Nº 2479/2480 - Agosto/Setembro 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Política Externa e a Defesa Nacional; O Papel das Forças Armadas
Embaixador
Leonardo Matias
Segundo Painel
 
 
  
Moderador: Almirante Nuno Vieira Matias
 
 
Primeira comunicação
 
A Política Externa e a Defesa Nacional; O Papel das Forças Armadas
no Apoio à Política Externa como Objectivo Nacional
 
Embaixador Leonardo Matias
 
 
Não há política externa credível sem apoio das Forças Armadas. E quanto maior for a credibilidade das Forças Armadas, em termos de equipamento e de treino, melhor será a política externa. No século XXI essa verdade mantém-se embora com matizes porque o armamento nuclear, com a sua capacidade de destruição, só foi utilizado, e ainda na sua fase inicial, duas vezes em guerra. Mas o princípio deve guiar-nos. Cumpre aos diplomatas como aos membros das Forças Armadas saber adaptar-se a esta realidade e às suas consequências.
 
A política externa de Portugal está intimamente associada às relações internacionais. Nove séculos de independência e cinco séculos de expansão universal formam uma identidade com as suas raízes. Daí o significado e o alcance que teve e tem. A diplomacia, como alternativa à guerra, é instrumento da acção externa. E acaba por estar como as Forças Armadas, na primeira linha da defesa das nossas prioridades em termos de segurança, política e económica, e de afirmação da nossa influência nos países com os quais temos laços históricos e culturais. Não são relíquias do passado. E, em meu entender, não há alternativa à sua existência e ao seu profissionalismo.
 
Constantes, de ordem geográfica e demográfica, histórica e cultural que se cruzam e entrecruzam num percurso de séculos constituem essa identidade e dão consistência à política externa de Portugal, ela própria por sua vez só possível por ter o apoio das Forças Armadas.
 
Fernando Pessoa recorda-nos que Portugal é na Europa o rosto que olha o mar. Creio que é uma ideia que identifica o nosso país e contribui para explicar e definir a nossa politica externa. A geografia que nos situa nesta ponta da Europa, dá uma primeira imagem daquilo que somos, uma nação de cultura greco-latina, apta a debater as políticas europeias, sejam elas de segurança ou económicas e sociais, na Nato ou na União Europeia. Apostámos na adesão à Europa, contexto moderno e arrojado de partilha de poder, e fizemo-lo com particular mérito, com rigor e naturalidade, fruto de uma sabedoria, de uma cultura e de uma maturidade antigas.
 
E se me parece em relação à União Europeia e aos seus trabalhos diários, que nos convém manter uma politica de estreitos contactos com países da nossa dimensão, para troca de impressões e de informações e para a possível definição de estratégias comuns, julgo que não devemos, por outro lado, deixar de privilegiar, em termos bilaterais, os grandes Estados europeus a que de uma forma ou outra estamos mais ligados, como a Inglaterra, a França ou mesmo a Espanha.
 
E teremos assim que procurar valorizar, com base na Aliança inglesa e no seu significado histórico e político, as relações com a potência marítima e atlântica com a qual temos afinidades e partilhamos interesses que, também no plano da UE, julgo haver vantagem em aprofundar.
 
Tivemos sempre, para lá das invasões francesas do princípio do século XIX, um bom relacionamento com a França, designadamente na sua vertente cultural. Tem a França relevante papel na União Europeia, assento no Conselho de Segurança e ambições internacionais. Vive ali uma comunidade portuguesa ou de descendentes de portugueses de mais de 750 000 pessoas. Julgo que nos cumpre melhorar as nossas relações com a França, não só no domínio da União Europeia, como ainda no da defesa e promoção da língua ou de uma maior cooperação em relação a África.
 
E na Península temos sabido cultivar uma boa e equilibrada política de vizinhança com a Espanha, atenuadas como estão tensões verificadas ao longo de séculos depois de mais de duzentos anos sem conflitos.
 
Estes elementos não devem diminuir, como já disse, o empenho, que deve ser o nosso, em estreitar as relações que nos ligam aos demais Estados europeus. Nenhum país, e os mais pequenos sabem-no bem, pode julgar possível agir sozinho ou pretender ignorar o peso e a influência dos Estados, designadamente os que, como é o caso de Portugal, participam numa União, com objectivos idênticos no plano económico, político e militar, embora neste último em fase de adaptação às realidades e exigências dos dias.
 
Fomos ainda capazes, como sabemos, ao longo da nossa História, de corresponder, frente ao Atlântico, à vastidão dos seus horizontes e dos seus apelos. Com isso contribuímos para dar uma específica identidade a Portugal, que permaneceu viva ao longo dos tempos e ainda hoje é, independente­mente de tão numerosas alterações, elemento estratégico insubstituível da sua acção externa. Com a expansão ultramarina contribuímos para levar ao mundo a cultura e valores da Europa, bem com trazer à Europa diferentes e ricos valores do mundo, e não obstante a reduzida demografia estabelecemos uma presença em vários continentes onde se fala a nossa língua, com tudo o que essa realidade significa em termos culturais e sociais. É uma realidade que traduz outra dimensão para a nossa diplomacia e para as nossas Forças Armadas com o Brasil, tendo em atenção a sua dimensão, os seus recursos naturais, a sua crescente participação e influência nos negócios do planeta e com Angola, rica e poderosa potência do continente africano.
 
A expansão portuguesa atribuiu-nos ainda responsabilidades em Moçambique e em outros Estados de Africa e da Oceânia de língua portuguesa. E deveriam abrir-nos oportunidades de estimular a nossa política externa com a China e a Índia, na recordação dos laços que nos ligam a Macau e a Goa e que por ténues que possam ser, deveriam permitir valorizar a nossa relação com esses dois gigantes asiáticos que atingem crescente e rápida relevância em termos internacionais.
 
Os traços que compõem este desenho de política externa não nos fazem esquecer o resto do mundo, sobretudo em época de globalização. E teremos assim, em lugar prioritário, os Estados Unidos, a grande e rica super potência do planeta, onde vivem mais de milhão e meio de portugueses ou de descendentes de portugueses. Conhecemos o papel de Washington no mundo, sabemos que não é razoável pretender obter seja o que for contrariando este país. É nosso aliado e nosso amigo e isso é também um trunfo, em termos de negociação, no relacionamento internacional.
 
Mas assistimos, e aqui trata-se de novidade, a uma série de outros actores na cena internacional em relação aos quais a política externa teve e tem de se adaptar. São de peso e capacidade de intervenção diversa. Perante eles só pode agir aquilo a que hoje se apelida de diplomacia total ou diplomacia global.
 
Citemos alguns, começando pelos países emergentes, a China, a Índia, o Brasil, a Indonésia, a Coreia… Países de cada vez maior significado pois garantem, como um grupo de rendimento médio, ser responsáveis de perto de metade do crescimento mundial. Recordemos que em 1960, 82% do Pib mundial provinha dos países ricos da Europa, da América do Norte e do Japão e que em 2005 esse Pib passou a ser de 50%. E essas economias continuam a crescer bem mais do que as nossas.
 
E daí a sua presença no comércio e no investimento internacional, trabalhando com eficiência e rapidez, sabendo ver longe e introduzindo nos mercados de consumo, pouco a pouco, milhões de homens. É natural, e cumpre-nos ter isso presente, que a prazo possam causar uma certa erosão dos nossos próprios sistemas de desenvolvimento e progresso. Até porque não se pode dizer que não tenha aumentado o fosso que separa os países desenvolvidos dos menos desenvolvidos. O aumento da participação das economias destes países, nas relações internacionais, não impediu o retrocesso ou a paralisação da vida económica e social verificado nos demais países do Terceiro Mundo, designadamente em África. O que me parece de salientar é que essa presença de países emergentes obriga nos a pensar noutros termos as relações internacionais. As alianças que possam fazer e fazem a sua capacidade de influenciar os acontecimentos, de tomar ou não partido sobretudo quando a velha família das Nações Unidas parece mais débil, com estruturas pouco ou nada adaptáveis ao novo século e com relutância em mexer no assunto com a vontade de o alterar em conformidade com as novas realidades. Não creio que estes Estados emergentes constituam um elemento homogéneo, mas parece-me evidente que uma reflexão a este propósito se impõe.
 
Como se impõe igualmente nas ONGs que ganham e vêm ganhando dimensão e multiplicam a sua actividade no mundo, nos domínios da solida­riedade, do ambiente ou dos direitos do homem. Em alguns casos a sua acção terá tido influência como na dívida dos países do sul ou na questão das minas anti pessoal. E sobretudo na criação do Tribunal Penal Internacional, pen­sando na ex-Jugoslávia e em todos os demais tribunais que nos últimos 15 anos ouviram mais de 250 pessoas de mais de 10 Estados na Ásia, em África, na América do Sul e na Europa. Podemos recordar aqueles que foram detidos e julgados mas também os que não o foram. Não parece haver perspectiva de serem julgados os verdadeiros responsáveis de Abu Graibe ou Guantánamo ou os da Chechénia. A recusa de Estados em serem parte do Tribunal Penal Internacional como o seu direito de veto no Conselho de Segurança facilita-lhes, nessa matéria, as decisões que queiram tomar.
 
E temos ainda, no plano das novidades em política externa e na defesa nacional, de lidar com Igrejas e Fundações, instituições independentes, que gerem os seus próprios fundos e escolhem aonde, como e quando os devem utilizar. Contemos também com a proliferação nuclear, as alterações climá­ticas, a segurança nas transmissões de energia. E sabemos ainda que compete à diplomacia a negociação do direito do mar e do espaço exterior, e que é chamada para tratar de questões relacionadas com os transportes ou a saúde, o ambiente ou a energia, a justiça ou a condição feminina. E que também se vê confrontada com a rapidez, quase instantânea, das comunicações e a maior influência das agências e meios de informação quando trata do narcotráfico da lavagem de dinheiro ou do direito à ingerência.
 
Mas o terrorismo, nas suas múltiplas formas, sobretudo em termos de terrorismo islâmico, terá introduzido na vida política internacional, em termos de percepção, talvez o mais novo e ameaçador elemento pelo seu significado e o seu alcance. Este terrorismo islâmico, hoje mais bem organizado, mais motivado para agir, mais apoiado em termos financeiros e com grande capacidade de mobilização é talvez o de mais difícil combate. Como dizia o combatente ocidental: não é fácil vencer um inimigo cuja última finalidade é morrer.
 
Nesta etapa, constata-se que se não foi vencido pelo Presidente Bush, que em meu entender o multiplicou, mesmo se o evitou nos Estados Unidos, também não foi capaz de vencer o Ocidente. A sua origem nasce com a criação do Estado de Israel, a tantos títulos polémica para os povos árabes que ali habitavam, e depois da guerra de 1967 e dos seus resultados, em termos de fronteira, cresceu e alargou se com a Olp, a Fatha, e agora o Hamas e o Herzbollah. Hoje são dados específicos com autoridade própria com os quais é preciso saber lidar.
 
A intervenção no Iraque, que sempre considerei um grave erro, acabou por arruinar este país, ex grande produtor de petróleo e no plano regional e internacional, criou ali uma situação de extrema gravidade para a qual não parece haver saída airosa para ninguém. E suscitou outros problemas da Palestina ao Irão, do Iraque ao Afeganistão ou ao Líbano, dos países do Golfo aos do Médio Oriente, problemas que estariam adormecidos e surgiram com força e dinamismo e não são só de ordem ideológica ou de bom ou mau acolhimento no mundo ocidental. É também o medo de um Irão nuclear, que é tão sentido nos Emiratos do Golfo como em Israel. São ainda os talibans, e os xiitas e os sunitas, são os persas, os kurdos e os árabes, são os produtores de petróleo e aqueles que o consomem, os que pretendem assegurar o futuro com a energia nuclear e hoje têm consciência de que ainda não é possível iniciar, naquela região, este tipo de projecto.
 
Este conjunto de povos que representa centenas de milhões de pessoas, em constante crescimento demográfico, já vai, no entanto, demonstrando saber compreender que tem de ser ele próprio a participar na definição do seu destino, como parece ter sido agora o caso no Líbano, mesmo quando podem ser grandes as tensões entre eles. Haverá que procurar contribuir, diplomaticamente, para manter relações com todos os intervenientes neste conflito, mesmo o Hamas ou o Herzbollah, a Síria ou o Irão, de forma a criar entendimentos que são, em meu entender, uma das chaves que é preciso utilizar para ir ao encontro de soluções. Sobretudo quando, como é o caso português, estão as nossas Forças Armadas no Líbano e no Afeganistão. Podemos ter a certeza de que o seu aparente anonimato não impede que estejam cuidadosamente contabilizadas essas forças pelos inimigos da sua presença. E não vale a pena imaginar os resultados de uma política que os procurasse escolher como eventuais alvos a abater.
 
A nossa tarefa terá de representar - em meu entender - mais do que a solidariedade de Portugal com as vítimas, também certas formas de disponibilidade de intervenção diplomática, sobretudo quando os interessados não querem ter, entre si, relações diplomáticas. O que não quer dizer abdicação de posições. Estou a falar de diálogo num contexto de firmeza. Estou sobretudo a afirmar que é necessário manter abertas as linhas de comunicação, não fechar o adversário e deixá-lo sem contactos. Que é o que acontece, neste perigoso momento, entre Israel e o Irão e pode conduzir-nos a situações de extrema gravidade.
 
Todos estes dados obrigam a uma mais atenta política externa, mais preparada e mais consciente das suas tarefas. A multiplicação, nas últimas décadas, de actores nas relações internacionais, não alterou o seu campo de acção e de influência. Foi necessário actualizar e modernizar a diplomacia nos métodos de trabalho, mas não perdeu a sua razão de ser que reside na capacidade e na autoridade para negociar. Por mais que se estreite o mundo, a sua acção permanece presente dando continuidade e consistência à sua tarefa. E vai contribuindo, tantas vezes com extrema competência e lucidez, para a formulação de decisões que nesse domínio a cada passo são tomadas, mesmo quando isso pode não ser reconhecido publicamente.
 
Podemos recordar exemplos de iniciativas diplomáticas, no plano internacional, que contribuíram para o êxito de situações que de outra maneira pareciam condenadas. Uma das grandes viragens, em termos externos, na Guerra-Fria, deu-se quando o Presidente Nixon se deslocou à China, numa altura em que a China apoiava militarmente o Vietnam no confronto com os Estados Unidos. A viagem permitiu o estabelecimento de relações diplomá­ticas entre os dois Estados e foi o reconhecimento de uma realidade que alterou o panorama internacional. Da mesma maneira haverá que lembrar o que se deve ao Presidente Reagan, que depois de se preparar para a “guerra das estrelas” se encontrou com o Presidente Gorbachov e iniciou o caminho da reconciliação que levaria ao fim da União Soviética e do seu império na Europa de Leste. E não devemos esquecer Sadat ao deslocar-se corajosamente a Jerusalém para se encontrar com Beguin e preparar a assinatura de um dos mais significativos acordos de paz em Camp David, no contexto do conflito do Médio Oriente. E na América do Sul dois Presidentes, Jorge Videla, da Argentina e João Baptista de Figueiredo, do Brasil, que juntos conceberam o entendimento que reduziu a rivalidade estratégica que era prejudicial aos dois países e englobou acordos na área nuclear e em intercâmbios que abrangeram o comércio e o domínio cientifico. E ainda se pode citar o caso do Presidente Suharto da Indonésia que na década de sessenta decidiu enviar os seus diplomatas à Malásia para acabar com a confrontação que existia desde a independência dos dois Estados e permitiu conduzir à criação de condições que estabeleceram a paz na região. E não nos cumpre a nós também lembrar a tenacidade com que em mais de 20 e tal anos, a nossa diplomacia se bateu na defesa de um Timor independente, que tanto contribuiu para o triunfo final?
 
Mas também podem fracassar este tipo de iniciativas diplomáticas como aconteceu quando do encontro entre Kennedy e Krutchov em Viena que antecedeu a crise dos mísseis em Cuba. Aqui acabou por prevalecer o poder militar americano, num dos mais graves momentos da Guerra-Fria. Porque o Presidente dos Estados Unidos está integrado, como a maioria dos Chefes de Estado, num sistema que naturalmente tem uma componente militar com autoridade e capacidade para fazer ouvir a sua voz.
 
Portugal é uma democracia estável, sem conflitos, integrando um conjunto de Estados europeus que vivem de grande cooperação entre si. Não parece ser por nós que haja risco de pôr em causa a paz que é a nossa. Acontece, no entanto, que não podemos ser neutros, ou esgrimir a neutralidade como critério político, como foi possível fazer durante a última Grande Guerra. Estamos envolvidos em conflitos em que cumpre ao Estado português participar, uma vez que os interesses das alianças a que pertencemos a isso nos obrigam e que as tradicionais fronteiras se alargaram. E assim estamos no Kosovo, no Líbano ou no Afeganistão, como já estivemos, noutros cenários, em Moçambique, em Angola ou em Timor-leste.
 
São casos típicos em que a presença de forças armadas portuguesas exemplifica a estreita cooperação com a diplomacia, em função de objectivos nacionais. Essa cooperação tende a tornar-se mais frequente a nível do Estado, por ser cada vez mais objecto de negociação, a participação de unidades militares em operações internacionais, de estabelecimento da paz, ou de “nation building”, ou eventualmente mesmo de combate. A análise da capacidade de intervenção portuguesa dependerá naturalmente das condições em que é solicitada, podendo ser afastada se o for, por exemplo, no contexto das Nações Unidas mas deverá, em princípio, ser cumprida no caso da União Europeia ou da Nato. Essa ponderação terá, no entanto e sempre que pesar, em termos diplomáticos, os prós e contras de cada solicitação, o contexto político e militar em que o mesmo é colocado, a origem do conflito, o local onde terá lugar a intervenção, o tempo em que se prevê deva decorrer, as condições em que se situa em relação a prioridades consideradas específicas de Portugal. Porque a nossa participação, mesmo no contexto da Aliança a que pertencemos, pode situar-se perante condicionalismos que evitem um envolvimento considerado excessivo ou, pelo contrário imponham um envolvimento maior. São matizes que devem ser ajuizadas e a que já procedemos e que oportunamente nos levaram a designar diferentes unidades, em termos proporcionais, no Afeganistão ou em Timor-Leste.
 
A diplomacia terá de saber avaliar os efeitos que a acção solicitada tem para o nosso país, a sua história e a sua cultura. Os votos que pode ou não ter no Parlamento. O que implica ajuizar do impacto que podem eventualmente ter as baixas e a sua justificação. É conveniente por isso que haja perfeita noção daquilo a que o Professor Adriano Moreira qualificou de novas fronteiras. A que temos na Península com a Espanha assume, naquela perspectiva, carácter administrativo, a que se situa no campo da economia seria bem mais vasta, indo das nossas ilhas até onde vão as actuais fronteiras da UE, a da segurança e da defesa nacional seria a da Nato, na visão que é hoje a sua e ultrapassa domínios antes reservados, e a da cultura seria a da CPLP.
 
Estas novas fronteiras transmitem-nos uma imagem que nos diz muito neste momento, e tem razão de ser, embora possamos ter a prudência de duvidar, a prazo, da sua perenidade. Mas dá-nos uma ideia do alcance nacional da nossa participação naquelas instituições onde se nos exige uma presença competente e activa. E isto independentemente do valor de procurar associar políticas com o fim de ir ao encontro de objectivos comuns, sem por em causa o que é especificamente do interesse de cada um e portanto intransferível.
 
No que diz respeito à CPLP e reconhecendo que se trata de uma instituição muito jovem, com pouco mais do que dúzia e meia de anos de existência, sou de opinião de que devemos empenharmos para a potenciar e dar-lhe maior capacidade de afirmação interna e de credibilidade internacional. Com as suas forças armadas e os exercícios militares conjuntos que fazemos, estamos a criar um instrumento de acção que se exprime em português. E quando tanto se fala em internacionalização, quando se verifica a tendência para tornar hegemónica a língua inglesa e se constata, nas relações internacionais, por um lado o poder da única super potência e por outro a progressiva e crescente influência de países asiáticos, mais se impõe que saibamos tirar partido do património que a história e a cultura nos legou e transformar esse património, que repito, nos aproxima e identifica, em instrumento de acção e de intervenção nas relações internacionais.
 
A intervenção da diplomacia num domínio que podemos considerar planetário, impõe habilitações cada vez mais rigorosas. Inteligência, capacidade dialéctica, domínio do assunto, firmeza no essencial e flexibilidade no acessório, serenidade e dignidade, para ser credível e verdadeira na sua tarefa de sedução e de influência com o propósito de convencer e de evitar situações que possam levar à ruptura ou ao confronto. A sua intervenção pode ir de uma chancelaria para um estúdio de televisão, de um gabinete ministerial para um mato longínquo e dali para uma conferência internacional e tudo isso hoje se pode fazer em pouco mais de 24 horas. As facilidades de comunicação, o progresso verificado com a utilização da informática e dos mais modernos meios de transporte, diminuíram o espaço nas relações internacionais.
 
Se porém a intervenção da diplomacia não tiver êxitos caberá às Forças Armadas, entrar em acção. E pode haver situações em que a diplomacia procura dar soluções a um problema enquanto as unidades cumprem o seu dever militar, no plano operacional.
 
Diria que a nossa dimensão geográfica e demográfica, económica e política, nos deve levar, nas relações internacionais, à defesa do respeito pela democracia, pelo Direito Internacional, pelo Direito Humanitário Internacional; à defesa das instituições, associações ou tribunais, que promovem esses direitos; à defesa do multilateralismo; à defesa, não obstante as suas insuficiências e limitações, de organizações internacionais como as Nações Unidas e as suas agências especializadas.
 
É o caminho da sensatez e da sabedoria em que, em conjunto e na promoção e na defesa de interesses portugueses, a diplomacia e as Forças Armadas se devem encontrar no apoio à política externa, sempre que esta corresponda a objectivos nacionais.
 
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2009-01-16
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by CMG Armando Dias Correia