Nº 2481 - Outubro de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O “Novo Terrorismo” e a “Velha História” - Da Teoria Substanciada à sua Prática
Tenente-general
José Lopes Alves
1. Introdução
 
É dito conhecido que “Ao princípio era o Verbo”. Também na guerra irregular, enfeudada à ideologia marxista como doutrina de base e às suas sucessivas variantes de leninismo, stalinismo, maoismo e outras de menor projecção, havia um “Verbo” que na sua forma mais clássica era constituído pela Subversão e pela Revolução, a primeira “guerra conduzida no território dum estado contra a autoridade política no Poder, por uma parte dos habitantes desse território, auxiliados ou não do exterior, com o objectivo de retirar a essa autoridade o controlo sobre o mesmo território ou, no mínimo de paralisar a sua acção” e, a segunda, dando por vezes continuidade à Subversão, “visando apossar-se do mesmo Poder e modificar a ordem política e social estabelecida”. Eram ainda “ao princípio” como sistemas para a realização dos dois fenómenos, “a acção psicológica sobre as populações, a sabotagem, a guerrilha, o terrorismo, a insurreição armada e as acções militares limitadas”, utilizados de acordo com os meios progressivamente disponíveis e aproveitando as condições de oportunidade e de ambiente que o permitissem. Eram então, de facto, os tempos da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, até ao termo em 1945 da Segunda Guerra Mundial, quando um novo tipo de guerra limitadamente não violenta, povoada de subversões e revoluções, alimentada pela mesma doutrina e ideologias decorrentes e apoiado pela Rússia Soviética, do designado Bloco Oriental, e pelos Estados Unidos da América, do Bloco Ocidental, varreu durante cerca de quarenta anos todos os continentes do Globo, nomeada­mente o europeu, o asiático e o americano. Foi o período de “Guerra-Fria”, acobertado nos chapéus nucleares que, com a intromissão da França e do Reino Unido, as duas superpotências exibiam, vogando-se quanto ao fenómeno nuclear num panorama de efectiva dissuasão de todos os modelos, as dissuasões máxima, graduada ou proporcional, a directa ou indirecta, a ofensiva ou defensiva e a de cobertura e, quanto à extensão geográfica dos efeitos que poderia produzir, as dissuasões total ou absoluta e parcial ou limitada.
 
O terrorismo constituía já então, como se verifica, sistema de acção próprio mas era geralmente limitado e utilizado, a par dos outros sistemas de luta conducentes aos objectivos, para criar instabilidade e medo entre as populações, organizações oficiais e privadas e forças encarregadas de o combater.
 
Nomeadamente a partir do termo da Segunda Grande Guerra, pois já durante a mesma havia manifestado a sua vivência em países asiáticos, africanos e em alguns do centro da Europa nascidos da claudicação, na segunda década do século XX, do Império Turco do Ocidente, ressurgiu dos tempos históricos uma antiga doutrina religiosa impregnada de conceitos políticos: o Islamismo. Este credo ressurgiu, não como a doutrina pacífica e apagada que até então tinha sido, mas, embarcando também nos proclamados “ventos da história” decorrentes daquele conflito e elevando nos ares o pendão dos referidos conceitos, iniciou nova vivência e incentivou os islâmicos de todas as latitudes a procurarem refazer e retomar o seu antigo lugar no Mundo, com base num fundamentalismo extremista religioso, político e social que viria a tornar-se fulcro de todos os seus intolerantes e violentos comportamentos futuros.
 
A “práxis” deste fundamentalismo islâmico, que prossegue activa e ameaçadora nestes primórdios do século XXI, não constitui, no entanto, novidade. Os seus meios e sistemas de acção foram buscar-se à “velha história”, com destaque particular para o terrorismo que, a partir de 11 de Setembro de 2001, foi elevado a pedestal a que todos os outros sistemas de luta afins, assentes no tecnicismo moderno, no fenómeno da globalização e na vontade férrea, individual e colectiva, de os explorar, vão servir, produzindo sobre as populações e organizações da generalidade dos países os efeitos de terror clamorosos e alargados pretendidos. Trata-se hoje, de facto, de instalado e sabiamente explorado “novo terrorismo” ao qual a experiência e os elementos da “velha história” e daquele “velho terrorismo”, temperados e enriquecidos pelos sofisticados meios e dispositivos agora disponíveis, continuam a servir, resultando do conjunto temerosos efeitos locais, regionais e globais de violência, de destruição e de terror jamais atingidos.
 
Pode dizer-se, portanto, que as velhas doutrinas da guerra irregular continuam a existir e que o Islamismo ou, mais concretamente, o Islamismo Fundamentalista utiliza o “novo terrorismo” para realizar os seus objectivos sem abdicar de outros meios de acção complementares conducentes à mesma finalidade, oferecendo-se as conclusões seguintes:
 
a) O terrorismo actual, o “novo terrorismo”, sejam quais forem as suas características, os seus efeitos e a sua projecção nos estados e nas populações, não deve ser tomado como objectivo do adversário que o utiliza, mas apenas meio para chegar a um objectivo principal mais dominante;
 
b) É, deste modo, errada a política de apenas considerar hoje na guerra irregular o contra-terrorismo, sendo imperioso, ao mesmo tempo que este é combatido, procurar conhecer e interpretar o verdadeiro objectivo desse terrorismo e montar oposição simultânea a outras formas de acção que o adversário utilize;
 
c) Uma vez conhecido e caracterizado esse objectivo principal, deve o mesmo deve ser analisado e ponderado no sentido de lhe adaptar decisão política e de defesa adequada e de fixar, se houver que continuar a luta, direcções de esforço que permitam efectivamente combater eficazmente e aniquilar o terrorismo subjacente.
 
 
Recorde-se, a propósito, que a primeira subversão islâmica dos tempos actuais, da qual se partiu para o “novo terrorismo “, foi tentada por Saddam Hussein para apoio da sua Guerra do Golfo em 1991, visando já então ir mais longe, para um extenso Movimento Islâmico sob a sua égide. Tal subversão teve carácter regional ainda que algumas medidas tomadas por alguns países contra os seus efeitos tivessem tido, como é conhecido, carácter internacional e global. “Tratou-se, no entanto, comparando-a com a situação actual, de pequeno surto subversivo, quer no espaço abrangido, quer no número de populações islâmicas aderentes, mas que desencadeou mesmo assim intranquilidade e medo e deixou entre a generalidade das populações muçulmanas de todas as raças e de todas as latitudes sementes de ideias e de comporta­mentos pró-islâmicos, anti-europeus e anti-ocidentais que acabaram por proliferar.”1
 
O teoricista americano David Rapoport considera o terrorismo da guerra irregular nos dois últimos séculos englobado nas quatro vagas seguintes, correspondentes:
 
- a primeira, ao anarquismo (séculos XIX e XX);
 
- a segunda, ao radicalismo esquerdista (século XX);
 
- a terceira, ao terrorismo religioso (também no século XX);
 
- a quarta, ao terrorismo moderno, ou, seja, o “novo terrorismo” (século XXI).
 
Cada uma destas vagas apresenta características próprias e tem-se manifestado através de acções, sempre violentas, que podem ser independentes ou simultâneas com as das outras vagas.
 
 
 
 
 
2. O Fenómeno “Novo Terrorismo”
 
Características
 
Foi o inusitado ataque por via aérea às torres nova-iorquinas de 11 de Setembro de 2001, utilizando aviões comerciais, conduzido por célula independente do Movimento Al-Qaeda, chefiado por Osama Bin Laden, que despoletou no maciço continente norte-americano, até então isento de agressão externa, a primeira, revelada, nova forma de acção irregular2. Outras acções ofensivas de grande projecção se sucederam depois em Madrid, em 11 de Março de 2004, em Londres, em 7 de Julho de 2005 e em Marrocos e Argélia, nos meses de Abril, Maio, Setembro e Dezembro de 2007, todos com os efeitos clamorosos que são conhecidos, explorando a doutrina islâmica globalmente reiterada e tornada tão virulenta como a marxista, cujos conceitos, no entanto, jamais foram aceites pelos islamistas. O fenómeno da globalização, como já se referiu, associado aos sofisticados meios de acção hoje disponíveis a todas as iniciativas e a viabilidade de recrutamento de gentes e grupos capazes de se entregarem física e moralmente, individual e colectivamente, a extremos de vontade e fanatismo, até ao sacrifício da própria vida, passaram a constituir no “novo” sistema de acção irregular os seus atributos mais relevantes. Junta-se a este conjunto de factores favoráveis a existência de inúmeras áreas e centros geopolíticos em que é possível a esses terroristas da nova geração encontrar abrigo e apoio para se fixarem e, a partir daí, se empenharem, como sejam o Afeganistão e o Paquistão e, modernamente, o País do Magrebe.
 
Admite-se que o núcleo de comando e direcção central do Movimento se encontre hoje na fronteira montanhosa comum daqueles dois países.
 
Aponte-se, desde já, que a “frente magrebina” do terrorismo alcaedeano, aberta há cerca de um ano, interessa muito particularmente ao nosso país, já porque a história irmanou portugueses e muçulmanos do Norte de África durante cerca cinco séculos e meio, já porque constituímos com a Espanha e a França, ambas também com interesses políticos e estratégicos no Magrebe e no Mediterrâneo Ocidental, área geográfica adequada para o recrutamento de voluntários terroristas e para a sua penetração ulterior no centro da Europa. Deve-se, efectivamente, às ancestrais ligações coloniais dos países ibéricos e da França com a Argélia, como escreveu à dias a jornalista Margarida Mota, “que a maior comunidade magrebina se encontre na realidade em França e que os interesses do Movimento Al-Qaeda pelo Magrebe Islâmico se liguem à possibilidade de penetração das comunidades marroquina, argelina e tunisina da Europa Ocidental, Portugal incluído...A Al-Qaeda procura essas minorias para recrutar e preparar agentes e as empenhar depois na expansão da Guerra Santa (“Jihad”)”.
 
Ainda que siga o modelo de intervenção historicamente reconhecido à Subversão, o qual é por ele englobado, é notório que o “novo terrorismo”, como sistema de acção da guerra irregular hoje mais importante que todos os outros, apresenta características e necessidades de afirmação e de realização específicas, cujo conhecimento é indispensável para a avaliação do seu real valor como ameaça e para a montagem da luta contra-terrorista correspon­dente.
 
São tais necessidades e características:
 
- Organização estrutural,
 
- Fixação do Objectivo Final a atingir,
 
- Fixação de objectivos intermédios se o Objectivo Final não puder ser imediatamente realizado,
 
- Recrutamento, instrução e mentalização de aderentes,
 
- Disponibilidade de espaços físicos,
 
- Captação de populações,
 
- Criação de condições para intervir tão eficazmente quanto possível contra os meios, doutrinas, sistemas de acção material, moral e psicológica do contra-terrorismo.
 
- Acção oculta ou descoberta conforme o efeito a exercer sobre a mentalidade das populações da região visada.
 
Objectivos do Movimento Al-Qaeda
 
Todos os movimentos subversivos ou revolucionários que campeiam actualmente no Globo apresentam objectivos próprios adentro duma ideologia de base e das características da sua afirmação contra os poderes que visam combater, mas vão, em regra, como se disse, buscar à “práxis” histórica os seus mecanismos de intervenção política, estratégica, social e militar. Todavia, como fenómeno particular alimentado pelo fundamentalismo islâmico, pelo âmbito universal a que, em virtude da expansão do seu esteio religioso, pode dirigir-se e pelas consequências conhecidas que tem provocado com as suas acções, o terrorismo alqaedeano tornou-se desde Setembro de 2001 farol globalizado de todas as manifestações terroristas, no seu Objectivo Final, declarado por Osama Bin Laden, de, repetindo a história do Islamismo de há seiscentos anos, reimplantar a influência islâmica no Mundo pela sua expansão religiosa e pelo seu controlo local de áreas e fontes de matérias-primas geopolítica e geoestratégicamente dominantes.
 
Para realizar o grande objectivo, os ideólogos e pensadores do Movimento elegeram atitudes conhecidas de propaganda e de acção conducentes às finalidades ou objectivos intermédios seguintes:
 
a) Domínio efectivo ou, pelo menos, controlo do espaço geopolítico, geoestratégico, ideológico e histórico que os países da Europa, desde sempre, e os Estados Unidos da América, em épocas recentes, retiraram ao Islão;
 
b) Expansão e defesa da doutrina islâmica nesse espaço;
 
c) Aposição de barreiras físicas, religiosas e psicológicas a todo o tipo de tentativas de interferência nos assuntos internos dos países e comunidades que efectivamente sentem, seguem e praticam o Islamismo;
 
d) Permanente e devotado respeito dos islamitas pelas orientações do Alcorão como fonte “eterna de ensinamentos e de espírito de união e coesão entre todos os muçulmanos”.
 
Decorrem destes objectivos intermédios um sem-número de tarefas do dia-a-dia que os concretizem e que Bin Laden e a sua direcção central permanentemente proclamam e reivindicam. Conforme entrevista publicada no “Diário de Notícias” de dezassete de Abril de 2005, um braço-direito de Bin Laden, Omar Lakri Mohamed, conceituado aderente do Movimento na Europa, com residência nos subúrbios de Londres, fez a propósito declarações e expôs conceitos que se adaptam inteiramente ao sentido dos mesmos objectivos e aos caminhos a trilhar para os conseguir, ressaltando das suas afirmações a nítida e estremada vontade de voltar a ver a Civilização Islâmica determinadamente reimplantada e activa entre todas as civilizações.
 
Todavia, como Omar Mohamed e Bin Laden deixam prever nas suas declarações, a afirmação presente e a continuidade do “novo terrorismo” muito vão depender da atitude política e militar da superpotência americana que o tem combatido - mas, diga-se, também provocado e praticado - fazendo alastrar os seus efeitos a todo o Globo, nomeadamente aos países dos Próximo e Médio Oriente, ou, seja, aos países da “charneira” geopolítica e geoestratégica euro-afro-asiática que estes constituem. Na realidade, ainda única potência do Globo “imperialmente” motivada e convicta, os Estados Unidos continuarão a ser por alguns anos face ao terrorismo, como já eu próprio escrevi, “um país de medo, com medo e que faz medo” enquanto outra grande potência ou conjunto harmónico de potências não puder exibir e manifestar também igual vontade de agir com autoridade perante o mesmo intranquilo e globalizado Mundo.
 
Crê-se a este propósito que as eleições para a presidência dos Estados Unidos, que se encontram actualmente em curso e culminarão em Novembro de 2008, irão determinar adequado caminho a empreender pela futura ou pela mesma administração do país em relação ao “novo terrorismo” e ao sistema de contra-terrorismo até agora seguido pelo seu governo. Poderão beneficiar, sem dúvida, da nova situação se ela verdadeiramente se concretizar, quer a própria superpotência, quer todos os países e entidades por qualquer forma empenhados no actual sistema global de guerra irregular, Osama Bin Laden incluído.
 
Realização dos Pressupostos Alqaedeanos
 
Compulsando nos tempos actuais o estado de realização dos seus objectivos intermédios, pode dizer-se que a estrutura do Movimento Al-Qaeda considera completos, parciais ou iníquos os efeitos das acções, violentas ou não, que tem desencadeado conforme o terror gerado localmente entre as populações se expande mais ou menos à generalidade dos países, os órgãos de comunicação social, sempre ávidos de alarmismos, tomam conta, comandam e canalizam mais ou menos essa expansão e os governos se vêem mais ou menos obrigados a debruçar-se sobre a situação e a tomar medidas de segurança e defesa que, pela sua natureza e duração, se tornam impopulares, constrangendo e irritando a Opinião Pública.
 
Concretamente, acompanhando o articulado dos quatro referidos objec­tivos, pode admitir-se em termos de realização actual de cada um deles o seguinte:
 
a) Quanto ao primeiro, domínio e controlo de espaço geográfico - embora não o tenha efectivamente realizado em grande escala, conseguiu já criar instabilidade global e reforçar a sua posição efectiva no Afeganistão, Iraque, Paquistão, Arábia Saudita e países da África Setentrional, Saariana e Sub-Saariana;
 
b) Quanto ao segundo, expansão e defesa do Islão - embora continue a não existir uma verdadeira “nação islâmica” unificada, verificou-se nos últimos anos acentuada proliferação efectiva do seu credo religioso em vários países do Ocidente, com destaque para o Reino Unido, França, Alemanha e Países Baixos, nos quais a percentagem dos muçulmanos praticantes será já superior à dos cristãos;
 
c) Quanto ao terceiro, oposição a áreas e populações não crentes - ainda que não se constate união entre todos os islâmicos ou islamizados, como o Alcorão, o grande livro da Fé, exige, sem dúvida que os violentos eventos conhecidos já realizados e a acção psicológica por eles desencadeada conseguiram elevar “barreiras” à penetração física e religiosa de outras religiões nas suas áreas e desenvolver campanhas bélicas e ideológicas que, ainda que limitadas, têm grandemente prejudicado objectivos dos países do Ocidente, nomeadamente dos Estados Unidos da América;
 
d) Quanto ao último, devotado respeito dos islâmicos pelas orientações do Alcorão - sem dúvida que a actividade desencadeada pela Al-Qaeda desde 2001 tem contribuído para o alargamento e reforço desse respeito e dessa devotação.
 
É de salientar, em acréscimo, que o terrorismo alqaedeano conseguiu efectivamente realizar outros pressupostos importantes desde a sua primeira acção retumbante de força em 2001, como sejam:
 
a) Afirmação e projecção globais da figura do seu mentor e chefe Osama Bin Laden o qual, movimentando-se nomeadamente entre a Arábia Saudita, primeiro, o Afeganistão e o Iraque, a seguir, e o Paquistão, finalmente, conseguiu ver discutidos os seus actos no Conselho de Segurança da Assembleia Geral das Nações Unidas, na União Europeia, na NATO, na Organização da Unidade Africana e em todas as organizações subversivas e revolucionárias que, como a sua, se manifestam no Globo;
 
b) Organização de novas células ou núcleos de aderentes em centros populacionais do Ocidente, em especial na Europa e no norte e centro do continente africano, quer como organizações de base, quer através da inserção em organizações subversivas e revolucionárias já estabelecidas, como vem sucedendo em Marrocos, na Argélia, na Tunísia e noutros países africanos…
 
Os eventos terroristas planeados, preparados e executados por ordem directa ou indirecta de Bin Laden e o fomento da violência e do perigo que congregam levaram a administração da grande potência americana, seguindo sistema estabelecido em relação a figuras de governantes e militares iraquianos do conflito de 2003 ou de acções bélicas anteriores, a fixar um prémio de cinco milhões de dólares pela sua captura ou aniquilamento.
 
Refira-se, em conclusão, que o terrorismo alqaedeano, sempre esteado no Islamismo, exibe hoje força especifica e global que irá continuar a influenciar a política e a estratégia da generalidade dos países, em especial as dos situados ou com interesses em áreas nevrálgicas do Mundo, como sejam a “charneira” euro-afro-asiática debruçada sobre o Mediterrâneo Oriental, o Afeganistão, o Paquistão, o Iraque e o “Corno” de África, a agudizar o belicismo entre árabes e israelitas, a acentuar as divergências territoriais, humanas e militares que tem vindo a ser constatadas no Líbano e nas fronteiras de Gaza e da Cisjordânia e a aproveitar os “nacionalismos” e as carências globais de matérias-primas para interferir física e financeiramente, influenciar e se expandir.
 
 
3. A Acção Terrorista
 
Modalidades e Áreas
 
Aproveitando, como já referido, o tecnicismo e a sofisticação de meios actualmente à sua disposição, o fenómeno da globalização que envolve hoje todos os domínios e actividades e as imensas possibilidades financeiras, próprias e de terceiros, que as disponibilizem, o terrorismo de inspiração alqaedeana, exercido sobre objectivos físicos, áreas, povoações e populações, “visa provocar efeitos materiais e psicológicos, como o terror, sobre tudo o que possa impedir o Movimento de realizar o seu Objectivo dominante.
 
Da mesma forma que na “práxis” da Subversão da “velha história”, os seus alvos, caracteristicamente selectivos ou sistemáticos, dependendo a sua eleição e execução das condições propiciadas no momento próprio, englobam: os selectivos, instalações, entidades e individualidades isoladamente conside­radas; os sistemáticos, elementos de determinados grupos profissionais a ser sistematicamente sacrificados, como polícias, militares, políticos, funcionários públicos, administradores de empresas, trabalhadores especializados, uns e outros, de modo a instalar a insegurança entre todos os do mesmo grupo e a desencadear sempre o pânico generalizado longe ou perto do local da acção terrorista. Os executores encarregados da acção, elementos profissionais ou mercenários, são, em regra, sempre em número limitado, adequadamente pagos, doutrinados e mentalizados e actuam isoladamente ou em grupos com missão independente, realizando terrorismo de Estado ou à ordem directa de organismos dele ou não dependentes.
 
Realizam terrorismo de Estado, por exemplo, as Forças Armadas e de Segurança de um país quando aniquilam, voluntariamente ou não, populações civis, os agentes de organizações desse mesmo país destacados para a mesma finalidade e, modernamente, quando o executam, os grupos pertencentes a empresas privadas contratadas pelo Poder constituído para garantir a segurança de proeminentes autoridades e de instalações e pessoal militar e civil nos teatros de operações ou noutras áreas.
 
De registar quanto a este último tipo de agentes de segurança que se encontrarão hoje no Iraque e no Afeganistão, contratados pelo Estado Americano, cerca de 160 000 elementos “mercenários” civis, quando será de cerca de 135 000 homens e mulheres todo o efectivo presente das suas Forças Armadas. São os designados “blackwaters”, que actuam à-vontade, “outsourcing”, sem cobertura legal e sem estarem sequer sujeitos à Polícia Militar ou a outros núcleos de segurança civis e militares. Apenas existe na administração americana, ao que se anuncia, um documento, a “Ordem 17” a coberto do qual são contratados e lhes é concedida total impunidade. As organizações em que assim se constituem dependem efectivamente e directamente do governo dos Estados Unidos, sendo além de missões de segurança, encarregados também de trabalhos diversos nas instalações das Forças Armadas, como limpeza, guarda, serviços de alimentação, reparação de infra-estruturas e vias de comunicação e outros, tomando ainda alguns grupos parte em operações.
 
Visando sempre a sua mais rendosa exploração na criação de efeitos de instabilidade e medo, o “novo terrorismo” vem sendo exercido em áreas rurais e urbanas, em cada uma das quais com as vantagens e os inconvenientes, vulnerabilidades e invulnerabilidades específicos correspondentes.
 
O terrorismo rural exigirá, em princípio, o empenhamento de menor número de elementos para obter efeitos credíveis e sofrerá, em regra, menor número de baixas desde que se não trate de missões de grande amplitude e de grande número de forças. Utilizado normalmente contra individualidades e objectivos pontuais, tira partido, para actuar e desaparecer, das características do terreno de acção, não sendo em regra fácil sua localização por populações e forças de segurança.
 
O terrorismo urbano, como se verificou em Nova York, Madrid, Londres, Casablanca e está diariamente a constatar-se em povoações do Iraque e do Afeganistão, pode ser exercido nas mesmas condições que o rural, mas é susceptível de ocasionar maior número de vítimas e de os seus agentes disporem de mais fácil abrigo se tiverem o apoio local das populações. Exige, naturalmente, mais cuidada preparação e adequado e rápido “desaparecimento” dos seus agentes após a execução da sua missão.
 
 
 
 
 
Características do Empenhamento Islâmico
 
A História de Portugal dos primeiros séculos até à conquista do Algarve por D. Afonso III em 1253 fornece-nos, pela análise do comportamento aguerrido e gerador de instabilidade crescente dos invasores muçulmanos que o ocupavam, panorama revelador sobre o seu valor, quer como combatentes, quer como cidadãos tolerantes e apaziguadores quando não eram contestados e molestados. Mantendo hoje, possivelmente, idênticas características pes­soais, Osama Bin Laden, o proclamado “príncipe do terrorismo” actual, será o modelo perfeito dos “mujahiden” (combatentes da Jihad) que ele hoje recruta, instrui, prepara e financia para as acções a empreender em qualquer parte do Mundo. Na verdade, como o justificam as acções violentas desde há sete anos desencadeadas pelo Movimento Al-Qaeda, é possível distinguir nos guerreiros islâmicos destes tempos, identicamente às antigas, as seguintes características idiossincráticas pessoais e de conjunto:
 
- Voluntariedade;
 
- Vigor físico, tranquilidade e elevado moral;
 
- Identificação absoluta com o Credo Islâmico;
 
- Adaptabilidade às populações e áreas a atingir;
 
- Confiança na acção reformadora fundamentalista islâmica decorrente dos efeitos globais já conseguidos, entre os quais o respeito e o medo.
 
Como o terrorismo alqaedeano não reconhece fronteiras, o alargamento da União Europeia em princípios de 2008 a mais oito países do Leste Europeu, elevando para 27 o número dos seus Estados-Membros, conduz pelo acordo de Schengen de livre circulação de populações também ao alargamento possível da área de implantação do terrorismo. Destaque-se que em período recente, depois da sua fixação no Magrebe, no Egipto, na Mauritânia, por toda a África Sub-Saariana, aqui acoplados em regra a fontes de petróleo, e, possivelmente, no trampolim Portugal e Espanha orientado para o centro da Europa, já se revelaram núcleos islâmicos fundamentalistas capazes de acção terrorista, além da França e do Reino Unido inicialmente, na Bélgica, na Holanda e na Alemanha, buscando e servindo de esteio à almejada expansão da doutrina. Os chefes destes núcleos e os próprios “mujahiden” que os guarnecem receberam e continuam a receberam formação de base em centros de instrução terrorista do Afeganistão, do Iraque, do Paquistão e, crê-se, também no Norte de África, movimentando-se à-vontade e movimentando entre eles, como reforço, outros efectivos necessários à propaganda e à acção.
 
Há indícios de que na Catalunha, em Espanha, onde residem cerca de 15 000 paquistaneses, está a formar-se mais um grande núcleo de intervenção, o qual, será de admitir, ficará em condições de desencadear acções na Península em ligação e coordenação com o núcleo do Magrebe. Terá sido esta evolução favorável da estrutura do Movimento que levou o seu número dois, o médico egípcio Zawahir, a relançar como novo objectivo da “Jihad”, já proclamado por Bin Laden, o alargamento da Expansão aos territórios que até 1942 constituíam na Península Ibérica o Al-Andaluz islâmico. E foi também no âmbito desta mesma evolução que foi recentemente criada, mas já detectada, em Espanha a corrente islâmica designada Tabligh Jamaat, uma célula de pregação, cujos membros-missionários se destinam a propagandear a Fé Islâmica. Esta organização, diz-se, estará já também instalada em Portugal, apontando-se a existência possível “na área de Palmela de uma sua escola votada ao ensino da Civilização Islâmica, sendo os seus alunos nela espe­cialmente doutrinados numa visão anti-ocidental do Mundo”.
 
Organização e Características da Al-Qaeda
 
O termo AL-QAEDA significa A BASE, tendo sido adoptada esta designação na reunião na região de Kandahar, no sul do Afeganistão, em que foi propalada a JIHAD, a “Guerra Santa Geral” para realizar o Objectivo Final enunciado - a imposição do respeito do Islão e a sua expansão - constituindo para o efeito cada acção desencadeada uma “jihad” particular. São incorporados para esta guerra santa geral combatentes voluntários (mujhadeen), recrutados, mentalizados e preparados para a fazer nos domínios político, religioso e militar, actuando, quer por células ou grupos locais, quer por células ou grupos de apoio mobilizados desde a Europa, ao Magrebe, ao Extremo Oriente, à África e às Américas onde existem. Nesta extensa área do Globo, onde presentemente se situam todos os objectivos almejados, os grupos de mujhhaiden podem actuar por sua iniciativa ou comandados pela direcção superior do Movimento. A descentralização constitui, portanto, um dos princípios de acção do terrorismo alqaedeano.
 
Em fins de Dezembro de 2007 a organização do Movimento seria, dum modo geral, a seguinte:
 
a) Comando, Direcção ou Chefia Central, algures na região de Kandahar, com Bin Laden como 1º responsável e o Dr Ayman Al-Zawihiri, seu adjunto desde 1995, como 2º - Diz-se que B. Laden será substituído pelo Dr Bartullah Mensad.
 
b) Grupos, Centros, Células ou Núcleos dispersos pelo Globo, cada um com número variável de “mujhadeen”, visando a Europa, a África Seten­trional e Central e a América, nomeadamente Portugal, Espanha, França e Estados Unidos, como:
- Al-Qaeda do Magrebe (AQM), fundado em 1998 com base no Grupo Salafita para a Prédica e Combate (GSPC), aproveitando, o que é raro, a organização marxista já existente e a dissidência daquele com o Grupo Islâmico Armado (GIA) que fez a guerra da independência contra a França, e orientado para o próprio território argelino, a Tunísia e a Mauritânia;
- O Grupo Islâmico de Combatentes da Líbia (GICL).
 
Estes grupos de combatentes radicais impregnados de extremo fundamentalismo, terão por Missão particular restabelecer o Califado onde foi iniciada a expansão muçulmana para norte do Mediterrâneo no século VII e aí fazer vigorar novamente a lei islâmica (sharia), tirando partido, para se apoiarem, da vastidão do deserto de que todos os muçulmanos são experientes utilizadores.
 
A execução desta Missão abrangerá, ao que se admite, três fases com alargamento paciente no tempo e no espaço, as duas primeiras simultâneas:
 
- 1ª Fase, com acções de formação interna em todos locais em que haja seguidores;
 
- 2ª Fase, consolidação do que houver sido conseguido, através da propaganda, da mentalização e de uma ou outra acção violenta para dar estrutura e espírito de corpo ao Movimento;
 
- 3ª Fase, incidência e recuperação externas, para a afirmação física, política e estratégica do Movimento.
 
A última fase será, efectivamente, a da expansão para chegar ao Objectivo Final, ou seja, a re-imposição territorial, política e religiosa do Islão do século XV, no âmbito duma atitude ofensiva com iniciativa e realizando a surpresa, como tem vindo a verificar-se fundamentalmente desde o começo do século XXI.
 
A estrutura de direcção e operacional do Movimento abrangerá hoje, julga-se, cerca de 3 000 combatentes fundamentalistas, cuja vida está inteira e permanentemente inserida nos princípios alcorânicos e devotada ao homem, Osama Bin Laden, que teve a “visão” reformadora do Islão que conduziu ao Movimento.
 
Quem é Bin Laden
 
Acompanhando os seus muitos biógrafos, Usamah Bin Ladin (também conhecido por Abu Abdallah Abd Al-Hakim) ou, na sua forma ocidentalizada, Osama Bin Laden, o, como já se referiu, cognominado a partir de Setembro de 2001 “príncipe do terrorismo” e “estratega do terror”, preparou-se após a referida “visão” para “fazer a guerra santa contra os países corruptos do Próximo e Médio Oriente e os do Ocidente que os apoiem”. Este novo profeta, como alguns já o consideram, também crismado de Renovador do Pan-Islamismo, uniu para a “Jihad” as tribos xiitas e sunitas e elaborou um Plano de Guerra Global de que é principal organizador, financiador e combatente activo (mujahid).
 
Osama Bin Laden nasceu na capital da Arábia Saudita, em Riade, em 1957, no seio duma família numerosa, rica e muito influente junto da Casa Real e das principais famílias do país e do Golfo Pérsico, começou por se dedicar à construção civil e militar numa empresa, a “Bin Ladin Construction Corporation”, que seu pai fundou, com interesses alargados a todos esses territórios. A empresa construiu grande número de mesquitas, quartéis e outros edifícios no Estado Árabe e diversas instalações militares destinadas às Forças Armadas Americanas por ocasião da Guerra do Golfo e posteriormente, utilizando como quadros superiores e técnicos os doze ou treze filhos do clã, entre os quais, como se referiu, Bin Laden, formado em universidades e escolas do seu país, da Inglaterra e dos Estados Unidos. O relacionamento estreito dos Bin Ladin com a Casa Real Saudita torna Osama íntimo amigo do príncipe Faiçal, que o rei seu pai encarregara da chefia dos serviços secretos do país, situação que, naturalmente, lhe vai permitir ter acesso a informações que irá depois explorar nas suas acções.
 
Outros Elementos da sua Biografia
 
No âmbito do Objectivo Final do Movimento Al-Qaeda para o qual todos os outros devem concorrer - “renovar a fé islâmica e expandi-la no Mundo” através da guerra santa feita a todos os países que não respeitarem e provocarem os sentimentos dos muçulmanos e aos que os apoiarem” - Bin Laden constata, principalmente a partir de 2001, como já haviam feito em acções anteriores na Guerra do Golfo, que há por parte dos Estados Unidos nítido menosprezo e violência em relação às populações muçulmanas, subjugação do governo da Arábia Saudita, a sua pátria, que controla como lhe apraz, e que pratica apoio indiscriminado ao Estado de Israel desde sempre inimigo dos países árabes. Os Estados Unidos tornam-se, deste modo, o inimigo principal a combater, logo seguido por Israel pelas suas estreitas ligações à grande potência americana e, finalmente, todos os países do Ocidente que os apoiarem. Deste modo, a guerra irregular assente no terrorismo que o Movimento Al-Qaeda realiza contra esses países constitui resposta violenta ao indiscriminado terrorismo de Estado que, escudados nos seus potentes meios de força, aqueles países, directamente ou através de terceiros, vêm realizando sobre milhares e milhares de populações muçulmanas sem atender a idade, a sexo ou a grau de interferência nas situações.
 
É em 1979, com 22 anos, que Osama Bin Kaden envereda afoitamente pela agitação e, no dizer dum autor, “inicia uma corrida com instabilidade permanente”. Assim, em 1984, quando a então ainda Rússia Soviética invade o Afeganistão com o pretexto de que o seu governo, em vez de o seguir, hostilizava o comunismo, mas visando, em boa verdade, a realização da velha política dos Czares de ter acesso “aos mares quentes do sul”3, Bin Laden põe a sua imensa riqueza à disposição da luta contra o invasor, acorre ao país com grande número de combatentes e inicia com os talibãs oposição crescente ao ocupante. Juntam-se-lhe logo a seguir os Estados Unidos e a China Popular, interessados em combater a expansão soviética, salientando-se do lado americano o reforço de elevado contingente instrutores para a preparação dos “mujhadeen” e de completa e adequada cadeia logistica preparada pela CIA. Ele próprio, Bin Laden, vai receber instrução em centros de formação desta organização, tem contactos com os Serviços Secretos Americanos com vista à luta contra o inimigo comum, utilizando com eles bases paquistanesas e, em reforço dos meios financeiros por si empenhados, recebe de Washington largos milhões de dólares.
 
Nesta campanha, Bin Laden não se destaca, no entanto, só como comandante operacional e financiador da luta. Pensando no futuro dos combatentes e dos seus familiares e na mobilização de aderentes, cria o “Zakat”, um “cofre” de doações que acorrem em grande número, a fim de que os “voluntários de sacrifício total”, os que se lançam perdendo a vida, tenham garantido o futuro dos seus familiares. Além disso, embora tímido e reservado, Bin Laden relaciona-se facilmente com todos os combatentes, apoia-os e combate a seu lado, tornando-se, assim, seguido e admirado. O seu exemplo como “mujhaden” cria, deste modo, elevado espírito de coesão entre todos os que actuam junto dele ou em áreas afastadas.
 
 
 
 
Quando em 1989, cinco anos depois da invasão, os russos abandonam vencidos o território, Bin Laden acompanha a evolução política, estratégica e militar do país e dos interesses que depressa desabrocham e dá início à orientação fundamental da sua vida, à tarefa decorrente da “visão” libertadora do Islão que o levará ao “novo terrorismo”. Acompanha a ocupação do Kuwait pelo Iraque em 1990, a invasão vitoriosa, mas incompleta, deste país pelo países coligados com supremacia americana e a instalação de bases de apoio americanas na Arábia Saudita com nítida subalternização do país, que era o seu, expandindo-se a seguir os Estados Unidos arrogantemente pelo Médio Oriente com todo o seu poderio militar. O emprego pelas forças armadas americanas de sofisticadas armas, algumas em começo de ensaio, causa milhares de vítimas entre a população civil, atitude que é agravada logo a seguir com o bloqueio comercial ao Iraque, do qual vai resultara grande número de mortos, feridos e doentes, principalmente entre as crianças, por falta de alimentação adequada.
 
Desenvolve-se então o ódio de Bin Laden pelos Estados Unidos, não só porque detesta o comportamento aniquilador dos seus militares e políticos contra os muçulmanos, mas também porque vê a manifestação da sua política de interesses, entre os quais os relativos ao petróleo são dominantes, e, principalmente, porque não aprova a subalternização dos seus irmãos Sauditas à hegemonia americana. Volta-se então francamente contra esta e decide combatê-la e prejudicá-la onde e o mais que for possível. O sistema a utilizar, adquirindo à custa de dinheiro os adequados meios de luta e tirando partido da globalização, será o terrorismo generalizado, o “novo terrorismo”, desencadeado ao nível que os Estados Unidos tinham já utilizado e vinham utilizando contra as populações islâmicas e onde geopoliticamente e geoestrategi-camente julgar aconselhável. A grande potência torna-se, deste modo, o seu Inimigo Principal e ele, Bin Laden, segundo os conceitos americanos, o “Inimigo Público nº 1 dos Estados Unidos”.
 
Assim, por toda a década de noventa do século passado, assiste-se à morte de muitos militares americanos, como em 1995 e 1996 na Arábia Saudita, em 1998 no Iémen e na Somália, e são desencadeados ataques, entre outros menos espectaculares, contra as embaixadas do país na Tanzânia e no Quénia, Como consequência destas acções e no âmbito do seu entendimento amistoso com os Estados Unidos, a Arábia retirou em 1994 a nacionalidade saudita a Bin Laden, o qual seria, porém, desde logo acolhido pelo Afeganistão onde tanto se batera pela expulsão das tropas russas. Apátrida, solitário, acossado e com a cabeça a prémio, entrega-se então ainda mais febrilmente ao recrutamento, à preparação e à mentalização religiosa dos “mujhadeen” para agir contra o inimigo americano onde quer que se encontre e contra quem o apoiar. Viverá hoje, estima-se, na região montanhosa de Kandahar com a mulher e os filhos, o mais velho dos quais comanda a força especial encarregada da sua segurança.
 
Diz-se que o Movimento Al-Qaeda disporá hoje na sua panóplia de armamentos de mísseis terra-ar de origem chinesa, de urânio preparado obtido na República da África do Sul e de material bélico sofisticado, nomeadamente equipamento de comunicações, de ligação a satélites e de visão nocturna, adquirido nos Estados Unidos e em Israel. Os seus guerrilheiros consideram-no “padrinho”, ainda que sem subordinação a cadeia normal de comando, pois no Movimento pratica-se a descentralização absoluta ainda que sem prejuízo da execução imediata de qualquer ordem que dele possa dimanar.
 
Homem muito rico, Bin Laden possuirá no seu activo muitos milhares de acções e de outros interesses em diversos bancos e empresas espalhados pelo Mundo, entre os quais o grupo financeiro americano Carlysle de que serão também grandes associados o presidente Bush e o seu ex-ministro da defesa Donald Rumsfeld.
 
Filho de uma europeia, uma das doze esposas de seu pai (os irmãos crismaram-no por isso de o “europeu”), Osama Bin Laden é tido como homem sempre muito ligado à imagem do seu já falecido progenitor, o qual o educou na tradição Wahhabita Islâmica, a mais rigorosa do Islão. Tímido e reservado, como já referido, discreto, taciturno e pouco expansivo, gosta mais de ouvir do que de falar. Em vez de conviver com os “grandes”, como os príncipes do Reino da Arábia e outras famílias gradas do Médio Oriente que lhe serão sempre acessíveis, prefere a companhia dos Ulémmas, sacerdotes pensadores do Islamismo, com os quais discute os problemas da religião e da Guerra Santa. O seu comportamento político-estratégico, acrescenta um biógrafo, não segue a máxima de Clausewitz de fazer a guerra para “continuar a política por outros meios”, mas, antes, a própria de “empregar os meios para chegar à política”.
 
Na sua filosofia reformadora da doutrina e do seguimento do Islão, retoma a experiência histórica da Expansão Islâmica iniciada na Arábia Saudita (Meca e depois Medina) em 622, alargada a seguir para leste e para oeste, até às fronteiras da Pérsia e à região do Magrebe, respectivamente, e para a Península Ibérica em 710, 711 e 712, finalmente. A Expansão iria permanecer nessas áreas, com é conhecido, á custa de atitudes de tolerância política e religiosa e de guerra até 1492, data em que os muçulmanos foram forçados pelos castelhanos a abandonar Granada, o seu último bastião na Península, e a regressar definitivamente ao Norte de África.
 
Regresso Efectivo à “Velha História”
 
As características operacionais actuais da Guerra do Afeganistão, iniciada em 7 de Outubro de 2001 pelas Forças Armadas Americanas contra os talibãs na sequência do ataque às torres de New York em 11 de Setembro de 2001 e, agora, contra os neo-talibãs a cargo da NATO (ISAF - Força Internacional de Estabilização), mostram o emprego do terrorismo no sistema antigo de acção irregular ao serviço de acções subversivas e revolucionárias. Idêntica evolução estará a verificar-se também no actual período da Guerra do Iraque em relação às populações xiitas e sunitas na sua acção, também irregular, contra as novas autoridades iraquianas e forças americanas e outras de ocupação.
 
 
 
Osama Bin Laden e Ayman Al-Zawahiri
 
 
4. Acção Contra-terrorista
 
Estudos da Situação
 
A complexidade e a globalização do ambiente gerado nos últimos sete anos pelo “novo terrorismo”, sejam quais forem os domínios e sectores afectados, impõem que as medidas de contra-terrorismo que visem combatê-lo sejam baseadas em estudos da situação tão pormenorizados quanto possível e dos quais possam concluir-se com clareza a realidade do que pretende o primeiro e as características que devem observar as segundas.
 
Por mera atitude de natureza ideológica ou de política partidária, muitos poderão não aceitar as conclusões obtidas e, consequentemente, as decisões que desses estudos, que devem ser mantidos actualizados, resultarem. Mas, é indiscutível que só estudando e analisando atentamente as raízes, os factores e os elementos dos problemas atinentes ao terrorismo, quaisquer que eles sejam, se pode agir eficazmente contra ele e sem sujeitar as populações a mentiras e a sacrifícios, no caso contrário, deles provavelmente decorrentes. As últimas guerras regulares, limitadas no tempo e no espaço, dos finais do século XX e do dealbar do século XXI, as do Golfo Pérsico, do Afeganistão e do Iraque, constituíram, pelo que hoje se conhece, produtos concretos de estudos de situação deficientes, com conclusões erradas ou, por razões ideológicas, políticas ou estratégicas pessoais ou de grupo voluntariamente falseadas.
 
Será, em síntese, congregar elementos para tais estudos, analisá-los e preparar resposta para as questões seguintes:
 
- Que visa o “novo terrorismo”?
 
- Que esperar do Inimigo que o faz?
 
- Que realizar efectivamente defrontar esse Inimigo?
 
- Onde e quando actuar e com que meios?
 
Confirmar-se-á efectivamente desses estudos que, como o antigo, o “novo terrorismo” que hoje serve a guerra irregular não constitui em si um fim mas, apenas, uma finalidade para atingir esse fim e, em conformidade, que o contra-terrorismo deve ser desencadeado para saber o que é esse mesmo fim, caracterizá-lo e montar os mecanismos adequados para o prevenir, primeiro, e se for avante, para o aniquilar a seguir.
 
Contexto da Acção
 
Depreende-se de imediato que o adormecimento e a inércia das autori­dades responsáveis perante o fim último do terrorismo e as causas que podem despertá-lo e alimentá-lo não constituem atitude adequada, dado que, se o fenómeno surgir em qualquer parte do Globo, se alarmam as populações e, não existindo dispositivos de luta adequados, se envereda em regra por sistemas de empenhamento em que, a coberto da proclamação de pretenso patriotismo e da preservação dos valores nacionais, se prejudicam na realidade direitos fundamentais do homem, como a liberdade de expressão, a segurança individual e a vigência duma democracia generalizada. Lança-se ainda mão de campanhas alargadas na Comunicação Social, conferências, encontros, seminários e reuniões de esclarecimento, ao quais, por não abordarem concretamente o objectivo final desse terrorismo, porque não conhecem, a pouco ou nada conduzem.
 
 
 
Acções Contra-Terroristas em 2007 na Europa
 
 
 
Adentro do fenómeno da globalização que, como já se referiu, hoje influencia grande parte, se não a totalidade, das manifestações do homem em todos os domínios, tem sido geralmente as anteriores as atitudes políticas e estratégicas seguidas desde 11 de Setembro de 2001 em todos os países do Mundo que de qualquer forma se sentem prejudicados pelo reconhecimento e realização do mesmo fim, como os Estados Unidos da América e outros países do Ocidente. E para se poder prosseguir sem esse reconhecimento face ao propalado terrorismo, faz-se então a guerra ou ameaçam-se com ela pessoas, organizações, regiões ou países sob qualquer pretexto. As actuais guerras do Afeganistão e do Iraque conduzidas pelos Estados Unidos e, por arrastamento, por outros estados da Europa e de outros continentes com base em motivações políticas e estratégicas falseadas são disso exemplo.
 
Concretize-se, em síntese, que apenas “novo” na sua ideologia islamista, na sua virulência e na sua globalização, o terrorismo actual é bem o que concretamente vem sendo assumido e realizado pelo Movimento Al-Qaeda a par de outras acções de guerra irregular, destacando-se do de outras organizações subversivas ou revolucionárias nacionais ou regionais, que persistem e se manifestam em países da Europa, da Ásia, da África e das Américas Central e do Sul, pelos objectivos que visa, por estes se situarem em todos os continentes, pela forma violenta e causadora de vítimas da sua execução e por dispor de avultados e meios e de vontade firme de actuação. Preparando sem pressa e em segredo as suas acções e conduzindo estas de surpresa e sem clemência através de núcleos dispersos e mais ou menos volumosos desde o País do Magrebe ao Extremo Oriente, age efectivamente pelo ambiente psicológico de terror que deixa a pairar, obrigando os estados a vigilância permanente sobre os alvos que, admite, poderão ser visados, à mentalização aturada das suas populações face à ameaça e à disponibilização de meios de reacção adequados embora sem ter a certeza da necessidade de os empenhar.
 
Podem resultar desta expectante situação naturais lassidão da vigilância e abrandamento das medidas e reacções preparadas, o que acabará por reforçar as possibilidades desse “novo” sistema de acção a combater e, sempre, a consequente diminuição do potencial dos meios de informações e contra-informação e do moral das forças mobilizadas.
 
No quadro da instabilidade que hoje persiste no Globo, ter-se-á de continuar a viver com o terrorismo islâmico e de outras origens e com o anti-terrorismo ou contra-terrorismo que provoque. Há que prever e transformar esta contra-acção em vigilante, activa e permanente barreira de força abrangente de todos os domínios que possam ser afectados, organizando, preparando, decidindo e executando, o que for possível, sem excluir, no entanto, de imediato contactos e diálogos sérios e apaziguadores que permitam chegar a possível harmonia de convivência e à paz.
 
Particularmente em relação à ameaça terrorista islâmica, impõe-se aos países da Europa e de todo o Ocidente serem cautos e ponderados, mas também activos e diversificados na sua oposição enquanto ela permanecer, mantendo-se no espírito dos princípios, conceitos e valores humanos, políticos e religiosos que formam e conduzem a nossa Comunidade. Mas, se a gravidade da ameaça o exigir, além de continuarem a seguir as normas de convivência e de acção que lhes são historicamente características, devem orientar-se também na sua resposta pelas normas de força do Islamismo que este contenha e forem aplicáveis, como são exemplo as dos versículos 24 a 26, do capítulo L do Alcorão, relativas ao comportamento individual e colectivo dos crentes, as quais, mantendo-se no esteio da violência, proclamam, em síntese:4
Atirai ao Inferno todo o incrédulo empedernido que impede o Bem, é injusto e céptico e colocou junto de Deus outro deus...Atirai-o ao tormento terrível.
 
Intervenção das Forças de Segurança
 
Ainda que com incidência na globalização da sua organização em núcleos capazes de acção independente ou subordinados a uma direcção central, da sua propaganda e da permanente ameaça de acções de extrema violência, é certo que o “novo terrorismo”, caldeado e realizado pelo Movimento Al-Qaeda, se tem geralmente mantido até esta altura no nível pontual das mesmas acções, quer as planeadas e desencadeadas à ordem da sua direcção central, quer as decorrentes de iniciativas dos seus núcleos. A recente ameaça de intervenção alargada sobre os agentes do Rally Paris-Dacar verificada em 4 de Janeiro de 2008, que obteve os efeitos pretendidos e na qual teriam certamente destacado papel a desempenhar os núcleos terroristas do Magrebe e da África Central - em regra junto de fontes de matérias primas, como o petróleo, e de precárias povoações - constituiu o primeiro indício importante do alargamento efectivo do sistema de acção político e estratégico do seu terrorismo a áreas globais, englobando fisicamente diversos países e popu­lações. Também a recente ameaça de utilização de telemóveis por todo o Globo, muito populares entre as populações dos Próximo e Médio Oriente e do continente europeu, para a difusão da ideologia islâmica e mostrar os efeitos das acções do Movimento se enquadra no mesmo sistema.
 
Na sua oposição ao empenhamento contra-terrorista, os poderes consti­tuídos atribuem, em regra, a sua intervenção aos escalões políticos interno e externo e ao Sistema de Segurança que os apoiam, entregando depois a execução efectiva das acções correspondentes às suas Forças de Segurança, as quais empenham na luta corpos de força especiais. As Forças Armadas são, de início, em princípio, mantidas afastadas dessa intervenção preliminar embora possam apoiá-la e devam manter-se sempre em condições de actuação com os meios adequados se a mesma lhes for determinada. O presente empenhamento destas Forças em áreas como o Kosovo, o Afeganistão, o Iraque, o Líbano e a Somália decorre, não directamente de contra-terrorismo, embora esteja, por certo, sempre presente, mas na sequência de operações da guerra limitada que vem tendo lugar.
 
Intervenção das Forças Armadas
 
Na universalidade dos domínios que tem de abranger para cumprir as suas finalidades de Segurança e Defesa, a Defesa Nacional de qualquer país tem de atender a todos aos factores geopolíticos e geoestratégicos que as influenciam e às características e expressão das ameaças possíveis, com destaque, hoje, para o terrorismo islâmico pela doutrina e características que exibe e o alimenta e pelos atributos já referidos da figura de “mujhaden” de Osama Bin Laden que o dirige. Não pode, portanto, um estado entregar o combate ao fenómeno terrorista apenas aos escalões políticos e aos meios de informação e de força que permanentemente devem ter a seu cargo a Segurança, mas, pelo contrário, interessar também desde início nessa luta o “braço forte” da Defesa, as suas Forças Armadas, que deve dispor para o efeito:
 
- De organismos e unidades prontas a realizar o contra-terrorismo;
 
- De efectiva capacidade de acção se as Forças de Segurança claudicarem ou se as características e os efeitos da violência terrorista exigirem de imediato maior volume de intervenção;
 
- De mecanismos permanentes de defesa interna do seu próprio pessoal, meios e instalações contra a eventual penetração física, de propaganda ou ideológica do surto terrorista.
 
As duas primeiras tarefas, é bem de ver, só serão realizáveis se a última o tiver sido também e em permanência, ou seja, se cada ramo das Forças Armadas ou todos os seus ramos em conjunto constituírem bloco doutrinado, coeso, disciplinado e com aptidão e vontade para actuar. Um sistema de informações e de contra-informação próprio, mas também coordenado com os restantes, activo e permanente sobre todo o território do Estado e áreas externas que possam interessar, é esteio de base indispensável a essa actuação.
 
Deste modo, o contra-terrorismo a realizar pelas Forças Armadas, apenas preparado e em expectativa ou empenhado, é missão permanente que pode no momento próprio ser desenvolvida, sendo para isso indispensável, volta-se a dizê-lo, que disponha como base de trabalho de bem estruturado, pormenorizado e concluído estudo da situação. Todavia, o poder constituído, capacitado para levar a efeito as suas acções de força até aos limites e domínios aconselháveis, só deverá recorrer a empenhamentos do domínio militar - a sua última ratio - nos tempos e lugares que efectivamente o necessitem, fazendo-o então com determinação e violência, mas jamais esquecendo, o que muitas vezes acontece por parte de muitos políticos e até de alguns militares, que tais acções de força constituem apenas uma parte dum combate que deve ser global.
 
O Factor Religioso
 
Como particularmente se verifica com o terrorismo desencadeado pelo Movimento da Al-Qaeda, destaca-se nele o factor religioso, o qual não vinha apresentando relevância na maior parte das acções de terrorismo de outro cariz anterior a 2001. A doutrina islâmica fundamentalista que se engloba no factor deve exigir na acção contra-terrorista por parte dos poderes consti­tuídos a montagem de contra-acção religiosa que lhe retire ou neutralize, tanto quanto possível, a estrutura político-social e humana a que se dirige, os princípios por que se rege e o uso da violência, visando a minoração e neutralização da mentalização terrorista extremada que são características dos crentes e seguidores preparados para a realizar. Tarefa, sem dúvida difícil, complexa e de longa duração, visto tratar-se de conseguir a aceitação de tolerância religiosa por grupo de tendências religiosas opostas às de outro grupo.
 
De facto, mostra-o a História das relações religiosas entre cristãos, judeus e muçulmanos através dos tempos, que serão certamente necessários muitos anos para se poder atingir a convivência dos três Credos e se afaste, nomeadamente entre os muçulmanos, um dos incentivos que mais alimenta e faz viver o “novo terrorismo.” Na realidade, ao contrário do que sucedia com o “velho terrorismo que servia a Subversão, o actual apresenta-se eivado de carácter religioso, servindo o Islão para preparar, incentivar e legitimar o uso da força e da violência, para produzir danos materiais e ser causa da perda de vidas humanas.
 
Um ensaio elaborado na Universidade de Saint-Andrews, na Escócia, certamente muito influenciado pelos eventos que vinham assombrando a Irlanda do Norte até 1995, verifica-se que apenas 25% dos atentados terroristas se moviam então no campo religioso, com 58% de mortes em relação ao total do número de vítimas. Nos últimos anos, porém, o terrorismo religioso vem sendo praticado como “conceito e acto moral que obedece a uma imposição divina”, ou seja, que reconhece aos crentes que a sua prática, mesmo violenta, se justifica. Comparando motivações e realizações constata-se, por outro lado, que “o terrorismo de base política pode também produzir motivações e vítimas mas que se apresenta mais comedido”.
 
Recorde-se quanto a estes dois aspectos, o religioso e o político, do terrorismo que o presidente Bush, o controverso presidente dos Estados Unidos, declarou no início da guerra do Iraque em princípios de 2003 “que se sentia ungido por Deus para levar por diante a cruzada contra o país e contra outros países que o seguissem no caminho do mal”. Estaremos neste caso perante um terrorismo de estado de carácter político, ao visar, a pretexto da implantação local da democracia, a realização dos interesses nacionais americanos - o domínio da área do Golfo e o controlo da produção local de petróleo - e, simultaneamente, de carácter religioso ao julgar e propalar serem legitimadas por Deus, sabe-se hoje sem justificação plausível, as decisões bélicas desencadeadas.
 
Na preparação e execução de eventual acção anti-religiosa no quadro da luta contra o terrorismo islâmico deverão ter-se em consideração as ten­dências político-religiosas específicas dos crentes visados, os quais se englobam em três categorias:
 
a) Os integristas, muçulmanos “que são contra qualquer adaptação do Islão ao mundo moderno e que crêem que este é que ganhará em se regenerar na doutrina islâmica, fonte de todas as qualidades que a humanidade possa procurar”;
 
b) Os fundamentalistas, que visam a utilização de todos os meios modernos que a ciência e a tecnologia possam oferecer para reforçar a coesão e a força da comunidade dos crentes;
 
c) Os islamitas, finalmente, muçulmanos “que procuram conquistar o poder político ou, não sendo possível, exercer forte pressão sobre esse poder no sentido de restaurarem o dogma religioso e resolverem através deste todos os problemas da sua sociedade”;
 
Consideram estudiosos do Islão, que “a maior parte dos fundamentalistas são também islamitas, mas não integristas, na medida em que aceitam conceitos como os de república, separação de poderes e soberania do povo”.
 
Sem dúvida que a utilização de contra-acção religiosa como “arma” poderá obter mais rápidos efeitos entre a juventude que se integra na “jihad”.
 
Segundo fontes norte-americanas, o Movimento Al-Qaeda utiliza actualmente no Iraque algumas centenas de jovens dos dois sexos com idades compreendidas entre os 13 e os 17 anos, em missões de transporte de munições e víveres para os grupos combatentes, de ligação, de reconhecimento, de colocação de cargas explosivas em viaturas, instalações e vias de comunicação, com ou sem sacrifício da vida, e, os mais velhos, de participação no combate efectivo. Para se lhe opor, as autoridades iraquianas estão a ensinar e a desenvolver a contra-acção religiosa em centros juvenis de educação por intermédio de sacerdotes, ensinando um Islamismo moderado que faça banir da mente dos jovens todas as ideias que conduzam à aproximação e à prática do terrorismo.
 
Seguindo a mesma orientação, Marrocos vai destacar para a Europa e Canadá, em Setembro do ano corrente, 167 pregadores - França, que receberá cerca de uma centena, e, nomeadamente, Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Espanha - com vista a precaver as comunidades islâmicas marroquinas contra a propaganda extremista e melhorara a imagem do Islão. Portugal não é incluído visto a comunidade islâmica local ser considerada limitada.
 
 
 
 
Situação de Portugal
 
Dizia há tempos Alípio Ribeiro, ex-director da Polícia Judiciária, em entrevista a semanário de grande circulação, que o nosso país “é uma boa retaguarda para o terrorismo”, querendo referir-se naturalmente ao terrorismo de base islâmica, embora essa afirmação deva abranger também o terrorismo basco sediado do norte de Espanha.
 
Efectivamente, os meios físico e humano do Continente e Ilhas Adjacentes, com extensas e diversificadas zonas montanhosas, grandes e médios centros urbanos e, em especial quanto ao Continente, boas facilidades de acesso, oferecem abrigo viável para neles se penetrar, permanecer e actuar. Por outro lado, a Cadeia Pirenaica, entre a Espanha e a França, a norte, e o Estreito de Gibraltar, entre a Espanha e o País do Magrebe, a sul, isolam a Península, conferindo apreciável grau de independência em relação a agressões terro­ristas e contra-terroristas que nela possam ter lugar ou que dela possam ser lançadas.
 
Relativamente à ameaça que possa impender sobre o território, o Arquipélago dos Açores poderá constituir um particular objectivo dado que a Base das Lajes e o aeródromo de Santa Maria têm sido utilizados permanentemente pelos Estados Unidos desde meados da Segunda Guerra Mundial e têm desempenhado papel relevante na presente manobra por eles conduzida contra o Movimento Al-Qaeda em áreas europeias e do Médio Oriente - meios de ataque aéreo, reabastecimento de aeronaves, transporte de prisioneiros e outras acções. Na realidade, como também escreveu em fins de Janeiro Miguel Monjardino no semanário “Expresso”, “Portugal nunca foi indiferente para a Força Aérea dos Estados Unidos e a Base Aérea das Lajes explica porquê. Durante a Guerra-Fria foi importante para a sua defesa avançada, controlo aeronaval do Atlântico, missões estratégicas do Strategic Air Command e apoio à projecção do poder militar americano na Europa Ocidental e Médio Oriente e, nos últimos anos, a Base acolheu a Cimeira do Atlântico entre George W. Bush, Tony Blair, José Maria Aznar e Durão Barroso, que conduziu à invasão do Iraque em 2003, e permitiu depois a mobilidade estratégica das forças dos Estados Unidos sobre o Atlântico em direcção àquele país e ao Afeganistão”.
 
Tem-se, portanto, de considerar que o peso da Base das Lajes é muito importante do ponto de vista da ameaça que deve quantificar-se em relação a Portugal no seu conjunto e ao Arquipélago dos Açores em particular quando se pensa nos indispensáveis apoios que, como inimigo e alvo principal do Movimento Al-Qaeda, os Estados Unidos e, concretamente, as suas Forças Armadas dela vem recebendo.
 
Também do Arquipélago da Madeira poderá resultar certo grau de ameaça uma vez que as correntes turísticas que permanentemente procuram as suas ilhas podem constituir excelente sistema de infiltração, passagem e disseminação de agentes e meios ligados ao terrorismo global tanto mais que se encontra apenas a cerca de 100 quilómetro do território marroquino, uma das áreas do Magrebe onde o Movimento Al-Qaeda está já instalado e em vias de se reforçar.
 
Em síntese, Portugal tem oferecido e poderá continuar a oferecer possibilidades ao contra-terrorismo o que o coloca em situação de poder constituir alvo para eventuais ameaças terroristas do Movimento Alqaedeano. A sua estreita ligação à vizinha Espanha no campo das informações, contra-informação e coordenação das acções que houver que montar torna-se, portanto, factor de vivência geopolítica e geoestratégica que não pode ser obliterado, tanto mais que o recente alargamento para leste do espaço da União Europeia irá incrementar em muito a movimentação de populações entre todas as áreas da União.
 
Mas outras motivações para além do panorama anterior, estas recentes, podem colocar o país no campo da ameaça terrorista. São, concretamente:
a) A participação com meios aéreos e terrestres, embora limitados, na guerra em curso no Afeganistão;
 
b) O apoio do Líbano com um contingente de Engenharia após a guerra verificada no país entre o Partido Hamas e Israel;
 
c) O sobrevoo do nosso território e a utilização de bases aéreas por aviões americanos com presos, acusados de ligação à Al-Qaeda, destinados a Guantanamo e a outros campos de detenção;
 
d) O estar-se presentemente a negociar, ao que se afigura, a intensificação da utilização das Lajes pela aviação americana para efeitos de continuidade dos apoios de transporte diverso e operacional e treino de tropas especiais e tripulações.
 
Tendo em vista a resolução a nível nacional e peninsular dos problemas ligados à Segurança e Defesa no âmbito do terrorismo e contra-terrorismo e da coordenação dos trabalhos de informações e de contra-informação aos dois fenómenos atinentes, foi aprovada em Braga em meados de Janeiro de 2008, entre os governos de Portugal e Espanha, a constituição de um Conselho Luso-Espanhol de Segurança e Defesa que substituirá o Conselho Superior de Segurança e Defesa que vigorava desde Dezembro de 2006. O novo conselho a nível superior será apoiado por um Conselho de Estados-Maiores, o qual assumirá também as funções dos antigos Estados-Maiores Peninsulares5.
 
Desconhece-se eventual evolução destes contactos entre os dois países.
 
Muçulmanos em Território Português
 
Segundo o chefe da Comunidade Islâmica em Portugal, David Munir, em entrevista recente, vivem no território português, organizados em torno das suas mesquitas e com escolas e associações culturais, cerca de 40 000 muçulmanos (15 000 números oficiais) na sua maior parte vindos de Guiné-Bissau e de Moçambique, havendo entre eles, sem terem ainda causado quaisquer problemas, alguns de orientação radical.
 
Contactados há já alguns anos, no início do terrorismo, por islamitas vindos do exterior para se integrarem em grupos de acção violenta desse tipo de guerra irregular, aqui ou noutros países, não lhes deram, ao que afirmou aquela entidade, qualquer acolhimento. Todavia, impõe acautelar-se, é hoje muito mais vasta, povoada, agressiva e consciencializada a mancha do “terrorismo islâmico”.
 
 
5. Aspectos da Manobra Militar
 
Contexto Geral
 
Voltando a afirmações anteriores, os factores de afirmação do “novo terrorismo”, quer no seu âmbito fundamentalista islâmico, quer no de outras origens, foram procurar esteio às teorias e práticas da Subversão e Contra-Subversão para chegarem a conjunto activo e dinâmico com a violência a assumir elevada grau, provocando danos e muitas vítimas. Deste modo, uma vez efectivamente conhecidos ou apenas imaginados os seus objectivos e as características do seu empenhamento, mais não terá o contra-terrorismo do que montar contra eles tudo o que a práxis política e militar tem aconselhado através dos tempos contra a Subversão.
 
Em conformidade, um sistema de acção contra-terrorista no quadro das Forças Armadas ou da manobra militar, dando continuidade ou não a sistemas já aplicados pelas Forças de Segurança que, em princípio, serão as primeiras a agir, deverá visar antes ou depois de implantado:
 
a) Criação de condições internas e externas que desfavoreçam a eclosão do terrorismo ou, se ele já tiver sido desencadeado, que conduzam ao seu extermínio;
 
b) Previsão e preparação de meios e acções contra-terroristas;
 
c) Neutralização ou liquidação dos agentes terroristas entre as populações em geral, no seio das Forças Armadas em particular e noutros sectores e organismos do Estado ou privados que puderem vir a ser por eles afectados;
 
d) Neutralização de eventual lassidão que venha a estabelecer-se nos meios de contra-terrorismo, natural em forças mal preparadas ou já cansadas por largo período de prevenção sem empenhamento.
 
As duas primeiras tarefas são de preocupação e realização permanentes e dizem respeito a todos os intervenientes no contra-terrorismo, quer em tempo de acalmia ou de paz, quer em tempo de instabilidade ou de luta propria­mente dita. As duas últimas, sobrepondo-se às anteriores, abrangem naturalmente apenas os períodos de luta.
 
Qualquer que seja, no entanto, o volume da sua intervenção, a manobra militar assenta naturalmente em princípios de autoridade, mas os efeitos que dela será possível obter dependem inteiramente “da consciência que o Poder constituído tiver da ameaça terrorista, da sua vontade política e militar de acção e da adesão das populações” e deve satisfazer no seu contexto as seguintes características e realizar as seguintes finalidades:
 
a) Ligação a todos os sectores e domínios do Estado de interesse para a luta, numa convergência total de esforços;
 
b) Espírito ofensivo e dinamismo;
 
c) Coordenação com a manobra de forças de países aliados ou amigos;
 
d) Tolerância de princípio em relação ao credo religioso das forças hostis, mas reacção quando este se revelar esteio dominante do sistema de acção dessas forças;
 
e) Utilização da estratégia indirecta, interna e externa, enquanto aconselhável e possível visto que é na guerra irregular que o terrorismo actua e, posteriormente, se este se afirma, da estratégia directa com todas as possibilidades6.
 
No seu planeamento e na sua execução a manobra militar têm de coexistir em permanência com actividades de informação e de contra-informação, quer visando o interesse geral das áreas e dos estados, quer as manifestações efectivas do terrorismo e do contra-terrorismo. Dando continuidade a actividades já do antecedente estabelecidas, devem atender as primeiras à pesquisa interna e externa nos âmbitos local, geral e global, à cooperação estreita com outros órgãos de pesquisa e à difusão pronta às entidades a que possam interessar das notícias e informações obtidas e, as segundas, as actividades de contra-informação, acompanhando estreitamento a pesquisa, devem procurar garantir a segurança das acções e dos agentes contra-terroristas e o apoio das actividades de informação. Utilizam umas e outras diversos meios e técnicas de execução clássicos ou muito sofisticados, sendo certo, como já foi referido e é conhecido, que o “novo terrorismo”, em especial o fundamentalista islâmico, dispõe de largas possibilidades financeiras e materiais para se empenhar nessas actividades.
 
Períodos e Acções
 
Continuando a acompanhar os mecanismos da teoria e prática da Contra-Subversão cuja utilização tem de ser observada, as acções do Contra-Terrorismo englobam-se em dois períodos quando considerados no tempo e na forma de intervenção. São o período de intervenção que, como já aflorado, tem de ser permanente, devendo existir antes da eclosão do terrorismo, acompanhando-lhe as manifestações, violentas ou não, e continuando após estas, e o período de intervenção, resultando em síntese, portanto, quanto à forma de actuação na luta, uma acção preventiva e um empenhamento efectivo, respectivamente.
 
Constata-se, no entanto, que, como se verifica na Subversão e na Contra-Subversão, que, em regra, a intervenção efectiva não se tem dado em força instantaneamente com a revelação do terrorismo. Há normalmente um período de inércia da defesa, quer porque as autoridades não sabem bem o que fazer, quer porque as leis em vigor são insuficientes ou, mesmo, não existem, quer porque que há que adaptar as medidas previstas à situação real que no momento se vive e às suas características, ou ainda porque o próprio movimento terrorista terá sabotado essas medidas. Entretanto, aproveitando-se desta inércia, constatada em muitas situações, como é exemplo a nossa reacção à Guerra do Ultramar de 1961-1974, o movimento terrorista cresce, reforça-se, expande-se nas mentes e nas áreas e ganha à-vontade para novos cometimentos.
 
Torna-se, portanto, claro, que quanto mais curto for o período de inércia da defesa ou, melhor ainda, se este não existir, mais rápidos e eficazes serão os efeitos a obter com a acção contra-terrorista.
 
Estruturas de Comando ou de Direcção
 
Entre muitos outros aspectos das velhas teorias e práticas da Subversão e da Contra-Subversão que poderiam ser ainda considerados na caracterização e interpretação do “novo terrorismo” e na manobra contra-terrorista correspondente, surge a necessidade de articulação do comando ou direcção para montar e comandar ou dirigir essa mesma manobra, utilizando a experiência colhida em muitos domínios e áreas das guerras irregulares de libertação, independência ou descolonização e, no presente imediato, no pós-guerra do Iraque e nos conflitos ainda activos no Afeganistão, na Palestina, no Sudão e no Líbano.
 
Considerando a manifestação do fenómeno terrorista e a resposta contra-terrorista, esta, em princípio, como se disse já, do âmbito inicial das Forças de Segurança, sua missão permanente embora com o apoio material, se necessário, das Forças Armadas, a elas caberá então naturalmente a responsabilidade pelo comando ou direcção da luta. Todavia, se o terrorismo se expande, assume volume cada vez mais evoluído e se as Forças de Segurança não revelam capacidade em pessoal, material e de preparação para lhe fazer face, as Forças Armadas deverão ser chamadas a intervir, cabendo-lhes então inteiramente a responsabilidade desse comando e a sua assunção, assumindo-o com todo o pessoal que julguem adequado e capaz.
 
 

 
Guerra Irregular - Períodos e Acções
 
 
Portanto, os aspectos de articulação mencionados e as necessidades decorrentes da evolução do terrorismo e do contra-terrorismo aconselham a adopção de um dos modelos de comando ou de direcção seguintes, embora só a manter pelo tempo indispensável e nas áreas geográficas afectadas pelos fenómenos:
 
a) Estrutura civil, com Forças de Segurança, simplesmente;
 
b) Estruturas civil e militar paralelas, assumindo cada uma destas organizações a responsabilidade do comando ou direcção das suas forças na sua área de empenhamento;
 
c) Apenas estrutura militar, com governos de civis e de militares, absorvendo então toda a estrutura civil inicial;
 
d) Estrutura mista, combinando localmente ou regionalmente conforme mais aconselhável e adequado os meios de força ou outros a empregar.
 
A adopção destes modelos exige atenção cuidada e permanente às informações e às conclusões dos estudos da situação que a determina. As evolutivas situações actuais no Kosovo, em países do Próximo Oriente e do “Corno de África”, no Afeganistão e no Iraque constituem exemplos de locais e áreas em que se necessita em tempo o modelo de estrutura de comando ou direcção mais conveniente.
 
O primeiro modelo de estrutura é geralmente adequado a tempo de estabilidade e paz ou da manifestação inicial do terrorismo enquanto este não exigir acções drásticas de natureza militar; o segundo é aconselhável quando a estrutura civil se revelar inadequada a fazer face à situação; o terceiro corresponde á necessidade extremada ditada pelo agravamento da situação anterior; finalmente, o quarto, diz respeito à separação da responsabilidade do comando ou direcção ditada pela conveniência de serem localmente mais adequadas ao contra-terrorismo elementos das Forças de Segurança ou das Forças Armadas.
 
Seja qual for, no entanto, o modelo de comando ou de direcção adoptado, repita-se, a estreita coordenação nos domínios das informações e contra-informação deve constituir em todos os tempos pilar destacado e sempre em realização e sem se perder, seja qual forem as dimensões das áreas abrangidas, o sentido da cooperação.
 
Sistematização do Comando ou Direcção
 
No âmbito dos modelos de estrutura de comando ou de direcção apontados, a responsabilidade a nível superior de qualquer das funções pode, portanto, caber, num país ou área geográfica atacada por terrorismo, a uma só entidade - comando ou direcção unipolar - ou a duas entidades - comando ou direcção bipolar. Serão o volume e a qualidade dos meios empregados, a extensão geográfica das zonas afectadas e o volume e características locais do fenómeno terrorista que poderão aconselhar a necessidade de descentralização do comando ou direcção em certas áreas. No entanto, quando a estrutura for militar em apoio ou reforço duma estrutura civil deve competir sempre à entidade militar a responsabilidade do comando, realizando-se então na pessoa dessa autoridade e no seu estado-maior a concentração da unidade de comando indispensável.
 
Como exemplos nestes tempos quanto a sistemas de estruturação de comando contra-terrorista, surgem de imediato os modelos recentemente seguidos nas operações do Afeganistão e do Iraque: no Afeganistão, com estruturas civil e militar paralelas, mas com responsabilidade de comando superior militar (comando unipolar); no Iraque, primeiro estrutura com governo e comando superior militar a seguir à invasão de 2003 e, depois, estrutura mista com comando geral superior militar (americano) e dois comandos militares subordinados, um em Bagdad, também americano, para o norte e centro do território, e outro para a região de Bassorá, a sul, este entregue a um general do Reino Unido.
 
Como é conhecido, o comando britânico foi desactivado nos fins de 2007, passando então a sua responsabilidade para forças do recém organizado Exército do Iraque, mas sempre sob superintendência das Forças Armadas Americanas.
 
 
6. Notas Complementares
 
Incidência Actual do Islamismo
 
Generalizando ou globalizando as afirmações feitas sobre os fenómenos do terrorismo ou “novo terrorismo” e do contra-terrorismo, pode pôr-se a questão de saber qual será hoje o grau de incidência e do peso do Islamismo na estrutura actual do todo internacional, voltado, portanto, para o exterior, e qual a sua presente vigência e consolidação no âmbito interno7.
 
Sem nos alongarmos em considerações - e muitas seria possível reunir - há que referir de imediato como primeira resposta que o Alcorão, imutável no seu contexto de doutrina histórica, continua a ser considerado no seu interesse pela e para a política e pela e para a estratégia:
 
a) Esteio do comportamento cívico e moral das populações islâmicas, tanto na paz como na guerra;
 
b) Factor importante, se bem que não de efeitos generalizados na sua coesão e no seu espírito de corpo;
 
c) Base do sentimento comum, religioso, político, estratégico e militar dos islamitas perante os seus objectivos;
 
d) Factor extraordinariamente influente, em síntese, do futuro do Mundo.
 
Com maior ou menor área de expansão e mais ou menos dilatados períodos de desvio do seu respeito e seguimento pela generalidade dos muçulmanos - esta seria a segunda resposta - o contexto do Alcorão tem, de facto, perdurado pelos anos fora com o mesmo misticismo e a mesma influência para congregar crentes, os quais nele se mentalizam, o seguem mais ou menos fielmente e o fazem prevalecer.
 
É indubitável, no entanto, que hoje como noutras épocas o Mundo Islâmico se não apresenta uniforme perante a própria doutrina religiosa e a sua prática. Englobando países e comunidades que vogam na sua maioria em particularismos decorrentes de condições geopolíticas próprias, podem nele encontrar-se sete áreas ou grandes regiões distintas, como, acompanhando um autor, a seguir se caracteriza:
 
a) Islão Africano, abrangendo todo o continente africano para sul do Saara;
 
b) Islão Árabe, com a Arábia Saudita e o continente africano a norte do Saara;
 
c) Islão Balcânico, abrangendo a região dos Balcãs, na Europa;
 
d) Islão Turco, tendo como núcleo principal a Turquia e franjas humanas limítrofes;
 
e) Islão Indiano, com a Península do Industão, destacando a Índia e o Paquistão;
 
f) Islão Malaio, com representações na Ásia do Sudeste e na Oceânia;
 
g) Islão Diversificado dos anteriores, em núcleos de zonas específicas de todos os continentes, desde o europeu ao australiano.
 
Ainda que possa ser diferente o comportamento religioso ou político-religioso das populações muçulmanas dessas áreas, parece poder afirmar-se na realidade que o Islão na Europa se fez Europeu, em África Africano, na Ásia Asiático e, na América Americano, mas que em todos eles se afirmam conjuntamente duas orientações principais na aceitação, prática e expansão da Lei Alcorânica:
 
a) Linha conservadora moderada, que respeita a tolerância religiosa e é favorável “à aproximação natural dos povos e culturas, mostrando ao Mundo a forma de pensar e de estar dos islamitas, hoje um sexto da Humanidade”;
 
b) Linha conservadora extremista, seguida pelos crentes fundamentalistas de todas as comunidades muçulmanas e que “tem hoje como apoiante institucional principal, ao que se admite, o Estado Iraniano” e como apoiante particular, mas global, reformista o Movimento Al-Qaeda.
 
Sendo na maioria das áreas referidas que se situam os países mais ricos do Globo, pode concluir-se que os núcleos muçulmanos nelas existentes terão elevado papel a desempenhar na Renovação Islâmica propalada por Bin Laden., podendo nelas conseguir, através de acções e esquemas inteligentes e credíveis:
 
a) A dignificação do Islão em geral e dos seus crentes em particular;
 
b) O reconhecimento, a compreensão e a aceitação pelo Islão da Cultura Ocidental, abandonando a sua oposição e, nomeadamente, a violência e o terrorismo;
 
c) Consequentemente, a coexistência e cooperação do Islão com outras religiões e o entendimento generalizado entre todas as Culturas”, como, de resto, se encontra consignado nos últimos versículos do texto alcorânico.
 
Seguindo mais estreitamente o mesmo autor, a doutrina islâmica continua a revelar-se, de facto, “crença universalista e de autenticidade que se desenvolve em consonância com uma Civilização de dimensões globais e identificada com um Mundo Árabe que lhe deu há muitas centenas de anos a mais alta expressão desde o Atlântico ao Pacífico. A compreensão e a apreciação harmónica conjuntas por todos os países desta realidade histórica e a adopção de atitudes e medidas concretas que as realizem, poderão constituirão factor muito importante para banir o terrorismo e tornar em conformidade desnecessários planos, esquemas e acções de contra-terrorismo”.
 
O proclamado e activo Reformador do Islamismo e da sua reafirmação global, Osama Bin Laden, e os governantes de todos os países islâmicos e não islâmicos, católicos e de outras religiões dispõem, portanto, de doutrinas políticas, estratégicas e religiosas que, se o desejarem, os podem levar à apreciação aberta dos problemas que, nomeadamente nos últimos anos, têm vindo a informar o seu comportamento no âmbito do terrorismo e contra-terrorismo, buscando para eles mútuo entendimento e, consequentemente, a paz.
 
Clarificação, em síntese, do Objectivo Final da Al-Qaeda
 
Sendo Objectivo Final declarado da Civilização Islâmica “Renovar a Fé Islâmica, defendê-la e expandi-la no Mundo”, o plano de acção do Movimento Al-Qaeda para o realizar terá de abranger as quatro tarefas dominantes, que se transcrevem:
 
a) Retoma do respeito puro e da projecção interna do Islão;
 
b) Acção, violenta ou não, contra a política de expansão em territórios muçulmanos dos EUA e de Israel e contra o terrorismo de Estado de que se servem;
 
c) Acção, violenta ou não, contra todos os países do Ocidente, nomeadamente da Europa, que apoiem os anteriores;
 
d) Expansão do Islão para oeste até ao antigo Al-Andaluz na Península Ibérica.
 
A acção contra os Estados Unidos, componente principal do Objectivo definido e em curso de realização, só será abandonada, segundo Bin Laden, quando os americanos elegerem um governo democrático, que este não faça terrorismo e que aceite todos os outros povos em termos de igualdade, nomeadamente o Islâmico, este tão maltratado e desconsiderado desde que há seis séculos, em 1492, foi obrigado pelos Reis Católicos, de Espanha, a abandonar Granada e a acolher-se definitivamente ao Magrebe.
 
A Guerra Irregular no Afeganistão
 
Segundo órgãos da Imprensa Diária, está a verificar-se desde há alguns meses acentuado incremento da actividade dos neo-talibãs em Subversão contra o poder constituído, utilizando nomeadamente acções irregulares, órgãos de comunicação social de massa, como jornais, telefones, a internet, faxes, telemóveis e outros, aos quais a população tem agora livre acesso. Constitui a retoma da “velha” forma de fazer a guerra irregular a que a NATO, com os seus actuais cerca de 40 000 efectivos de 38 nações, tem de adaptar adequada Contra-Subversão, procurando defender o Poder estabelecido e chamar a si as populações.
 
A Subversão assentará em elementos da população e das tropas regulares, combatentes da Al-Qaeda e grupos de mercenários estrangeiros e efectuou 2 615 acções de guerrilha em cerca de 10% do território que provocaram 1 407 mortos e feridos.
 
A “Resistência Galega” e Portugal
 
Foram detidos três homens em Portosin (Corunha) por tentativa de destruição duma agência imobiliária, presumindo-se existir rede local de financiadores na qual a mesma agência se recusara a participar. Os aderentes do Movimento serão na sua maioria jovens de cerca de vinte anos, tendo como chefe um espanhol foragido residente no norte de Portugal e realizando o seu empenhamento em sistema de vaivém a partir duma base na Galiza e doutra em território português.
 
Admite-se que o roubo de apreciáveis quantidades de explosivos recentemente verificado em empresas de construção e explorações mineiras nacionais se inscreve nas actividades do Movimento, cuja finalidade é “obter maior autonomia da Região Galega e, sucessivamente, a sua independência”.
 
Consciência Nacional sobre o Perigo Terrorista
 
Segundo o Vice-Presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), em entrevista ao DN de 21 de Janeiro de 2008, tal consciência não existe entre as populações portuguesas, ainda que o País “tenha aumentado de importância na escala dos eventuais alvos terroristas, que os países vizinhos, nomeadamente a Espanha e o Magrebe sejam factores desse aumento e que haja circulação de agentes terroristas pelo nosso território”.
 
Mais referiu que a comunidade muçulmana em Portugal é pequena, mas que isso não deverá levar a esquecer que “o terrorismo é global e ataca onde for preciso”, que acredita poder dar-se no país um atentado de pequena dimensão, que a cooperação internacional tem vindo a melhorar a ponto de ter evitado 60 atentados terroristas no continente europeu em 2007 e que “a Al-Qaeda do Magrebe Islâmico” pode ser considerada “a mais perigosa para o nosso território” visto a maior parte dos muçulmanos existentes no País serem oriundos de países magrebinos.
 
Programas de Informação e Controlo do Terrorismo
 
Existem nos países do Globo diversos comités e programas informáticos de informação, contra-informação, detecção de movimentos e controlo do terrorismo, beneficiando, portanto, a Segurança internacional, como o IDENT1, com sede em Londres, o NORTROP GRUMAN, com sede em Clarksburg, na região ocidental dos Estados Unidos e ligado ao anterior, o SEVER IN SKY, do FBI e de que são cooperantes o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, o SPAINSAT, satélite espanhol para vigilância de costas e fronteiras, e o CISSA (Comité dos Serviços de Informação e Segurança de África), com sede na República da África do Sul, o qual engloba diversos países africanos e outros, entre os quais Portugal.
 
Embora com algumas falhas resultantes da complexidade do fenómeno terrorista e das características da sua globalização e de atinentes implicações de ordem política, tem-se verificado adequado e funcional espírito de cooperação e de entendimento entre os diversos serviços que exploram aqueles e outros programas.
 
 
Alguns Elementos Bibliográficos
 
“Eu, Mujahid Usamah Bin Ladin (O Homem Invisível)”, trad.de R.Carmo e E.C. Monteiro (2001).
“Osama Bin Laden - A Estratégia do Terror”, de Roland Jacquard.
“Bin Laden e a América”, Florent Blanc (2001).
“Os Talibãs”, Ahmed Rachid (2000).
“Órgãos Diversos da Comunicação Social.”
“Compreender o Islão”, Frithgof Schuon.
“Al-Qaeda”, Jason Burque.
Diversos Órgãos da Imprensa.
Outros Elementos de Informação não Especificados.
 
 
* Sócio Efectivo da Revista Militar.
 
 
 1 “Os fenómenos subversivo e contra-subversivo” (1992), JLA.
 2 Osama Bin Laden disse em entrevista não ter participado na preparação do ataque, o qual teria sido planeado e conduzido independentemente por células do Médio Oriente, nomeadamente do Egipto. Todavia, segundo declarações dum prisioneiro de Guantanamo, Khalid Sheik Mohamed, o plano do atentado contra Nova Iorque ter-lhe-ia sido proposto em 1996 durante operações no Afeganistão em que ambos participavam, cabendo efectivamente a execução a uma célula egípcia. Khalid Mohamed é engenheiro mecânico, natural do Kuwait, tendo estado há poucos meses em curso o seu julgamento naquele Campo.
 3 Os comunistas, auxiliados por oficiais russos, tomaram o poder em 27Abr1978, tendo a Rússia intervido em Dez de 1979. A resistência anti-soviética local, apoiada por islamitas, americanos e chineses, torna-se impiedosa, nomeadamente em 1986.
 4 “Alcorão” - Ed. Europa-América (1989)
 5 Da Imprensa Diária.
 6 “ESTRATÉGIA - Panorama Geral da sua Teoria”, JLA (1999).
 7 “Os fenómenos guerra e estratégico no Alcorão”, JLA (1994).
 8 A população mundial englobava em fins de 2007: 17,4% de católicos e 19,2% de muçulmanos. Na União Europeia, com 450 milhões de habitantes, 20 milhões são muçulmanos.
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José Lopes Alves

Ex-Presidente da Direcção e Sócio-honorário da Revista Militar. Falecido em 30 de abril de 2018.

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