Nº 2680 - Maio de 2025
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas Bibliográficas


Afeganistão: Testemunhos de 16 anos de Presença de Forças Nacionais Destacadas Lusas (2005-2021)

 

Em 15 de abril do presente ano, foi lançada, com a presença e intervenção de S.Ex.ª o Presidente da República, a obra “Afeganistão: Testemunhos de 16 anos de Presença de Forças Nacionais Destacadas Lusas (2005-2021)”1. Ao Livro foi conferido o “Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República”. A apresentação da obra ficou a cargo de S.Ex.ª o Embaixador João Mira-Gomes que, perante uma sala repleta de audiência, transmitiu, ainda, alguma informação sobre a temática do livro.

A obra foi coordenada pelos Tenente-General Xavier de Sousa, Coronel Tirocinado de Cavalaria José Pimenta, Coronel de Cavalaria Luís Pimenta e Tenente-Coronel de Cavalaria Tiago Fazenda. Este é já o terceiro volume de uma coleção de “Testemunhos” de quem esteve envolvido na definição, planeamento, preparação, conduta e operações de Forças Nacionais Destacadas em Teatros de Operações, ditos de Paz2. A obra tem 27 autores e 28 artigos, para além de um Prefácio redigido por S.Ex.ª o Presidente da República, uma Nota Prévia de S.Ex.ª o General Chefe-de Estado-Maior do Exército e um Prólogo do Tenente-Coronel de Infantaria na Reforma, Prof. Doutor Francisco Proença Garcia.

Nos autores, podem encontrar-se Professores Universitários, Investigadores da área das Relações Internacionais e da Política Internacional, Analistas dos acontecimentos internacionais e dos conflitos, Militares – dos quais 15 foram Comandantes de Forças Nacionais Destacadas e um deles foi o porta-voz do Comando da NATO no Afeganistão –, um Jornalista – que fez trabalho jornalístico naquele País –, dois Afegãos – que trabalharam com os nossos Militares –, um Militar Turco – que comandou um Batalhão turco no qual estava inserido uma nossa Força Destacada – e um Ferido de Guerra. A obra tem 474 páginas, estando 40 numeradas em numeração romana (XL). Foi impresso em papel Couchet, tem uma capa dura em Geltex azul, com uma sobrecapa com duas belas e expressivas fotografias, uma no frontispício e outra na contracapa. É uma edição da Fronteira do Caos, com o apoio do Ministério da Defesa Nacional e com o imprescindível apoio e motivação do Exército. Aliás, como referido na apresentação do livro, este é um Livro do Exército, que se debruça sobre a participação desse Ramo, com Forças Nacionais Destacadas, no Afeganistão.

No Prefácio, S.Ex.ª o Presidente da República ressalta a importância da Obra e exalta a forma como os nossos Militares cumpriram a Missão, afirmando que foi feito por nós o que tinha de ser feito, apesar da “…vergonha pelo desfecho de um compromisso, sacrificado a interesses míopes e a visões sem perspetiva histórica e ética”, à qual fomos alheios.

Na Nota Prévia, S.Ex.ª o General Chefe de Estado Maior do Exército lembra os Militares portugueses que tombaram ao serviço da Paz e aqueles que “…carregam, ainda hoje, as marcas físicas e emocionais da sua participação…”. Dá, ainda, a saber a sua convicção de que o Livro permitirá, com a sua factualidade, ajudar a melhorar o conhecimento público sobre a nossa participação nessas missões e sobre a nossa importância na contribuição para a “…segurança global e a promoção da paz internacional, num contexto geopolítico extremamente complexo”.

No Prólogo, o Tenente-Coronel na Reforma, Prof. Doutor Francisco Proença Garcia, faz uma análise sobre o que ressaltou, em termos de ensinamentos, para Portugal e as suas Forças Armadas, da nossa participação no Afeganistão, dando especial ênfase a que “As decisões políticas e militares devem estar alinhadas com os recursos e capacidades nacionais… A experiência no terreno destacou a necessidade de investimentos contínuos na modernização do equipamento e na formação de tropas… A criação de relatórios detalhados sobre as operações realizadas permite identificar o sucesso e as áreas a melhorar… O apoio físico e psicológico às forças destacadas é essencial para garantir a resiliência e a eficácia das missões”.

No Primeiro Capítulo, abordam-se as causas que deram origem ao conflito, as dimensões que enformaram a participação das Forças de Paz no Teatro e as prospetivas que o Afeganistão pode ter para o seu futuro. Esse Capítulo é constituído por três artigos: um do Prof. Doutor Pathe Duarte, que caracteriza os diversos atores principais em confronto naquele país e o enredo que protagonizaram, ajudando-nos a conhecer melhor quem ali atuava, como e porquê; no segundo artigo, temos o Major-General Lemos Pires, que viveu, intensamente, uma missão, onde esteve integrado, no Afeganistão, afirmando, com alma e com boa irreverência, que o que lá se passou não foi bem concluído, mas o que ora lá se passa “…não pode ficar assim”; o último artigo é do Major-General Carlos Branco, perfeitamente conhecedor do Teatro de Operações (TO) do Afeganistão e que nunca o deixou de estudar, tendo a coragem, na sua escrita, de expressar o seu pensamento sobre o que enformou, incorretamente, a estratégia de atuação do ocidente nesse país e do que poderiam ser os fundamentos de uma solução construtora de um melhor futuro para os afegãos. Significativamente, todos eles convergem, em estilos e retóricas diferentes, para a convicção de que os cerca de vinte anos de tentativa, por parte do Ocidente, de construir uma nação Afegã de acordo com os seus valores, foram recheados de erros e más decisões, que conduziram a um final não esperado.

O Segundo Capítulo tem três artigos que nos dão a conhecer experiências vividas na primeira pessoa, e que nos transmitem relevante aspetos, do domínio político-militar, ocorridos na fase da decisão da participação portuguesa na Força de Paz no Afeganistão, mas também no decorrer da mesma. Nele, constam artigos de dois Generais, antigos Chefes de Estado Maior do Exército, tendo, um deles, sido mesmo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. O terceiro testemunho centra-se no reconhecimento realizado às Bases Militares onde iriam ficar as nossas Forças e que foi essencial para a entrada, novamente, em Teatro de outras Tropas portuguesas. Nele são revelados aspetos diplomáticos e militares que, constando em relatórios, são menos conhecidos. Todos esses testemunhos revelam a existência de uma certa hipocrisia internacional, que acontece nos bastidores da política e do político-militar, mostrando que nem tudo é o que diretamente transparece, e que muita das coisas acontecem por empenhamentos e determinações individuais.

O Terceiro Capítulo é o de maior dimensão. Regista os testemunhos de catorze Comandantes de FND e do Comandante da Operação Solace, que cumpriram missão no Afeganistão. É de realçar que foram 47 as FND que foram projetadas para o Afeganistão. Além disso, ainda houve a famosa Operação Solace, sobre a qual o próprio Comandante, nesta Obra, descreve como decorreu. Neste Capítulo encontramos muitos estilos de escrita, ao longo dos artigos, mas em todos eles há algo de comum: o sentimento de que os Militares tudo fizeram para cumprir bem a missão que lhes estava atribuída. Desses artigos, invariavelmente, se deduz a grande preocupação que o Exército teve na preparação dos seus Militares e das suas Forças, evoluindo, ao longo do tempo, de forma que essa preparação fosse a melhor possível. Há, ainda, duas outras ideias-forças que resultam da leitura desses artigos: a vontade dos Militares em serem notados pelo seu profissionalismo e saber fazer; e uma frustração, notada em quase todos os artigos e exalada nos outros em que tal não é enfatizado, centrada na comparação entre o esforço e dedicação desenvolvidos por todos e o resultado final que se obteve com o fim da missão no TO do Afeganistão. Nesses artigos, encontram-se reflexões interessantíssimas e profundas sobre as experiências vividas nas missões, mas é quase, se não totalmente, comum o sentimento de que o esforço foi inglório, que os contextos construídos no sentido de consolidar a paz, a segurança, as liberdades – designadamente das mulheres, mas não só – e o desenvolvimento, foram abruptamente interrompidos e desvanecidos. Mas tal desfecho não foi culpa dos Militares que, no terreno, tudo deram, em alguns casos, até as suas próprias vidas, para que o resultado fosse um Afeganistão desenvolvido e de liberdade.

O Quarto Capítulo engloba os testemunhos de sete Autores, deveras interessantes e, até, surpreendentes. Um, é um conhecido jornalista que acompanhou forças portuguesas naquele teatro, presenciando acontecimentos marcantes, que ora relata. Um outro, é um Comandante Turco, que comandou, por algum tempo, a Unidade em que as nossas Forças Destacadas se integraram, transmitindo no seu artigo a forma coesa e de confiança com que os Militares Turcos e Portuguesas trabalharam “ombro a ombro”. Temos, ainda, dois Autores Afegãos, que trabalharam bem de perto com os nossos Militares e, com relatos onde se vislumbram sentimentos e emoções, nos dão a conhecer como os portugueses souberam fazer-se amados pelos cidadãos do Afeganistão. Temos um relato, realizado por entrevista, de um Militar que é um ferido em combate e que todos quantos passaram pelo Afeganistão o respeitam e o admiram, porque é um exemplo vivo de quem deu muito àquele País e tem sabido viver com isso. Temos um outro Autor que, tendo servido, no Afeganistão, mas sob a égide das Nações Unidas, nos dá uma outra perspetiva dos acontecimentos, vistos com os olhos de quem percorria todo o território, com fontes de informação no terreno que lhes proporcionava visões diferentes dos acontecimentos. Temos, ainda, um último Autor, que viveu o Afeganistão trabalhando com Forças de diversos países, apreciando com olhos críticos as convivências, as atitudes e as formas de estar na vida. É mais uma visão diferente dos contextos, atores e interações, mas que exala um sentimento de que o Afeganistão foi e teve uma “…oportunidade perdida”.

O livro possui umas Conclusões, que não se substitui aos artigos, no seu conteúdo, mas nas quais ficam bem enfatizadas o que mais importante resultam deles.

De ressaltar, ainda, a existência de um Memorial, no qual se lembra, com sentimento, o 1.º Sargento Roma Pereira e o Soldado Sérgio Pedrosa, caídos em Missão, no Campo da Glória, dando-se para que a Paz e o Desenvolvimento bafejasse aquele País.

No fim da obra, encontram-se as sínteses biográficas dos Autores, o que lhe confere um certo requinte e permitem aos leitores conhecer melhor todos os que se atreveram escrever. E em boa hora o fizeram, pois os seus relatos e testemunhos são riquíssimos, permitindo-nos refletir sobre o caminho que as civilizações estão a percorrer e se o “Mundo” tudo fez para que o Afeganistão, com as suas características, culturas e valores próprios, pudesse ser um País do século XXI, desenvolvido, com paz e igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos.

Todos os artigos estão escritos de forma a serem facilmente entendidos, tendo os seus conteúdos elevado valor. Ao longo deles estão semeadas notas de rodapé, algumas elaboradas pela Equipa Editorial, que tornam mais entendíveis afirmações ou conceitos utilizados pelos Autores. Estes, nos seus artigos, não ficaram “escondidos” nos factos, mas utilizaram-nos para produzir pensamento e reflexão.

É do conhecimento geral que o Militar tem a tendência de usar e abusar das siglas e dos acrónimos. Nesta obra, ao longo dos capítulos, também se verifica essa realidade. Para uma melhor compreensão por parte do leitor que não esteja familiarizado com o significado dessas siglas/acrónimos, o livro possui a norma de enunciar o significado de cada uma delas, sempre que surjam pela primeira vez, colocando entre parêntesis, de seguida a própria sigla/acrónimo. Além disso, existe uma lista explicativa de siglas/acrónimos, que se estende da folha XII até à folha XXX. Tais práticas facilitam muito a leitura e a compreensão dos artigos que contenham siglas/acrónimos.

Este livro está construído para ser útil à reflexão dos Militares que o leiam, mas, também, ao estudo e à investigações levadas a cabo por Académicos, Investigadores, Estudiosos das Ciências Sociais, Políticos, Historiadores e, enfim, a todos quantos o quiserem ler. Assim, ele pretende ser um Testemunho, um registo na História do que os nossos Militares melhor têm sabido fazer: construir e promover a Paz no Mundo.

Recomenda-se, vivamente, a leitura desta Obra e a sua difusão, designadamente nas Academias, nas Universidades, nas Bibliotecas e nos organismos de cultura e discussão de ideias, pois ela encerra um elevado valor, pelo grande número de testemunhos, pela diversidade de interpretações e convergência de perceções, pela novidade de muita informação, pela organização cuidada, pela importância dos Autores que escreveram os artigos e, sobretudo, porque é uma Obra que procura lavrar na História do nosso País os feitos dos Militares Portugueses, feitos esses que têm conferido uma grande expressão ao nosso Portugal, bem para além das suas fronteiras.

 

A Revista Militar felicita os autores e os coordenadores da obra e agradece a amável oferta do livro que enriquecerá o seu acervo bibliográfico.

 

A Direção da Revista Militar

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1  TGen Xavier de Sousa, Cor Tir Miguel Pimenta, Cor Luís Pimenta, TCor Tiago Fazenda (Coord(s)), 2025. Afeganistão: Testemunhos de 16 anos de Presença de Forças Nacionais Destacadas Lusas (2005-2021). Porto: Fronteira do Caos Editores. ISBN: 978-989-36015-1-8, pp. 474.

2  Antes desta obra, foram publicadas outras duas, com os títulos: “Testemunhos de Catorze Anos de Forças Nacionais Destacadas no Kosovo: Forças Lusas nos Caminhos da Paz (1999-2001 e 2005-2017” e “Timor: Testemunhos de Quatro Anos de Presença de Forças Nacionais Destacadas Lusas em Terras do Sol Nascente (2000-2004)”, todas publicadas pela Fronteira do Caos.


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