
“… desde a fundação da CPLP, o Brasil tem sido um pilar fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável dos países membros. Na Cooperação Técnica, o País tem contribuído de forma estruturante por meio da criação conjunta de normas e instrumentos essenciais para a Comunidade…”
Agência Brasileira de Cooperação1, 2024.
Fala-se atualmente nos Países da Lusofonia muito pouco sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e muito desse pouco é para dizer mal ou para criticar a inação política, a falta de iniciativa estratégica ou mesmo a pouca relevância operacional, no complexo contexto global onde vivemos. Porque é uma organização que existe há pouco mais de 25 anos e está ainda numa fase de construção e de afirmação, justificam uns… porque não tem ainda arcabouço político e visibilidade estratégica no cenário internacional, advogam outros… ou ainda porque falta-lhe experiência no campo da diplomacia e essencialmente utilidade prática para o cidadão comum, sublinham ainda alguns especialistas. Ou, ainda, porque não parece ter conseguido afirmar-se no espectro geoestratégico global; nem ter uma linha de rumo estratégico e relevância política para se poder constituir numa opção político-estratégica para os Estados-Membros, afirmam até aqueles acerrimamente mais críticos da relevância da CPLP no mundo atual.
Pretendemos nesta reflexão académica demonstrar precisamente o contrário, e mostrar que a viabilidade e a utilidade da CPLP como um relevante instrumento político-estratégico depende, essencialmente, do empenho dos seus Estados-Membros, e obviamente da utilidade percecionada pela sociedade e especialmente pela Comunidade Lusófona e Diásporas que estão espalhadas pelo mundo. Sendo que percebemos, facilmente, que a utilidade da CPLP está diretamente relacionada com o enfatizar da sua missão fundadora no contexto de uma Cultura partilhada, da Língua vivida e da nossa História comum… embora atualmente num contexto geoeconómico, geosestratégico e geopolítico mais exigente e muito mais complexo.
Costumamos dizer, com algum propósito, que a Comunidade é aquilo que os seus Estados-Membros queiram que seja… e a pergunta que muitas vezes nos assola sobre o Brasil, e que procuramos trazer para esta reflexão mais académica, é precisamente saber o que pretende o Brasil da CPLP? E de que forma a Organização pode ser útil e necessária para o Brasil? E ainda mais concretamente de que forma a CPLP pode ser um relevante instrumento da politica-externa brasileira no mundo e especialmente no sul global.
Como sabemos, a Comunidade está assente num modelo de gestão por objetivos e afirmada, diariamente, num maior comprometimento político-diplomático por parte de todos os governos de todos os Estados-Membros… pois que a CPLP será tanto mais relevante quanto maior for a relevância que cada Estado-Membro lhe atribuir de per si.
Neste contexto, a pergunta de partida para esta reflexão é procurar saber se a CPLP é de facto relevante para o Brasil? E sendo hipoteticamente relevante, e numa segunda fase, identificar quais as principais oportunidades e desafios que podemos esperar nesta relação político-estratégico-diplomática? E, ainda, numa visão mais académica, o que deve o Brasil fazer em prol deste “triângulo virtuoso” que nos sustenta e nos projeta para o futuro: Cultura – Língua e a História comum?
Sem ir muito longe no friso cronológico da "espuma dos tempos", como referia Adriano Moreira, à Época dos Descobrimentos ou da Conferência de Berlim, quando analisamos a investigação das hipotéticas raízes mais profundas da CPLP, encontramos duas palavras-força simbólicas e articuladas num referencial histórico comum que nos merecem profunda reflexão, especialmente num momento em que pensamos e debatemos o futuro da nossa Comunidade. As palavras-força a que aludo são nomeadamente o binómio “Democracia e Desenvolvimento”, e ainda “Língua e Cultura Portuguesa”.
Palavras sentidas no contexto da Lusofonia que estão ligadas à história da própria CPLP. E, por outro lado, o marco ou referencial histórico que pretendo salientar é a década de 60 e 70 do século passado, um período marcante para as origens da Comunidade, cheia de contradições e promessas... cheia de desafios e de esperanças… cheia de dilemas e de oportunidades… uma época onde o Brasil teve um papel central e muito relevante como sabemos na ligação à génese e ao desenvolvimento inicial do ideal da lusofonia.
Assistimos nas últimas décadas a umas mudanças na Política Externa do Brasil e especialmente na mentalidade política, que teve, entre outras consequências, o de colocar o maior país lusófono a desempenhar um papel vital na criação e viabilização do que haveria de ser a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A mudança paradigmática resultou assim de uma evolução interna, que viria a ter consequências na Política Externa Brasileira e na relação com África e com o Mundo Lusófono, e que marcaria o seu engajamento no maior projeto da Lusofonia realizado até aos dias de hoje… a criação e edificação da CPLP. Embora não tenha sido um engajamento constante nem estável.
De facto, os ventos da História, sopraram com mais força depois da Conferência de Bandung, na Indonésia (1955), que viria a dar origem ao designado “Movimento dos Países Não-Alinhados”2 e, mais tarde, depois de 1960, ano da aprovação da famosa resolução 1514/60 da ONU, que consagrou o direito dos Povos à sua Independência e, implicitamente, induziu as lideranças africanas, a desenvolverem, o que seria a referência como “Modelo de Descolonização”. Movimento ideológico e político que o Brasil apoiou indiretamente e que reconheceu tacitamente no momento da proclamação da Independência dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
Aliás, os processos de independência africanos característicos das décadas de 60 e 70, deram também à Língua Portuguesa um espaço de afirmação ampliado no contexto africano; contribuindo sobremaneira para que a ideia de uma “Comunidade Lusófona Alargada” pudesse aí surgir… como veio a acontecer.
Esta circunstância fez escola e, viria a influenciar as opções linguísticas dos PALOP em África e mais tarde na Ásia, nomeadamente em 2002 com a adesão de Timor-Leste, que se associava ao futuro da CPLP e onde o Brasil também esteve na linha da frente no apoio político-diplomático na procura de afirmação regional no processo pós-Independência. Circunstancialmente, nos anos pós-independências africanas, numa luta para criar uma identidade nacional, numa época que muito se refletiu nestes países sobre o futuro da ligação com a Comunidade e o futuro da Lusofonia em África.
Foram também anos de luta contra o analfabetismo, a iliteracia e o subdesenvolvimento literário e académico. Foi tempo de consolidar uma aposta na educação, levando a uma expansão da Língua Portuguesa levada por decreto e pela mão de países “irmãos” (como o Brasil) para garantir a afirmação regional, como se fosse para ganhar vantagem estratégica na edificação e consolidação da Comunidade no continente africano.
Neste contexto, noutro lado do mundo, Timor-Leste é talvez o palco da demonstração mais recente deste paradigma de impulso para uma Lusofonia consciente… que se foi espalhando pelo mundo e que beneficiou também do impulso e da ajuda do Brasil, nomeadamente com professores de Português no apoio à aprendizagem e consolidação da Língua Portuguesa em Timor-Leste… iniciativas muito louváveis e relevantes que tive o privilégio de testemunhar em Dili.
Nos diálogos da nossa História, as palavras “Democracia e Desenvolvimento” associado às palavras “Liberdade” e “Estado de Direito”, eram entendidas diferentemente pelos idiomas matriciais, muitas vezes desvirtuando a relevância que as palavras tinham. Nesta parábola, foram os Estados Africanos impulsionados pelo exemplo do Brasil, que conservaram este prisma de entendimento linguístico-cultural, e que muito contribuiu para que a Língua Portuguesa pudesse ter uma presença forte em África… abrindo novos espaços para novas oportunidades… essencialmente para o Brasil, levando a uma presença mais consolidada e consistente no continente africano.
Os líderes brasileiros, africanos e nomeadamente as lideranças dos movimentos nacionalistas, que lutavam, pelo resgate da independência, atentos ao património imaterial comum acumulado por todas as camadas da sociedade, deram o exemplo do bom uso, ensino e da difusão da língua comum – o Português, que viria a afirmar-se como “Língua de Desenvolvimento e de Democracia”. Condição que esteve na base ideológica da origem da “Comunidade Lusófona” e que marca a nossa verdadeira Identidade, quer seja em Portugal, em Timor-Leste, nos Países Africanos ou no Brasil.
Já agora, permitam-me que saliente que em Portugal, neste contexto, além dos movimentos políticos que levaram às independências e à passagem da responsabilidade na “defesa” da Língua Portuguesa, lembramos hoje que se registaram dois episódios que ficaram intimamente ligados à História da CPLP, que merecem ser especialmente recordados, e onde o Brasil esteve alinhado com Portugal na construção da “Identidade Lusófona”, a nossa identidade no mundo.
Referimo-nos, especialmente, ao conhecido e saudoso Professor Doutor Adriano Moreira, então presidente da Direção da Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL)3, quando organizou dois congressos das designadas “Comunidades da Cultura Portuguesa”. O primeiro congresso internacional realizou-se em 1964, em Lisboa, precisamente na Sociedade de Geografia de Lisboa; e o segundo, viria a realizar-se em 1967, a bordo do navio NRP “Príncipe Perfeito”, navegando nas águas, já agitadas e turbulentas, nas imediações da Ilha de Moçambique… aludindo certamente a Luís Vaz de Camões e à Língua Portuguesa.
Desses dois congressos resultaram dois instrumentos que originaram e deram impulso à criação da CPLP, nomeadamente: a “União das Comunidades Portuguesas”, e mais precisamente à prestigiada “Academia Internacional da Cultura Portuguesa”. Ambas instituições com o mérito de fazer pensar na importância da sociedade civil para a Cultura Portuguesa e projetar a Lusofonia (ainda sem conotação à CPLP), como fenómeno potencialmente integrador de Comunidades numa ideologia que chegou aos nossos dias. Estes movimentos, aparentemente desconexos, a par de tantos outros nos espaços de língua portuguesa, cujo valor histórico e importância simbólica para a CPLP são muitíssimos relevantes, e por isso creio ser oportuno mencionar neste fórum especial, pois também são a prova provada que o Brasil se empenhou na edificação da Comunidade Lusófona.
Visto que estes acontecimentos tiveram também de lidar com o fim da Ditadura Militar no Brasil (1985)4… o que simbolizou também de certa forma uma “Revolução da Lusofonia”… sentida no Brasil com o surgimento da Nova República e em todos os processos que nos ligam à afirmação da Democracia, do Desenvolvimento e da Lusofonia no mundo, de que a CPLP foi, é, e pensamos que irá continuar a ser, o principal representante para todos os Estados-Membros, e muito em especial para o Brasil.
Enquanto a Democracia se estabelecia no Brasil em 1985 e se insinuava em Portugal após a bem-sucedida Revolução dos Cravos em 1974, os territórios “coloniais” tiveram destinos diferentes e tiveram que procurar a sua própria Democracia, tendo apostado na “Democracia Lusófona”, como contributo para uma maior abertura e defesa da identidade linguístico-histórico-cultural que nos une há bem mais de 500 anos.
Na verdade, a designada “pré-história” da CPLP assinala-se conceptualmente tendo por base três caminhos diferentes:
a. Em primeiro lugar, o modelo brasileiro e português de caminho para a Democracia, que não se repetiu e, como vimos, esteve na origem da CPLP, contribuindo para a sua conceção como Identidade Lusófona;
b. Em segundo, o triunfo da Língua Portuguesa como fator de identidade e união nacional em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe; assim como mais tarde em Timor-Leste, onde o Brasil contribuiu em elevada medida para essa afirmação;
c. E, finalmente, em terceiro lugar, a aproximação da Guiné Equatorial à lusofonia, a todos os denominadores da Cultura e da Língua Portuguesa no mundo, onde também o Brasil se empenhou decisivamente.
Em datas mais recentes, entre os precursores da CPLP, encontramos duas Instituições cuja natureza interessa ao tema em discussão onde também o Brasil deu o seu relevante contributo, nomeadamente a criação da “Associação das Universidades de Língua Portuguesa” (AULP), fundada na cidade da Praia, Cabo Verde, em 1986, com a intenção explícita de acompanhar de perto a cooperação bilateral no domínio da cultura e da educação e privilegiar a interação multilateral nos domínios do ensino e da ciência, tendo por base o Português. E o outro precursor da CPLP foi o “Instituto Internacional de Língua Portuguesa” (IILP), criado no Maranhão, Brasil, em 1989, e atualmente, curiosamente, com sede na bela cidade da Praia em Cabo Verde.
Nessa época de reencontros significativos, em ambos os lados do Atlântico, Brasil e Portugal, dois homens distinguiram-se de modo ímpar pela forma como anteciparam o futuro na ação concreta da construção da CPLP: o Professor Adriano Moreira e o Embaixador José Aparecido de Oliveira5.
Como vimos, somos de facto uma organização ainda muito jovem, em crescimento e em construção, talvez numa crise de identidade e de afirmação global, mas já com uma história muito rica e um passado que nos deve orgulhar… E por isso o Brasil, em nossa opinião, não pode, nem deve, abandonar essa responsabilidade que herdou do seu passado no Mundo… pois temos a noção clara que o Brasil é muito relevante para a CPLP, e que a CPLP é também potencialmente muito importante para o Brasil... vejamos como e porquê.
Antes da constituição formal da CPLP, encontrámos assim muitas ideias e opiniões favoráveis, que assentavam em critérios linguísticos, culturais e históricos, para justificar, como vimos, as cláusulas da solidariedade entre Povos, assentes na busca comum da Liberdade, da Democracia e do Desenvolvimento Sustentado.
Não terá sido por acaso, que estas duas Instituições aludidas são precursoras e representam os fundamentos ideológicos da CPLP, posteriormente integradas ou adotadas. Foi assim efetivamente a Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) e o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP) a que a personagem do Embaixador José Aparecido de Oliveira, entre muitos outros académicos e diplomatas brasileiros, estiveram indubitavelmente ligados à sua génese e matriz ideológica que chegou aos nossos dias.
Neste contexto, a Declaração Constitutiva, de 17 de julho de 1996, que parte do imperativo de consolidar uma identidade própria (Lusofonia) baseada num idioma comum (Língua Portuguesa), com vista a contribuir para o reforço dos laços de solidariedade e cooperação entre os, na altura, sete países da Lusofonia, foi também uma relevante vitória para a diplomacia brasileira. A Declaração refere-se à Língua Portuguesa como veículo, património, espaço e fundamento de um projeto comum, em diálogo, com outras línguas nacionais, numa relação de complementaridade que tem expressão atualmente nos mais de 250 milhões de luso-falantes, dos quais cerca de 80% são do Brasil.
No acordo que nos orienta e legitima, a coordenação político-diplomática é mencionada no fim, como que a sugerir que resultará, naturalmente, da valorização do idioma comum e que nestes mais de 25 anos degenerou em 26 áreas distintas de cooperação, o que mostram não só a vitalidade, mas
a relevância que deriva de ser um potente mecanismo de cooperação estratégica que não pode, nem deve, ser dispensado pelo Brasil na sua relação com o Mundo Lusófono.
Os Estatutos da CPLP, aprovados na mesma data, fixaram desde logo, como sabemos, três grandes objetivos: a concertação político-diplomática; a cooperação em diversos domínios e a materialização da promoção e divulgação da Língua Portuguesa. Estes domínios de ação são precisamente os principais domínios onde o Brasil pode e deve beneficiar da sua presença e engajamento na CPLP.
O Comunicado Final da Cimeira Constitutiva de Lisboa, em 1996, deu primazia à cooperação cultural e à operacionalização do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, criado para promover, enriquecer e difundir a língua como veículo de cultura, educação, informação e acesso ao conhecimento científico e tecnológico. Fator de afirmação do Brasil e da sua identidade na rede global de conhecimento… pois o Português é língua de trabalho e de comunicação em muitos organismos multilaterais onde o Brasil está representado ou tem assento por direito, e simbolicamente é a primeira língua falada no Hemisfério Sul onde o Brasil tem uma presença estrategicamente muito relevante.
Do ponto de vista histórico e institucional, apesar de algumas incongruências na definição dos objetivos e das prioridades estratégicas, parece não existirem dúvidas de que os antecedentes pensadores, as instituições precursoras e os textos fundadores da CPLP, muito por via do Brasil, consubstanciam a importância da Língua Portuguesa como instrumento de união e que tudo pode unir, pois que através do que ela simboliza, os Estados-Membros apostam na sua força para contribuir para o bem-estar material e moral das suas populações.
Cremos que as opções estratégicas para a construção e edificação da Comunidade podiam, mas não deviam ter sido diferentes, porque a valorização da Língua Portuguesa constitui uma necessidade, uma vantagem competitiva e um projeto com viabilidade e válido para todos os Estados-Membros da CPLP… e muito especialmente para o Brasil, que tem mais de 250 milhões de habitantes e que está representado em todo o Mundo, nomeadamente na sua diáspora que está estimada em mais de 5 milhões de pessoas, espalhadas nos cinco continentes.
Neste contexto, porque consideramos que a língua comum é uma vantagem relativa e também fator de competitividade, quando confrontamos a CPLP com outras comunidades pós-coloniais, em particular a Comunidade Britânica (Commonwealth) e a Comunidade de Língua Francesa (Organização Internacional da Francofonia), tomamos nota da imperiosa necessidade de considerarmos três singularidades relevantes, que materializam, na minha opinião, a relevância da CPLP para o Brasil:
a. Que a CPLP resultou da expressão soberana de nações independentes que, na viragem dos respetivos percursos históricos, decidiram aproveitar as heranças comuns, incluindo a cultura e a língua, para interagir e apostar no desenvolvimento assente nos valores partilhados da Paz, Liberdade e da Democracia… princípios que o Brasil também advoga na sua Constituição;
b. Que a CPLP nasceu como organização linguística e cultural, sem especial vocação para se transformar numa união económica e monetária, tendo ainda assim vindo a contribuir para uma tentativa muito válida de consolidação das Economias dos Estados-Membros… e que contribuirá para a valorização económico-financeira do Brasil como potencia do Sul Global;
c. E pelo facto de ter apostado, há mais de 25 anos, na cooperação na área da Defesa, que se revelou uma aposta ganha e que contribuiu para alavancar as Forças Armadas e a componente de Defesa Nacional dos Estados-Membros, e que tem possibilitado ao Brasil um reforço da sua presença militar em África e no Atlântico Sul.
Na verdade, o Brasil na CPLP poderia, numa dinâmica de contribuir para a internacionalização económico-financeira, apostar numa mais substancial presença estratégica nas regiões onde gravitam os Estados-Membros da Comunidade... nomeadamente em África, onde tem mais países e especialmente na região do Golfo da Guiné que é o centro de gravidade operacional da CPLP. Essencialmente no sentido de institucionalizar relações privilegiadas no domínio económico-financeiro e de segurança e defesa. Pois, além da globalização e das dinâmicas regionais, temos de ter em conta a lógica própria das novas relações bi-multilaterais, numa nova lógica de cooperação estratégica global onde o Brasil também se pretende posicionar.
Ora, se as tendências globais de fundo não contrariarem estas constatações, deveremos, sem deixar de incentivar o projeto nos domínios da Cultura e da Língua Portuguesa para a educação, ciência, tecnologia e o desenvolvimento humano, apostar, decisivamente, no reforço da cooperação económico-financeira e na segurança e defesa, onde a CPLP precisa do Brasil… mas o Brasil também precisa da CPLP.
A prática mostra-nos ainda uma CPLP política e economicamente débil, sem uma clara linha de rumo percetível, algo hesitante entre as pressões conjunturais regionais e globais, e à procura de um projeto de cooperação estratégico e estável, afirmativo e mobilizador. Diríamos, numa só palavra, que a CPLP é para o Brasil uma onda num mar agitado… onde sabemos que nos pode levar para algum lugar… mas não sabemos exatamente para onde… pensamos que atualmente o Brasil precisa de contrariar esse paradigma e conhecer bem esse mar e surfar bem essa onda em prol da sua afirmação no mundo.
Por conseguinte, por incómoda que seja, esta pergunta parece tecnicamente correta: Será a CPLP relevante para o Brasil? Em nosso entender, pensamos que sim e que depende, fundamentalmente, de três condições basilares e estratégicas, nomeadamente:
a. Promover uma reforma interna na CPLP para que esta se possa adequar às novas dinâmicas da cooperação internacional e tornar-se efetivamente mais útil, mais necessária e potencialmente um melhor instrumento de apoio à sua Política Externa e nomeadamente à Política de Defesa;
b. Reforçar a visibilidade internacional ao nível da concertação político-diplomática e apostar na possibilidade de servir de fórum de diálogo privilegiado entre os Países da Lusofonia… nomeadamente nos contextos regionais e globais onde o Brasil está multilateralmente representado;
c. E por último, robustecer o papel na defesa da Cultura Lusófona, da Língua Portuguesa, da História comum, e contribuir assim para uma maior presença do Português no Mundo e nas redes globais de conhecimento, onde o Brasil se pretende destacar e afirmar.
Cremos também que a reunião destas três condições poderia acelerar o processo de clarificação e dinamização do conceito de “Lusofonia”, libertando-o definitivamente de qualquer conotação negativista do passado, e abrindo a porta a um mundo novo… onde o Brasil deve estar… também por via de assumir a liderança e de um maior comprometimento político, e necessariamente um muito maior engajamento estratégico na CPLP.
Sendo que parece provado que a CPLP é fundamental, por diversas razões, como vimos, para o Brasil. E que o Brasil é muito relevante no papel da CPLP como nação fundadora. O grande desafio para o Brasil, passado estes mais de 25 anos, é saber como contribuir, decisivamente, para que a CPLP possa passar de uma “Comunidade Imaginada e Latente” a uma “Comunidade Viva e Dinâmica”. Para isso o Brasil necessita de se comprometer com uma mudança que também depende da vontade política dos demais Estados-Membros, e que toca ainda nos 30 Estados Observadores Associados que a compõem. Mas uma mudança de futuro, que assenta nos pilares do passado, mas que a projeta no sentido de desenvolver novas áreas de cooperação e de apostar no reforço da economia, defesa e mobilidade.
Um grande projeto está assim ao “alcance da mão” e a questão para o Brasil é de escolher entre naufragar ingloriamente nos “Mares Ideológicos da CPLP” ou assumir com determinação o seu destino, o reforço da sua missão fundadora, que assenta na defesa da Cultura Lusófona, da Língua Portuguesa e da sua História comum, atualmente num contexto de crescimento institucional e de afirmação global da nossa Comunidade.
Os desafios para o Brasil são muitos, mas as oportunidades também são imensas. E como tal, esperamos que o despertar das consciências adormecidas permita que o Brasil ocupe o seu espaço na CPLP e concomitantemente no Mundo da Lusofonia… e esperamos também que a CPLP possa vir a ser mais relevante para o Brasil do que já o é…
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ACORDO ENTRE O GOVERNO PORTUGUÊS E A CPLP REFERENTE AO ESTABELECIMENTO DA SEDE EM PORTUGAL. 3 de Julho de 1998. Lisboa.
Boletim da CPLP N.º 4, 7 e 11.
COMUNICADO FINAL DA CIMEIRA CONSTITUTIVA DA CPLP. 17 de Julho de 1996. Lisboa.
DECLARAÇÃO CONSTITUTIVA DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. 17 de Julho de 1996. Lisboa.
ESTATUTO DO CIDADÃO LUSÓFONO – Cabo Verde. Lei n.º 36/V/97, de 8 de Agosto de 1997. Praia.
ESTATUTOS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. 17 de Julho de 1996. Lisboa.
ESTATUTOS DO INSTITUTO INTERNACIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA. 17 de Julho de 1998. Praia.
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* Este texto tem por base uma conferência proferida pelo autor na Academia Internacional de Cultura Portuguesa no passado dia 7 de outubro de 2024, no âmbito do seminário sobre “O Brasil na Nova Ordem Internacional”.
1 https://www.gov.br/abc/pt-br
2 O Movimento dos Países Não Alinhados é um fórum internacional composto por 120 países que não estão formalmente alinhados com nenhuma grande potência ou bloco militar. Este fórum global surgiu como uma alternativa à polarização da Guerra Fria, promovendo a cooperação entre nações do “Terceiro Mundo” e defendendo a independência, a autodeterminação e o desenvolvimento económico destes povos.
3 A Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) é uma sociedade científica criada em Lisboa no ano de 1875 com o objetivo de em Portugal promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas. A Sociedade foi criada no contexto do movimento europeu de exploração e colonização, dando na sua atividade, desde o início, particular ênfase à exploração do continente africano e baluarte da Lusofonia e da expansão da Língua Portuguesa no mundo. (www.socgeografialisboa.pt)
4 O fim da ditadura militar no Brasil ocorreu em 1985, marcando o início da redemocratização do país. O processo foi gradual, com a posse de José Sarney como presidente em 15 de março, após 21 anos de regime militar, e culminou na promulgação da Constituição de 1988. A ditadura militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985, foi um período marcado pela restrição de direitos políticos, censura e perseguição aos opositores. O golpe militar de 1964 depôs o presidente João Goulart e instaurou um regime autoritário que se consolidou com a promulgação de atos institucionais.
5 Também a história da CPLP já tinha registado que, em 1983, o Dr. Jaime Gama, na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, escolheu uma visita oficial a Cabo Verde para apresentar, na cidade da Praia, aquilo que na altura era verdadeiramente uma ideia peregrina e uma reflexão de ensaio político: a criação de uma “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, e que viria a ser apoiado pelo Brasil, desde o início.
Diretor-gerente e Sócio efetivo da Revista Militar.