa e Segurança (1986): Um pacto abrangente que visava a criação de condições para uma maior integração dos sistemas de defesa. Este acordo aprofundou a cooperação em áreas estratégicas e de inteligência, visando fortalecer a posição de Moçambique durante a Guerra Civil;
– Acordo de Cooperação em Defesa (1997): Este acordo foi assinado após o fim da Guerra Civil e focava na reabilitação e modernização das Forças Armadas de Moçambique. Refletiu a mudança na política exterior da Rússia e seu interesse em reatar laços com a África, proporcionando treinamento e equipamentos;
– Tratado de Amizade e Cooperação (2004): Incluía cláusulas sobre assistência militar e cooperação em segurança. Fortaleceu os laços bilaterais e envolveu a troca de informações e experiência em áreas de segurança e combate ao terrorismo;
– Acordo de Cooperação em Matéria de Segurança (2018): Este acordo gira em torno de questões contemporâneas de segurança, como a luta contra o terrorismo e o crime organizado. Destaca a relevância da cooperação em segurança em um contexto global em transformação, respondendo a novos desafios na região africana.
É importante notar que a cooperação em defesa e segurança entre Moçambique e os países da antiga União Soviética e da Rússia está profundamente entrelaçada com contextos geopolíticos, desafios internos e regionais que os moçambicanos têm enfrentado ao longo de décadas. Por exemplo, o Acordo de Assistência Técnica e Defesa, celebrado em 1980, foi vital durante a guerra civil moçambicana que começou no final da década de 1970 e se estendeu até 1992. O suporte soviético permitiu a Moçambique resistir a várias agressões externas e manter uma certa estabilidade interna.
Após a independência, em 12 de julho de 1975, este pequeno arquipélago do Golfo da Guiné, diligenciou em obter apoio soviético para assegurar sua soberania e desenvolvimento. Diversos acordos adicionais sobre cooperação em segurança e defesa foram discutidos pelas cúpulas político-militares e encontros bilaterais ao longo de décadas, incluindo a troca de informações e colaboração em treinamento militar.
Estas iniciativas levaram a um fortalecimento dos laços bilaterais, com particular destaque no que foi, recentemente, reforçado com um Acordo de Segurança e Defesa com a Rússia adaptando-se às novas realidades geopolíticas e de segurança na região, sem que, contudo, São Tomé e Príncipe tenha deixado de privilegiar alguns acordos político-militares que detém com alguns países, nomeadamente Portugal e Brasil – tanto no âmbito da CPLP, como da ZOPACAS (Bernardino e Almeida, 2013) – ou com países europeus e com os EUA, este, principalmente, no quadro das atividades e exercícios militares sob a supervisão da US-AFRICOM (Almeida, 2017).
Analisemos alguns dos principais acordos e iniciativas relevantes celebrados por São Tomé e Príncipe, ao longo do tempo:
– Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa (1979): Este acordo estabeleceu um quadro de cooperação em termos de defesa entre a União Soviética e São Tomé e Príncipe. O acordo envolveu a assistência técnica e militar soviética na formação de forças armadas e na manutenção da segurança do país;
– Diversos Acordos, não especificados, de Assistência Militar (celebrados nas décadas de 1970 e 1980): Nos anos seguintes à independência, a União Soviética forneceu equipamento militar, treinamento e assessoria técnica para as forças armadas de São Tomé e Príncipe. A assistência era vista como um meio de solidificar o alinhamento ideológico e político do país com o bloco soviético durante a Guerra Fria;
– Acordo de Cooperação em Defesa (1981): foi um Acordo que incluía treinamento militar e o suporte na construção de infraestrutura de defesa;
– Acordo de Consenso em Segurança (1990): Com a mudança das dinâmicas políticas globais, a Rússia e São Tomé e Príncipe assinaram um acordo que reafirmou o compromisso mútuo de cooperação em questões de segurança, mas agora em um contexto mais amplo e adaptado à nova ordem mundial. Este acordo focou em questões de segurança regional e cooperação em áreas como a luta contra o terrorismo e a pirataria;
– Protocolos de Consulta (na década de 2000): Em meados dos anos 2000, quando a Rússia iniciou uma nova fase de diplomacia ativa em África, foram assinados protocolos de consulta que incluíam segurança e defesa. Estes protocolos visavam promover um diálogo contínuo sobre segurança, incluindo questões marítimas e de estabilidade regional;
– Acordo de Cooperação Militar (2024)5: É um o acordo que estipula que ambas as partes acordaram em cooperar nos seguintes domínios: treino conjunto de tropas, recrutamento das forças armadas, utilização de armas e equipamento militar, logística, intercâmbio de experiências e de informações no âmbito da luta contra a ideologia do extremismo e do terrorismo internacional, educação e formação de pessoal. Este acordo prevê também a participação das forças armadas de São Tomé e Príncipe em exercícios conjuntos com as forças russas e visitas da aviação militar e de navios de guerra da Rússia a São Tomé e Príncipe (Rodrigues, 2024).
Convém destacar que São Tomé e Príncipe sempre teve uma política externa orientada para a cooperação pacífica e para o diálogo, e suas relações com a Rússia e a antiga União Soviética refletiram esse alinhamento. A importância desses acordos pôde variar ao longo do tempo, especialmente considerando a dinâmica global e regional que afeta a segurança e a defesa.
Apesar da integração da Guiné-Equatorial na CPLP ser recente, por essa via considerei dever ter de incluir este país PALOP neste trabalho, a cooperação que a Guiné-Equatorial tem tido, após a sua independência, em 12 de outubro de 1968, com a União Soviética/Rússia. A Guiné-Equatorial, após a independência, estabeleceu várias relações internacionais, incluindo parcerias com a União Soviética e, posteriormente, com a Rússia. Entretanto, é importante destacar que a maioria das informações detalhadas e, ou, específicas sobre acordos de cooperação em defesa e segurança, celebrados na generalidade, e com a URSS/Rússia, em particular, devem ser vistos como limitados e, em muitos casos, não amplamente divulgadas.
Vejamos alguns pontos gerais relacionados às interações da Guiné-Equatorial com a União Soviética e a Rússia em matéria de defesa e segurança:
– Acordo de Cooperação Militar (década de 1970): A cooperação militar entre a União Soviética e Guiné-Equatorial foi iniciada, visando fortalecer as capacidades defensivas do país em um contexto de instabilidade política na África Central. Incluía a formação de militares equatorial-guineenses, fornecimento de equipamentos militares e assistência técnica;
– Acordo de Assistência Técnica (1980): visava, no essencial, num acordo bilateral de assistência técnica, que estabeleceu uma cooperação mais próxima no âmbito da formação de oficiais e logística militar. O foque principal esteve na troca de conhecimentos técnicos e formação de forças de defesa, contribuindo para a profissionalização das forças armadas de Guiné-Equatorial;
– Acordo de Cooperação Militar e Tecnológica (1990): Um acordo que se concentrou na modernização das forças armadas e na atualização de equipas técnicas, aproveitando a experiência da União Soviética. Este acordo incluiu a possibilidade de aquisição de armamento e suporte técnico para a manutenção das forças armadas equatorial-guineenses.
– Relações com a Rússia (após 1991): Após a dissolução da União Soviética, relações foram reestabelecidas com a Rússia, onde acordos em áreas de defesa, comércio e segurança foram firmados. Embora menos formalizados do que os acordos soviéticos, estes laços foram significativos durante a primeira parte do século XXI, com a Rússia oferecendo apoio militar na forma de treinamento e fornecimento de equipamentos;
– Participação em Fóruns de Segurança (2000): Desde esta data ocorrem, periodicamente, fóruns e reuniões de segurança, com a Rússia, sobre segurança no Golfo da Guiné e em questões de terrorismo. Este tipo de participação é crucial para a Guiné-Equatorial no fortalecimento das suas capacidades de defesa em um contexto mais amplo de segurança regional;
– Acordo de Cooperação Militar (2015): É um acordo que prevê um procedimento simplificado para a entrada de navios de guerra russos no seu mar territorial, e a acostagem de navios de guerra russos nos portos seus portos, reparação naval, entre outros aspetos entre si relacionados;
– Acordo de Formação Militar (2024): Um acordo cuja principal função é permitir que instrutores militares russos se desloquem ao país para formar soldados de diferentes ramos do Exército Nacional.
Os acordos entre a Guiné-Equatorial e a URSS/Rússia têm ido além de uma mera assistência militar, já que influenciou a modernização e a formação das forças armadas do país. Estes acordos reflectem não apenas a necessidade de segurança interna e controlo político, mas também o interesse estratégico das grandes potências internacionais no potencial económico e geopolítico da Guiné-Equatorial.
Face a esta aproximação à Rússia, tenho em conta factores geopolíticos globais, em especial, a crise político-militar desenvolvida com a invasão da Rússia na Ucrânia, naturalmente que, as relações dos PALOP com Portugal, enquanto país Ocidental e Estado-membro da NATO, podem ser postas em equação e em questão, de que colocarei a seguir:
– Podem ser criados “dilemas geopolíticos”, pelo facto de os PALOP, como Estados-membros da CPLP e tendo laços históricos com Portugal, poderem se encontrar numa posição complexa em busca de um equilíbrio entre suas relações tradicionais com Portugal e o emergente interesse em cooperar com a Rússia, principalmente porque os russos se posicionam como um parceiro estratégico em várias áreas, nomeadamente, na defesa e em recursos naturais;
– Simultaneamente, o fortalecimento das relações entre os PALOP e a Rússia pode ser visto como um movimento de diversificação de parceiros, que pode incluir a busca de novas alianças para garantira sua segurança e desenvolvimento; ou seja, os PALOP procuram criar um novo “alinhamento estratégico”, sem que, no entanto, e segundo os dirigentes africanos isso possa gerar preocupações em Portugal e na NATO, apesar destes poderem ver a Rússia como uma constante e persistente ameaça à estabilidade europeia;
– A Rússia pode oferecer algumas formas de assistência e de investimento que competem com as oferecidas por Portugal e outros países ocidentais. Isso poderá levar a uma maior reavaliação das prioridades estratégicas dos PALOP e a um possível progressivo afastamento de alguns compromissos históricos com Portugal;
– Dependendo do nível de cooperação com a Rússia, os PALOP podem se obter impactos económicos e beneficiar de novos acordos comerciais ou de investimentos que afetem suas economias. No entanto, devem também considerar os riscos associados a essas parcerias, especialmente num contexto de sanções ocidentais e de um possível isolamento económico;
– Portugal, como parte da NATO, pode – e deve – responder a essa nova dinâmica com um esforço renovado para reforçar suas relações com os PALOP, promovendo, talvez, mais iniciativas de cooperação que enfatizem os laços históricos, culturais e económicos. A NATO também pode se envolver, considerando as implicações da presença russa na África e a importância geopolítica da região, em particular em áreas sensíveis como o Golfo da Guiné e a “plataforma oceânica” que é Cabo Verde;
– A cooperação com a Rússia pode gerar tensões internas nos PALOP, onde diferentes sectores da sociedade podem ter visões divergentes sobre a importância das relações com o Ocidente versus uma maior colaboração com países como a Rússia. Isso pode influenciar a política interna e a opinião pública e ter difíceis consequências sociais e culturais;
– Repercussões Globais: A crescente influência russa nos PALOP poderá vir a ser vista no contexto mais amplo da luta por influência global entre potências como os EUA, a China e a Rússia. As repercussões globais que esta influência poderá gerar, pode levar a uma maior competição por recursos e parcerias no continente africano.
Os acordos de cooperação no âmbito da defesa e segurança entre a URSS/Rússia e os PALOP espelham uma complexa relação entre os esforços de descolonização da África e as dinâmicas da Guerra-Fria. Apesar das diferenças no nível de cooperação e apoio, todos os PALOP se beneficiaram, de alguma forma e globalmente, da presença soviética, primeiro, e russa, depois, nas suas trajetórias históricas, já que os acordos assinados com Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe e Guiné-Equatorial não apenas garantiram suporte militar, mas também moldaram as direções políticas desses países após a independência e, em alguns casos, a sua sobrevivência como Estados.
As relações atuais entre a Rússia e os PALOP também evoluíram, refletindo novos interesses geopolíticos, mas, reforce-se, as raízes dessas interações remontam aos acordos estabelecidos durante a Guerra-Fria. E não podemos esquecer que a cooperação em defesa e segurança continua a ser uma relação complexa, moldada por interesses mútuos e dinâmicas regionais. Além do mais, há que não esquecer que os Países não têm amigos ou inimigos, mas, principalmente, interesses a defender. E isso se espelhou no recente Acordo assinado entre São Tomé e Príncipe com a Rússia e o desencanto que o mesmo provocou em alguns sectores ocidentais, em particular, em Portugal, tendo em conta a actual situação geopolítica entre o Ocidente – e alguns países africanos – e a Rússia, após a invasão que esta fez sobre a Ucrânia, em fevereiro de 2022 (Céu, 2024) (Cascais, 2024).
Sobre este acordo e o tal “desencanto” ou incómodo, recordemos as palavras do primeiro-ministro de Cabo-Verde, Ulisses Correia e Silva, que recordou que o referido acordo entre São Tomé e Príncipe e a Rússia e, no todo ou em grande parte, igual ao que Cabo-Verde também assinou, e mantém com a Rússia, como o Presidente de Cabo-Verde, José Maria Neves, recordou que os países são soberanos para decidirem o que é melhor para eles (Cascais, 2024) (Rogério, 2024); e nem por isso, Cabo-Verde deixou de preservar a mesma política de Acordos que sempre norteou as linhas-mestras políticas cabo-verdianas. Também a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, recorda que é intenção de reforçar novos acordos com Moçambique e Guiné-Bissau e que os acordos com Angola se inserem de entre todos os países africanos lusófonos, o que contém um plano de cooperação militar e policial mais extenso e profundo.
Quanto às relações com Portugal e o Ocidente, nomeadamente, alguns países da NATO, um eventual aumento da cooperação dos PALOP com a Rússia pode gerar uma série de desafios e oportunidades para suas relações e cooperação com portugueses e Ocidente. E essa participação, quer a nível das Operações Felino, quer, como recentemente ocorreu entre as Marinhas de Angola e de Portugal, são sinónimo que a cooperação existe e ocorrem.
Naturalmente que será essencial que as partes envolvidas naveguem cuidadosamente por essa complexa dinâmica para garantir que seus interesses nacionais e regionais sejam preservados. Até porque, como referido, há países africanos, nomeadamente, dos PALOP, que mantêm cooperação político-militar com países do Ocidente, como os EUA e a França, através de participações em operações militares aeronavais, ou, como no caso de Angola, que é vistos pelos EUA como um “parceiro estratégico”, em África (Almeida, 2017).
Acresce ainda que, no que toca à posição dos PALOP face a Portugal, no âmbito da CPLP, tudo vai depender como esta organização pode ser a verdadeira ponte entre Portugal e os PALOP. Tal como Luís Bernardino (2024) recorda a “…Se a realidade mostra uma CPLP ainda à procura de um projeto estável, afirmativo e mobilizador, o futuro desta Comunidade depende da vontade política dos seus Estados-Membros” que, no que tange a Portugal, reforça. “(…) Portugal deverá ser capaz de liderar o processo de adaptação e renovação, tal como liderou a sua criação, assumindo-a como um vetor ativo da política externa portuguesa”.
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ROCHA, Milton Alberto Sousa (2013). “A guerra fria no Sul de África e respectivas consequências: Angola e África do Sul, 1975-1994”. [Dissertação de Mestrado, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa]; http://hdl.handle.net/10071/7435
RODRIGUES, António (2024). “Forças especiais da Guiné-Bissau vão ser formadas na Tchetchénia”: in: Público online, 13 de Maio de 2024, 18:02; https://www.publico.pt/2024/05/13/mundo/noticia/forcas-especiais-guinebissau-vao-formadas-chechenia-2090286
RODRIGUES, João Guerreiro (2024). “«Ex-colónias portuguesas são o próximo alvo da Rússia». São Tomé assina acordo de cooperação militar com Moscovo (que pode não ficar por aqui)”; in: CNN Portugal, 8 mai, 07:00; https://cnnportugal.iol.pt/colonias/russia/ex-colonias-portuguesas-sao-o-proximo-alvo-da-russia-sao-tome-assina-acordo-de-cooperacao-militar-com-moscovo-que-pode-nao-ficar-por-aqui/20240508/663a9470d34e04989220931a
ROGÉRIO, AMPE (2024). “Presidente cabo-verdiano diz que posições soberanas dos países da CPLP têm de ser respeitadas”; in. Observador online, 18 mai. 2024, 16:59; https://observador.pt/2024/05/18/presidente-cabo-verdiano-diz-que-posicoes-soberanas-dos-paises-da-cplp-tem-de-ser-respeitadas/
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1 A República da Guiné-Equatorial foi admitida como membro de pleno direito na Comunidade na X Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, ocorrida a 23 de julho de 2014, em Díli, Timor-Leste.
2 O BRICS é um grupo de países considerados emergentes quanto ao seu desenvolvimento económico. Este agrupamento, cada vez mais político que económico, começou com 4 países sob a sigla BRIC (acrónimo criado pelo economista Jim O’Neill, chefe de pesquisa em economia global, do grupo financeiro Goldman Sachs) que representava o Brasil, Rússia, Índia e China; em 14 de abril de 2011, com a admissão da África do Sul (South Africa) foi-lhe acrescentado o “S”. Desde 1 de janeiro de 2024, o BRICS passou a incluir, Arábia Saudita, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão, mas mantendo o acrónimo.
3 A independência ocorreu em 11 de novembro de 1975, e foi unilateralmente declarada, em Luanda, pelo MPLA, com a designação de República Popular de Angola (RPA) – que acabou por vingar até ao Acordo [de Paz] de Bicesse, de 1991, entre o Governo e a UNITA, que institui o multipartidarismo – e em Uíge e Huambo, respetivamente pela FNLA e pela UNITA, que designou de República Democrática de Angola, entre outros dois nomes mais (Almeida, 201, pp. 58-59).
4 Declarada unilateralmente em 24 de setembro de 1973, nas divulgadas áreas libertadas de Medina do Boé, e reconhecida por Portugal, em 10 de setembro de 1974, pelo então Presidente António de Spínola.
5 Este acordo, elaborado e rubricado em São Petersburgo, Rússia, em 24 de abril de 2024, tendo entrado em vigor a 5 de maio, denomina-se, oficialmente, de “Acordo entre o Governo da Federação Russa e o Governo da República Democrática de São Tomé e Príncipe sobre a cooperação militar”. O art.º 3.º sobre a Cooperação defesa, indica-nos os largos 19 itens, onde o último «outras áreas de cooperação por acordo mútuo das partes», indica que, no futuro, poderá incluir tudo o que as Partes assim o decidirem e que não ficaram registados no início dos artigos.
Doutorado em Ciências Sociais, especialidade de Relações Internacionais, (ISCSP-UTL) Investigador Integrado do Centro Estudos Internacionais, do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL), Lisboa. Investigador-Associado do Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação da Academia Militar (CINAMIL).