Nº 2428 - Maio de 2004
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas - Notícias do Mundo Militar
Coronel
Carlos Gomes Bessa

MUNDO

Capacetes Azuis no Mundo
 
Da página La Balize do L’Express de 12 de Abril retirámos a seguinte estatística referida a 31 de Janeiro de 2004.
 
Em África existem 37 491 e noutros pontos do Mundo 6 338.
 
Para as operações da ONU já contribuíram 94 países com militares ou polícias, tendo morrido 1 833 Capacetes Azuis e pessoal da ONU em operações de manutenção da paz desde 1948 nas 57 operações decididas desde essa data.
 
Os países que contribuíram com Capacetes Azuis até 30 de Setembro de 2002 foram:
 
 
 
 
A ONU reembolsa com 1000 dólares cada país fornecedor de capacetes azuis, sendo cada um pago segundo critérios fixados pelo seu país de origem.
 
Para as missões da ONU, actualmente servem 3 195 membros de pessoal internacional e 6 157 membros civis, além de 4 674 polícias civis, sob pavilhão da ONU, dos quais 3 611 no Kosovo.
 
Os custos por missão (em milhões de dólares) em 2003/2004 foram os seguintes:
 
 
Monuc (Rep Democrática do Congo) .................. 667
Banul (Libéria) ................................... 564
Minusil (Serra Leoa) .............................. 543
Minuk (Kosovo) .................................... 320
Manuto (Timor) .................................... 217
Minuel (Etiópia-Eritreia) ......................... 197
Finul (Líbano) .................................... 94
Unficyp (Chipre) .................................. 46
Minurso (Sahara Ocidental) ........................ 43
Funod (Golan) ..................................... 42
Monug (Geórgia) ................................... 32
Onust (Israel) .................................... 28
Unmogip (Índia-Paquistão) .........................   7
TOTAL .................................. 2,81 mil milhões de dólares
 
Estão em curso 14 operações, de que se indicam a data de início e o número de Capacetes Azuis em cada uma:
Kosovo .................................     1999 (38)
Líbano .................................   1978 (1989)
Geórgia ................................    1993 (117)
Israel-Síria ...........................   1974 (1037)
Sahara Ocidental .......................    1991 (231)
Serra Leoa .............................   1999 (1485)
Costa do Marfim ........................ Abril/2004 (1350)
Índia-Paquistão ........................     1944 (44)
Etiópia-Eritreia .......................   2000 (4013)
Timor Oriental .........................   2002 (1744)
Libéria ................................ 2003 (11011)
Chipre .................................   1964 (1215)
Rep Dem Congo .......................... 1999 (10751)
 
Os novos objectivos da Al-Qaeda
 
A tragédia de Madrid mostrou que a organização terrorista Al-Qaeda podia atacar, passados mais de dois anos após a queda das Torres Gémeas, mesmo em plena Europa e, além disso, que as suas redes islamitas mantêm a capacidade de provocar danos, apesar da ofensiva generalizada para as desmantelar e das acções desencadeadas contra os bastiões situados nas zonas tribais da fronteira paquistano-afegã.
 
O L’Express de 23 de Março tentou investigar como a Al-Qaeda continua a comunicar com os lançadores de bombas disseminados pelo Mundo, quais os objectivos visados pelos chefes terroristas, tendo em conta que talvez os atentados de Madrid permitam encontrar uma resposta, admitindo em todo o caso que a Al-Qaeda tenha adoptado nova estratégia ao escolher o seu alvo em função da situação política dos países que pretende castigar. Uma das lições preocupantes dos terríveis atentados de Madrid em 11 de Março, com suas numerosas cifras de mortos e feridos, é ter acentuado a pressão sobre as democracias ocidentais tirando proveito das suas lutas de política interna sobretudo, quando os jogos democráticos são mais fortes e ilógicos.
 
Ao visar em Madrid um aliado dos Estados Unidos no Iraque três dias antes das eleições legislativas espanholas, não restaram dúvidas que pretenderam e conseguiram influenciar o resultado do escrutínio, provocando a derrota do partido de Aznar, o grande favorito, pelo desagrado dos eleitores devido, não apenas a esse compromisso, mas às mentiras de que lançou mão quanto à culpabilização da ETA.
 
Na realidade o que importa mais salientar é que a Al-Qaeda pôde já influenciar o calendário político mundial e perturbar o jogo democrático com o peso que fez sentir nas relações internacionais. A sua primeira manifestação neste aspecto foi a dos atentados de Istambul, os primeiros em solo europeu, provocando 72 mortos e 650 feridos, a 15 de Novembro de 2003, não só pelo elevado número de baixas, como por terem abalado as representações britânicas no próprio momento em que o Presidente George Bush visitava o seu aliado Tony Blair.
 
Os serviços de informações franceses inclinaram-se imediatamente para a pista do terrorismo islamita, atendendo inclusive a coincidências que pare­ciam ostensivas, como a simultaneidade de quatro ataques, pois assim aconteceu em Nova Iorque, a preparação minuciosa dos comandos coordenados, a vontade de causar elevado número de baixas civis, e a escolha de alvos indiscriminados, no caso, os passageiros dos comboios dos arredores de Madrid.
 
Duas diferenças surgiram, porém: a ausência de kamikazes e a escolha de um objectivo não simbólico.
 
Uma questão que preocupa todos os especialistas empenhados em deter o terrorismo: é a de saber como são dadas as ordens na nova estratégia seguida, porque não consideram viável que Bin-Laden possa designar os objectivos e o calendário operacional segundo um plano prévio.
 
A estrutura da Al-Qaeda agrupa células disseminadas com forte autonomia. Um especialista da DGSE francesa considera haver três círculos. O “primeiro círculo”, é constituído por Bin-Laden e o seu braço direito Al-Zawahiri, refugiados na zona paquistanesa-afegã e constituindo o núcleo duro da organização. Foi ele que organizou o 11 de Setembro de 2001, programou as operações da Arábia Saudita e da Tunísia, lançando os comandos destinados a cumprir a missão.
 
O “segundo círculo” é constituído por redes locais, impulsionadas pela Al-Qaeda, que lhes fornece apoio logístico, como aconteceu em Istambul. Existe ainda um “terceiro círculo” mais difuso, sem ligação directa com Bin-Laden, de novos convertidos que montam as suas operações com os próprios meios e actuam de acordo com mensagens públicas da Al-Qaeda, ou cassetes ou vídeos reproduzidos pelos meios de comunicação social, como aconteceu em Casablanca.
 
Bin-Laden pretendia criar um exército sombra em cada país ocidental, mas ainda não o conseguiu devido ao desmantelamento das redes de que fazem parte com frequência as mesmas pessoas, em grande número formadas nos campos afegãos, onde foram recrutados alguns milhares de voluntários na década de 90.
 
Na Europa, a placa giratória foi durante muito tempo a Grã-Bretanha, mas rapidamente os serviços secretos detectaram as organizações espanhola e marroquina, que vieram a ser utilizadas para a preparação e execução do atentado de Madrid. O nome do principal suspeito Jamal Zugam, já constava dos ficheiros dos serviços de informações. Tratava-se do gerente de uma loja de venda de telefones, que veio a ser preso a 13 de Março traído por um telemóvel.
 
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Vejamos em esquema os passos do atentado.
 
No dia 11 de Março de 2004, entre as 7h00 e as 7h10, alguns indivíduos aproveitaram os sete minutos de paragem de quatro comboios na estação de Alcalà de Henares para neles colocarem os seus sacos contendo 8 a 15 quilos de explosivos. As bombas explodiram quase simultaneamente entre as 7h39 e as 7h42 e provocaram 200 mortos e 1500 feridos. Devido a um ligeiro atraso nos comboios os danos não foram maiores por as explosões não se terem dado em plena gare.
 
Duas horas depois a polícia foi alertada para a presença de um Renault branco estacionado a 250 metros da estação. Por acaso, um vizinho apercebeu-se das idas e vindas de pessoas de caras tapadas com sacos ás costas.
 
No interior da viatura encontrava-se algum explosivo e uma cassete em árabe com versículos do Corão. Tratava-se de dinamite espanhola fabricada apenas por encomenda por motivos de segurança. No caso havia sido produzida perto de Burgos pela União Espanhola de Explosivos (UEE) e os detonadores haviam sido roubados numa pedreira nas vizinhanças de Madrid.
 
Por mero acaso, a polícia descobriu uma bomba intacta no fim da tarde, dez tinham explodido e destruído as carruagens e duas foram detectadas e neutralizadas. De manhã, um saco, aparentemente banal, foi levado para uma esquadra de polícia nas proximidades. Continha 12 quilos de explosivos, que só não rebentaram porque os terroristas se enganaram marcando a explosão para as 19h40 em vez de 7h40. Continha mais um quilo de metralha, um detonador e um telemóvel, importantíssimo por ter sido ele que levou à descoberta dos autores presumíveis da carnificina de Atocha.
 
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O carro tinha sido comprado por dois indivíduos que o revenderam, como dissemos, a uma pequena loja de telefones aberta três meses antes e já tornada numa das mais frequentadas do bairro popular. Os gerentes eram Jamal Zugam, de 30 anos, seu meio-irmão, Mohamed Chaui, de 34 anos e Mohamed Bekkali, de 31 anos. O primeiro, que negou qualquer implicação, foi identificado por dois passageiros que o tinham visto encostado a um vagão na estação de Alcalà de Henares. Várias pessoas o declararam simpático, além de adepto de clubes desportivos e vivendo há quinze anos noutro bairro operário de Madrid com sua mãe, que usava o véu, e mais duas irmãs que saíam muitas vezes sem ele. Tudo aparentemente pacífico. Mas Jamal Zugam não era, contudo. um desconhecido para os serviços de informações, pois tinha muitas fichas policiais na Europa que o ligavam ao terrorismo islâmico se bem que até agora como personagem de segundo plano, embora presente nas peregrinações dos militantes islâmicos mais radicais nos últimos anos. Zugam, aliás, havia estabelecido contactos em 1998 em Madrid com um tal David Courtailler, jovem francês convertido ao fundamentalismo islâmico. Este condenou os atentados de Madrid, mas frequentaram ambos assidua­mente uma mesquita juntos. Em 2001 Zugam foi ouvido pelo célebre juiz Garzon, mas o marroquino não tinha cometido nenhum delito e, como a justiça não dispunha de razões para o incriminar, soltou-o, embora pensando que um dia ele viria a passar à acção. Por duas vezes mais, voltou a ter problemas com a justiça anti-terrorista. Em relação com os atentados do 11 de Setembro em Nova-Iorque, o chefe dos kamikazes, Mohamed Ata, e certos membros do seu comando fizeram uma estranha visita a Tarragona em Espanha de 8 a 19 de Julho de 2001. Ali contactaram com um islamita, que chamou Zugam a 5 de Setembro. Mas isso não permitia ainda incriminá-lo. Veio depois a tornar-se suspeito em relação aos atentados de Casablanca de 16 de Abril de 2003,de que resultaram 41 mortos, entre os quais 12 kamikazes. Ele estivera pouco tempo antes em Marrocos donde se afastou precipitadamente para não se encontrar ali na ocasião dos atentados. Entre os numerosos presos feitos pelos marroquinos figuravam dois irmãos, Abdelaziz e Salaheddin Benyaich, cujas ligações com Zungam foram descobertas porque apareceram num vídeo encontrado no domicílio deste em 2001. Rabat alertou logo Madrid da sua vinculação à Al-Qaeda.
 
Presos 10 suspeitos o inquérito empenha-se agora em tentar chegar aos que deram as ordens para o massacre de Madrid.
 
A dúvida dos repórteres Eric Pelletier e Jean-Marie Pontano está entre saber-se se tratou da iniciativa local de um grupo afecto às teses de Bin-Laden, ou se se tratou de uma ordem directa do comando da Al-Qaeda refugiado nas zonas limítrofes do Paquistão e do Afeganistão e perseguido pelas forças americanas. Nada obsta, porém, a que a descentralização característica da acção da Al-Qaeda, já disponha de uma rede suficientemente vasta, eficaz e dotada de ligações operacionais que permitiriam manobras ainda mais diferenciadas e sofisticadas e façam accionar em coordenação mais indirecta as acções locais. Neste caso, por exemplo, após o sucesso da escapada de Bin Laden, houve uma represália com dois efeitos simultâneos e altamente significativos: a influência na política interna dos países ocidentais facilitada pelas lutas partidárias pelo poder, e o aproveitamento e manipulação do mundo subterrâneo da corrupção, com tendência para crescer em elevado número de países ocidentais enfraquecidos pelo comodismo e ausência de valores e transpondo com impunidade preocupante as fronteiras das liber­dades lícitas, além de carentes de unidade e espírito de missão mobilizador.
 
Infra-estruturas críticas, continuidade dos serviços e cooperação internacional
 
O Centro de Política de Segurança de Genebra organizou um importante fórum em 28 e 29 de Outubro de 2003 sobre o tema em epígrafe. Durante ele reconheceu-se haverem sido dados grandes passos quanto à tomada de consciência dos problemas e aos avanços da segurança informática, mas existir uma situação mais complexa em relação às telecomunicações, inquietação face ao risco terrorista, insuficiências a nível nacional e internacional e a necessidade de mudar de mentalidades. Nele foram sugeridas pistas com vista a melhorar a situação.
 
Richard Narich, antigo embaixador de França na Nicarágua e no Paraguai, e conselheiro especial do director do Centro, comenta na Défense Nationale de Fevereiro os trabalhos do fórum, que reuniu 186 participantes represen­tando 28 países, várias organizações internacionais, universidades e centros de investigação. Peritos norte-americanos e europeus ocidentais estiveram presentes e vários países da antiga Europa de Leste e do Japão, estiveram representados. As questões postas em busca de resposta foram fundamentalmente as seguintes: O que representa a ameaça? Que respostas lhe foram dadas? Que providências são necessárias?
 
Sobre a natureza da ameaça, verificou-se estar-se confrontado com um novo dado, e do seu carácter multiforme e crescente, com um limiar de incerteza aumentada para as nossas sociedades. Além do que falamos acerca do tema anterior, foi referida como factor do crescimento da ameaça a percepção instantânea e directa pela opinião pública das situações de crise através da imagem, o que lhe aumenta o alcance. A procura das soluções a que a opinião pública é cada vez mais sensível é complicada por um factor sociológico que alguém, com ironia, designou por nimby, (not in my backyard), isto é, traduzido à letra, “no meu pátio interior não”, ou plebeiamente traduzido, que não me atinja a mim, pois se o meu vizinho for o atingido e eu não, isso já não me importa.
 
O risco do terrorismo foi apreciado sobretudo em relação com os sectores do nuclear e dos transportes, ocupando um lugar à parte pelo seu efeito simbólico e pelo seu impacto nas massas. Outra imagem expressiva e jocosa foi empregada quanto a este ponto: os terroristas “fazem judo” com as nossas sociedades modernas.
 
A protecção das redes informáticas beneficiou dos mais importantes progressos, sobretudo nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, embora a Comissão Europeia também tenha tomado medidas importantes.
 
A ameaça do aprovisionamento de gás, até agora inexistente, perfila-se para a Europa com gravidade nos próximos anos, em virtude de ela se tornar cada vez mais dependente de fontes de reabastecimento exteriores e de a liberalização do mercado da energia no seio da União Europeia, porventura, poder ser vantajosa para o consumidor, mas susceptível de introduzir complicações num sector anteriormente organizado.
 
No campo dos transportes aéreos, que até ao 11 de Setembro de 2001 se sentia seguro, tornou-se repentinamente fragilizado, tal como sucede com o Túnel da Mancha e os transportes marítimos em relação aos portos e aos navios, sectores a respeito dos quais, pelo crescimento dos riscos, se exigem agora medidas de segurança suplementares com carácter global.
 
O risco nuclear foi também reavaliado durante o fórum, com preocupação prioritária sobre os riscos de sabotagem a partir de agora, estando em curso de discussão em Viena uma emenda à Convenção de 1980 para a protecção do material nuclear, que propõe 12 princípios destinados a melhor proteger as instalações e o material nuclear.
 
*
 
Após uma apreciação geral sobre as tomadas de consciência e o real progresso dos esforços efectuados a nível nacional e internacional paras fazer face às ameaças internacionais, o fórum salientou manterem-se ainda muitas insuficiências, quer nos planos nacionais, quer no internacional.
 
Em consequência foram propostas pistas para se tentarem remediar tais insuficiências, e consensualmente acordar-se que o “risco zero” não existe, e que mais vale, para se ser realista, falar de “vigor” e de “dureza contra os choques” nos sistemas, do que de “protecção”.
 
Nestas nossas “Notícias” há muito tempo que temos vindo a alertar quanto a este ponto e a defender a orientação mencionada.
 
A respeito das acções governamentais foi sublinhado que as autoridades nacionais não possuem, com frequência, uma avaliação global de ameaça. Daí resulta haver sectores super protegidos e outros que o não são de modo suficiente.
 
Além disso, também se reconheceu a realidade de se passar por vezes da negação total de um problema para uma verdadeira paranóia quando acaba por se ser confrontado com ele.
 
Os métodos utilizados para enfrentar os problemas nem sempre são apropriados, alguém apresentando como exemplo a inutilidade de criar 37 novas burocracias e 37 novos organismos de coordenação, como com frequência se tem essa tentação. O sistema é repudiado por todos em Portugal, onde não faltam casos semelhantes, como sabemos, mas só quando e por quem não tem autoridade para decidir, porque no caso contrário, segue-se a norma de, quem possui o poder, não dever abandonar os amigos, embora à conta do erário público.
 
Concluiu-se então em Genebra que mais vale preencher as insuficiências de coordenação intergovernamental, obtendo créditos mais consequentes e tornando mais eficazes os mecanismos de controlo.
 
Recomendou-se ainda a abordagem multidisciplinar dos problemas, investigação mais centrada nas questões práticas do que teóricas, simulação comportando com mais frequência elementos não convencionais, de maneira a criar a surpresa e, portanto estimular a imaginação.
 
O fórum recomendou, quanto às relações entre os sectores público e privado que elas ganhariam em ser definidas em bases claras, procurando, contudo, evitar a armadilha da centralização, defendendo que o sector público deveria ter a obrigação de garantir segurança das empresa privadas, pelo menos a partir de um certo nível, sendo o resto da responsabilidade da empresa.
 
Nesse particular, considerou-se que as modalidades a adoptar pelos poderes públicos são numerosas, tais como estímulos fiscais, apoio financeiro para a investigação e o desenvolvimento, harmonização e utilização comum de certos recursos técnicos, como centros regionais de vigilância electrónica, o controlo sistemático de todos os novos empregados, reuniões esclarecedoras promovidas pelas autoridades em relação a situações excepcionais e exer­cícios comuns para partilhas de experiência.
 
As empresas privadas deveriam também aprender a partilhar melhor as informações entre elas.
 
No plano internacional onde parece se deveria estar cada vez mais atento à necessidade de integrar o sector privado nas estratégias e nas actuações, reconheceu-se que a coordenação entre organizações continua a ser largamente insuficiente. Era por isso necessário que os governos fizessem um esforço para melhor se compreenderem, dado que as suas abordagens dos problemas são por vezes diferentes, designadamente por razões culturais.
 
A respeito da luta contra o terrorismo, que continua sendo, como se viu, a principal preocupação, acentuaram-se no fórum vários pontos. Ser a situação difícil, o que não se nos afigura propriamente descobrir a pólvora; As melhores respostas a curto prazo estarem na prevenção, nomeadamente mediante a acção de serviços de informações, muito mais eficazes do que os meios electrónicos. Não contrariamos isso, mas chama-se a atenção, no entanto, para estarem estes impreparados, sobretudo, para penetrarem em meios vivendo um subdesenvolvimento enorme e em condições degradantes e mal compreendidas pelos ocidentais, pelo que se tornam altamente vulneráveis ás manobras de agentes duplos originários de povos cujas mentalidades conhecem e interpretam muito mal.
 
Outro recurso será o da dissuasão, provando a um eventual terrorista que a sua acção não vale a pena ser empreendida e que dela só lhe advirão inconvenientes. Isto é o que consta há muito tempo dos manuais e regulamentos, como mera definição e não mais do que isso. Difícil é conseguir maneira de a pôr em prática, e não se consegue, como no fórum se recomendou, tendo em conta os valores morais da sociedade ocidental, e designadamente, o respeito pelas liberdades fundamentais, quando os primeiros andam pelas ruas da amargura, a ponto de ser já difícil saber quais são, e os segundos se resumem a miríficas palavras, que cada um usa como e quando lhe convém, e de que os terroristas desprezam para matar inocentes em quantidades elevadíssimas. É certo que se encarou também uma orientação a mais longo prazo. Nesse caso a estratégia deve repousar na criação, em plano global, de uma atmosfera de aversão contra as acções desta natureza, isolar os terroristas das suas redes sociais, promover um diálogo interconfessional, agir junto da comunidade financeira internacional de maneira a cortar aos terroristas o apoio dos circuitos financeiros e pesquisar as causas profundas destes actos.
 
O programa merece concordância teórica e deve ser testado em obediência a essa orientação nos termos gerais. Mas as realidades contrapõem-lhe enormes dificuldades, que, essas sim, são dificílimas de superar e exigem persistência e a necessidade de rectifi­cações de procedimentos importantes e urgentes, tanto mais que algumas das diligências recomendadas servem e irão ser invocadas para contrariar outras.
 
Remeter-nos-emos a enunciar alguns exemplos apenas:
 
Quanto a criar uma atmosfera de aversão contra as acções terroristas, lembremos o triste espectáculo que, em âmbito internacional, deram os países Europeus e os Estados Unidos nas suas divergências e falta de solidariedade na reacção ao ataque terrorista da Al-Qaeda contra Nova Iorque em 11 de Setembro de 2001, e depois na guerra contra o Iraque, lançada sem se ter em conta os problemas complexíssimos e facilmente previsíveis para depois de uma vitória militar. Além disso, são incontestavelmente injustas as diferenças do nível de vida entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, e em nome destes falam os terroristas, se bem que com sinceridade questionável, o que, sem dúvida, divide a opinião pública dos primeiros de modo a impedirem que se crie a proposta atmosfera de aversão global ao terrorismo, e exigir-se um circuito altamente acrescido e empenhado quanto ao diálogo interconfessional a promover, cuidado esse prioritariamente personalizado no zelo exemplar do Papa João Paulo II expresso nas suas tomadas de posição.
 
Outro objectivo que de momento se apresenta como quase inviável, embora seja necessário persistir nele em larga escala, é a acção a desenvolver junto da comunidade financeira internacional com vista a cortar os terroristas dos circuitos financeiros, pois sabe-se bem, e já a isso nos temos também referido concretamente, quão pouco escrupulosa é parte dessa comunidade, que elege como seu objectivo prioritário o lucro material, e a procura, pela lavagem de dinheiro, pelo contrabando, designadamente de armamento, da droga, da exploração humana, das redes imigratórias ilegais e da pedofilia, que facultam importantíssimas e decisivas contrapartidas financeiras favoráveis, decisivas mesmo, para o êxito das operações terroristas.
 
Preconizou-se, em consequência do exposto, a necessidade de mudar a percepção dos riscos, protegendo melhor as infra-estruturas críticas, apesar de alguns progressos conseguidos. Alguém disse ser necessário “olhar através do pára-brisas” e “deixar de o fazer para o retrovisor”, mas mais avisado ainda se mostra quem recomenda que, em matéria de terrorismo, é necessário “pensar mesmo no impensável”, dado que as provas estão dadas de o impensável acontecer mesmo.
 
Impõe-se, estamos de acordo, criar na Europa uma cultura do risco e formar quanto a estas questões os altos responsáveis do conjunto de todos os sectores misturados, como aliás foi proposto no fórum, e, finalmente, as autoridades colocarem os sistemas de protecção civil no mesmo nível dos sistemas tradicionais de defesa.
 
Pensando nesta orientação, lembremo-nos do que se recuou em vez de avançar nos últimos tempos, citando apenas dois exemplos, por nos escassear espaço para os analisar.
 
Constitucionalmente, em Portugal adoptou-se o sentido inverso, retirando competência às forças armadas em relação à defesa interna e, no Ocidente em geral, foi praticamente posto termo ao serviço militar obrigatório. A norma irá entrar em vigor em Portugal no ano corrente. O que vai acontecer é imprevisível, mas mesmo que se consigam evitar rupturas de preocupante dimensão, a verdade é que sobre a maior parte da nossa juventude não está a exercer-se qualquer cultura de risco generalizada, deixando permanecer uma sua larga faixa a cultivar o ócio irresponsável e avesso às exigências de esforço e do sacrifício.
 
No fórum a que nos temos vindo a referir foi proposto, em virtude do êxito conseguido na área económica com a criação do Fórum de Davos, que, para estimular as comunidades nacionais e internacionais, quanto a este ameaçador problema do terrorismo fosse criado o Fórum Mundial da dureza contra os choques. A ideia também nos parece salutar, mas o que está a dar agora é muito mais a dolce vita.
 
___________
 
*      Coronel de Artilharia e do Antigo Corpo de Estado-Maior.
Sócio Efectivo da Revista Militar de que foi Secretário (1976) e Director-Gerente (1977-1995).
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2009-06-18
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