Nº 2484 - Janeiro de 2009
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial - Os Efectivos nas Forças Armadas
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo
Neste início de um novo ano, com sinais continuados de alerta para os problemas de segurança e novos desenvolvimentos na área da defesa, parece-nos oportuno voltar à questão dos efectivos para as Forças Armadas. Aquilo que constitui a sua base estruturante e organizacional e que nos últimos anos, devido a indefinições políticas e a resistências militares, tem andado sujeita a flutuações e consequentes comentários e opiniões.
 
Numa Europa que se tem preocupado mais com a sua riqueza do que com a sua segurança e defesa, os efectivos militares têm diminuído e as tendências não são optimistas, por razões diversas. Pelas perspectivas demográficas, pelos recursos disponibilizados pelos cidadãos, pela atribuição de prioridades na utilização desses recursos por estadistas que acreditam que a defesa ainda está longe das suas fronteiras, pela cultura e educação para a defesa que vão desaparecendo num sistema de valores novo.
 
Uma Europa que tendo vivido quarenta anos sob a ameaça de invasão do seu território por forças do Pacto de Varsóvia, construiu a sua defesa com base na estrutura militar integrada da NATO. Em 1989, os efectivos militares das Nações europeias da Aliança (13) atingiam os 3 509 000, constituídos na quase sua totalidade por conscritos, sendo excepção o Reino Unido, que desde 1963 mantinha a sua força militar à base do voluntariado. O paradigma da defesa era baseado na defesa do espaço europeu da Aliança e na livre utilização de vias de comunicação por mar e ar à América do Norte e no Mediterrâneo.
 
A partir de 1989, quando a ameaça prevista de invasão do território europeu desapareceu e outras ameaças começaram a emergir fora do espaço da Aliança, a Europa começou a diminuir os seus efectivos militares. Eram menos 500 000 quando surgiram necessidades de estabilização militar nos Balcãs, em 1995; diminuíram mais 300 000 em 1999 e mais 700 000 em 2004. Apesar do seu alargamento em espaço e no número de estados membros, a OTAN conta hoje nos seus efectivos com 2 228 000 homens e mulheres (65% do número de 1989), dos quais 76% são profissionais. Só as nações nórdicas, a Alemanha, a Grécia, a Turquia, Estónia e Lituânia, por razões diferentes, mantêm a conscrição como base para o recrutamento militar. As tendências de evolução demográfica na maioria das nações europeias e as dificuldades de recruta­mento e de retenção de profissionais para as Forças Armadas levam a encarar com preocupação as necessidades de pessoal militar para uma Aliança cuja missão principal deve continuar a ser a defesa colectiva, apesar dos esforços continuados, sem grande racional de suporte, para que seja mais uma Aliança de segurança sem braço armado credível e eficaz.
 
A população das nações europeias que integram a NATO totalizava, no ano 2000, 417 Milhões de habitantes, número que previsivelmente atingirá os 414 Milhões no ano 2050, com decréscimos que podem atingir os 25% em Itália, 22% em Espanha, 14% na Alemanha e 10% em Portugal. Só a Turquia terá uma população previsivelmente maior (48%). Os novos estados membros, com uma população estimada de 104 Milhões de habitantes em 2008, terá, em 2050, 83,7 Milhões, com decréscimos previstos acentuados na Bulgária (-43%) e na Estónia (-46%). Esta será uma questão grave que a Europa terá de enfrentar ao planear a sua defesa para cenários estratégicos que se adivinham e onde a defesa de espaços, com a presença militar, voltará a ser equacionada. Nesse planeamento, e quanto ao factor demográfico, o panorama é o mesmo para a Rússia, completamente oposto ao que está a acontecer nos EUA, devido a políticas de emigração, ou na China, na Índia e no mundo árabe, devido a taxas de natalidade. As políticas de mobilização, em tempos de crise ou de guerra, que parecem estar abandonadas, terão de ser preparadas para o futuro com as lições aprendidas do passado.
 
A segunda ordem de preocupações relaciona-se com a força militar constituída por voluntários. Quando foram tomadas decisões políticas para a sua efectivação, toda a gente sabia que essa força iria ser mais cara e que a resolução da equação para a sua concretização passaria pelo tratamento a dar às suas principais variáveis: Recrutar, Reter, Retribuir e Restituir ao mercado de trabalho homens e mulheres melhor qualificados. Recentes dúvidas nas Nações com maior tradição na força militar baseada em voluntários (EUA e Reino Unido), mostram que começam a surgir grandes dificuldades para Recrutar e Reter efectivos. Os recentes empenhamentos de efectivos numerosos no Iraque, no Afeganistão e noutras partes do mundo levam os voluntários a não renovarem contratos, a surgirem dificuldades no recrutamento (apesar de algumas políticas de integração de minorias étnicas, de apelo a voluntários de discoteca ou da marginalidade) e nas frequentes interrogações dos coman­dantes militares perante os estadistas para saber como se vai resolver o problema. Os Parlamentos debruçam-se sobre a questão, algumas vezes a contragosto, sem grades soluções. Os mais conservadores reclamam o regresso à conscrição, assim como apelam a que deixem regressar a mula ao equipamento dos exércitos.
 
E em Portugal? Como vamos de efectivos nas Forças Armadas? Há razões para as preocupações que os Chefes Militares, nos alertas que vão lançando, têm manifestado? Julgamos que sim. E se Camões escreveu “não louvarei capitão que diga não cuidei” os alertas dos Chefes Militares significam que cuidam, com razão e oportunidade.
 
O cálculo dos efectivos militares para as Forças Armadas resulta de um planeamento contínuo e sólido, que assenta no Conceito Estratégico Militar (derivado de um Conceito Estratégico de Defesa Nacional, aprovado pelo Conselho de Ministros, precedido de apreciação pelo Conselho Superior de Defesa Nacional - CSDN), nas Missões das Forças Armadas (definidas pelo CSDN), no Sistema de Forças Nacional - SFN (definido pelo CSDN) e no Dispositivo do SFN (aprovado pelo Ministro da Defesa Nacional). Conceitos que na Legislação portuguesa estão mais controlados pelo Executivo do que pela Assembleia da República, o que nos merece algumas reservas. Conceitos, também, que devem ser suportados pela aprovação e o consenso da Nação e que não devem estar sujeitos às oscilações democráticas dos executivos na vida política da Nação, mas antes às alterações que se verificam no panorama estratégico global ou regional.
 
Em 1998, consequência de novas definições do Conceito Estratégico da Defesa Nacional e do Conceito Estratégico Militar (estavam em curso alte­rações significativas no Conceito Estratégico da OTAN e progressos na componente de Segurança e Defesa da União Europeia), foram aprovados o Sistema de Forças Nacional (28 de Janeiro) e o seu Dispositivo (14 de Abril). De 1993 a 1998 as Forças Armadas tinham vivido com efectivos militares que atingiam o número de 61 031 homens e mulheres. Os Quadros Permanentes totalizavam 5 812 Oficiais (Marinha: 1 508; Exército: 2 850; Força Aérea: 1 454), 10 369 Sargentos (Marinha: 3 126; Exército: 4 630; Força Aérea: 2 613) e 4 183 Praças (todas da Marinha). A maioria do Pessoal em Regime de Contrato ou de Voluntariado (14 985) concentrava se no Exército (11 000), seguindo-se a Força Aérea (2 740) e a Marinha (1 845). O Exército mantinha a conscrição para 22 090 mancebos, por períodos que variavam dos 4 aos 7 meses, e a Marinha recorria à conscrição anual de 540 mancebos para o Corpo de Fuzileiros.
 
Em Maio de 1998 o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, depois de discutido em Conselho de Chefes de Estado-Maior, propôs à decisão política um Plano de Modernização das Forças Armadas, englobando sete Programas. O Segundo Programa, visava a fixação dos efectivos necessários ao Sistema de Forças Nacional, atendendo que estava em fase de aprovação uma nova Lei do Serviço Militar que iria acabar com a conscrição. Propunha-se um efectivo de 42 000 homens e mulheres (não devendo o efectivo de pessoal feminino ultrapassar os 9%), compreendendo 18 500 efectivos nos Quadros Permanentes e 23 500 em Regime de Contrato. A sua distribuição por Ramos aconselhava os 10 500 efectivos para a Marinha, 24 500 para o Exército e 7 200 para a Força Aérea, números a atingir progressiva­mente até 2004 (fim do sistema de conscrição). Os cerca de 44% dos efectivos totais destinados aos Quadros Permanentes têm a sua justificação: como acontece em todas as forças permanentes profissionalizadas, os Quadros Permanentes têm a responsabilidade de comandar, mas também as de ensinar e instruir, possibilitando o crescimento da força em tempos de crise ou guerra quando as nações têm de recorrer à mobilização. Para compensar a diminuição de efectivos, no mesmo Programa propunha-se: criar órgãos e serviços de utilização comum para os três Ramos, rentabilizando custos, equipamentos e pessoal; federar os estabelecimentos de ensino militar; racionalizar os serviços de saúde; desenvolver o apoio logístico cruzado.
 
Em 31 de Dezembro de 2007 (os últimos dados consolidados a que tivemos acesso) os efectivos totais das Forças Armadas eram 39 266 (17% pessoal feminino) assim distribuído por Ramos: Marinha - 10 729 (824 mulheres); Exército - 21 030 (3 251 mulheres); Força Aérea - 7 507 (2 750 mulheres). Relativamente ao objectivo estrutural definido em 1998 faltam 2 734 efectivos e na distribuição por Ramos a Marinha tem 229 efectivos a mais, a Força Aérea 307 e ao Exército faltam 3 470 efectivos (todos na categoria de Praças). A distribuição entre Quadros Permanentes e Regime de Contrato (19 195 e 19 064, respectivamente) ainda se encontra desequilibrada, com um excesso de pessoal nos Quadros Permanentes, onde contam com peso significativo as 3 818 Praças da Marinha. Na categoria de Oficiais existem 7 646 efectivos, dos quais 5 979 são do Quadro Permanente e 1 487 no Regime de Contrato. Para a categoria de Sargentos os números atingem 9 226 e 1 140, respectivamente.
 
São estes números que interessa levar ao conhecimento da Nação e dos “fazedores de opinião”. As Forças Armadas têm feito grande esforço para atingir objectivos estruturais, vivendo ainda grandes preocupações para atingir o objectivo estrutural na categoria de Praças, especialmente no Exército. Se houver uma definição política clara sobre os efectivos a atingir, não surgirem obstáculos financeiros sucessivos para as Forças Armadas disporem do Pessoal que lhes é necessário e para a implementação dos incentivos prometidos, apesar de todas as dificuldades no recrutamento e retenção de pessoal, acreditamos que há muitos jovens que ainda são atraídos pelo serviço público prestado nas Forças Armadas da sua Nação. E quando se pretendem reduções para diminuir despesas, devemos ponderar onde poupar, sem estragar o que funciona bem. Num total da Despesa do Estado com Pessoal, orçamentada para 2009 em cerca de 10 711,6 MEuros, a despesa com o pessoal para a Defesa Nacional está orçamentada em 1 125,4 MEuros (11% do total), bastante inferior aos gastos com o pessoal nos Ministérios da Educação (45%), da Saúde (14%) ou da Administração Interna (13%).
 
De acordo com o Artigo 164º da Constituição da República é da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre “A organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas”. Seria bom, para a Nação e para o regime democrático, que assuntos, como o dos efectivos militares necessários à defesa nacional, também fossem discutidos pelos representantes eleitos pela Nação.
 
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* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.
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2009-05-21
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia