Nº 2521/2522 - Fevereiro/Março de 2012
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Linha Aérea Imperial
Major-general
Renato Fernando Marques Pinto
(Tradução do MGen Renato Marques Pinto, com a colaboração do Gen Jorge Brochado de Miranda)
 
 
O General Jorge Brochado de Miranda, que foi Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, referiu a data de 18 de Maio de 1957 como o momento em que as atenções da Força Aérea Portuguesa (FAP) se viraram 180°, da concentração na defesa da Europa para a preparação da defesa do Ultramar1. Nesse dia o Subsecretário de Estado da Aeronáutica Kaulza de Arriaga escreveu a nota 195 dirigida ao Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, para que preparasse o envio de unidades para as 2ª e 3ª Regiões Aéreas (Angola e Moçambique) especificamente para as cidades de Luanda, Lobito, Beira e Lourenço Marques.
 
Esta directiva fez iniciar estudos no bom e imaginativo Estado-Maior da Força Aérea. Em Novembro de 1957, o Tenente-coronel Joaquim Brilhante Paiva, chefe da 2ª Repartição (Informações e Operações) produziu uma Informação indicando como a FAP deveria proceder para a sua instalação em África2. O seu plano para a projecção de forças incluía uma “Linha Aérea Imperial Militar”, com aviões modernos servindo um sistema de comunicações militar rápida entre a Metrópole e o Ultramar.
 
Até esse tempo Portugal tinha utilizado quase exclusivamente o transporte marítimo nessa função. Este sistema tornava-se cada vez menos normal porque as guerras recentes tinham utilizado intensivamente os meios aéreos e era mais caro operar navios em vez de aviões, especialmente no transporte de tropas. Os soldados ficavam “parados” e viajavam em más condições, muitas vezes arrumados como sardinhas em lata3. Para uma nação com dificuldades em pessoal e em dinheiro não fazia sentido a perda de tempo com um sistema de transportes lento e caro. Um avião podia transportar tropas e cargas prioritárias mais eficientemente, quando se consideravam todos os custos.
 
A ideia do estudo era que a projecção de forças pelo Império deveria fazer-se com uma frota de aviões de transporte militares. Assim, poderia reforçar-se rapidamente o Ultramar com tropas e carga urgente e transferir recursos entre os teatros de operações. Poderia também transportar-se para a Metrópole militares feridos ou doentes que necessitassem de maiores cuidados, um factor importante para o moral das tropas. Nessa ocasião os transportes aéreos militares eram limitados à Metrópole e o Tenente-coronel Brilhante Paiva difundia a ideia de que deveriam ser estendidos ao Ultramar em apoio às vertentes políticas e militares da segurança nacional. Todavia, a FAP não possuía os meios técnicos para cobrir os vastos espaços da África Portuguesa e teria de utilizar os seus próprios aeródromos, visto que, num continente hostil aos impérios ultramarinos, só se poderia sobrevoar os oceanos ou territórios portugueses.
 
Brilhante Paiva baseava-se no aparecimento, durante a II Guerra Mundial e após, de grandes e fiáveis quadrimotores de transporte, como o Douglas C-54 Skymaster, o Boeing C-97 Stratofreighter e o Lockeed C-121 Constellation4.
 
Portugal tinha recebido dois Skymaster em 1947 e eram os únicos que possuía5.
 
Eram necessários aviões desse tipo, com 3.650 milhas de alcance e com a capacidade de transporte de 28.000 libras para cumprir o conceito do tenente-coronel. Por outro lado, era necessário aumentar o aeródromo de Bissau para o adaptar para o tráfego previsto, com capacidade de manejo de cargas e de reabastecimento dos aviões em trânsito para o Sul. Apesar da falta de meios Kaulza de Arriaga utilizou o estudo para constituir uma importante rede de transportes aéreos, com a melhoria dos aeródromos existentes, a criação de outros e a aquisição de aviões novos, com maior capacidade. O estudo provava que, mesmo com poucos aviões e infra-estruturas incompletas, a FAP podia começar imediatamente operações aéreas para ligar a Metrópole às dispersas e longínquas Províncias Ultramarinas.
 
Em 1936 Portugal tinha adquirido dez exemplares da versão de exportação do Junkers JU-52, avião de transporte trimotor que podia ser adaptado para missões de bombardeamento6. Durante os anos 40 foi retirado o armamento de alguns dos aviões, mas na década seguinte todos os JU-52 estavam relegados para o treino de navegadores, operadores rádio e pára-quedistas e para transportes internos. O avião só podia transportar um grupo de 14 pára-quedistas e a pequena porta limitava o lançamento de cargas em pára-quedas. Os portugueses substituíram os motores originais BMW 132A-2 pelos mais fiáveis Pratt & Whitney R-1340 Wasp e adquiriram mais dois aviões de construção alemã e 15 da versão francesa, nos últimos meses de 1950. Mesmo com motores mais potentes o JU-52 estava obsoleto, com o seu estreito trem de aterragem fixo e a velocidade de cruzeiro de 132 nós7. Embora fossem baratos, o seu alcance de 590 milhas e capacidade de transporte de 4.067 libras, não permitiam ser utilizados na “Linha Aérea Imperial”. Por isso, era necessário dispor de aviões da próxima geração8.
 
Nos anos de 1943 e 1944, seis Consolidated B-24B Liberators tinham sido forçados a aterrar em Portugal e foram internados, por o país ser neutral. Porque não podiam ser utilizados como bombardeiros, foram empregados experimentalmente pela Secção de Transportes da Aeronáutica Militar como transportes a longa distância. Em Abril e Maio de 1944 foram realizados alguns voos para a Ilha do Sal, no Arquipélago de Cabo Verde, e para as Lajes nos Açores. Na verdade o estado destes Liberators e a falta de treino com aviões pesados restringiram a sua utilização. Todavia, esta experiência permitiu a oportunidade de trabalhar com um sofisticado sistema de manutenção e de melhorar as infraestruturas e o treino necessários para operar uma frota de quadrimotores pesados9
 
Quando a guerra terminou em 1945, Portugal tinha apenas três C-47 Dakota e quatro Liberators internados em condições de voar e, portanto, não tinha capacidades reais de transportes.
Sendo reconhecida a necessidade de uma frota de aviões de transporte, fizeram-se as primeiras tentativas para a conseguir. Entre o fim de 1946 e meados de 1947, começou a preparar-se pessoal para operar e manter aviões pesados, sendo enviada uma missão aos Estados Unidos para receber instrução no Boeing B-17 Fortaleza Voadora e no Douglas C-54 Skymaster. As cinco tripulações em treino receberam três B-17 modificados para SAR (Busca e Salvamento) e dois C-54. Voaram com eles do Kansas até às Lajes, por Nova Iorque, Boston e Nova Escócia. Este foi um passo importante no que se refere ao conhecimento de novas tecnologias e ao desenvolvimento profissional dos pilotos, tripulações e pessoal de manutenção, marcando o começo da aviação militar moderna em Portugal10. Nos anos seguintes foram recebidos mais 2 B-17 e 6 C-54, todos preparados para busca e salvamento; foram colocados nas Lajes, na Esquadrilha de Transporte que tinha sido constituída em 1947 e que foi o primeiro passo para os Transportes Aéreos Militares (TAM) da FAP11. Depois em 1958 e 1959, mais 4 C-54 vieram para a Esquadrilha que passou a ter 12 aviões.
 
Em meados da década de 60 vieram mais 6 C-54 em versão SAR, ficando Portugal com um total de 18 aviões C-5412. Estes últimos 6 destinavam-se a uma missão conjunta Portugal-EUA para se manter uma capacidade SAR nas vias aéreas do Atlântico Norte. Daqui resultou um aumento do número de pilotos, navegadores e outros tripulantes e de pessoal de manutenção qualificado nesta área e lançaram-se as bases para a aquisição de aviões de transporte mais capazes. Por acordo com os EUA os últimos seis C-54 SAR eram destinados ao Atlântico Norte, deixando 12 disponíveis para a “Linha Aérea Imperial”. Todavia o C-54 era um aparelho da II Guerra Mundial e tinha capacidades limitadas. Podia, à justa, voar as 4.200 milhas náuticas de Lisboa a Luanda seguindo a rota Lisboa-Bissau-S. Tomé exclusivamente sobre o mar ou território português. Isto obrigava a duas escalas para reabastecimento e mudança de tripulação. Era um avião lento com a velocidade de cruzeiro de 165 nós e levava dois dias para fazer essa viagem13.
 
Apesar da sua capacidade de transporte, estes aviões não podiam ser de grande ajuda no caso de uma emergência importante no Ultramar. Além disso eram complicados, difíceis de manter e pouco económicos quando comparados com os aviões mais modernos. Para que a “Linha Aérea Imperial” cumprisse bem, era preciso mais alguma coisa.
 
Em 1961 A Pan American World Airways viu-se confrontada com a decisão de realizar uma revisão completa em dois dos seus DC-6A (de carga) e oito dos DC-6B (passageiros) Cloudmaster, ou simplesmente retirá-los do serviço. Ao mesmo tempo, Portugal procurava aviões mais capazes para acrescentar à frota de C-54 e os DC-6estavam disponíveis. Os Cloudmasters e a sua versão militar, o C-118 Liftmaster, tinham sido desenvolvidos como substitutos maiores e pressurizados do C-54. Quando os potentes motores radiais Pratt & Whitney R-2800-CB-17 Double Wasp ficaram disponíveis os engenheiros da Douglas decidiram que podiam aumentar a fuselagem do DC-6-A em 1,35 m para produzir o DC-6B, um bom avião de passageiros. Os Double Wasp eram os motores de cilindros mais eficientes na ocasião e permitiam mais economia que os seus equivalentes doutras marcas. Por outro lado, os passageiros e tripulações apreciavam o conforto e a suavidade do voo, em comparação com outros da mesma geração.
 
Portugal fez modificações e revisões completas nos dez DC-6 da Pan American e destinou-os ao serviço da rota Metrópole-Ultramar. As viagens de ida e volta de Lisboa para Moçambique realizavam-se duas ou três vezes por semana e levavam dois dias, metade do tempo dos C-54. Todavia, era necessário haver tripulações de reserva nos aeródromos intermédios para se manter esse horário. Os aviões permitiam esta intensa utilização e nunca houve acidentes. Para isso contribuiu o facto de se terem aproveitado os experientes pilotos dos C-54 que passaram todos para os novos aviões. Os C-54 ficaram com tripulações menos experientes e houve quatro acidentes com eles no ano seguinte14.
 
Embora constituísse um avanço significativo, o DC-6 ainda não era a resposta perfeita. Por causa da natureza dos motores de cilindros e da necessidade de manutenção, a sua disponibilidade nunca excedeu seis aviões simultaneamente. Podiam transportar apenas 50.000 libras de carga. Esta pequena frota, juntamente com os C-54, tinha ainda pouco impacto no quadro logístico.
 
Havia sempre falta de peças de reserva para manter os aviões a voar e embora tenham sido tomadas medidas para diminuir o problema, como a cromagem dos cilindros, a situação nunca melhorou significativamente. Praticou-se a canibalização e, em Agosto de 1967 apenas havia um DC-6 a voar15. Em Abril de 1968 conseguiu-se que estivessem sete disponíveis. Embora a crise tenha passado, havia severas limitações. A frota necessitava de uma transformação completa e, por isso, estava limitada ao transporte de carga, levando pouco mais que os C-5416. O envelhecimento dos DC-6 e C-54 tendia a tornar os TAM inoperacionais, com os aviões parados em frente do hangar de Alverca à espera das revisões17. Até o aparentemente avançado DC-6 era considerado ultrapassado para a época18.
 
Em 1967 a TAP (Transportes Aéreos Portugueses) tinha mudado por completo para uma frota de aviões de jacto, operando com os B-70719. A experiência levou a FAP a considerar a compra de três aviões semelhantes para “ressuscitar” as suas capacidades de transporte. Esta era uma decisão difícil devido aos custos dos aviões e do treino de pessoal de voo e de apoio terrestre.
 
Mas quando a “poeira assentou”, em Fevereiro de 1970 foi autorizada a compra de dois aviões20. Estes Boeing B-707-3F5C eram os últimos produzidos e foram entregues em relativamente pouco tempo, 18 meses. Foram construídos de propósito com um trem de aterragem reforçado e uma cabine para carga e passageiros. Operados com as normas da Pan American conseguiram, nas mãos dos portugueses, maior utilização do que qualquer B-707 em todo o mundo, o que foi confirmado pela Boeing. Um dos dois aviões estava sempre em missão e a sua fiabilidade e flexibilidade conseguiram alterações importantes no campo logístico. Em 1973 os dois B-707 voaram 299 missões, juntamente com 209 da restante frota de DC-621. Estes tinham sido relegados para as missões mais curtas: Guiné, Açores, Madeira, enquanto os B-707 serviam Angola e Moçambique. Tipicamente um B-707 saía de Lisboa às 11h30, voava para Luanda, era descarregado, servido e carregado e voltava à Metrópole pelas 22h30 do mesmo dia22. De acordo com os registos da FAP referentes a 1972, o transporte de passageiros e das suas bagagens por B-707, em vez de navio, poupou às Forças Armadas 266 633 contos (cerca de 10 milhões de dólares). Em 1973 a poupança foi de 267 633 contos. Estas poupanças nos dois anos deram para pagar os dois B-70723. Finalmente, com este avanço tecnológico, a “Linha Imperial” estava verdadeiramente realizada.
 
As operações de contra-subversão dos portugueses em África começaram doze anos depois da Ponte Aérea de Berlim (Junho de 1948 - Setembro de 1949) e as lições desta aplicação do tanspore logístico foram uma parte integral do pensamento de Brilhante Paiva. A Ponte Aérea de Berlim demonstrou que, tendo os aviões e as bases, o transporte aéreo era o pilar para emergências a curto prazo. As intensivas técnicas operacionais então desenvolvidas, permitiram uma alternativa segura ao transporte terrestre.
 
Portugal procurou utilizar estas lições nas suas operações de transporte aéreo24. Excepto para as operações dos EUA no Vietnam, outros governos combatendo em conflitos comparáveis pareceram menos inclinado para o transporte aéreo.
 
A campanha da Malásia era comparável em distâncias e número de tropas, mas as forças britânicas não utilizaram o transporte aéreo tão intensamente. Havia um interminável conjunto de navios que chegavam a Singapura e um jovem oficial subalterno descreveu este processo, “gastávamos horas comendo as grandes refeições da P. and O. e, depois, mais horas recuperando nas cadeiras do convés, vendo as ondas passar continuamente...”25. Este processo não revelava uma preparação cuidada da acção militar nem uma eficiente forma de transportar tropas para o teatro de operações. Era surpreendente num país que em 1950 desenvolvera o primeiro avião de transporte de turbo-hélice, o Vickers Viscount e o primeiro de jacto, o De Havilland Comet, dois anos depois. Os portugueses utilizaram o transporte aéreo rápido e menos custoso, melhorando a sustentabilidade do seu esforço de guerra. Por outro lado, a mudança dos navios, com banda de música à partida e chegada, para os aviões, menos visíveis, ajustava-se melhor à natureza das campanhas. A rotina do tráfego aéreo, permitiu transportes rápidos de pessoal e abastecimentos críticos e “dava menos nas vistas”.
 
 
A Extensão aos Teatros de Operações
 
A “Linha Aérea Imperial” para ser efectiva não podia terminar no principal aeroporto ou base aérea do teatro. Era necessário haver uma rede aérea interna que estendesse a linha de comunicações criada pela ponte aérea intercontinental. Estas redes internas apoiavam-se noa aeródromos locais e tinham de dispor de vários tipos de aviões que pudessem operar desde os aeroportos até às pistas mais rudimentares. Assim, tinha de se construir uma infra-estrutura em cada teatro e adquirir os aviões apropriados.
 
Usando os três Dakota vindos da II Guerra Mundial, a FAP adquiriu mais três em 1958 e conseguiu obter outros até 1972. No total foram 28, principalmente usados no Ultramar para transportes a curtas e médias distâncias. Vieram principalmente das forças aéreas dos Estados Unidos, Austrália, Israel, Reino Unido e África do Sul, que estavam a vender os seus aviões obsoletos a preços de saldo26.
 
A decisão de continuar a comprar os Dakota, embora sendo um avião com boas provas e capaz, foi controversa no Estado-Maior da FAP e havia duas linhas de pensamento sobre o assunto. A primeira, ou posição pró-Dakota, defendia que o avião era adequado para o Ultramar, podendo aterrar em pistas improvisadas com o seu trem retráctil de rodas afastadas, transportando uma carga útil de cerca de 6.000 libras. O problema é que, como no caso do JU-52, o trem era de três rodas (sendo uma na cauda) e estando o avião estacionado ficava inclinado, o que dificultava a carga. Por outro lado a porta de carga era relativamente pequena, limitando os lançamentos. Havia aviões mais modernos disponíveis, com maior capacidade e com possibilidades de melhor manuseamento das cargas.
 
No Ultramar os Dakota mostraram a sua versatilidade sendo usados em vários tipos de missões como o reconhecimento aéreo, lançamento de pára-quedistas, evacuação sanitária e busca e salvamento. Foram também usados como bombardeiros improvisados na Guiné, inclusive em operações nocturnas e em acção psicológica em Moçambique27.
 
Embora os Dakota provassem bem, tinham severas devida à modesta capacidade de carga e às dificuldades de manutenção provocadas pela idade. Apesar da venerável história, o Dakota estava nos seus limites.
 
A segunda linha de pensamento considerava que Portugal necessitava de um avião mais moderno, robusto e capaz, do género dos Fairchild C-119 Flying Boxcar, que tinham sido provados na Indochina. Era um avião médio que transportava várias vezes a carga do Dakota, aterrava em pistas rudimentares, de manutenção simples e disponível a bons preços. O avião escolhido foi o Nord Aviation Noratlas com dois potentes motores radiais da British Hercules (2.040 cavalos), com hélices Rotol de 4 pás. Era semelhante ao C-119, com um corpo central (onde se encontrava o posto de pilotagem e a cabine de transporte) e dois laterais com os motores. O avião foi concebido para operar em condições “espartanas”, com os hélices longe do solo e o trem de aterragem largo. As portas de carga estavam próximo do solo.
 
A Força Aérea Francesa tinha começado a receber os Noratlas N-2501, em versão militar, em Junho de 1951, adquirindo um total de 22828. A Luftwaffe da RFA, com o problema da obsolencência da sua frota de carga de JU-52 e C-47, optou também pelo Noratlas. Adquiriu 187, 25 dos quais construídos em França e 162 (do modelo N-2501D) na Alemanha29. A Alemanha começou a vender os seus Noratlas em 1964. Uma versão civil, o N-2502, foi produzida pela Nord Aviation com um pequeno motor de jacto Turbomeca Marboré II na ponta de cada asa. Estes aviões foram construídos com especificações de dois clientes. Sete, do modelo N-2502/N-2502A, foram usados pela Union Aéromaritime de Transport (UAT), três, da versão N-2502B, pela CGTA - Air Algerie, mas estas companhias não encontraram muito sucesso nesta adaptação civil do avião militar e só estes dez foram construídos.
 
Quando Portugal decidiu optar pelo Noratlas recebeu uma proposta da UAT para a venda de seis dos seus N-2502A30. Estes aviões estavam estacionados em Douala (Camarões) e tinham trabalhado na África francófona em condições muito duras. Foram enviados para Le Bourget (Paris) para uma manutenção completa sendo recebidos por pessoal de voo e de manutenção da FAP que aí treinaram na primeira metade de 1960. Foram enviados para Angola em Novembro de 1960, como parte da Esquadra 92, operando a partir de Luanda.
 
Em 1962 mais seis Noratlas foram adquiridos à Força Aérea de Israel e, depois de trabalhos de manutenção, foram designados N-2502F. No mesmo ano os três N-2502B da Air Algerie foram também adquiridos. Os nove aviões de modelo civil não tinham porta traseira na fuselagem para o lançamento de pára-quedistas, o que foi corrigido na primeira grande manutenção em Alverca.
 
Nos anos de 1965 a 1970, mais treze N-2501D foram adquiridos à Luftwaffe levando o total de Noratlas na FAP para 28. Estes aviões prestaram bons serviços no Ultramar como transportes tácticos. Havia um senão: foram adquiridos a quatro fornecedores, tendo instrumentos e electrónicas diferentes, o que causava dificuldade às tripulações e ao pessoal de manutenção31.
 
A “Linha Aérea Imperial”, desde o conceito inicial em 1957 até ao seu funcionamento inicial, modesto mas de confiança, em 1960, conseguiu fazer isso em apenas três anos. No curso da guerra expandiu-se e melhorou a sua operação atingindo a eficácia óptima com a aquisição de dois B-707 em 1971. O seu desenvolvimento seguiu o clássico sistema de linhas de transporte transoceânicas numa base importante em cada teatro que, por sua vez, era ligada por transportes tácticos e aeródromos intermédios. Os aviões capazes de utilizar pistas curtas podiam também aterrar em pistas improvisadas abertas no “mato”, para apoiar as unidades do Exército. Esta rede foi preparada, adaptada e expandida para poder dar resposta aos problemas surgidos. Finalmente havia um extenso sistema logístico da Metrópole até ao Ultramar, construído rapidamente, o que parecia estar fora das capacidades dos limitados recursos dos portugueses. Este sistema é um testemunho do “fazer mais com menos”, permitindo expandir as capacidades estratégicas da nação e das suas forças armadas.
 
 
*  Houve uma “Linha Aérea Imperial” ligando Lisboa a Lourenço Marques, montada pela TAP e inaugurada em 31 de Dezembro de 1947. (NT).
 
 
1  Jorge Brochado de Miranda, Palavras de Abertura, Infra-estruturas Aeronáuticas em África, VI Encontro da Associação da Força Aérea Portuguesa, efectuado na Academia da Força Aérea, Granja do Marquês, 18 de Outubro de 1997, 12.
2  Arquivo Histórico da Força Aérea, Informação 226/57 em “A Força Aérea em África”, EMFA, 2ª Repartição, Abril de 1959.
3  Rui Tavares Monteiro, “Transportes Aéreos na FAP, do Zero aos 707”, Mais Alto 283, Maio-Junho de 1993, 5.
4  Mário Canongia Lopes, “Os Últimos Skymasters - Aviões Quadrimotores de Transporte da Aviação Militar Portuguesa. II Parte”, Mais Alto 325, Maio-Junho 2000, 20-23.
5  Canongia Lopes, “Os Liberators e os Primeiros Skymaster - Aviões Quadrimotores de Transporte da Aviação Militar Portuguesa (1943-1951) ”, I Parte, Mais Alto 324, Março-Abril 2000, 34-40.
6  Mário Diniz e Luís Proença, “Junkers JU-52 Nº 6304: Da Alemanha ao Museu do Ar um Percurso de 73 Anos”, Mais Alto 385, Maio-Junho 2010, 39-44.
7  O trem de aterragem fixo e estreito fazia com que o avião balançasse de um lado para o outro durante as aterragens. Inicialmente havia guarda-lamas nas rodas, mas foram retirados em ambiente operacional porque ficavam cheios de lodo.
8  Canongia Lopes, “Os Aviões da Cruz de Cristo”, Lisboa, Dinalivro, 298 e 333.
9  Canongia Lopes, “Os Liberators e os primeiros Skymaster - Aviões Quadrimotores de Transporte da Aviação Militar Portuguesa (1943-1951)”, I Parte, 31-36.
10 José Krus Abecassis, “A Génese dos Transportes Aéreos Militares: as Limitações, a Ordem Lógica e a Competência Técnica, 1947, 62”. Mais Alto 295 (Set-Out 93), 13-19. Ver também do mesmo autor, “Bordo de Ataque, Memórias de uma Caderneta de Voo e um contributo para a História”, Coimbra Editora, 1995, 101.
11 Canongia Lopes, “Os últimos Skymaster - Aviões Quadrimotores de Transporte da Aviação Militar Portuguesa (1952-1976) ”, II Parte, Mais Alto, 325 (Mai-Jun 2000), 20-23.
12 Canongia Lopes, “Os últimos Skymaster e os Searchmaster - Aviões Quadrimotores de Transporte da Aviação Militar Portuguesa (1952-1976)”, III Parte, Mais Alto, 326 (Jul-Ago 2000), 19-23.
13 Tavares Monteiro, “Transporte Aéreo na FAP, do Zero ao 707”, 5.
14 Canongia Lopes, “Os Últimos Skymaster e Searchmasters - Aviões Quadrimotores de Transporte da Aviação Militar Portuguesa (1952-1976) - II Parte”, 20-23.
15 Tavares Monteiro, “Transporte Aéreo na FAP - Do Zero aos 707”, 5.
16 Ibidem. 6.
17 Depoimento do General Tavares Monteiro em 5 de Abril de 1995 sobre a Ponte Aérea Metrópole-Ultramar. Livro de Actas de 1997, título 6, página 35, Anexo III, Arquivo Histórico da Força Aérea, Alfragide.
18 General Tomás George Conceição e Silva, entrevista com o autor em 3 de Abril de 1995, Lisboa. O General foi Chefe de Estado-Maior da Força Aérea de 1988 a 1991 e teve grande experiência de transporte aéreo em África.
19 A versão militar é C-135 Stratolifter.
20 Tavares Monteiro, “Transporte Aéreo na FAP - Do zero aos 707”, 7.
21 Comando da 1ª Região Aérea, “Resumo Estatístico das Missões Realizadas e Passageiros transportados (Ida e Volta), 1972 e 1973”, 30 de Setembro de 1974.
22 Tavares Monteiro, “Do zero aos 707”, 7.
23 Comando da 1ª Região Aérea, “Resumo Estatístico das Missões Realizadas e Passageiros transportados (Ida e Volta), 1972 e 1973”.
24 Kaulza de Arriaga, Sínteses, Lisboa, publicação privada, 1992, 190. O General foi Subsecretário de Estado da Aeronáutica de 1955 a 1962.
25 Oliver Crawford, The Door Marked Malaya (Londres: Rupert Hart-Davis, 1958)13-14. O termo P. and O. refere-se à companhia de navegação e logistica britânica “Peninsular and Oriental Steam Navigation Company” que data dos princípios do Séc. XIX. Em Maio de 2006 foi vendida ao “Dubai Ports World” mantendo-se o P. and O.
26 César Rodrigues, “Douglas C-47 Dakota e C-54 Skymaster”, Mais Alto 385 (Maio-Junho 2010): 35.
27 Ibidem. Ver também Mário Canongia Lopes, “Dakotas: Aviões Bimotores de Transporte da FAP, 1944-1977, II Parte”, Mais Alto 311 (Fevereiro-Março de 1998), 34-35. Um C-47, por exemplo, foi fazer a revisão das 300 horas nas OGMA de Alverca em meados de 1965, sendo convertido em “avião de intervenção”. Esta transformação consistiu na aplicação de “ninhos” para 6 bombas de 50kg e 2 de 200kg e na colocação de caixas para 20 bombas de fragmentação de 15kg e para 50 “flares” iluminantes que podiam ser lançados de pára-quedas. O piloto passou a dispor de um visor de bombardeamento. Em Outubro de 1965 o avião voou para a Guiné e participou em operações em Cacine e no Cantanhês. Em 1966 apoiou operações em Madina do Boé e na região de Cassebeche. Estas missões continuaram até 1975.
28 Mário Canongia Lopes, “Noratlas 1960-1977: Aviões Bimotores de Transporte da FAP, I Parte, Mais Alto 312 (Abril-Maio de 1998): 3-4.
29 Ibidem.
30 Dos sete iniciais da UAT, um foi destruído num acidente na proximidade de Boukpayanga (República Central Africana) em Março de 1959 e os restantes foram oferecidos a Portugal.

31        Rui Tavares Monteiro, “Recordando os Noratlas”, Mais Alto 279 (Setembro-Outubro de 1992): 12.

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