Nº 2500 - Maio de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Os Exércitos Ultramarinos 1910 1914
Mestre
Ricardo Manuel de Carvalho Varandas dos Santos
Consideração Inicial
 
O artigo que agora apresento foi realizado a partir de um capítulo da Tese de Mestrado que defendi no ISCTE no ano de 2005.
 
Tendo esse trabalho como fundo os Processos de Reorganização do Exército Português entre 1900 e 1914, torna-se inevitável retratar o que existia ao nível do Exército Ultramarino Português antes da Grande Guerra.
 
O tema adquire relevância para a historiografia militar nacional pois auxilia a compreensão a presença portuguesa nos territórios ultramarinos, as modificações que essas exigências produziram no plano interno e internacional.
 
 
Os Interesses Ultramarinos e a Necessidade de um Exército Colonial
 
Enquadramento
 
Durante a segunda metade do século XIX, África voltou a exercer interesse e curiosidade sobre Europa. As viagens de exploração africana trouxeram um conjunto de elementos, que pelo seu interesse científico, grandiosidade, preciosidade e raridade criaram paixões no velho continente. Também a possibilidade de encontrar matérias-primas[1] em quantidade e qualidade para o esforço de produção das mais recentes actividades industriais das nações europeias[2], eram razões suficientemente fortes para que existisse uma movimentação das potências da época.
 
Desta forma, iniciou-se uma fase de expansão colonial, realizada sobretudo pelas maiores potências europeias, não só como forma de expansão territorial mas também como legitimação da própria nacionalidade. Estas pretensões executaram-se através de movimentações e ocupação dos territórios ultramarinos por forças europeias.
 
Neste cenário a diplomacia e os exércitos passaram a ter uma posição de destaque no que diz respeito à projecção e defesa dos interesses nacionais.
 
A experiência nacional
 
No caso português, a importância diplomática levou uma pequena nação a estar na corrida a África[3], o que implicava a tomada de medidas que visassem a defesa do interesse nacional. A forma de realizá-la no contexto internacional influenciava as potências a ocupar os territórios ultramarinos em detrimento de outras o realizarem.
 
O jogo entre as potências europeias passou além fronteiras do velho continente. Entre 1875 e 1900, no panorama internacional assistiu-se a uma movimentação geoestratégica de forças militares nos territórios ultramarinos por parte de grandes potências como Inglaterra, a França, a Alemanha e outras de menor grandeza como a Bélgica e Portugal.
 
A necessidade de ocupação e possessão territorial, bem como novas matérias-primas, fez com que do esforço nacional das potências europeias surgissem investimentos de toda a ordem por forma a garantir a manutenção e o bom funcionamento das actividades nos territórios ultramarinos. Estes funcionariam como um binómio, pois sustentavam os ideais de posse inerentes ao esforço de afirmação nacional, por outro lado, esses fortes sentimentos patrióticos justificavam os orçamentos necessários para que uma potência atingisse um nível máximo de superioridade do Estado[4] e raça. Para a época e baseando-se em conceitos da antropologia física, essa hegemonia só poderia ser atingida, se os povos superiormente civilizados (europeus) conseguissem implementar a sua cultura, noutras civilizações consideradas inferiores, nem que para isso as tivessem que oprimir.
 
Juntamente aos desentendimentos entre potências no velho continente a “Corrida a África” fez com que os anos compreendidos entre as últimas décadas do século XIX e a véspera da Grande Guerra o cenário internacional passasse a conter elementos e factores de carácter político, diplomático, bélico entre outros que fizeram com que a ameaça fosse uma constante. Portugal detinha dois elementos fundamentais para o jogo que se iria travar no cenário internacional. Possuía territórios importantes pelo seu posicionamento geoestratégico e detinha um corpo diplomático influente,[5] tutelado e dirigido pelo seu monarca, D. Carlos I. Além destes dois factores, Portugal mantinha uma aliança com o velho aliado, a Inglaterra, que no dobrar do século ainda era a maior potência mundial.
 
As possessões coloniais portuguesas provocaram cobiça, devido às suas dimensões territoriais e em simultâneo tornavam um pequeno país numa potência nos territórios ultramarinos.[6]
 
O interesse e a ocupação dos territórios africanos, por parte de outras potências não suscitaram surpresa por parte dos políticos e diplomatas portugueses, devido ao conhecimento que estes possuíam acerca das movimentações na esfera internacional[7] e sobre o contexto interno africano, originado pela permanência de portugueses durante mais de cinco séculos em África.
 
Na opinião de António José Telo, neste processo de afirmação dos Estados através do medir constante de forças, Portugal é o país europeu que mais recursos gasta na consolidação do seu Império,[8] embora esta percentagem fosse elevada em termos nacionais, o seu valor representa uma parcela muito pequena nos orçamentos de outras nações. Sendo assim, o país não dispunha de recursos suficientes para de forma eficaz rivalizar com outras potências áreas de influência.
 
Os investimentos em/para o território africano foram realizados em áreas que tinham atravessado uma revolução tecnológica recente, como os caminhos-de-ferro, transportes marítimos, comunicações, agricultura e armamentos. Em todas estas áreas determinantes para a ocupação dos territórios, existiu investimento nacional, só que o atraso tecnológico em relação a outras potências era considerável. Tendo por base uma análise comparativa surgida em 1911, expostas na Revista Militari, constataremos que a na área militar o fosso não é significativo.
 
O esforço militar foi sem dúvida uma das formas que o país pôde empreender para poder igualar outras potências na “Corrida a África”.
 
Atendendo a que a primeira fase de criação dos impérios passava pela pacificação, esta teria que inevitavelmente caracterizar-se por confrontos armados uma vez que na maioria dos territórios existiam tribos que dificilmente se sujeitariam ao domínio europeu, a componente militar era essencial antes da ocupação territorial visando o trabalho nas zonas ocupadas para que se conseguisse a reconstituição dos mecanismos da vida política, económica e social local.
 
O armamento utilizado pelas forças nacionais não só servia para combater tribos locais no esforço de pacificação, como também para reduzir o potencial de ameaça realizado por outras nações em território ultramarino português. Porém era insuficiente, o que declinava em parte as ambições nacionais[9], uma vez que essa insuficiência mantinha o potencial de ameaça nos territórios, tanto o endógeno provocado pelas tribos nativas como o exógeno fomentado pelos meios mobilizados por outras nações europeias.
Por quase não terem existido orientações da metrópole contra as ameaças locais, tanto originadas pelas características do continente, como pelas pretensões colonialistas das outras potências, os governadores dos territórios para colmatar as lacunas existentes, tentaram equipar as unidades locais de meios tecnológicos militares. Para além de mais e melhores equipamentos, começou a ser necessário que as potências soubessem operacionalizar os meios, actuando de forma mais eficaz, o que significava uma melhor defesa dos seus territórios ultramarinos. Defender as possessões ultramarinas, implicava sistematicamente a utilização da via militar que era realizada pelos Exércitos nacionais[10]. Desta forma passou a ser vital dotar os Exércitos de meios e contingente para a realização de um cada vez maior número de missões.
 
Com a mudança no cenário internacional[11] e um aumento dos atritos entre as potências europeias que se reflectia essencialmente em acções no continente africano o que obrigava as nações a adquirirem mais material para os seus Exércitos e a criar uma nova orgânica e forma de funcionamento para o Exército a operar em território ultramarino.
 
Devido à experiência adquirida pela longa permanência e consequentes interacções no ultramar, passou a existir a consciência em Portugal e noutras nações que as forças a operarem em território continental e ultramarino não podiam ser as mesmas. As suas formas de organização teriam que ser obrigatoriamente diferentes, sujeitas ao terreno, ao clima, às populações e às ameaças na maioria das vezes não convencionais, que nos territórios africanos tornaram-se visíveis e reais com o eclodir da guerra Anglo-Bóer. Desta forma o Conceito de Exército Colonial adquire uma nova importância na esfera nacional.
 
Com um contexto de ameaça potencial e muitas vezes real,[12] do início do século XX, tornou-se necessário que o Exército Colonial tivesse preparado, o que implicava obrigatoriamente a existência de uma orgânica diferente do Exército Metropolitano.
A necessidade por parte de Portugal de orgânicas e estruturas diferentes nos seus dois[13] Exércitos era devida à existência de diferentes teatros de operações. Em cada um destes as formas de ameaça levavam a que os modos de actuação fossem muito diferentes daqueles que eram empregues no continente europeu.
 
Embora a existência de dois Exércitos criasse duas orgânicas, não significava que entre ambos não houvesse cooperação e auxílio mútuo.
 
O Exército Colonial a operar em vastos territórios, teria que ter unidades com um maior nível de descentralização operacional, este factor só seria possível se houvesse a rentabilização de meios humanos e a aquisição de meios tecnológicos. Este esforço teria que ser feito evitando a sobrecarga da economia nacional já por si só debilitada.
 
Assim, Portugal e o seu Exército Colonial teriam que actuar em larga escala não só em termos de raio de acção, mas também em número de acções, de forma mais económica e tentando um maior índice de eficácia. Este só poderia existir se a organização colonial portuguesa atribuísse ao Exército Colonial missões enquadradas perante as ameaças surgidas da alteração do contexto internacional.
 
Portugal passou os primeiros anos do século XX com uma organização das províncias ultramarinas, iniciada em Novembro de 1901, que reflectia em parte os últimos anos do século XIX[14]. Esta estrutura de reorganização iniciada em 14 de Novembro de 1901 era uma muito incompleta e repleta de lacunas[15].
 
A lei de 1901, tentou resolver sobretudo lacunas ao nível administrativo/burocrático, pois os problemas estruturais nomeadamente organizativos e de reequipamento permaneceram. Apenas em 1913, doze anos depois é que o país teve capacidade de produzir uma Proposta de Lei para o Exército Colonial.
 
A Proposta de Reorganização de 1913 reflecte uma forma de pensar a reorganização colonial mais equilibrada ao contemplar as dificuldades dos cofres nacionais e meticulosa pois abrange na maioria todos os factores referentes a um processo de reorganização militar.
 
Quando surge, os territórios ultramarinos estão sob um potencial de ameaça muito maior[16], devido sobretudo à forma como se encontravam as alianças, os sistemas de alianças e as pretensões nacionais de cada potência europeia, fruto da perda de hegemonia inglesa[17].
 
O aparecimento deste processo de reorganização tentou eliminar um conjunto de lacunas, que podem ser agrupadas em três eixos:
- Actuação operacional das forças.
- Custos.
- Nível de eficácia dos meios empregues.
 
Antes da Proposta de lei de 1913, estes eixos enquanto elementos estruturantes do Processo de Reorganização para o Exército Colonial, ou não apareciam enquanto conceitos fundamentais, ou quando eram mencionados, normalmente não apareciam interligados.
 
Analisando cada um dos eixos temos que em 1913 no que se refere à actuação operacional, existia a necessidade de descentralização o que iria implicar um maior número de militares disponíveis, facto que só poderia ocorrer se existisse um delegar de competências militares a uma estrutura civil[18] mais vocacionada para a administração dos territórios.
 
Este problema ficou sempre por solucionar em termos legislativos pois existiu um número reduzido de prescrições e disposições que visassem o recrutamento de comissões civis[19]. Com alterações específicas à legislação como a Proposta de 1913 tentava-se que esta lacuna desaparecesse, pois existia a separação entre serviços militares destinados à pacificação dos territórios e os serviços civis[20], mais orientados para funções administrativas. Ambos os serviços teriam em 1913 um maior grau de autonomia, que se traduziria na prática na existência de orgânicas e carreiras específicas.
 
Outra lacuna relativa ao eixo da actuação operacional está relacionada com a não existência de separação de carreiras, que implicava dificuldades no recrutamento de oficiais. Isto pois a legislação de 1901 não conseguiu resolver a uniformização de critérios para o preenchimento de vagas. A existência de lugares no âmbito administrativo cobiçados por oficiais, que eram preenchidos por indicação ou nomeação, levantava dificuldades na captação de oficiais para outras funções, não só pelas condições não serem atractivas, como os critérios de promoção não serem uniformes, o que influenciava os níveis de desempenho e a moral.
 
Com a Proposta de 1913 e com a clara separação de esferas pelo menos em termos legislativos, tentou-se dentro da área militar uma uniformização de critérios promocionais que passavam pelo mérito e desempenho. A própria Proposta de Lei refere na página n.º 15: “... que pela selecção rigorosa dos quadros, pelo bom recrutamento, pelo desenvolvimento constante da sua instrução técnica, geral e colonial, a constituição dum corpo homogéneo, forte e disciplinado, à altura do nobre e a levantado exercício da sua missão” este pressuposto, só poderia ser atingido se a escolha recaísse em critérios de avaliação e reconhecimento profissional tanto para oficiais, sargentos e praças. Um exemplo, foi a situação ocorrida com os sargentos a que foi permitida mediante aproveitamento a incorporação na classe de oficiais.
 
O recrutamento possivelmente mais criterioso juntamente com a base do serviço militar nas províncias ultramarinas passar a ser o voluntariado traria outra moral às tropas aí deslocadas[21], pois a possibilidade de uma carreira militar repleta de desafios, feitos heróicos e com vantagens[22], que deixava apenas de beneficiar oficiais já com uma longa carreira, ajudaria a cativar a massa de jovens oficiais e de outros quadros para as províncias ultramarinas[23]. Ao contrário do Decreto-Lei de 1901, a Proposta de 1913 apresentava uma carreira militar para todo o quadro de pessoal e este facto só seria possível, pois apostava-se na formação dos quadros através das escolas regimentais e dos cursos especiais para oficiais.
 
Desta forma existiria mais e melhor preparação tanto ao nível de comando como ao nível operacional das forças nas missões a cumprir[24], bem como uma melhor actuação das unidades independentes, estas tão necessárias à descentralização de meios que se procurava no Ultramar.
 
Esta mesma carreira colonial perspectivada em 1913, permitia promoções mais justas nas carreiras de oficiais, sargentos e praças bem como a transição entre carreiras como é o caso do ingresso no quadro de oficiais do Exército Colonial de infantaria, sargentos que satisfizessem as condições de promoção e na proporção de 1/3, mediante as classificações obtidas nos cursos especiais, caso do curso colonial leccionado na Sociedade de Geografia ou do curso de aplicação leccionado na Escola Central de Sargentos.
 
A uniformização de critérios e os benefícios materiais da Proposta de Lei de 1913, garantiria aos elementos que fariam parte deste corpo, condições de permanência nos territórios o que juntamente com instrução teórica e prática adequada, facilitariam a descentralização/actuação operacional num cenário em que a exigências em número de missões e raio de actuação de um Exército Colonial tinham aumentado[25].
 
Para findar a análise deste eixo (Actuação operacional das forças) e ainda dentro da carreira militar para os quadros do Exército Colonial e com o evoluir de mentalidades, a Proposta de 1913 tentava reduzir o número de efectivos europeus nas unidades das províncias ultramarinas[26]. Para isso e existiu um claro aproveitamento do elemento indígena nos quadros das tropas coloniais, [27]passando nalguns casos a ser remunerado.
 
Tendo por base a análise comparativa, temos que ao nível da actuação operacional a Proposta de Lei de 1913 tentou ser mais equilibrada nos vários vectores dentro deste eixo de análise pois atende às realidades locais.
Analisando o segundo eixo de lacunas, referente aos custos pode ser afirmado que o maior problema surgido foi como tornar um Processo de Reorganização Colonial, menos dispendioso.
 
Os próprios governadores das províncias não acreditavam na possibilidade de um Processo de Reorganização eficaz, pois devido ao trabalho desarticulado quase todas as comissões encarregues de estudar as consequências dum processo com estas características apenas apresentavam soluções que restringiam os recursos financeiros[28], não propondo alterações em termos orgânicos. Este factor fazia com que os governadores das províncias, tecessem críticas às comissões.
 
Com a Proposta de Lei de 1913, uma maior economia de meios e consequentemente redução de custos, estava directamente relacionada com a orgânica e esta com a forma de actuação operacional das forças. Assim a utilização dos recursos humanos locais, originaria uma menor presença de europeus no quadro de tropas, o que não implicaria uma redução no contingente. Devido às remunerações dos soldados indígenas serem inferiores, os encargos financeiros tenderiam a diminuir.
 
Não existindo uma redução no contingente, a descentralização vinha apenas redistribuir o número de efectivos do Exército Colonial que estava fixo (em número e espécie para os quadros das unidades em cada província.) em termos orgânicos desde o século XIX o que poderia levar a actuação operacional a abranger mais territórios, executando maior número de missões, devido a um maior grau de ameaça nas províncias.
 
Também a Proposta de 1913 poderia anular lacunas da Lei de 1901 e reduzir custos no que diz respeito ao quadro de oficiais. Com o voluntariado e a uniformização de critérios de promoção para oficiais conseguia-se reduzir drasticamente[29]o quadro, o que inevitavelmente tornaria o processo menos dispendioso.
 
Com este conjunto de alterações que visavam a reduções de custos, surge uma questão lógica:
- Estas alterações, implicariam alguma mudança na cadeia de comando?
 
Embora houvesse redução de custos tentou-se em 1913 reforçar a cadeia de comando e a sua relação com as unidades no terreno. Desta forma tentava-se passar da administração das unidades através de conselhos administrativos que eram formas de organização não eficazes, devido à divisão das unidades pelos postos e comandos existia dificuldade em manter e reunir um conselho[30] para a divisão militar territorial. Assim todas as divisões passavam a ser comandadas por uma gerência administrativa do comandante dessa região, com fiscalização das repartições da administração militar das províncias ultramarinas[31]. Esta adequação permitiria a redução de custos, pois levaria a uma mais correcta orgânica das unidades.
 
Por último, na análise aos eixos de lacunas que os republicanos tentaram eliminar, temos o nível de eficácia.
 
Este aumentaria com a Proposta realizada já na República pois houve o cuidado de adaptar a Orgânica do Exército às necessidades dos territórios.
 
Com as alterações sugeridas em 1913, as unidades tácticas seriam mais pequenas ao contrário à Proposta de 1901.Com unidades tácticas como a companhia, o esquadrão ou a bateria pretendia-se um nível de intervenção local mais amplo que ultrapassava a esfera militar e passava a prestar auxílio às populações[32]. Neste ponto tropas de engenharia, administração militar, saúde, exploradores, sipais e auxiliares, seriam distribuídas em companhias, mas não era deixada de parte a possibilidade de criação de grupos se as condições assim obrigassem.
 
Outra lacuna tentada solucionar em 1913, foi a Mobilização nos territórios ultramarinos. Anteriormente a 1913 não existiam em todas as províncias, regulamentos de organização do Exército Colonial que os fizesse funcionar de forma articulada e eficaz no caso de uma mobilização. Para isso e ao contrário dos grupos desordenados sem regras nem regulamentos existentes para complementar as tropas existentes, tentou-se passar a utilizar tropas de 2ª linha.
 
Este facto só foi possível pois houve alterações na forma de actuação operacional das forças, onde foram contempladas carreiras militares de uma forma mais consistente[33] devido à formação[34] teórica, preparavam as tropas de uma forma mais eficaz para o caso de uma mobilização. Esta carreira militar não deixava de parte a integração dos indivíduos na sociedade pois na Proposta de Lei de 1913 criava-se um período curto de incorporação na reserva e a instituição de um segundo período que preparava não só o subsídio de mobilização que receberiam enquanto se encontrassem na situação de cumprimento do dever, como condições de integração, caso de colocações laborais na sociedade civil.
 
Outra das lacunas neste eixo passava pelo nível de eficácia no comando, que 1913 aumentava devido à passagem sempre que possível de quartéis-generais ou similares instituições para as sedes de distrito. Ao contrário da organização de 1901 remetia estes aquartelamentos para as sedes de província. Ao ocorrer este aumento de repartições militares contribuía-se para a independência de comando em cada província, o que melhoraria a Orgânica e consequentemente a eficácia de todo o dispositivo colonial.
 
 
Considerações Finais
 
Depois de reflectir sobre os três eixos de análise e ao mesmo tempo ponderar sobre os elementos estruturantes, tanto da situação em 1901, como em 1913, posso concluir que os factores determinantes são diferentes sobretudo devido à mudança da conjuntura internacional A obsessão pela expansão territorial deu lugar à procura alucinante e voraz[35] de mais territórios o que fez com que as movimentações geoestratégicas tivessem cessado dando lugar ao estado de prontidão para um conflito.
 
Neste aspecto a alteração entre 1901 e 1913 é abissal pois se no início do século ainda existe espaço para as movimentações de forças nos territórios africanos, nas vésperas da Primeira Grande Guerra este espaço já não existe.
 
De facto em menos de doze anos, o contexto internacional alterou-se profundamente, caminhou-se com excessiva rapidez, sem consciência do complexo jogo que se tinha iniciado dentro das fronteiras europeias e que se continuava a jogar, agora também em território ultramarino. A Europa caminhava para uma Guerra que ela própria e as suas potências tinham lançado, e África seria um dos palcos desse conflito.
 
Em 1913 deixa de ser prioritário defender de uma forma racional, os interesses nacionais nos territórios ultramarinos para se projectar ataques[36] em território alheio, como forma de salvaguardar o Estado e a Raça.
 
Com uma mudança abrupta nos acontecimentos e com a noção permanente que o seu desenrolar poderia ser imprevisível a percepção perante a utilidade dos Exércitos e nomeadamente sobre o Exército Colonial torna-se mais clara.
 
O que mudou essencialmente a nível nacional foi que toda a reorganização pensada em 1913 surgiu para colmatar as falhas de uma legislação de 1901 tornada ineficaz devido à velocidade dos acontecimentos. A sua estrutura baseou-se num conceito de maior operacionalidade de forças, economizando recursos, atingindo maiores e melhores níveis de eficácia, só que pensados para um cenário de ocupação caracterizado por esporádicos confrontos, que tentam acima de tudo pacificar territórios conduzindo estes a um esquema de administração alicerçado em regras impostas pela metrópole e nunca para um conflito armado com outra potência europeia.
 
Todo este esquema de reorganização projectada em 1913 visava em termos gerais o aperfeiçoamento das instituições militares e civis coloniais, assegurando a execução eficaz dos serviços que lhe eram exigidos. Conjugar todas estas exigências, adaptando-as à necessidade de mutabilidade que a realidade ultramarina exigia tornava a tarefa mais complexa, adquirindo quase contornos de impossibilidade em vésperas de um Conflito de ampla escala como a Grande Guerra.
 
Num cenário internacional extremamente difícil e em vésperas de um conflito mundial, Portugal poderia ter lucrado mais se tivesse colocado em prática este esquema de reorganização do seu Exército Colonial.
 
Para concluir gostaria de salientar que os territórios ultramarinos portugueses entraram na Grande Guerra com a Lei de 14 de Novembro 1901, pois a Proposta de 1913 embora inovadora e estruturante para o Exército Colonial não teve tempo para ser debatida, aprovada e operacionalizada no terreno, uma vez que a evolução dos acontecimentos na Europa, fez alterar prioridades do regime republicano. Uma delas teve a ver com a possibilidade de participação de forças portuguesas num cenário de guerra, que fez com que reformas estruturantes como aquela que se perspectivava para os territórios ultramarinos fossem deixadas de parte pelo menos em termos legislativos.
 
Porém poderemos colocar uma questão importante, que tem a ver com a forma como as ideias essenciais da Proposta de Lei de 1913 embora não sendo lei foram aproveitadas pelas chefias militares e poderam influenciar em termos de comando a reorganização da Defesa dos territórios e dos interesses nacionais nos territórios ultramarinos num cenário de Guerra?
 
Desta forma saliento que as conclusões perante o Projecto de Reorganização Colonial só poderão ser tiradas, quando analisadas as consequências do Conflito nessas regiões e como a influência de propostas de reorganização como a de 1913, alteraram a codificação de uma Nova Lei que só irá surgir em 1926. Neste sentido as possíveis mudanças estruturantes das alterações propostas e as razões conjunturais deverão que ser analisadas numa perspectiva cronológica mais ampla que vai para além deste artigo.
 
 
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[1]* Mestre em História Social Contemporânea pelo ISCTE. Doutorando em História Social Contemporânea. Coordenador do Arquivo da Liga dos Combatentes. Exerce funções de professor, formador e consultor.
 1 No começo do século XX as grandes potências rivais, na Europa eram a Inglaterra e a Alemanha, os motivos dessa rivalidade são sem dúvida o aspecto económico, uma vez que a industrialização alemã embora tardia ultrapassa a sua congénere britânica, ainda nos últimos anos do século XIX, o declínio inglês começa a partir de 1870. O desenvolvimento leva inevitavelmente a um maior consumo de matérias-primas. (Um dos melhores índices de difusão da indústria, neste período, é a potência instalada em máquinas a vapor fixas, excluí-se, as linhas de caminho de ferro)
 
1851
1860
1880
1900
1913
Grã-Bretanha
500
  700
  900
2.000
2.200
Total da Europa
720
1.350
2.760
5.270
6.350
(Annales E.S.C, 1965, T. II, p.996)
   Este tipo de concorrência industrial e comercial começa a preocupar certos sectores da sociedade inglesa, pois vê a sua hegemonia de séculos ficar ultrapassada no foro económico (a respeito deste assunto e mesmo antes do século XX se iniciar um cronista inglês Edwin.E Williams escrevia em 1896, um texto intituladoMade in Germany”, onde realiza uma caracterização de como a industria alemã tinha invadido a sociedade inglesa, a esse respeito escreve: “Olha à tua volta, amigo leitor: verás que o tecido de algumas peças do teu vestuário foram elaborados com tecido da Alemanha. E, mais provavelmente ainda algumas roupas da tua mulher são de importação alemã.... Ao levantares-te, derrubas um vaso que se encontrava na chaminé e ao apanhar os cacos, lês no bocado que constitua o fundo: Made in Germany”) citação retirada do Saturday Review, 11 de Setembro de 1896. Não só este sector mostrou fragilidade, também o domínio dos mares começa a estar do lado da nação alemã. Dentro em breve os dois rivais tornar-se-iam inimigos bélicos implacáveis na defesa dos seus interesses nacionais.
[2]     No desenvolvimento industrial e comercial que algumas nações realizaram no início do século, a Inglaterra tinha já sido ultrapassada por potências como a sua grande rival, a Alemanha e pelos Estados Unidos da América, a respeito disso R.C.K Ensor refere nos seus estudos comparativos que os dados para a Percentagem de Crescimento entre Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos são:
    Percentagem de Crescimento (1893-1913)
 
Reino Unido
Alemanha
Estados Unidos
População
20
32
46
Produção de carvão
75
159
210
Ferro gusa
50
287
337
Aço Bruto
136
522
715
Exportações de produtos manufacturados
121
239
563
Receitas de tráfego ferroviário (mercadorias)
49
141
146
(E.C.K. Ensor, England 1870-1914, p.503)
[3] Segundo António José Telo na sua obra “Economia e Império no Portugal Contemporânea”, Edições Cosmos, Lisboa, 1994, salienta na p.193 a respeito da importância diplomática portuguesa o seguinte: “Juntamente com a Bélgica, Portugal é o único pequeno país que participa na «Corrida a África». Tal facto, só por si prova que o Terceiro Império português (a Consolidação 1890-1918) foi na realidade, criado pela Diplomacia e se deve mais à política externa adoptada do que às façanhas no Sertão.
[4] Em relação ao processo de colonização P.Leroy-Beaulieu escreve: “A colonização é a força expansiva de um povo.... é a sua dilatação e a sua multiplicação através dos espaços; é a submissão do universo, ou de uma parte do universo, à sua língua, às suas ideias, às suas leis. Um povo que coloniza é um povo que lança as bases da sua grandeza futura e da sua supremacia. É impossível não considerar a colonização como uma das tarefas que se impõem aos Estados civilizados. Citado na obra “De la colonisation chez les peuples modernes”, 1891.
Os conceitos do expansionismo europeu basearam-se em doutrinas de evolução e de raça defendidas por personalidades como Thomas Carlyle, Charles Darwin e Herbert Spencer e que se vão reflectir nas obras científico populares de Charles Dilkes, John Robert Seely e James Anthony Froudes muitas vezes utilizadas nas intervenções de Benjamin Disraeli, Joseph Chamberlain, Lord Roseberry e Cecyl Rhodes. Desta forma J. Chamberlain nos seus discursos políticos profere: “...Cumpramos o que julgo ser a nossa missão nacional, exercendo aquelas qualidades que fizeram de nós uma grande raça de governantes.... Garanto que quase por toda a parte onde o Governo de Sua Majestade foi estabelecido e a grande “Pax Britannica” reforçada, a vida e a propriedade tornaram-se mais seguras e as condições materiais de população foram melhoradas”.
[5] A respeito da posição do monarca e da diplomacia portuguesa no cenário internacional João Ameal na obra: “História de Portugal das origens até 1940”, Livraria Tavares Martins, 1949, Porto, afirma a respeito de D Carlos I e da sua diplomacia: “... vai ele em pessoa, fazer acto de presença, arrancar homenagens para o nosso país, forçar a admiração e o respeito nas Cortes e Chancelarias. A sua viagem é um triunfo, quer em Paris, quer em Berlim, quer em Londres. Pelo seu ascendente excepcional que erradia, pela inteligência e pela majestade que o singularizam- adquire um prestígio que é, nessa hora dúbia, prestígio de Portugal”, p.632.
Sobre a influência da política externa portuguesa, delineada pelo rei e sustentada por todo o corpo diplomático da época, a obra de Luís Vieira de Castro, D. Carlos, Portugália Editora, Lisboa, 1943, afirma: “ Assim, graças à política externa de El-Rei D. Carlos, pôde Hintze Ribeiro levar a bom termo o mais importante acto da sua vida pública, concluindo com os credores externos o convénio que serviu de base à lei de 14 de Maio de 1902”, p.222.
[6] Os números apresentados por Jaime Reis, referem que noutros países europeus durante este período cronológico obtiveram taxas de expansão mais elevadas o que fez com que “o PNB per capita português, que em 1860 tivera valores de 86% no conjunto dos países mais desenvolvidos, descera em 1913 para 45% desses valores, o que faz inevitavelmente o país ter um retrocesso no seu desenvolvimento. Este factor é natural pois num período de crescimento a diferença de taxas de expansão entre países com diferentes graus de industrialização teria que ser maior do que em períodos de depressão “In O Atraso Económico Português, 1850/1930,Lisboa, Imprensa Nacional, 1993 p.10 de Jaime Reis.
[7] É de mencionar que Portugal teve uma participação importante na Conferência de Berlim de 1884/1885 em que se traçou as futuras divisões do Continente africanas pelas potências europeias. É também este pequeno país mas detentor do 4º maior império colonial europeu que ultrapassou de uma forma eficaz conjunturas internacionais difíceis como as rivalidades franco-alemãs e anglo-alemãs, a hegemonia da Prússia e as suas movimentações na esfera internacional, a corrida ao Continente africano, a guerra Anglo-Bóer. A par deste movimentar difícil, também é conhecido que o seu monarca D. Carlos I, foi ganhando reputação entre chefes de Estado pelo equilíbrio que a Diplomacia portuguesa e o seu empenho pessoal conseguem dar ao panorama das relações entre Estados, nomeadamente entre os mais importantes na Europa do início do século XX.
[8]  Sobre este aspecto António José Telo no seu livro “Economia e Império no Portugal Contemporâneo” Edições Cosmos, Lisboa, 1994, refere na p.156: “...Portugal é uma excepção, pois é o país europeu que mais recursos empenha, em termos relativos na consolidação do seu Terceiro Império”.
 i Dados contidos na comparação entre Exércitos europeus em 1911.
[9] A respeito de política ultramarina, podemos afirmar que Portugal teve durante toda a época do constitucionalismo monárquico um considerável progresso. Esta etapa inicia-se quando a escravatura é abolida em 1869 através do empenho do ministro progressista Sá da Bandeira, a partir daí começa um período de exploração, ocupação efectiva dos territórios, colonização e defesa de grandes extensões territoriais sobretudo em Angola e Moçambique. Independentemente do potencial de ameaça gerado por outras potências europeias, o progresso e a rapidez nas campanhas africanas tornavam-se inevitáveis devido sobretudo ao receio destas virem a serem ocupadas por outras potências coloniais. A comprovar este facto temos: “Os portugueses, quatro séculos depois de a descobrirem, entram em África a ferro e fogo e à pressa” salientado na obra: O 28 de Maio e o Fim do Liberalismo (das lutas liberais de Oitocentos ao advento da República) de José António Saraiva e Júlio Henriques, Livraria Bertrand, Lisboa 1977, p.77.
[10]  Na maioria das vezes a conservação da soberania portuguesa nas últimas décadas do século XIX, obrigava à utilização dos exércitos nacionais, não contra exércitos convencionais, mas contra forças consideráveis de guerreiros indígenas. Estas situações ocorreram em Angola em locais como o Ambriz, nos Dembos e no Bié, em Moçambique na zona da Alta Zambézia e Gaza, normalmente todo o esforço do exército colonial teve êxito nestas campanhas.
[11]  Segundo António José Telo na Obra: Portugal na Grande Guerra 1914-1918 no capítulo intitulado “Em direcção à guerra um longo caminho”, p.7 afirma: “A Inglaterra que era a primeira economia mundial em 1860, passava para o terceiro lugar em 1905, numa transição entre um a economia mundial com um só poder de primeira ordem (a Inglaterra), para outra com três estados (Estados Unidos da América, Alemanha e Inglaterra. Do mesmo modo houve importantes ajustamentos nos poderes de segunda ordem, com economias como a da França e da Itália em queda e outras como a Rússia e do Japão, em pujante desenvolvimento”.
[12]  A ameaça potencial para os interesses ultramarinos nacionais até ao final do século XIX em território africano vinha dos focos de resistência internos, originados por tribos nativas, outras vezes provinha de movimentações fronteiriças e mesmo incursões em território nacional por parte de outros exércitos europeus a operarem em África.
[13]  Decreto-lei de 14 de Novembro de 1901, substitui a lei de 2 de Dezembro de 1869, mas as medidas que defende são desajustadas ao contexto internacional do início do século.
[14]  Quando Londres tentou acabar com a ameaça bóer avançando para um conflito no Transval. Aqui surge uma real ameaça para Portugal pois para Londres torna-se mais vantajoso não ter conflitos com Berlim do que honrar os compromissos com o seu aliado de longa data colocando o Império Português em perigo.
[15]  Segundo António José Telo na sua obra: “Economia e Império no Portugal Contemporâneo, Edições Cosmos, Lisboa, 1994” afirma: “... “Londres...a sua preocupação é impedir uma aliança formal entre Pretória e Berlim, por outras palavras, evitar que o esmagamento do Transval implique uma guerra na Europa. A Alemanha, por seu lado, quer a divisão do Império Português, dando a entender que esse é o preço a pagar pela neutralidade no conflito com o Transval. Londres, algo contrariada acaba por assinar uma convenção secreta, em 1898, onde prevê a divisão de Angola, Moçambique e Timor...” p.206.
Estes défices e inconvenientes da organização nos territórios ultramarinos, já eram registados no final do século XIX pelos governadores das províncias e depois pelas comissões encarregadas de trabalhar sobre a questão e propor alterações. Estas lacunas deviam-se essencialmente ao sistema de recrutamento de pessoal, ao dispositivo montado e à orgânica de funcionamento das unidades no terreno. Todos estes pontos são mencionados na introdução da Proposta de Lei de Organização do Exército Colonial, quanto existe uma clara referência às lacunas da anterior Lei, a de 14 de Novembro de 1901.
[16]  Para além dos focos de resistência internos realizados pelas tribos, as colónias portuguesas em território africano fizeram parte do interesse económico e estratégico das outras potências europeias.
Para além disso serviram como peças de troca fundamentais para manter a estabilidade no velho continente. A respeito deste assunto Nuno Severiano Teixeira refere: “Por duas vezes antes da guerra, em 1898 e em 1912/1913 a Inglaterra e a Alemanha negociaram, entre si, secretamente a partilha das colónias portuguesas”. In “Da neutralidade ao alinhamento: Portugal e a fundação do Pacto do Atlântico”, Análise Social, Separata do número 120, vol. XXVIII, 1993, pp55-80.
Sobre a posição das colónias portuguesas na Obra: “ Portugal- Grande Guerra 1914-1918” na comemoração dos 85 anos da Batalha de La Lys, Diário de Notícias, Lisboa, 2003, quando no capítulo “Uma ruptura no equilíbrio peninsular (1898-1914) ” o autor do capítulo, Hipólito de la Torre Gómez refere no sub-capítulo intitulado “A questão internacional” sobre as assimetrias internacionais, p.35, o seguinte: “Estas eram, de certa forma, consequências daqueles, já que a crise endémica de um pequeno país com importantes domínios coloniais de valor estratégico, como Portugal se prestava facilmente a suscitar entre as potências, dominadas pela cultura imperialista da época, todo o tipo de especulações e até negociações sobre o futuro daquele “enfermo do Ocidente”. Mas a verdadeira chave da debilidade das amarras externas de Lisboa radicava no próprio enfraquecimento da potência inglesa...”
[17]  Nuno Severiano Teixeira, p.207, refere: Em 1912, reacende-se o perigo de divisão do Império. Então existe já um novo sistema de alianças na Europa, com a Inglaterra e a Alemanha em campos contrários. Londres está interessada em evitar um conflito, pelo que pensa em contentar Berlim e manter a paz”. Este factor implicaria consequentemente um maior potencial de ameaça para Portugal.
Em relação à ameaça a Portugal, Hipólito de la Torre Gómez na obra “Grande Guerra 1914-1918” na comemoração dos 85 anos da Batalha de La Lys, Diário de Notícias, Lisboa, 2003, quando no capítulo “Uma ruptura no equilíbrio peninsular (1898-1914) ”o autor no sub-capítulo intitulado “A questão internacional” sobre a perda da hegemonia inglesa e dos compromissos assumidos perante os seus aliados, p.36, refere: “Apesar disso, em 1898 e também imediatamente antes da deflagração da Guerra, o governo inglês aceitou negociar uma melhoria das relações com a Alemanha mediante compensações coloniais, à custa do velho aliado português”.
[18]  Uma dos aspectos mais importantes no bem-estar de qualquer território tem a ver com o nível e a capacidade administrativa e funcional desse território, uma vez que destes aspectos surge em parte o bem-estar das populações. Este aspecto nos territórios ultramarinos portugueses tinha quase sempre falhado, uma vez que estes territórios tinham sempre dependido das unidades militares para a sua organização interna, tendo estas tido quase sempre lacunas, estes factos transitaram para a administração destes territórios.
[19]  Os serviços no Ultramar deviam ser desempenhados por militares, as suas missões podiam ser classificadas de serviço militar, comissão militar e comissão civil (art. 2 da Lei de organização do Exército Colonial de 1913), a comissão civil era o desempenho de cargos administrativos ou de qualquer funções de serviço público não compreendidas nas de serviço militar e comissão militar civil (art. 5 da Lei de organização do Exército Colonial de 1913).
[20]  Sobre este assunto a Proposta de lei para a Reorganização do Exército Colonial, de 1913, na p.6, linha g) refere: “Isolar os serviços militares dos serviços civis, estabelecendo se tanto quanto for preciso um período de transição para o conseguir”, este aspecto tem a ver também com uma clara tentativa de separar as funções atribuídas ao poder militar e ao poder civil dentro dos territórios ultramarinos.
[21]  Este moral não só serviria para prestar um melhor serviço à nação e deixar que a questão africana passasse de um assunto de segundo plano para um ponto importante no quotidiano do país. A respeito disso Valentim Alexandre em “ Portugal e os Conflitos Internacionais” no cap. 9, “A Corrida para África” DN, Lisboa, 1996 refere: “... é também do sobressalto nacionalista do início de 90 que nasce o impulso para o esforço militar que nos anos seguintes se efectuará em África, dando realidade a uma soberania até então meramente virtual”.
[22]  Os factores que foram contemplados no Projecto de 1913 têm a ver com a melhoria das condições dos oficiais e praças dos quadros coloniais em sintonia com as necessidades prováveis e previstas para os diferentes postos e graduações, adaptadas às condições de cada província ultramarina.
[23]  Algumas ajudas de custo de embarque dos oficiais (da metrópole para o Ultramar)
Província
Ajuda de custo
Cabo Verde
86$000
Guiné
88$000
S. Tomé e Príncipe
95$000
Angola
100$000
Moçambique
120$000
Índia
130$000
Macau
150$000
Timor
180$00
A ajuda de custo, compreendia duas parcelas, uma fixa, para fardamento, de 80$000 réis, outra em função do número de dias de viagem à razão de 1$000 réis para África ocidental, 1$500 réis para Moçambique e 2$000 réis para o Oriente.
(Fonte: Tabela n.º 1 do Projecto de Reorganização do Exército Colonial)
[24]  Os oficiais que saíam da Escola do Exército antes de 1913 não tinham formação específica tanto ao nível táctico como operacional para o desempenho de funções nos territórios ultramarinos.
[25]  O esforço exigido a um Exército Colonial nas vésperas da Primeira Guerra já não é apenas o da pacificação dos territórios é o da constante defesa de todo o território ultramarino contra ataques dos seus possíveis adversários, num cenário onde a ameaça é real.
[26]  Em relação à redução de efectivos ao Projecto de Reorganização de 1913 é inequívoco na alinha d) quando salienta: “reduzir quanto possível os efectivos de soldados europeus nas unidades das províncias ultramarinas”.
[27]  Recorrendo a dados referentes a anos posteriores aos estudados por esta Tese de Mestrado poderemos comprovar a utilização do elemento indígena é o que ocorre na Obra: “Portugal- Grande Guerra 1914-1918”, na comemoração dos 85 anos da Batalha de La Lys, Diário de Notícias, Lisboa, 2003, quando no capítulo “Campanha de Moçambique 1916-1918” o autor do capítulo, António José Telo refere no sub-capítulo intitulado “Triste Balanço”, p.459: “Portugal enviou para Moçambique durante a 1ª Guerra Mundial a maior força expedicionária que colocou em África desde Alcácer-Quibir. Foram mobilizados, ao longo de vários anos. 19.438 militares, a que a juntar mais 985 portugueses e 19.278 africanos recrutados em Moçambique, um impressionante total de 39.701 homens, sem contar com cerca de 30 mil carregadores”.
[28]  Independentemente de não haver recursos disponíveis para concretização e acompanhamento da reorganização do Exército Colonial em 1913, este facto deve-se nomeadamente à acumulação de dívida ao exterior, que fazia com que a riqueza gerada, não fosse distribuída por sectores necessitados.
Em relação a este aspecto David Justino na obra “A Formação do Espaço Económico Nacional” afirma que: “ Entre 1850 e 1910, o PNB (Produto Nacional Bruto) mais que quadruplicou em termos nominais. No entanto, per capita, esse PNB a preços constantes cresceu mais modestamente, cerca de 47%”.
Devido não só à falta de recursos mas também a atribuições de funções de generais a governadores, existiam críticas e atritos entre os militares e os governadores, que se tornaram mais notórias em épocas em que existiram comissões na sua maioria compostas por militares com funções de estudo da Reorganização ultramarina.
Sobre isto a Revista Militar em 1911, ano LXIII, publicava um artigo do Capitão Ivo Ferreira que se intitulava “Exército Colonial”, p.11 era relatada a posição crítica dos militares sobre o assunto desta forma: “Não estão cheias as crónicas militares do ultramar de factos sucedidos entre governadores e oficiais em serviço nas suas províncias ou distritos, em que aqueles ou não souberam compreender a alta posição militar a que, pelo acaso na maioria das vezes, os guindou um simples decreto?”.
Em relação a este assunto e sobre a relação dos militares na administração ultramarina o relatório do governador de Mossâmedes salienta: “fora sempre um dos mais importantes e dos mais difíceis problemas da administração pública, o que respeita à organização das forças militares especialmente incumbidas de garantir a segurança e a ordem nos vastos territórios do nosso domínio ultramarino”, estas afirmações em parte reflectem o estado de relações entre o poder militar e o poder civil representado na figura dos governadores.
[29]  A redução do número de oficiais tem a ver sobretudo com dois factores: um deles é a elaboração de novas unidades tácticas mais pequenas que fazem com que ao seu comando não recaía em oficiais superiores; outro dos factores é o aproveitamento local de recursos que faz com que também este número de oficiais não venha única e exclusivamente na metrópole, o que é determinante para a redução dos recursos necessários a um processo de reorganização do Exército. Sobre este assunto deve ser consultados os mapas nº 7, 8, 9,10 partes integrantes da Proposta de Lei da Organização do Exército Colonial que constam em Anexo.
[30]  As dificuldades em manter um Conselho tinha a ver com as disposições da Lei de 1901 que ao estabelecer quartéis-generais para as sedes das províncias, deixou as sedes de Distritos sem repartições militares ou similares, estas não existindo teria que obrigatoriamente o Conselho responsável por esta área, reunir-se com um maior número de elementos (todos os responsáveis por cada Distrito da Província) o que fazia com que a dificuldade de reunião fosse muito maior, pois o número de elementos que constituíam este Conselho era também maior.
[31]  A base II do Projecto de 1913 salientar que a divisão militar territorial em cada província ultramarina, teria que abranger todos os territórios. As diferentes divisões e subdivisões dos territórios de cada província corresponderiam aos comandos principais e subalternos. Todas estas áreas deveriam ser convenientemente delimitadas para que cada uma dentro das possibilidades possa corresponder a uma divisão administrativa.
[32]  Outras das lacunas assinaladas em 1901 é o regime do serviço de saúde que vinha desde 1896 e que condenava este serviço ao quase desaparecimento. Este serviço tem uma grande restruturação em 1913 aumentando-se não só os quadros, bem como toda a sua organização o que faz com que o Exército Colonial possa adquirir uma maior componente de solidariedade, levando ajuda médica a muitas das populações indígenas.
[33]  As praças indígenas depois de cumprirem o tempo de serviço activo (tinha o serviço activo mais a incorporação na reserva) seriam incorporados por quatro anos na reserva, com excepções nos compelidos e desertores, que eram obrigados ao serviço activo durante os sete anos.
As praças seriam distribuídos por distritos de reserva e aí os reservistas seriam classificados em cinco grupos consoante o local onde passavam o tempo de reserva.
[34]  No que diz respeito à falta de regulamentação em relação aos serviços de engenharia, preparação de artífices e educação de indígena nos serviços registados em 1901, são corrigidos no novo processo de reorganização com formas de formação do pessoal indígena nestas áreas essenciais a todo um esquema de organização militar.
[35]  Esta voracidade tem muito a ver com as pretensões dos nacionalismos e com a concorrência económica no Continente Europeu, que logicamente repercutiu-se na “Corrida a África” e aí Portugal teve que rapidamente mudar a sua política de ocupação nos territórios Ultramarinos. É o que refere Luís Alves de Fraga no capítulo “Portugal e a Grã-Bretanha” da obra intitulada “Portugal-Grande Guerra 1914-1918” na comemoração dos 85 anos da Batalha de La Lys, Diário de Notícias, Lisboa, 2003, quando afirma na p.12 “Rapidamente o governo português tinha que fazer esforços no sentido de ocupar o Interland a que não havia prestado grande atenção durante séculos- Agricultar, envagelizar, marcar presença militar, cultural, jurídica, explorar as potencialidades naturais, enfim delimitar fronteiras”. Todo este esforço irá ser passado de uma forma extremamente rápida e ameaçadora para os “vizinhos africanos” dessa potência, conforme os recursos empregues por esta no seu esforço de expansão territorial.
[36]  Esta ideia amadurece durante o fim do século XIX e adquire (1871-1890) um expoente máximo antes da Grande Guerra como aparece retratada na obra de Klaus Hildebrand, “Opportunities and Limits of German Foreign Policy in Bismarckian Era, 1871-1890: a System of Stopgaps?” em Gregor Schollgen, ed., Escape, “into War? The Foreign Policy of Imperial Germany”, Nova Iorque, 1990, p88, o autor afirma. “A ideia da guerra como uma possibilidade na Política internacional instalou-se na consciência da geração que sucedeu a Bismark com uma força crescente. Uma nova emoção alastrava, uma emoção através da qual o status quo era visto como inadequado e que levava à busca de soluções radicais para o que era considerado inevitável...”
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2011-02-23
543-564
3504
65
REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia