Nº 2469 - Outubro de 2007
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Defesa Económica e Competitividade
Tenente-coronel
Henrique Manuel Martins Veríssimo
1.  Introdução
 
Em todas as épocas da História, as preocupações de defesa de qualquer sociedade estiveram sempre relacionadas com o potencial económico dessa mesma sociedade, não só porque é este que permite dispor de armamento na quantidade e qualidade desejada - l’argent est le nerf de la guerre - mas principalmente porque o funcionamento harmonioso dos circuitos económicos é condição sine qua non para a salvaguarda daquele. Contudo, a evolução histórica recente influenciou determinantemente o âmbito de aplicação e os instrumentos da denominada defesa econó­mica. Há umas décadas atrás a sua finalidade era, genericamente, a de impor uma economia administrativa e regulada a uma economia de mercado desorganizada. Desde finais do século transacto, com o incremento de novas e multifacetadas ameaças (susceptíveis de provocar desordens de um novo tipo e de efeitos mais devastadores) e num contexto de forte globalização económica, a defesa económica teve de evoluir para fazer face a estas novas realidades. É assim que, desde aquela data, a defesa económica passou a ter como principal objectivo criar e manter as condições de competitividade numa economia mundializada. Para tal, o Estado deve, prioritariamente, assumir o seu papel de garante da estabilidade aos actores económicos e desenvolver uma forte cooperação entre a sua administração e as empresas, para alargar a sua zona de influência económica num mundo altamente competitivo e conflitual.
 
Hoje, num quadro geoeconómico altamente competitivo e conflitual1, não existem condições eficazes para a edificação de uma defesa económica nacional sem que a dimensão da competitividade económica esteja garantida. A competitividade constitui, assim, o grande desígnio económico do País e a sua principal base para uma estratégia económica nacional.
 
 
2.  A Competitividade: o Grande Desafio da Defesa Económica
 
Portugal tem de encontrar, neste domínio da defesa económica, um novo paradigma para a competitividade nacional. Um estudo realizado em Portugal pela Monitor Company (sob a direcção de Michael Porter) que contou com a colaboração de cerca de 100 líderes políticos e económicos (denominados “Líderes de Opinião”), aponta para que “a resposta não reside em mudanças radicais na política económica” pois “o desempenho macroeconómico é o resultado de empresas e indústrias dinâmicas, e não o inverso” (Monitor Company, 1994, 15). Más políticas macroeconómicas podem destruir economias (caso recente da Argentina). Contudo, boas políticas macroeconómicas são apenas condições necessárias mas não suficientes para a competitividade nacional. No fundo, sendo as empresas que competem e não os países, o modelo de competitividade tem de assentar numa perspectiva mais microeconómica. Segundo Teodora Cardoso (2002, 5), a competitividade adquiriu uma natureza muito mais estrutural e menos dependente da política macroeconómica.
 
De acordo com Michael Porter (1990, 233) a competitividade de uma Nação depende da capacidade da sua indústria para inovar e melhorar. Neste sentido “o verdadeiro papel do governo é o de um catalisador e de um challenger; é o de encorajar - ou mesmo forçar - as empresas a elevar as suas aspirações e a subirem a níveis mais altos de desempenho qualitativo, ainda que este processo possa ser intrinsecamente desagradável e difícil” (Porter, 1990, 245)2. Deste modo, “há alguns princípios básicos e simples que os governos deveriam adoptar a fim de desempenharem um papel apropriado à competitividade nacional: encorajar a mudança, promover a rivalidade interna e estimular a inovação” (Porter, 1990, 246).
 
Para melhor compreender o papel do Governo na criação da vantagem competitiva nacional, faremos uso do modelo de Michael Porter, pela primeira vez referido no seu livro “The Competitive Advantage of Nations”. De acordo com o autor (1993, 87), são quatro os atributos genéricos da competitividade de uma Nação (determinantes da vantagem competitiva), os quais, enquanto sistema, constituem o denominado “Diamante da vantagem nacional”3: condições dos factores4, condições da procura5, indústrias relacionadas e de suporte6 e, ainda, estratégia, estrutura e rivalidade empresarial7. “O papel real do governo na vantagem competitiva nacional está em influenciar os quatro determinantes” (Porter, 1993, 146).8
 
2.1. O Papel do Governo nas Condições dos Factores
 
O potencial de inovação numa economia é determinado pelo ritmo de evolução da qualidade e da qualidade dos factores. As políticas públicas (em áreas como a educação, a ciência e tecnologia, o capital, as infra-estruturas e a informação) têm uma acção determinante neste vértice do Diamante.
 
2.1.1. Educação
 
Alcançar vantagens competitivas nacionais para competir em mercados sofisticados exige recursos humanos altamente capacitados. Para que a economia de um país cresça, a qualidade dos seus recursos humanos deve evoluir continuamente. Neste sentido, a educação é, também, uma questão de política económica.
 
O maior desafio do sistema educativo a proporcionar pelo Governo deve ser o de criar um ambiente no qual sejam as necessidades do mercado (ou da sociedade em geral) a determinar as necessidades da educação. Para tal tem de haver uma forte interacção entre o Governo e as empresas na definição das políticas de educação.
 
2.1.2. Ciência e Tecnologia
 
Uma economia competitiva exige um nível crescente de tecnologia. Estimular a inovação9 através de avanços científicos e tecnológicos é um dos papéis mais largamente reconhecidos ao Governo.
 
De acordo com Michael Porter (1993, 94) o princípio geral na abordagem da ciência e tecnologia deve ser o de criar uma política de inovação e não só uma política científica e tecnológica. A ciência e tecnologia não podem ser dissociadas da sua aplicação comercial na procura de melhorar a vantagem nacional. A política para estimular a inovação comercial tem de ir para além da ciência e tecnologia e incluir uma política vocacionada para a competição.
 
Segundo a INTELI10 (2003, 56-57), “a aposta na inovação é a única estratégia sustentável para Portugal poder desenvolver-se a um ritmo que lhe permita atingir os níveis de desempenho económico dos países mais desenvolvidos”, devendo o efeito final da política de inovação reflectir-se directamente nas empresas. Esta é também a opinião de Diogo Vasconcelos (2003, 112), para quem “é importante que o Governo esteja na primeira linha da inovação, puxando pelo mercado, gerando valor na economia, através de exemplos de excelência e de sucesso, que consigam gerar entusiasmo e efeito mobilizador, na sociedade e nas empresas”11.
 
2.1.3. Capital
 
O crescimento de uma economia exige uma ampla disponibilidade de capital a baixo custo, que possa ser afectado de forma eficiente - através do sistema bancário e do mercado de capitais - aos investimentos associados a uma mais elevada produtividade12. De acordo com a Monitor Company (1994, 99), o Governo pode influenciar a oferta e o custo do capital, bem como os mercados através dos quais ele circula. Isto porque, a oferta de capital de um país é, em grande parte, afectada pelo índice de poupança das famílias, pelos excedentes ou défices públicos e pelos fluxos de divisas.
 
A política pública pode afectar qualquer um destes factores, assim como também o pode fazer relativamente aos mecanismos de transferência que permitem canalizar o capital para os investimentos mais produtivos.
 
2.1.4. Infra-estruturas
 
A disponibilidade de boas infra-estruturas é um factor fundamental para a competitividade de um país. Isto é particularmente verdade em áreas como os transportes, a logística e as telecomunicações (Porter, 1993, 712).
 
O Governo tem um papel fundamental no levantamento das infra-estruturas nacionais. As suas decisões de investimento, nomeadamente as respeitantes ao sistema de transportes (incluindo acessibilidades)13 e à constituição de eventuais reservas de produtos energéticos ou outros14, devem, contudo, ser enquadradas com racionalidade, não apenas económica, mas também estratégica15.
 
Michael Porter (1993, 712) lembra ainda que, há muito que o termo “infra-estrutura” representa mais do que apenas estradas e telefones. São também importantes as actividades culturais e recreativas que atraem pessoas de talento para morar e trabalhar num local.
 
2.1.5. Informação
 
Hoje é perfeitamente claro que o volume e qualidade de informações disponíveis num país é vital no quadro competitivo internacional. Para a competitividade das empresas a disponibilidade de informações úteis é absolutamente essencial16, pois são elas que permitem conhecer os mercados, a concorrência, as tecnologias, enfim, todo o ambiente interno e externo das mesmas. Para Christian Pierret17, “l’intelligence économique18 met en perspective toutes les informations utiles aux entreprises, qu’elles soient scientifiques et techniques ou portent sur les marchés, les produits, les concurrents, la réglementation, les comportements”. Esta é também a opinião de Tavares Moreira, para quem o Estado assume, neste particular, um papel crucial. De facto, segundo Christian Pierret19, calcula-se que 80% das informações económicas úteis às diversas unidades económicas sejam detidas pelo Estado. Assim sendo, Carlos Tavares (2003a) refere que, “a informação sobre mer­cados, oportunidades ou tendências fornecida tão precocemente quanto possível é, porventura, o melhor e mais poderoso apoio que o Estado pode prestar às empresas”20.
 
A gama de informações económicas é susceptível de ser recolhida nas mais diversas fontes, calculando-se que “90% das informações recolhidas provêm da exploração de fontes abertas, como a imprensa especializada e os recursos Internet” (Boniface, 2002, 111). Para a recolha e tratamento das mesmas, o Governo deverá prover à criação de serviços de informações económicas em colaboração com as empresas. Mas esta deve ser também uma área de actuação dos serviços de informações estatais.
 
De facto, como já anteriormente foi referido, “a informação económica tornou-se uma das principais fontes de preocupação dos serviços secretos ocidentais” (Boniface, 2002, 111). Em Portugal, de acordo com esclarecimento prestado por Caimoto Duarte21 esta realidade ainda não é visível, embora seja esse o caminho a percorrer. Já em 1997, António Guterres22 em cerimónia oficial, afirmava: “Esta informação estratégica não se queda nos domínios clássicos atinentes à política externa e de defesa, entendidas em sentido estreito. Terá de abranger cada vez mais domínios tão sensíveis para o nosso posicionamento internacional como o económico-financeiro, o do desenvolvimento industrial e tecnológico, (...), com especial realce para as áreas geográficas com que mantemos relações políticas, económicas e militares”.
 
2.2. O Papel do Governo nas Condições de Procura
 
A melhoria da vantagem competitiva nacional exige uma procura interna desenvolvida e sofisticada. O papel do Governo pode ser o de estimular quantitativamente a procura, aumentando a despesa pública. Contudo, a vantagem competitiva, nas actuais condições, não é tanto estimulada pela quantidade global da procura, mas mais pelos aspectos qualitativos dessa procura. Neste sentido, a política de compras públicas e de regulamentação são precisamente as duas políticas que mais impacto têm sobre as condições de procura (Monitor Company, 1994, 102).
 
2.2.1. Política de Compras Públicas
 
A política de compras públicas (procurement) é o modo mais directo que o Governo dispõe para influenciar as condições de procura. Funciona a favor da vantagem competitiva nacional quando a venda de produtos a órgãos da Administração Pública (AP) se transforma num mercado garantido (mas exigente) para as empresas nacionais, através de práticas de preferência nacional. “Uma vez posto em marcha este ciclo de dependência, as empresas passam a influenciar permanentemente o estabelecer de standards idiossincráticos ou outro tipo de regulamentações, por forma a bloquear a competição dos rivais internacionais” (Monitor Company, 1994, 102).
 
Coloca-se, no entanto, a seguinte questão: em que medida é que uma política de compras públicas, favorecendo empresas nacionais, poderá ser estabelecida sem infringir as regras comunitárias de concorrência? A esta questão, Luís Valadares Tavares (2003, 103) responde que “o Tratado da União, especialmente a partir do Acto Único, não permite discriminar entre empresas nacionais ou não, sempre que se procede a uma compra pública. Todavia, cada Estado é soberano em relação à escolha do que pretende adquirir e é nessa etapa decisória que se podem escolher soluções, padrões, normas ou outros termos de referência que permitam dar grandes oportunidades às nossas empresas (...).
 
Assim sendo, a política de compras públicas pode, em determinadas circunstâncias, funcionar como uma alavanca da vantagem competitiva nacional, caso o Estado actue como um comprador exigente e sofisticado. Para tal, deve, por um lado, haver um esforço coordenado de todos os órgãos da AP e, por outro, ser induzido um forte cariz de competição interna23.
 
2.2.2. Política de Regulamentação
 
O Governo pode igualmente influenciar as condições de procura através do desenvolvimento de padrões (standards)24 e regulamentos avançados e exigentes. Estes pressionam as empresas no sentido da qualidade e da inovação, assim como podem antecipar tendências internacionais25.
 
2.3. O Papel do Governo nas Indústrias Relacionadas e de Suporte
 
Michael Porter (1993, 821) conclui que nenhum país pode dispor de competitividade em todos os sectores. Num mundo de crescente concorrência global, as economias são especializadas. O sucesso competitivo de cada país encontra-se concentrado em certas indústrias e tipo de indústrias inter-relacionadas, designados por clusters26.
 
A forma mais eficiente que os governos possuem para reforçar o desenvolvimento de um cluster é através de investimentos que criem ou ajudem a criar factores especializados, tais como institutos técnicos e universitários e infra-estruturas específicas (Monitor Company, 1994, 104).
 
2.4. O Papel do Governo na Estratégia, Estrutura e Rivalidade Empresariais
 
As políticas públicas influenciam a forma como as empresas são geridas, definem os seus objectivos e concorrem entre si. De todas, as que incentivam uma forte concorrência no mercado doméstico são particularmente eficazes.
 
2.4.1. Objectivos
 
Quer as empresas, quer os indivíduos que nelas trabalham, necessitam de ter objectivos que os direccionem no sentido do empenhamento contínuo no seu labor. Estes objectivos reflectem uma grande variedade de circunstâncias num país, muitas das quais fora da influência directa das políticas públicas. No entanto, estas podem influenciar grandemente os objectivos individuais e empresariais.
 
No que respeita aos primeiros, o Governo pode estimulá-los através de políticas fiscais e promovendo políticas de progresso com base no mérito. Aquelas encorajam os esforços adicionais, enquanto estas estimulam o investimento na melhoria de qualificações e induzem, igualmente, maiores empenhamentos.
 
Relativamente aos segundos, a política fiscal é o instrumento mais poderoso que um governo dispõe, na medida que permite encorajar o investi­mento.
 
2.4.2. Internacionalização de Empresas
 
As políticas públicas devem encorajar uma visão internacional por parte das empresas. Podem fazê-lo através da regulamentação do investimento estrangeiro, da promoção das exportações, de programas de informação económica e de políticas que assegurem o acesso a mercados internacionais.
 
2.4.2.1. Investimento Directo Estrangeiro (IDE)27
 
“O investimento estrangeiro é uma manifestação da competição global e da necessidade de estratégias globais; pode ser parte do processo pelo qual a economia aprimora a produtividade” (Porter, 1993, 747). No entender de Carlos Tavares (2002, 30), “a captação de investimento estrangeiro é uma questão estratégica para a economia portuguesa”.
 
Contudo, segundo Araújo Moreira (1997, 177), este tipo de investimento é, também, o que tem maiores implicações em termos de defesa nacional28.
 
 Verifica-se, no entanto, que isto é apenas verdade em termos estritos, uma vez que, como temos afirmado ao longo do presente trabalho, a capacidade de defesa das nações encontra-se, hoje, fortemente dependente da sua competitividade e da sua aptidão para gerar riqueza29.
 
É por isso que, segundo Miguel Cadilhe (2003, 22), o mérito para a economia nacional deve ser o critério chave de avaliação dos projectos de investimento. Serão meritórios, por exemplo, todos os investimentos de elevada produtividade30 e valor acrescentado31, que se dirijam à produção de produtos transaccionáveis32 internacionalmente, que utilizem recursos endógenos, que melhorem a cadeia de valor e que fomentem a inovação.
 
Neste particular, a captação de IDE assume um papel fortemente positivo. Em primeiro lugar, como sintetiza Nogueira Leite (2002, 36), pelos seus efeitos directos. “Em economias carentes de capital para crescer, como é o caso da nossa, há necessidade de o importar. Podemos importar “capitais próprios” - isto é, IDE - ou “capitais alheios” - isto é, dívida externa. Se mais motivos não houvesse, o IDE tem a vantagem de ser mais estável em situações de crise financeira do que outras formas de capital (movimentos de carteira ou empréstimos bancários internacionais)”.
 
Em segundo lugar, ainda de acordo com o autor (2002, 37), também pelos seus efeitos indirectos: “porque facilita a transferência internacional de bens, serviços, capitais e tecnologia (...), porque mais facilmente se acede a redes globais de capital, tecnologia e marketing; porque estimula a concorrência na economia nacional e promove a sua liberalização reduzindo, assim, fenómenos de ineficiência; e porque difunde best practices no governo das empresas e nas próprias instituições e tradições legais do nosso país (como, aliás acontece em qualquer outro)”.
 
Pelas razões expostas, na economia globalizada, os países competem ferozmente pela captação de IDE de qualidade33. Para Nogueira Leite (2002, 37), “nesta concorrência pela captação de IDE, as fontes de vantagens de localização são determinantes”.
 
O papel fundamental do Governo consiste, então, em criar um ambiente34 que leve as empresas estrangeiras a investir directamente em Portugal, mantendo e desenvolvendo aqui as suas bases domésticas, dando prioridade às empresas que promovam a inovação nos sectores produtores de bens e serviços transaccionáveis internacionalmente35. Para tal, muito contribuem as políticas e práticas de redução dos denominados custos de contexto na Administração Pública, nomeadamente, entre outros, “custos de tempo, custos administrativos, custos fiscais ou parafiscais, custos de rigidez da escala produtiva, custos de gestão e protecção da propriedade intelectual e da propriedade industrial e custos de comportamento ou aptidão, não imputáveis ao investidor, ao seu negócio ou à sua organização” (Decreto-Lei n.º 225/2002, de 30 de Outubro).
 
2.4.2.2. Política Comercial
 
A política comercial do Governo deve apostar fortemente na internacionalização das empresas nacionais, concentrando-se na abertura de mercados e na detecção de práticas injustas. Deve, para tal, disponibilizar informações económicas úteis e ajudar as empresas a superar os obstáculos à entrada nesses mercados.
 
Ainda no âmbito da política comercial do Governo, é essencial apostar na criação de marcas portuguesas e da “marca Portugal” como âncora de afirmação das nossas empresas nos mercados internacionais36.
 
As primeiras, sendo, segundo o ICEP (2002, 29), a síntese identitária dos produtos de cada uma das diversas empresas, desempenham um papel fundamental numa economia cada vez mais globalizada. Na verdade, no actual sistema económico internacional, ser-se reconhecido localmente, neste, naquele ou noutro mercado específico e seleccionado de acordo com a estratégia estudada e assumida pela empresa, é a única forma de assegurar a presença nesses mercados, resistindo às pressões cada vez mais intensas e exigentes da concorrência, também ela originária de proveniências cada vez mais dispersas (ICEP, 2002, 29).
A aposta na “marca Portugal” (tal como as que existem noutros países)37 é igualmente uma necessidade de primeira linha. A imagem de Portugal funciona ainda como uma externalidade negativa para os produtos portu­gueses38.
 
De acordo com Wally Olins (2002), num mundo cada vez mais compe­titivo, as nações continuam a tentar projectar o seu poder político, a sua influência e o seu prestígio; porém, na actualidade, as nações têm de competir, também, em questões muito mais concretas e quantificáveis, como, por exemplo, as exportações, o investimento estrangeiro e o turismo. Segundo o autor (2002) “cada Nação procura, hoje, promover a sua personalidade, cultura, história e valores próprios, projectando aquilo que pode ser uma ideia imaginada, mas imediatamente reconhecível de si própria, com objectivos comerciais e políticos”.
 
Para atingirem este objectivo, os governos têm de socorrer-se das técnicas do marketing. “Trata-se de apresentar uma Nação ou uma região de forma forte, atraente e diferenciada” (Olins, 2002).
 
2.4.2.3. Diplomacia Económica
 
A diplomacia económica é um dos mais potentes instrumentos de defesa económica de que um governo pode dispor. De acordo com Martins da Cruz (2003), a diplomacia económica é já um dos objectivos permanentes e prioritários da máquina diplomática e consular portuguesa39. Ela deve ter presente a necessidade de criar e explorar oportunidades para as empresas e para a economia nacional, através da sua internacionalização, do incremento das exportações, da promoção de sectores estratégicos (como o turismo) e da captação de IDE de qualidade.
 
O modelo de diplomacia económica deve produzir planos de actividades em função de mercados prioritários e elaborar o perfil de Portugal mais adequado a cada um deles. Para ser eficaz deve contemplar a estreita colaboração das tutelas ministeriais envolvidas (Ministérios da Economia e dos Negócios Estrangeiros) com diversos órgãos e entidades, nomeadamente associações empresariais, câmaras de comércio e empresas40.
 
2.4.3. Rivalidade Empresarial
 
De acordo com Michael Porter (1993, 738), poucos papéis do Governo são tão importantes no aprimoramento de uma economia como o de assegurar uma vigorosa rivalidade interna. Esta é fundamental, não só para estimular a inovação, mas também para reforçar os outros determinantes do Diamante.
 
As políticas de desregulamentação da concorrência e de privatização de monopólios41 estatais constituem, geralmente, importantes estímulos à van­tagem competitiva nacional.
 
2.4.3.1. Políticas de Desregulamentação
 
Muitas situações existem em que a própria dinâmica da economia de mercado conduz a situações de insuficiente concorrência. Pela escassez de recursos, por estarem inseridas em mercados monopolistas42 ou, ainda, devido a práticas anticoncorrenciais por parte de operadores fortes e instalados43, muitas vezes, concorrentes mais pequenos, mas mais ágeis e inovadores, vêem-se afastados do mercado. Para todas estas situações é imprescindível a intervenção do Estado, como regulador.
 
Também o combate à informalidade é, segundo Augusto Mateus44, um dos principais mecanismos de promoção da concorrência visto que, combatendo a existência de agentes económicos que não cumprem as suas obrigações legais, o Estado está a tornar a concorrência mais justa e transparente.
 
 Neste particular, Paulo Pinho45 defende que o Estado deve fazer um elevado investimento em termos de implementação de sistemas que permitam o cruzamento de informação obtida no desenrolar da sua actividade.
 
2.4.3.2. Política de Privatizações
 
Segundo a Monitor Company (1994, 117) “provas contundentes prove­nientes de um grande número de países sugerem que a titularidade pública das empresas não favorece a competitividade”. De facto, a experiência mostra que o Estado não é bom gestor de empresas46. A privatização visa, assim, melhorar a competitividade das empresas nacionais. A política de privatizações é, portanto, um dos instrumentos de defesa económica que mais atenção deve merecer dos governos onde o sector empresarial do Estado tenha um peso elevado na economia nacional47.
 
As privatizações (tal como o IDE) acarretam, contudo, uma preocupação (por vezes, infundada) em termos de defesa nacional: a de que aquelas se transformem num processo de transferência de activos para o exterior do país48, ou numa entrega de centros de decisão nacionais (CDN) a operadores estrangeiros.
 
 
3.  Considerações Finais
 
Num mundo altamente globalizado, onde o papel fundamental foi assumido pela Economia, a conflitualidade económica exige que os países se mantenham altamente competitivos. Vimos que, hoje, a competitividade de um país depende muito mais de factores microeconómicos do que de factores macroeconómicos. Foi uma perspectiva microeconómica de desenvolvimento da competitividade económica que quisemos aqui trazer. Esperamos ter correspondido às expectativas do leitor.
 
 
Bibliografia
 
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*      Tenente-Coronel de Administração Militar. Actualmente colocado na EUROFOR.
 1 De notar que, na nova ordem mundial, a geoeconomia está a sobrepor-se à geopolítica. O poder assenta, hoje, fundamentalmente no factor económico; o parâmetro regulador principal da ordem internacional foi assumido pela economia. Para maior detalhe vide Carlo Jean. “Geopolítica, Geoestratégia e Geoeconomia nel Mondo Pos-bipolare”. Per Aspera Ad Veritatem, N.º 1, Roma, Gennaio-Aprile 1995 [Em linha]. Disponível na WWW: http://www.sisde.it/revista1.nsf/servnavig/3.
 2 Também Ernâni Lopes (2000, 50), referindo-se ao papel do Estado no contexto da glo-balização (fim do Capitalismo Industrial), lembra que, “nesta nova era do Capitalismo Informacional, a intervenção do Estado é mais sofisticada e ‘secundária’, situando-se a montante da actividade económica directa”.
 3 Podemos considerá-lo o campo de batalha que cada país estabelece para as suas empresas.
 4 A situação do país em termos de factores de produção: terra, capital, trabalho, infra-estruturas, recursos naturais e conhecimentos científicos (Porter, 1993, 87).
 5 A natureza da procura interna de bens e serviços (Porter, 1993, 87).
 6 A presença ou ausência, no país, de indústrias fornecedoras e de outras indústrias de suporte que sejam internacionalmente competitivas (Porter, 1993, 87).
 7 As condições que, no país, regem a criação, organização e gestão das empresas, assim como a natureza da competição interna (Porter, 1993, 87).
 8 O papel do Governo é mais facilmente compreensível descrevendo as políticas com que ele pode influenciar positivamente o Diamante.
 9 Entrada de um novo e significativamente diferente produto, introdução de uma nova técnica de produção ou abertura de um novo mercado (Samuelson; Nordhaus, 2003, 748).
10 Inteligência em Inovação.
11 Neste contexto, refira-se que, aquando da discussão pública das Bases do CEDN, a AIP propôs, a propósito do vector económico da defesa nacional, a inclusão de uma nova Base - As Forças Armadas como Centro de Excelência para o Desenvolvimento - em que estas se deveriam constituir como modelo de serviços públicos altamente eficientes. É uma proposta a retomar.
12 Um baixo custo do capital estimula o investimento necessário ao aumento da produtividade nacional que, segundo Michael Porter (1993, 6), é “o único conceito significativo de competitividade a nível nacional”.
13 Para Nunes da Silva (2003,401), é inadmissível que o País mais periférico de todos os países da UE, seja exactamente aquele que nunca elaborou um plano de transportes a nível nacional, nem produziu qualquer reflexão estratégica digna desse nome na área dos transportes e acessibilidades.
14 De acordo com Rocha de Matos (1985, 17), dados os elevados custos de armazenagem envolvidos, a constituição de reservas estratégicas destinadas a fazer face a situações de crise não parece ser solução a encarar, a não ser em áreas muito específicas e de forma muito limitada; deve, no entanto, constituir um objectivo dentro das possibilidades do País. Já para Melo Baptista (2003, 365), Portugal deve apostar claramente em energias alternativas como a eólica, a solar, a hídrica e a de biomassa, em que o País é potencialmente rico.
15 Vide, a este propósito, Loureiro dos Santos. “A Espanha Aqui Tão Perto”. Diário de Notícias (04-06-2002).
16 Para se tornarem competitivas, as empresas devem poder criar uma assimetria de informação a seu favor.
17 In Pourquoi en 2001 Parler à Nouveau de Défense Économique et d’Intelligence Économique? [Em linha]. Disponível na WWW: http://strategique.free.fr/archives/textes/ie/archives_ie_12.htm.
18 Intelligence économique:l’ensemble des actions de recherche, de traitement, de diffusion (en vue de son exploitation) de l’information utile aux différents acteurs économiques” (Institut des Hautes Études de Défense Nationale, 63).
19 In Intelligence et Défense Économiques au Service du Développement Économique [Em linha]. Disponível na WWW: http://strategique.free.fr/archives/textes/ie/archives_ie_12.htm.
20 Neste sentido, foi criado por um Governo anterior (em parceria com entidades privadas) o Sistema de Informação às Empresas, vocacionado “para responder às necessidades das empresas e suas associações em matéria de informação económica” (Tavares, 2003a).
21 In Caimoto Duarte. Conferência O Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM), Instituto de Altos Estudos Militares, Pedrouços, 18-06-2003.
22 In Discurso do Primeiro-Ministro na Cerimónia de Tomada de Posse do Director do SIEDM, Residência Oficial de S. Bento, 05-05-1997.
23 Através do estabelecimento de especificações rigorosas de produtos.
24 De desempenho dos produtos, de segurança e de impacto ambiental, por exemplo.
25 Por exemplo, uma regulamentação ambiental rígida não penaliza, necessariamente, as empresas nacionais face à concorrência de empresas estrangeiras; pelo contrário, na medida em que antecipam as tendências internacionais, podem mesmo actuar em seu favor.
26 Os clusters são, de acordo com a Monitor Company (1994, 18), “grupos de entidades, cujas inter-relações reforçam a vantagem competitiva”. Envolvem uma concentração de indústrias fornecedoras, clientes e relacionadas.
27 “Aplicação de capitais por uma entidade (pessoa singular ou colectiva) não residente, que envolva um relacionamento de longo prazo, reflectindo interesses estáveis e duradouros e com o objectivo de exercer um certo grau de influência sobre a gestão da empresa em que investe” (Moreira, 1997, 176).
28 Há, segundo o autor (1997, 183), que estar “prudentemente atento a objectivos nacionais não declarados e à previsível mudança de atitude por parte dos investidores, em caso de tensões ou conflitos internacionais”.
29 Muito mais do que da relativa perda de autonomia que possa resultar do IDE.
30 Quociente entre a produção e os factores produtivos (Samuelson; Nordhaus, 2003, 754).
31 Diferença entre o valor dos bens produzidos e o custo das matérias-primas e dos serviços utilizados para os produzir (Samuelson; Nordhaus, 2003, 754).
32 Bens e serviços susceptíveis de transacção no mercado internacional. Ferreira do Amaral (2002, 28) defende mesmo que “todas as ajudas estatais à actividade económica (...) devem ser dirigidas para a produção de bens transaccionáveis”.
33 Basicamente, podem ser diferenciados três tipos de IDE, consoante a motivação dos investidores estrangeiros quando decidem investir num determinado país: investimento em busca de factores; investimento em busca de acesso ao mercado; investimento em busca da construção de uma base doméstica no país de acolhimento. Estes criam o mais amplo conjunto de benefícios para o país de acolhimento, ao mesmo tempo que tendem a ser mais permanentes (Monitor Company, 1994, 112).
34 António Gaspar (2002, 17) refere-se à criação deste ambiente como a criação da “vantagem competitiva estrutural”.
35 Segundo Yair Aharoni (2003), para atrair IDE os governos devem concentrar-se mais em dar informação do que vantagens.
36 De acordo com Carlos Tavares (2002, 29), “existem produtos que são produzidos em Portugal, vão ao exterior, recebem uma marca e voltam ao País a um preço muito mais elevado. O projecto “Marcas Portuguesas”, visa precisamente alterar a situação através da “criação de marcas reconhecidas nacional e internacionalmente e assim aumentar o valor acrescentado criado e retido pelas empresas portuguesas” (Presidência do Conselho de Ministros, 2003, 96).
37 A Espanha conta-se entre os melhores exemplos de sucesso como marca nacional.
38 Exemplificando: enquanto um fato ou um par de sapatos produzidos em Itália valem mais por serem italianos, o mesmíssimo fato ou par de sapatos produzidos em Portugal valem menos por serem portugueses.
39 Esta “deverá acentuar a sua vocação económica e acrescentar às práticas tradicionais uma focagem comercial” (Linhas Gerais de Acção do MNE, 2003).
40 Vide, a propósito, J. F. Palma Ferreira. “Diplomatas Estagiam na GalpEnergia”. Expresso (20-09-2003).
41 Monopólio: estrutura de mercado em que um produto é fornecido por uma única empresa (Samuelson; Nordhaus, 2003, 751).
42 Neste tipo de mercado não existem incentivos para que o operador invista na melhoria da qualidade e da eficiência na afectação de recursos. Para a economia nacional, tal traduz-se em ineficiências na produção de bens e serviços.
43 Por exemplo, através de acções concertadas ou práticas de conluio.
44 In “Expresso da Meia-Noite”, SIC (19-09-2003).
45 In “Expresso da Meia-Noite”, SIC (19-09-2003).
46 “O Estado empresário, se historicamente se tem revelado um mau empresário, mesmo quando regista sucesso no desempenho de tal papel, por um lado, retira um espaço de liberdade fundamental que pertence aos empresários privados e, por outro, perde muitas vezes a isenção indispensável para realizar a tarefa que lhe é cometida a título principal numa economia de mercado, a saber, a de árbitro do interesse público e entidade tutelar dos direitos do cidadão ‘consumidor” (Lei n.º 32-A/2002, de 30 de Dezembro, ponto 1).
47 Portugal, de 1980 a 2000, passou de uma economia estatizada para uma economia privatizada. Segundo dados apresentados por Álvaro de Mendonça (2002, 62-74), em 1980, das 10 maiores (em volume de negócios) empresas não financeiras existentes em Portugal, nove eram controladas pelo Estado e tinham o estatuto de empresa pública; os 10 maiores bancos eram, também, todos eles, empresas públicas.
48 Exemplo deste tipo de preocupação é o que tem sido causado pelo significativo interesse que os bancos espanhóis têm demonstrado no sector financeiro português.
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2008-01-16
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REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia