Nº 2532 - Janeiro de 2013
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Manuel Valente, um Revolucionário Esquecido
Coronel
Pereira da Costa

Introdução

Manuel Valente nasceu a 4 de Dezembro de 1881, em Lisboa, na freguesia da Santa Engrácia, filho de Francisco Manuel Valente e de Catarina Victória da Conceição Vitorino Barata Salgueiro Valente2.

Casou, em 27 de Dezembro de 1902, com Maria Cândida da Silva Carvalho Valente que faleceu, em Ceia, vítima de tuberculose pulmonar. Desse casamento nasceu, em 17 de Novembro de 1903, Maria Fernanda da Silva Carvalho Valente. Viúvo, desde 4 de Janeiro de 1922, à data da sua morte era casado, em segundas núpcias, desde 11 de Janeiro de 1928, com Hermínia de Meneses da Silveira Salgueiro Valente e residia na rua Passos Manuel 104 – 2º Esq., em Lisboa.

Relativamente à marcha da sua carreira, sabemos que assentou praça no Regimento de Infantaria n.º 53, em 17 de Agosto de 1898, como soldado (número 15/319 da 2ª Companhia do 1º Batalhão). Ingressou, em 13 de Outubro de 1900, no curso de Infantaria/Cavalaria da Escola do Exército, como 1º sargento-cadete, com o número 36/495. Concluiu o curso de Infantaria na Escola Prática de Infantaria, no ano lectivo de 1901/02, tendo sido promovido a Alferes de Infantaria para o Regimento de Infantaria n.º 21 (Covilhã), a 15 de Novembro de 1903. Durante a sua permanência na Escola Prática de Infantaria, foi louvado pelo seu bom comportamento, aplicação, inteligência e aproveitamento nos trabalhos escolares, no período de Instrução 1902/03 (Ordem de Serviço de 22 de Agosto de 1903).

Como Alferes, prestou serviço nos Regimentos da sua Arma, n.º 11 (desde 19 de Janeiro de 1904) e n.º 5 (desde 10 de Janeiro de 1905). Nesta última unidade, o comandante produziu uma informação em que o considera um oficial novo, mas desejoso de instruir-se, zeloso (...) desempenhando bem tudo aquilo de que é encarregado. Ascendeu a Tenente, a 1 de Dezembro de 1907, vindo a ser colocado no Regimento de Infantaria n.º 10, em 17 de Outubro de 1910. No início da carreira ofereceu-se duas vezes (5 de Novembro de 1905 e 9 de Novembro de 1909) para prestar serviço nas forças expedicionárias que devem operar em Angola, não tendo sido aceite qualquer dos oferecimentos.

Durante os anos de 1909 e 1910 teve problemas graves de saúde. Inicialmente (Agosto de 1909) seria uma anemia e bronchite, que o levou a tentar uma cura em clima de altitude (na região de Ceia). Porém, em 29 de Julho de 1910, a sua situação clínica tinha-se agravado, pois, no título de baixa, o médico fala de doença pulmonar, que se agravara em 14 de Setembro e que, a 26 de Dezembro daquele ano, evoluíra para bronchite suspeita que requeria largo tempo de tratamento.

Nos seus documentos de matrícula há um requerimento, datado de 14 de Junho de 1918, em que afirma ter sido demittido, em 1911, por motivos d’ordem política e pede a sua reintegração no posto que (...) lhe possa competir, no serviço activo. Efectivamente, na Ordem do Exército n.º 14 de 1911, consta que, por decreto de 8 de Junho de 1911, a bem dos superiores interesses da República Portuguesa, é demittido, mesmo estando na situação de inactividade. A situação de inactividade derivava de sucessivas baixas, por motivos de saúde, relacionadas com doenças pulmonares que, por parecer médico, deveriam ser combatidas com uma mudança de ares para regiões de altitude. Estaria num desses períodos de baixa, na região de Ceia4, quando se dá e implantação da República.

Não se encontra também qualquer processo que lhe tenha sido levantado antes da demissão, e não existem referências a qualquer posição política contra a República. De acordo com o despacho de 25 de Junho de 1918, ao abrigo do decreto n.º 4223, de 8 de Maio de 19185, foi-lhe deferida a pretensão, o que terá estado na base da sua promoção a Capitão, ocorrida em 29 de Junho daquele ano, com antiguidade relativa a 26 de Setembro de 1914.

Após a reintegração, a sua permanência efectiva no posto de Capitão foi curta, pois recebeu a promoção a Major, para o Estado-Maior da Infantaria, em 17 de Agosto de 1918.

Como último posto da sua carreira ascendeu a Tenente-coronel, em 14 de Dezembro de 1929.

Em 23 de Maio de 1919 solicitou a passagem à situação de licença ilimitada (com início em 31 de Maio), para tratar de negócios particulares de família que lhe absorviam muito tempo, tendo pedido o regresso ao serviço em 7 de Agosto de 1923. Contudo, há nos seus documentos uma nomeação, em 8 de Agosto de 1921 para instrutor da Escola de Sargentos do Hospital Veterinário Militar, prontamente anulada, em 5 de Setembro6.

Em 22 de Junho de 1926 apresenta um requerimento, pedindo transferência do Regimento de Infantaria n.º 10, aquartelado em Bragança, para qualquer unidade da 3ª Divisão Militar7, alegando que fora membro do Comité Central de Lisboa organizador do Movimento Nacional de 28 de Maio e que fora (...) mandado prestar serviço pelo governo derrubado naquela data, como segundo-
-comandante interino (...) situação deprimente
(...) e que parecia a manutenção de uma suspeita. Efectivamente, estava apresentado no Regimento de Infantaria n.º 10, desde 2 de Maio de 1926, depois de ter sido indigitado para prestar serviço como Comandante do 2º Batalhão do Regimento de Infantaria 218, em 6 de Fevereiro, colocação anulada dezasseis dias depois9. Há notícias10 que o dão como elemento do Comité Revolucionário de Lisboa, juntamente com os Comandantes José Mendes Cabeçadas e Armando Humberto da Gama Ochôa, o Capitão Jaime Baptista e o Tenente Carlos de Vilhena em acção em 31 de Maio de 1926, a partir do gabinete do primeiro, no Terreiro do Paço.

No âmbito da progressão na carreira, frequentou, com aproveitamento, na Escola Central de Oficiais, o curso de Informação do 3º Grau, no ano lectivo 1934/35, que decorreu entre 17 de Fevereiro e 6 de Julho de 193511.

Num boletim daquela Escola, assinado pelo respectivo comandante consta a seguinte informação, datada de 18 de Maio de 1935: Apresentou-se com alguma preparação, embora mal orientado; durante as provas do curso mostrou interesse e boa vontade, adequada orientação escolar, sendo de esperar que se continuar a dedicar-se aos trabalhos de táctica, venha a possuir conhecimentos necessários ao regular desempenho das funções do posto imediato, em campanha. Tem boa competência táctica para o comando de tropas ou chefia de serviços, em campanha. Tem manifesta aptidão sob o ponto de vista táctico para a promoção ao posto imediato12.

Contudo, tendo requerido, em 22 de Maio de 1935, a promoção a coronel esta não lhe foi concedida. Estava, então em segundo lugar para a promoção e pretendia satisfazer as respectivas condições estatutárias. Segundo a informação exarada no requerimento, faltava-lhe um ano de serviço no Comando de Tropas e não havia vagas nas Unidades. O despacho final (em 29 de Maio) foi: indeferido, sem prejuizo da promoção.

Poucos dias depois, em 6 de Junho de 1935, declarava, nos termos do §1º do art.º 3º da Lei n.º 1901 de 21 de Maio do mesmo ano, que não pertencia nem jamais pertenceria a associações ou instituições secretas, conforme o n.º 2 da Lei, embora, nesse momento estivesse envolvido a fundo numa conspiração para derrubar o governo. Esta declaração tinha um valor muito relativo e devia ser assinada por militares e funcionários públicos, visando obter a certeza de que não pertenciam à Maçonaria.

 

A Actuação como Oficial de Justiça

Em 4 de Janeiro de 1929, por ordem do Ministro da Guerra, foi colocado na Secção de Justiça do Quartel-general do Governo Militar de Lisboa, onde se manteve até 27 de Abril de 1934. Na Ordem de Serviço n.º 250, de 28 de Outubro de 1932 daquele Comando, foi louvado pelo seu desempenho destas funções bem como das de promotor interino nos dois Tribunais Militares (em acumulação) pelo muito zêlo, interesse, competência, imparcialidade e justiça muito apreciáveis que demonstrou.

Efectivamente, na sua documentação encontram-se várias guias de marcha que ilustram a sua participação em diversos julgamentos, como “testemunha”, como jury e para a realização de outras diligências. Este período de cerca de cinco anos parece ter sido um tempo de grande e meritória actividade, o que é corroborado numa informação individual, datada de 17 de Abril de 1929, que realça as suas qualidades morais declarando-o inteligente, ilustrado, disciplinado e disciplinador.

 

As Condecorações

O Tenente-coronel Manuel Valente foi condecorado com a medalha de Prata de la Cruz Roja de Espanha (da qual era sócio benemérito)13, com a medalha Militar de Prata da Classe de Comportamento Exemplar14 e com a Comenda da Ordem Militar de Avis15.

Além destas condecorações pediu, em requerimento datado de 26 de Julho de 1918, o uso das seguintes condecorações: Cruz de Ouro de 1ª Classe dell Ordine della Croce d’Oro de Roma, Palmas de 1ª Classe de l’Académie de Progrès de Paris, Cruz de 1ª Classe de Mérito Civil de Beneficenza da ordem da Croce Bianca de Roma, Cruz de Cavaleiro de 2ª Classe do Corpo de Ordem des Chevaliers de S. Sébastien et Guillaume e Grau de Cavaleiro de 2ª Classe da Ordem de los Caballeros Hospitalarios de San Juan Bautista. Não foi possível determinar a origem destas condecorações, assim como se o seu uso foi autorizado.

 

O Registo Disciplinar

O Tenente-coronel Manuel Valente foi punido com cinco dias de prisão disciplinar, pelo Ministro da Guerra, em 9 de Setembro de 1935 (véspera do Golpe), por infracção ao n.º 3 do Art.º 3º e n.º 4º, 15º e 45º do Regulamento de Disciplina Militar, por não ter efectuado o pagamento de uma dívida para com uma firma comercial caucionada por uma letra, em conformidade com os compromissos que tomou, faltando à verdade, quando inquirido sobre o assunto, e por ter mantido ostensivas relações de amizade com um sargento, contrariamente ao que dispõe o Regulamento. Não se tendo localizado o processo disciplinar que esteve na base desta punição, não é possível determinar, nem qual a firma que teria sido burlada, o valor da burla e, bem assim, o sargento com quem terá mantido ostensivas relações de amizade. Entre os envolvidos no golpe de 10 de Setembro há sargentos, mas não é possível saber-se se algum deles era particular amigo de Manuel Valente.

Sabemos, contudo, que, desde 7 de Setembro de 1934 tinha auto pendente por presumível burla e que, desde 29 de Outubro desse ano, era acusado de não ter honrado os seus compromissos como fiador. Talvez relacionada com esta situação está a sua marcha, em Agosto de 1934, do Governo Militar de Lisboa para a Secretaria da Guerra, por ter sido dispensado de serviço, ficando sem comissão de serviço. Entretanto, na folha de informação, com data de 3 de Novembro do mesmo ano, apensa ao seu requerimento para a promoção a coronel, consta a declaração do oficial averiguante declarando não haver a menor culpa (do crime de burla). Tratava-se de umas averiguações feitas à volta de uma mulher de quem tinha ficado por fiador de uma dívida no montante de 850$00. Maria Rosa das Neves, residente no lugar de Moselos, freguesia de Campo, concelho de Viseu não honrara os seus compromissos pelo que os credores accionaram a cobrança da dívida junto do fiador (Manuel Valente).

 

O Processo do Golpe do Comandante Mendes Norton

O Tenente-coronel Valente esteve envolvido na tentativa de golpe de estado ocorrida em 10 de Setembro de 1935, ao que parece para derrube da ditadura do Estado Novo e que passou à História com o nome de Golpe do Comandante Mendes Norton16, oficial de marinha que lideraria a tentativa. O movimento seria apoiado pelo Movimento Nacional-Sindicalista, dirigido por Francisco Gaspar Rolão Preto, que não foi capturado, na altura do golpe.

Manuel Valente foi detido Polícia de Vigilância de Defesa do Estado (PVDE), na noite de 9 para 10 de Setembro de 1935, na Avenida Almirante Reis, esquina com a Rua Febo Moniz, quando conversava com o Manuel Caipira17 e com o Capitão Abel Lopes de Almeida18, também envolvidos no golpe. Já no automóvel onde seguiam para a prisão pediu ao Tenente-coronel Ferreira Gil, que conduzia os dois militares sob custódia, para mudar de lugar, o que lhe foi autorizado. Terá, então, aproveitado para atirar pela janela uma pistola, prontamente recolhida por dois polícias que seguiam numa camioneta, atrás do automóvel. No processo levantado aos participantes no golpe nunca ficou provado que a pistola fosse sua, ou do outro oficial que também seguia preso. Contudo, na acusação que lhe é movida ficou exarado que a polícia está devidamente informada que a arma lhe pertencia, tendo sido lançada à rua, como se prova, por um dos dois presos que seguiam no automóvel. Por consequência, no seu processo, elaborado pela PVDE, consta um “exame pericial” à referida arma, uma pistola Mauser de calibre 6,35 mm, avaliada em 150$00.

A responsabilidade da elaboração do processo19 é do Tenente José Catela, Secretário-geral da PVDE, abrangendo trinta e seis arguidos. O Comandante Mendes Norton assume, desde a primeira vez em que é ouvido, a responsabilidade da liderança do golpe e, pela documentação disponível, parece ter tido o processo elaborado por um oficial da Marinha. Há arguidos em fuga, como é o caso de Francisco Rolão Preto, cujas funções e responsabilidades não estão esclarecidas. Um dos seus correligionários – o advogado António Mendes Alçada de Alves Padez – confessa a sua participação no golpe e, não se declarando contra a “situação actual”, considera que se passavam “certas coisas” que era necessário corrigir. Das declarações dos diferentes arguidos é fácil concluir que se trata de um grupo heterogéneo de pessoas, constituído por anti-salazaristas, militares demitidos e deportados em consequência da sua actividade política, mas posteriormente amnistiados, alguns vivendo em semi-clandestinidade, mas sob a vigilância da PVDE (que parece ter-se conseguido infiltrar no movimento), civis que pretendiam contestar o sistema político por terem sido prejudicados por ele e até simples aventureiros, à boleia do golpe.

Manuel Valente é ouvido, pela primeira vez, em 17 de Setembro de 1935, na sede da PVDE, e residia, segundo declarou, na Rua Sociedade Farmacêutica, n.º 2 – 2º, em Lisboa. Começa por negar, por completo, a sua participação no golpe, dizendo que, quando foi preso, estava simplesmente a conversar com outro arguido – Manuel Caipira – que era seu amigo, acerca de boatos que corriam sobre a alteração da ordem pública, enquanto esperava por um táxi para ir para casa.

Em face da sua atitude, o investigador resolve acareá-lo com o Caipira, previamente interrogado e que fora esclarecendo a mecânica do golpe, ao longo das suas declarações. Durante a acareação, realizada no mesmo dia, Manuel Valente nega que Caipira o tenha transportado de táxi de sua casa até ao ponto de reunião20, numa casa da Rua de Moçambique n.º 52 C/v, em Lisboa, onde já se encontravam outros participantes no golpe. A polícia estava convencida de que os golpistas pretendiam ocupar o “Destacamento da Penha de França”, partindo do referido ponto. Nega também ter conspirado e andado a trabalhar num movimento revolucionário que tinha por base modificar o actual Governo. Embora mantenha as suas declarações iniciais, começa a ter dificuldade em justificar o facto de ter recebido dez mil escudos para financiar a execução do golpe. Manuel Caipira explicou aos investigadores que os revoltosos tinham tentado obter 30.000$00 junto do Castanheira de Moura, cerca de quatro a cinco meses antes. Manuel Valente confirma que Caipira lhe prometera emprestar cinco ou dez mil escudos. Numa reunião ocorrida no Restaurant “Estrela d’Ouro” foi focada a questão da necessidade de fundos para o financiamento das suas actividades e, em face da negativa do Castanheira de Moura em emprestar qualquer quantia, os golpistas tiveram que orientar as suas diligências noutro sentido. Do dinheiro obtido, Manuel Valente ficara fiel depositário de dez mil escudos.

Porém, num interrogatório realizado em 30 de Setembro, rectifica o seu anterior depoimento, declarando que é um facto ter concordado e, portanto, estar em espírito com um movimento Nacional absolutamente dentro da Situação, que devia eclodir (...) em 10 de Setembro. Declarou ainda que foi convidado para o referido movimento, que lhe afirmaram que se tratava de um movimento sem luta, espécie de pronunciamento em que o Exército apoiava uma representação que seria entregue a Sua Excelência o Senhor Presidente da República em que se solicitava a nomeação de um novo Governo presidido pelo Senhor Doutor Oliveira Salazar, além de outras reivindicações de carácter social. Embora não soubesse qual era o seu papel na acção que iria ter lugar, assume a inteira responsabilidade dos actos que praticou, certo de que nenhum deles poderia prejudicar a actual Situação política que ajudou a criar.

Por fim, o que corresponderá a uma confissão tácita, pede que não lhe façam perguntas concrectas acerca dos detalhes do movimento porque na sua qualidade de Oficial se veria forçado a não responder, para não denunciar os elementos que estavam comprometidos e delatar factos que poderiam ir prejudicar terceiros. Por motivos fáceis de supor, permitiu-se fazer aquela solicitação, porque não queria criar uma situação menos cortez e correcta para o organismo que o interrogou.

No que respeita à questão dos dez mil escudos que Manuel Valente havia recebido para custear as despesas do golpe, Caipira começa por dizer que recebera instruções dele para entregar trinta mil escudos ao doutor Alves Padez que era a pessoa que recebia o dinheiro para a revolução.

O doutor Padez era um advogado com escritório em Lisboa e militante do Movimento Nacional-Sindicalista. O seu depoimento será essencial para a compreensão da ideologia do golpe. Nas diversas considerações políticas que faz, no seu depoimento, deixa expressa a vontade do seu movimento de rectificar a política vigente. Todavia, nega que o Movimento Nacional-Sindicalista conspire para derrubar a situação criada com o 28 de Maio.

Entre os depoimentos dos arguidos há um que piora muito a situação do Tenente-coronel Manuel Valente. Trata-se das declarações do jornalista Joaquim Meira e Sousa que o acusa de preparar um movimento revolucionário que tinha por fim restaurar os princípios da Revolução de 28 de Maio, mas que queria atenuar atrapalhações da sua vida particular, com dez contos dados pelo conde de Caminha, D. Lopo de Sousa Coutinho. Este último é outro arguido que, para obter dinheiro para a realização do golpe, teve de ir ao Crato tentar receber dinheiro, por adiantamento, do seu comprador da cortiça. Esta diligência falhou e acabou por ser Manuel Caipira quem forneceu o dinheiro.

Outro arguido que incrimina Manuel Valente é João dos Santos Marcelo que ficou convencido que a revolução não tinha o fim que julgava porque para si [Santos Marcelo] Manuel Valente não era pessoa capaz de assumir a responsabilidade de qualquer governo e jamais seria o futuro Ministro da Guerra. Todavia, não há nos autos qualquer indicação relativa a uma distribuição de cargos, se o golpe tivesse êxito.

As duas proclamações políticas juntas ao processo, e cuja aplicação não se esclarece, são vagas, porém bombásticas, e parecem apontar para a resolução de certos problemas de índole social e para a necessidade de saneamento dos agentes da política nacional.

Dir-se-ia que a PVDE vigiava todos ou quase todos os implicados no golpe. Efectivamente, estão incluídos no processo extractos resumidos do que constava em arquivo acerca de todos e, em relação a alguns, a polícia parecia saber bastante.

Para a PVDE, Manuel Valente21 era Tenente Coronel Dentista Veterinário22 e, em 26 de Junho de 1928, estava com residência fixada na Praça de Almeida23 e requereu ao Ministro da Guerra autorização para regressar a Lisboa. Em 2 de Fevereiro de 1929, o informador “Glória” recebeu de “Paquete” a informação de que o epigrafado trabalhava activamente na preparação de um golpe de estado, com o General Craveiro Lopes e D. João de Almeida. “Paquete” era a designação de agente de ligação do Dr. Eugénio Dias Ferreira. Esta informação é detalhada pelo informador “48”, em 17 de Julho do mesmo ano, que revela que Manuel Valente, o Dr. Dias Ferreira e Rosa Mateus têm ligações com António Ribeiro que tem uma padaria no Poço do Bispo, por cima do 3º Esquadrão da GNR. Nesta informação consta também que “Paquete” era o agente de ligação entre os três primeiros e o último. Ainda nesta informação consta que António Ribeiro foi o individuo que, para o movimento de 20 de Julho, emprestou três mil escudos que ainda não recebeu, sendo ele a pessoa que tem ligações desde Xabregas ao Poço do Bispo. É difícil avaliar o valor a utilidade destas informações, mas não há dúvidas de que elas revelam uma rede de informações densa e que se concentrava sobre um naipe restrito, mas muito activo da nossa sociedade. Também não se conhecem bem os contornos do movimento de 20 de Julho, a que o informador se refere. Contudo, em 29 de Junho, o Ministro da Justiça (Mário Figueiredo) faz publicar a chamada Portaria dos Sinos, que volta a permitir a realização de procissões e o toque dos sinos nas igrejas, o que provoca convulsões no governo e está na base do pedido de demissão de Salazar e de outros dois ministros. O Presidente da República (Óscar Carmona) ouve Salazar e o Governo, em separado, e acaba por aceitar a demissão do 5º Governo da Ditadura (do General Ivens Ferraz). Em 8 de Julho, foi nomeado o novo Governo (do General José Vicente de Freitas), no qual Oliveira Salazar continua em funções, e que mantém em vigor as normas anticlericais que vinham da I República.

Manuel Valente apresenta (20 de Julho de 1936) como testemunhas alguns militares de reconhecido prestígio. No momento em que os factos se passam todos poderiam ainda ser considerados como situados na área política do governo: General José Alberto da Silva Bastos, Almirante José Mendes Cabeçadas Junior, Coronel Mário Aníbal Alberto de Passos e Sousa, Coronel de Engenharia Mário Fernandes Borges e o Deputado Joaquim Lança, residente na rua Wilson n.º 142 – 1º, em Lisboa.

A acusação que lhe é movida está articulada em 14 pontos. O seu texto tem uma redacção pouco objectiva e assenta essencialmente no cruzamento de depoimentos dos outros arguidos que confessaram a sua participação na acção. Manuel Valente é acusado de ter mantido relações de carácter revolucionário (sem que se defina o que isso seja) com os outros arguidos e, tendo sido apresentado no Café Patinhas ao Manuel Caipira, por Joaquim Meira e Sousa, começou a falar-lhe de assuntos revolucionários e, por fim, disse-lhe abertamente que estava trabalhando para um movimento que tinha por base modificar o actual Governo. O conde de Caminha (D. Lopo de Sousa Coutinho) havia disponibilizado 10.000$00 para o movimento e que até daria 20.000$00 se, nessa ocasião pudesse dispor de tal quantia. Numa reunião com Caipira e Meira e Sousa, ocorrida no café Montanha recebeu do primeiro a quantia de 10.000$00 por indicação do conde de Caminha. Imediatamente devolveu-lhe 500$00 para pagamento de uma viagem ao Crato e emprestou 1.000$00 ao Meira e Sousa. Posteriormente, Manuel Valente teria pedido mais 20.000$00 ao Caipira para pôr a revolução na rua. Havia urgência na obtenção desse dinheiro pelo que deveria ser obtido por desconto de letras a particulares. Obtido o dinheiro, deveria ser entregue ao doutor Alçada Padez que era a pessoa que recebia o dinheiro para a revolução.

Alguns dos pontos da acusação chegam a ser inconsistentes como o que reza que conferenciou com o ex-capitão Jaime Baptista em casa do Jacinto Henriques. Outros baseiam-se na opinião dos outros arguidos, sem que tenha sido produzida correspondente prova, como aquele em que se afirma: É acusado, por Jacinto Meira e Sousa de suspeitar que ele queria os 10.000$00 que o Caipira lhe entregou para atenuar atrapalhações que tinha na sua vida particular, embora dissesse que o dinheiro era para a revolução.

Segundo a acusação, Manuel Valente foi conduzido ao local de reunião dos elementos comprometidos no golpe – a tal casa da rua de Moçambique n.º 52, Cv. – onde deveriam aguardar o sinal para desencadearem as diferentes acções do golpe. Porém, como o sinal não chegou, saíu com o capitão Lopes de Almeida e, já na avenida Almirante Reis, encontraram o Manuel Caipira, tendo sido os três detidos pela polícia política.

Já no fim do texto da acusação consta a relação dos outros arguidos que incriminam Manuel Valente e das datas em que fizeram as respectivas declarações.

Em 12 de Julho de 1936, Manuel Valente nomeia para seu defensor o Major de Engenharia João Tamagnini de Souza Barbosa e no dia 10 de Agosto declara prescindir do depoimento, como testemunha, de Alçada Padez, por o julgar desnecessário para a sua defesa.

O julgamento foi marcado para as 11 horas do dia 15 de Agosto, estando a respectiva notificação assinada por Manuel Valente na véspera, ainda com baixa ao Hospital Militar Principal, em Lisboa. De acordo com o Código de Justiça Militar (Art.º 477º), vigente ao tempo, o dia do julgamento será intimado, com antecipação de quarenta e oito horas, ao promotor, ao defensor ao réu e à parte queixosa (...).

Julgado em Tribunal Militar Especial, em 15 de Agosto de 1936, foi condenado à pena de três anos e meio de desterro em local à escolha do Governo, multa de 500$00 e ainda à perda de direitos políticos por dez anos. De harmonia com o disposto no Art.º 31º do Decreto-lei n.º 23203 de 6 de Novembro de 193324, foi demitido pelo tribunal. Através do seu defensor, o Tenente-coronel Valente apresentou como atenuantes, num documento com data do dia do julgamento, o seu anterior comportamento, os serviços prestados à situação governativa criada pelo movimento de 28 de Maio e pediu que lhe fosse aplicada a amnistia que havia sido recentemente decretada25, e o disposto no n.º 7 do Art.º 41 do Código Penal. No mesmo documento a defesa sustenta que, sendo o processo organizado contra o Tenente-coronel Manuel Valente, falho de prova jurídica sobre a matéria da acusação e até como fornecedor de prova; que, a ter-se como de possível incriminação, demonstra o erro de tal acusação, se não deve ter como subsistente a doutrina do libelo respectivo.

Da acta do julgamento pouco se poderá concluir, para além da composição do tribunal: o presidente era o Coronel de Artilharia Adriano da Costa Macedo, o auditor o Dr. José Homem da Silveira Fernandes, o promotor o Coronel de Infantaria Celestino Júlio Correia Gomes e o secretário o Tenente do Secretariado Militar Aníbal de Salles.

Das testemunhas apenas há referência ao testemunho do General Silva Bastos, Almirante Mendes Cabeçadas e Coronel Fernandes Borges.

Manuel Valente é julgado juntamente com dois outros arguidos – José Masseneiro e Joaquim Cerqueira de Vasconcelos – estes à revelia. O primeiro vem a ser amnistiado, a seu pedido, nos termos da amnistia de Maio de 1936. Outro arguido, envolvido na tentativa revolucionária, Luis Alexandre Branquinho é absolvido, pouco depois, pelo mesmo tribunal.

No processo há um conjunto de depoimentos de vários agentes da PVDE26 que participaram na elaboração do processo, nomeadamente nas acareações, como testemunhas, que se pronunciam sobre quem mentiu e quem falou verdade. Relativamente à acareação entre Manuel Caipira e Manuel Valente é óbvio que a impressão dos agentes é de que era Valente quem mentia.

O Major Tamagnini Barbosa interpõe recurso da decisão do tribunal de primeira instância27, vendo as condenações confirmadas, na íntegra, em julgamento em Tribunal Militar Especial, em 2 de Setembro de 1936. Manuel Valente recebeu a notícia do resultado do recurso quatro dias depois, estando ainda com baixa ao Hospital Militar Principal.

Durante o ano de 1936 são feitas várias diligências, visando melhorar a sua situação. A esposa apresenta um requerimento para que o marido seja transferido para uma prisão do Continente. Salazar despacha – 21 de Janeiro de 1936 – declarando que só a requerimento do interessado pode ser considerada a sua transferência e, a novo requerimento desta, (18 de Fevereiro) chama a atenção para o seu despacho anterior.

Entretanto, a burocracia militar continuava a funcionar. A atestá-lo temos o facto de, em 16 de Janeiro, terem sido enviados para os Açores dezasseis temas tácticos para o curso de promoção a oficial general, em nome de Manuel Valente.

Manuel Valente requer também ao Ministro da Guerra o seu regresso urgente ao Continente, sem dispêndio para a Fazenda Nacional, a fim de ali se sujeitar a um rigoroso tratamento. Ao que parece o seu estado agravara-se com o clima húmido e insular dos Açores, como provava o atestado médico28 do Inspector de Sanidade Terrestre Distrital, já enviado em data oportuna e em que se declara que Exmº Tenente-coronel Manuel Valente sofre de lesões graves de “Arterio-esclerose, manifestando-se por dores em syndroma em que predominam as palpitações, a dyspeneia paroxistica, os signaes de angina de peito, necessitando, consequentemente – para as não agravar, com perigo de morte – de seguir um regime alimentar e de vida em taes casos aconselhado e que não pode ser feito no Castelo onde se encontra, tanto mais que este está situado junto ao mar (condição tão prejudicial à doença como a altitude elevada) o que o levava a propor a sua ida para o Continente.

O Comando Militar dos Açores fez seguir para a Directoria da PVDE estes dois documentos, juntamente com uma reclamação, (...) e uma petição ao Presidente do Conselho de Disciplina do Exército. A PVDE encaminha-os para o gabinete do Ministro da Guerra, em 10 de Fevereiro. No processo individual de Manuel Valente não há notícias de que aquele Conselho tenha analisado o seu caso, e quanto à transferência ainda faltavam cerca de dois meses para que se concretizasse.

 

Ecos do Golpe na Imprensa

É sabido que a pressão da censura sobre os jornais do tempo era enorme. Uma leitura nos de maior tiragem dá uma ideia de quais seriam os assuntos tidos como mais importantes e que, mesmo assim, tinham a sua divulgação bastante controlada. O “Golpe do Comandante Mendes Norton” é uma matéria muito delicada, pois confirma a existência de descontentamento em relação à situação política que se vivia, mesmo na própria área política do governo e, mesmo não se tendo materializado, quer por falta de organização, quer pela acção da PVDE, não convinha que fosse tratado com grande profundidade. A primeira notícia sobre o golpe surge no dia 10 de Setembro de 1935 e resume-se a uma pequena referência ao facto de o comandante do navio “Bartolomeu Dias”, Capitão-de-mar-e-guerra Correia da Silva (Paço d’Arcos), ter assumido o comando daquela unidade. Só no dia seguinte, surge uma nota oficiosa, sob o título tentativa de alteração da ordem pública. Nessa nota Manuel Valente é referido como sendo tenente-coronel veterinário dentista.

Mendes Norton terá sido seguido pela PVDE, que telefonou ao Ministério da Marinha a relatar o que se passava a bordo. O Ministério, por sua vez, contacta o Capitão-de-mar-e-guerra Henrique Monteiro Correia da Silva (Paço d’Arcos) que, embora doente, faz questão de ir ele mesmo a bordo, desarmado, dar voz de prisão ao oficial sublevado. Embora Norton tenha esboçado intenção de fugir, acaba por obedecer à ordem. Todos os detidos são levados para o Forte da Ameixoeira. O “Diário de Notícias” é o único que publica uma fotografia de Mendes Norton, em uniforme número um, saindo do Forte da Ameixoeira, sob custódia de outro oficial da Marinha, para ir a interrogatório na sede da PVDE.

Segundo os jornais, o primeiro oficial averiguante à conduta de Mendes Norton é o Almirante Castro Ferraz que dá as averiguações por terminadas, em 14 de Setembro, no âmbito exclusivo da Armada. Terá, portanto, havido uma reabertura do processo, desta vez a cargo do Almirante Tito de Morais.

Numa notícia de 13 de Setembro, afirma-se que o Capitão Manuel Monteiro Libório, comandante do Destacamento Misto da Penha de França, foi chamado ao Governo Militar de Lisboa, onde foi informado do que sucedera, após o que fez questão de ir à unidade deter o oficial de dia, Tenente Eduardo Soares Albergaria, que se rendeu prontamente.

Curiosamente, na sua edição de 11 de Setembro, isto é, apenas um dia depois do golpe ter falhado, o jornal francês L’Humanité declara que Lisboa está em estado de sítio, num artigo com o título “O Terror de Salazar, ditador de Portugal (notícia de 15 de Setembro de 1935, no “Diário de Notícias”).

Até ao dia 15, o “Diário de Notícias” publica diversos telegramas enviados ao governo por várias entidades – especialmente autarquias – manifestando o mais vivo repúdio pela acção desenvolvida pelos revoltosos e de júbilo por ter sido jugulada a sua tentativa. Depois, as notícias desaparecem, não se encontrando referências, nem ao embarque dos arguidos para os Açores, nem ao julgamento a que foram submetidos. As notícias publicadas dão conta da grande variedade de “descontentes com a situação política” chegando a chamar ao golpe um verdadeiro cacharolete revolucionário.

 

Ecos do Golpe na Historiografia Oficial

Naturalmente que a historiografia oficial do tempo regista este incidente, transformando-o numa grande vitória das forças da ordem e da capacidade superior do regime para enfrentar os seus opositores que, todavia, são considerados poucos e pouco eficazes nas suas acções.

João Ameal, ao coordenar os “Anais da Revolução Nacional 1926-45”29, refere-se a esta tentativa de derrube do governo como outro malogro revolucionário. Assume, em relação aos participantes, uma atitude de paternalismo, considerando-os como aqueles que ainda não compreenderam o sentido em que se desenvolve a marcha da vida pública e, a par dela, o fortalecimento da clara vontade nacional.

Claro que havia que distinguir elementos diversos de oposição ao governo, nomeadamente as pessoas bem intencionadas, movidas por sentimentos de patriotismo mal informado e mal orientado dos que apenas se agitam como instrumentos da desordem anti-nacional (…), quer sejam velhos quadros das clientelas partidárias expulsas do poder em 28 de Maio (…) ou brigadas de choque socialistas e comunistas.

A nota oficiosa do governo, integralmente transcrita, revela a superioridade das forças da ordem sobre os revolucionários30 que deveriam lançar o seu golpe pelas seis da manhã do dia 10 de Setembro. Àquela hora “já se encontravam em Cascais dois conspiradores – um civil e outro militar – os quais tinham tomado sobre si a missão de comunicar ao Chefe do Estado a revolução e de convidar o Sr. Presidente da República a tomar o movimento como expressão da vontade do País – o que (…) não pôde sequer ser tentado”.

João Ameal não identifica estes dois conspiradores (nem é possível identificá-los nos processos disponíveis) e refere que o mais categorizado dos presos na sequência do golpe é o “tenente-coronel veterinário dentista Manuel Valente a par de conhecidos revolucionários dos antigos partidos e de organizações secretas da Confederação Geral do Trabalho” e conclui que “as forças da ordem, com a maior diligência, sufocaram na origem a tentativa de maneira a poupar à população civil todos os incómodos e todos os sobressaltos”.

 Curiosamente, dois dias após a tentativa de golpe surgiu nos jornais uma nota oficiosa acerca de uma carta que o Comandante Henrique de Paiva Couceiro terá escrito ao Capitão Mário Pessoa, com autorização ao destinatário para a mostrar às pessoas que entendesse, acerca de boatos relativos a Angola e à política do governo. A carta, também divulgada nos jornais, referia-se a negociações com potências estrangeiras (eventualmente a Inglaterra) para cessão daquela colónia. Negada a veracidade das afirmações, Paiva Couceiro foi punido pelo governo com seis meses de residência fora do país (em Espanha), atendendo à sua heróica conduta anterior e à avançada idade. É pouco provável que haja qualquer relação entre o golpe e a carta, mas por aqui podemos ter uma ideia de que a situação política não seria muito pacífica.

Em jeito de balanço sobre estes dois acontecimentos, em 20 de Setembro, Salazar insere nos jornais uma larga exposição, na qual afirma (segundo João Ameal) “que se deverá ter presente no espírito que agitação revolucionária passou, há muito tempo do plano nacional para plano internacional (…) e que os elementos nacionais são sempre inconscientemente dirigidos em obediência a pensamento políticos que transcendem os objectivos imediatos das contendas internas”. Salazar afirma ainda que “não é o momento ainda de ser muito claro nesta matéria, mas (…) nós concebemos que nalgum país seja objectivo de alta importância reinstalar-se de novo a desordem em Portugal”. Não se conhecem, nem se deduzem do processo, quaisquer ligações internacionais por parte dos revoltosos do 10 de Setembro de 1935.

“O facto de actuarem no mesmo movimento indivíduos das mais contrárias mentalidades e aspirações não pode causar espanto, não só porque, para muitos, verdadeiros inadaptáveis à disciplina da vida social, o que importa é a desordem, mas ainda pelo motivo de cada grupo ter a secreta intenção de eliminar os restantes depois de lhes aproveitar o concurso”. Destas afirmações de Salazar podemos concluir o alto grau de permeabilidade da organização revolucionária do tempo e o seu baixo valor operacional. O ditador vai mais longe ao afirmar que “se trata, geralmente, de elementos que não têm nenhuma noção positiva de governo e apenas pretendem destroçar o que está”. Apesar disto, o facto de haver entre os conspiradores alguns militares apoiantes do 28 de Maio leva-o a explicar que um governo militar não faria sentido por “nenhum governo de violência durou ou pode durar jamais, entre nós devido às nossas características sentimentais”. Contudo, alude à necessidade de “uma legalidade forte e a ela devem conformar-se todos os actos dos poderes públicos”. Segudo ele, “fazer política não é governar”, mas sim “estabelecer um plano de administração geral, metódico e escrupoloso e segui-lo”. Claro que só o governo o poderia fazer pelo que haveria que constitucionalizar a Revolução que, em sua opinião, era a “maior garantia de se consolidarem e frutificarem os pricípios fundamentais do sistema”.

Falhado um golpe militar (o que colocou o Exército em posição de fragilidade), Salazar aproveita para dar um passo em frente no controlo dos militares, informando-os de que não devem perpetuar-se no exercício de funções governativas “por não ser essa a sua função normal. Além disso, “de dedução em dedução (…) pergunta se são a reorganização e prestígio do Exército compatíveis com a intevenção directa na política interna”. Depois, insinua que a longa permanência dos militares fora das fileiras “em funções civis, em que se podem prestar explêndidos serviços, mas onde a ciência e o espírito militar não podem, em regra, conservar-se ou desenvolver-se” e conclui “ter a convicção de falar a homens razoáveis, impelidos por motivos desinteressados e patrióticos e não tomar como representação do Exército e legítima expressão da sua vontade as manifestações em contrário dos oficiais que constituem o pequeno grupo discordante”.

Parece legítimo concluirmos que o regime político era bastante contestado, mas de modo pouco consequente. Além disso, Salazar já dominava bem o aparelho de Estado e policial – tinham passado nove anos sobre o 28 de Maio – e através de uma repressão cirurgica e justificada com argumentos discutíveis, mas que se aceitavam, naquele tempo, consolida-se no poder. Tendo beneficiado da acção dos militares – detentores da força – desconfia deles e receia vir a perder o poder do mesmo modo como o havia obtido. Por isso, com uma justificação perfeitamente rebatível, mas aparentemente lógica e aceitável, por civis e militares, acaba por remeter estes últimos a uma participação quase simbólica na vida nacional.

 

O Percurso Prisional de Manuel Valente

O percurso prisional de Manuel Valente foi relativamente curto, mas indiscutivelmente sofrido. É um dado adquirido que se tratava de uma pessoa de saúde débil, mas parece haver claros e especiais intuitos persecutórios na actuação da hierarquia que não terão origem apenas na participação no golpe de 1935. Segundo o Registo Geral de Presos da PVDE, foi detido pela Directoria daquela polícia, em 10 de Setembro de 193531, dando entrada na cadeia do Aljube. Em data não indicada baixou ao Hospital Militar Principal (o mapa sanitário correspondente contem o diagnostico de hipertensão arterial), de onde regressou em 29 de Setembro seguinte32, com destino à enfermaria provisória daquela prisão. Após o julgamento, consta que foi transferido para a Fortaleza Militar de Peniche, em 30 de Março de 193733, tendo tido alta da enfermaria da Cadeia do Aljube, na mesma data. Tal só seria possível se nunca tivesse tido alta da referida enfermaria, a não ser para ir a julgamento, durante um período de cerca de uma ano. Segundo o Registo foi, de novo, transferido para a Cadeia do Aljube, em 18 de Maio de 1937 e desta para o forte de Caxias, Reduto Norte, no dia seguinte, onde vem a falecer às 17h10m de 29 de Julho de 1937.

Entretanto – sem constar no registo da PVDE –, passou quatro meses na fortaleza de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo, como se lê num requerimento que apresentou ao Presidente do Conselho de Ministros, no dia 3 de Setembro de 1936, estando com baixa no Hospital Militar Principal, devido a doença com gravidade e no qual pede que lhe seja aplicado um decreto de amnistia recentemente publicado34.

Com efeito, nos seus documentos de matrícula vê-se que embarcou para os Açores, em 18 de Dezembro de 1935, directamente do Hospital Militar Principal, onde estava com baixa desde 5 desse mês. O embarque teve algo de dramático, com os presos (todos ligados ao golpe de 10 de Setembro) a terem autorização para passar por suas casas, a hora e nas condições que lhe forem determinadas, de forma a estarem a bordo do navio “Cabo Verde” antes do pôr-do-sol, uma vez que o embarque viria a ter lugar, em Belém, no Cais de Embarque para a Trafaria, e a partida do navio estava prevista para as 22 horas de 17 de Dezembro.

Uma vez nos Açores, baixou ao Hospital Militar de Angra do Heroísmo, em 21 de Março de 1936, donde acabou por sair, por conselho médico35, em 18 de Abril de 1936, com destino ao Hospital Militar Principal, onde deu entrada a 25 de Abril. A partida foi um tanto intempestiva, visto que nem lhe permitiu tomar conhecimento das suas informações individuais que lhe tinham sido enviadas, mas que demoraram a chegar ao Depósito de Presos, a funcionar no Castelo de Angra do Heroísmo.

Naquele requerimento (remetido ao Presidente do Conselho de Ministros, com data de 3 de Setembro de 1936), refere que estava preso há um ano menos sete dias, a contar de 10 de Setembro de 1935; invoca que tomara parte no movimento de 28 de Maio de 1926, comandando a 6ª Divisão na sua marcha sobre Lisboa; afirma jamais ter conspirado contra a actual situação e antes a ter servido com a maior lealdade (...) conforme o testemunho e prova feita em audiência de julgamento por altas patentes do Exército (...); não obstante todas as acusações, nega ter praticado os actos delituosos de que era acusado; isto quando dos trinta e seis corréus no processo só ele estava preso e foi julgado e condenado e todos os outros se encontram em liberdade ou amnistiados. Faz depois uma análise e interligação dos dois decretos que se lhe aplicavam: aquele, com base no qual fora preso, julgado e condenado, e o outro, que pretendia que agora lhe fosse aplicado e que o amnistiaria, tal como tinha sucedido aos outros arguidos.

A argumentação que apresenta é clara e tem todo o cabimento, mas não resulta. De facto, pelo novo Decreto-lei (Art.º 1º), são amnistiados os crimes previstos nos Art.º 1º e 2º do Decreto-lei n.º 23203 de 6 de Novembro de 1933, precisamente aqueles que foram invocados pelo tribunal para condenação de Manuel Valente. No julgamento fora punido pelo crime de rebelião, materializado, neste caso, por atentados contra a integridade territorial Nacional, contra o Governo constituído, conjuração, aliciamento, proposição escrita ou verbal, a aquisição, detenção, alienação ou distribuição de armas, o incitamento verbal ou escrito, destinado aos crimes contra a integridade territorial.

O requerimento foi apreciado em Conselho de Ministros, juntamente com o de outro implicado, o capitão Abel Augusto Lopes de Almeida, mas não lhes foi aplicado o Decreto de amnistia. É curioso que esta informação é dada ao Chefe de Gabinete do Ministro da Guerra, pelo Secretário Geral da PVDE, em 18 de Novembro de 1936. O circuito de despacho dos requerimentos de Manuel Valente parece ser o seguinte: remetido ao Governo Militar de Lisboa, segue para o Ministério da Guerra e daí passa à PVDE. É o que se depreende do resultado de um requerimento, em que Manuel Valente pede para lhe ser aplicado o decreto de amnistia, sendo a PVDE que comunica36 ao Ministério que não foi considerado oportuna a apreciação do requerimento em Conselho de Ministros.

 

As Diligências da Viúva

Após a sua morte, a viúva, em 28 de Outubro de 1937, apresenta um requerimento em que pede ao Ministro da Guerra que lhe seja concedida a pensão do montepio que lhe pertenceria se o marido, à data da morte, estivesse ao serviço, dispondo-se a pagar as quotas correspondentes ao período que decorreu entre a demissão e a morte dele. O requerimento foi indeferido por a pretensão não ser da competência do ministro da Guerra. Em documento de 9 de Novembro de 1937, a Caixa de Previdência do Montepio dos Servidores do Estado, informa que foi eliminado do Montepio, em 5 de Novembro de 1936. Por isso não há lugar a receber qualquer pensão, nos termos do § único do Art.º 26º do Decreto-lei n.º 24046 de 21 de Janeiro de 1934. Alguém escreveu a lápis no documento: Dá-lhe direito a receber a importância das quotas deduzida de 10%.

Já em 5 de Julho de 1940, alegando a sua triste e aflitiva situação por falta de meios, por não os poder angariar por ser doente e por não ter pensão do Montepio dos Servidores do Estado, em virtude de o marido estar demitido à data da morte, solicita a sua reintegração a título póstumo, uma vez que lhe constava ter havido recentemente uma amnistia aplicada aos ex-oficiais nas mesmas condições do seu marido.

Esta amnistia aconteceu de facto e permitiu o regresso do comandante Mendes Norton da ilha do Fogo, onde estava deportado. Todavia, não há notícia de que tenha sido aplicada ao Tenente-coronel Manuel Valente.

 

Fontes:

Arquivo Histórico Militar:

Processo individual de Manuel Valente – Caixa n.º 2331

Processos do Tribunal Militar Especial n.º 177/35 – Caixa 56

Processos do Tribunal Militar Especial n.º 183/35 Caixa 57

Ordens do Exército

Ordem da Armada n.º 21 de 15 de Novembro de 1935

Processo Individual de João Barata Salgueiro Valente – Caixa n.º 1707

 

Direcção Geral dos Arquivos Nacionais – Torre do Tombo

Processos relativos a Manuel Valente:

– CAD 1770;

– PC/SPS 1646 e 1647 (NT 4318);

– PC 2166/35 (NT 4420), PC 2183/35 (NT 4421);

– Registo Geral de Presos da PVDE/PIDE/DGS n.º 5110.

Arquivo do jornal “O Século”

 

Arquivo Central de Marinha

Documentação relativa ao Aviso de 1ª Classe “Bartolomeu Dias”, respeitante aos acontecimentos de 10 de Setembro de 1935:

Nucleo 209:

– N.º 11 – Livro do Registo de Ocorrências (1935/36) – 6 – XIX – 9 – 1;

– N.º 12 – Livro do Registo do Oficial de Dia – 6 – XIX – 9 – 1;

– N.º 21 – Livro do Registo do Sargento de Dia – 6 – XIX – 9 – 1;

– N.º 43 – Registo da Correspondência Recebida (1935/36) – 6 – XIX – 9 – 2;

– N.º 71 – Correspondência Diversa – 6 – XIX – 9 – 3;

– N.º 72 – Autos Diversos (1935/38) – 6 – XIX – 9 – 4;

– N.º 86 – Diário Nautico (1935/38) – 6 – XIX – 9 – 4;

– N.º 221 – Relatórios do Comandante (1935/40) – 6 – XIX – 9 – 4.

 

Documentação Avulsa do Aviso Bartolomeu Dias – Caixa 1394

Ordem da Armada n.º 21 de 15 de Novembro de 1935

Documentação relativa à actividade da Repartição de Justiça e Tribunal Militar de Marinha:

- N.º 58 – Pareceres do Promotor de Justiça do Tribunal Militar de Marinha, 1922/39 – 5-X-7-1;

- N.º 62 – Registo de Copias de Sentenças (6 Vol.) – 1915/42 – 5-X-8-1.

 

NÚCLEO/FUNDO 370 – TRIBUNAL MILITAR DE MARINHA

- N.º 407 – Livro de Processos Julgados 1918 a 1934 – 5-VII-9-2;

- N.º 408 – Livro de Processos Julgados 1933 a 1962 – 5-VII-9-2;

- N.º 446 – Livro de Processos Arquivados 1892  a 1940 – 5-VII-9-4;

- N.º 453 – Livro Registo de Sentenças com Recurso ao STM de 1907 a 1948 – 5-VII-9-4;

- N.º 456 – Livro Estado dos Processos de 02/08/1924 a 29/03/1946 – 5-VII-9-4;

N.º 457 – Livro Estado dos Processos (1924 a 1938) – 5-VII-9-4;

- N.º 469 – Livro Movimento de Processos (1928 a 1935) – 5-VII-9-5;

- N.º 470 – Livro Movimento de Processos (1931 a 1948) – 5-VII-9-5;

- N.º 471 – Livro Movimento de Processos (1935 a 1946) – 5-VII-9-5;

- N.º 515 – Livro Registo de Pareceres (1931 a 1935) – 5-VII-9-1;

- N.º 516 – Livro Registo de Pareceres (1935 a 1943) – 5-VII-9-1;

 

NÚCLEO/FUNDO 18 – REPARTIÇÃO DE JUSTIÇA

Não se localizou o processo-crime levantado ao Comandante Mendes Norton.

Documentação existente no Processo Individual do Capitão-de-Mar-e-Guerra da Classe de Marinha Henrique Monteiro Correia da Silva

 

Arquivo Histórico

• Documentação Avulsa:

– Cx. 778 (1897-1910);

– Cx. 1421 (1911-1935).

• Livros-Mestres:

– E/147; F/112; H/184; J/55; L/68

 

Arquivo Fotográfico

• Fotografias:

– Ficha 340, Caixa 4

• Álbuns:

N.º 2/pág. 54 – foto n.º 273; N.º 5/pág. 1 e pág. 20 – fotos n.º 388 e
n.º 503; N.º 10/pág. 32 – foto n.º 1916; N.º 12/pág. 82 – foto n.º 2747; N.º 16/pág. 31 e pág. 79 – fotos n.º 4847 e n.º 5140; N.º 18/pág. 4 – foto n.º 5886.

 

Hemeroteca Municipal de Lisboa

Jornais “Diário de Notícias e “República”: notícias várias sobre o golpe e seus intervenientes publicadas.

 

Arquivo da Rádio Televisão Portuguesa

http://sempreempe.rtp.pt.

 

Bibliografia

Ameal, João (Coord.), Anais da Revolução Nacional (1926 – 1945) (Vol. III) Trabalho Gráfico da Companhia Editora do Minho e executado nas Oficinais Artistas Reunidos/Neogravura LMD/Papéis Nacionais da Companhia do Papel do Prado).

Ferreira, J. Diniz, “Asas de Portugal (Missões de Guerra)”, Prefácio de Carlos Costa Macedo (Gen. Pil. Av.), (150 Pág. 90 gravuras), Edição do Autor, Novembro de1962.

Rodrigues, António Simões (Coord), História de Portugal em Datas, Temas e Debates, Ldª e Autores, Setembro de 1996,

Rosas, Fernando e Brandão de Brito. J. M. Dicionário Histórico do Estado Novo, Bertrand Editores, Venda Nova. 1996.

 

_________________

1  Em alguns documentos vem referido como Manuel Salgueiro Valente, talvez por influência do nome da mãe ou do seu irmão, também militar, João Barata Salgueiro Valente e seu padrinho do segundo casamento. Este nasceu a 14 de Setembro de 1888, foi oficial do Exército – inicialmente de Cavalaria e, depois de 1916, da Aeronáutica – combateu, com brilhantismo, na I Guerra Mundial tendo sido condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada (grau de oficial a título póstumo), Ordem Militar de Cristo (grau de cavaleiro com palma) e faleceu num impressionante acidente de aviação ocorrido no aeródromo de Alverca, em 30 de Novembro de 1928, juntamente com outro célebre piloto, Santos Leite. Era casado com Nelly Junette Sénusson, de quem tinha dois filhos. O avião, um Breguet 2, era pilotado pelo comandante do Grupo Independente de Aviação e Bombardeamento, Major Santos Leite, sendo Salgueiro Valente o “observador”. O avião chocou com o cabo de um balão cativo e precipitou-se de 70 metros de altura. Os corpos dos dois aviadores ficaram “destroçados com o avião”. (Jornal “O Século” de 1 de Dezembro de 1928).

2 Este é o nome que figura na cópia da sentença do Tribunal Militar Especial, de 15 de Agosto de 1936, que condenou Manuel Valente, em primeira instância. Na cópia da sentença do mesmo tribunal, datada de 2 de Setembro, relativa ao recurso que interpôs figura o apelido Victoriano. No registo geral de presos da PVDE, o nome da mãe é Catarina Victória da Conceição Salgueiro Valente.

3 Aquartelado na Graça, em Lisboa, denominado Regimento do Imperador da Áustria Francisco José.

4 A primeira esposa de Manuel Valente era natural de Arganil e faleceu em Ceia. Admitimos a hipótese de que terá surgido nestes períodos de baixa a sua ligação àquela região.

5 É um decreto de amnistia muito ampla que, no seu Art.º 1º, concede amnistia geral e completa a todos os crimes de natureza ou carácter político.

6 Não está averbada no seu processo individual a aquisição de quaisquer qualificações nesta área. Porém, durante a elaboração do processo, em consequência da sua participação no golpe de 10 de Setembro de 1935, surgem alusões a que estaria relacionado com a veterinária e, talvez, como professor. Durante as investigações foi consultada a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa, onde não foi encontrada qualquer referência ao militar em causa. A FMV/UTL realizou buscas junto do Instituto Superior de Agronomia, que até ao ano de 1910 fazia parte integrante do Instituto de Agronomia e Veterinária, no qual também não foram encontrados quaisquer elementos.

7 Sugeria a transferência para os Regimentos de Infantaria n.º 18, 11 ou 31 (em Penafiel).

8 Ordem do Exército n.º 2, 2ª Série de 6 de Fevereiro de 1922.

9 Ordem do Exército n.º 3, 2ª Série de 22 de Fevereiro de 1922.

10 Ver Ameal, João (Coord.), Anais da Revolução Nacional (1926-1945) (Vol. I, pág. 44).

11 Ordem do Exército n.º 8, 2ª Série, de 31de Maio de 1935.

12 Boletim de Informação nos termos do Art.º 41 do Regulamento Provisório da Escola Central de Oficiais (Decreto-lei n.º 13646, publicado na Ordem do Exército n.º 6, 2ª Série, de 15 de Julho de 1927).

13 Ordem do Exército n.º 4, 2ª Série, de 3 de Março de 1909.

14 Ordem do Exército n.º 17, 2ª Série, de 30 de Setembro de 1918.

15 Ordem do Exército n.º 17, 2ª Série, de 17 de Novembro de 1933.

16 Manuel Peixoto Martins Mendes Norton, Capitão-de-mar-e-guerra, responsável pela tentativa de sublevação a bordo do navio “Bartolomeu Dias”, em 10 de Setembro de 1935, assume totalmente a responsabilidade do golpe que visava derrubar o governo de Salazar, mas não punha em causa a acção governativa deste. Foi deportado para os Açores e, posteriormente, para a ilha do Fogo (Cabo Verde), donde regressou, amnistiado, em 1940. Pela Ordem da Armada n.º 21, de 15 de Novembro de 1935, foi demitido por despacho de 4 desse mês do Ministro da Marinha, exarado sobre o processo disciplinar elaborado pelo Contra-almirante Tito Augusto de Morais. Foi acusado do crime previsto no n.º 3 do §1º do Art.º 1º do Decreto n.º 23203 de 6 de Novembro de 1933, por se ter introduzido clandestinamente a bordo e, depois de ter prendido o oficial de serviço, o 2º tenente Vergílio Ferreira Ribeiro, ter tentando, sem sucesso, sublevar o navio. Foi demitido nos termos do Art.º 30º do mesmo decreto. O “Bartolomeu Dias”, em serviço desde 15 de Maio daquele ano, estava surto no Tejo e tinha recebido instruções para estar na “máxima vigilância”, o que obrigava a levantar os portalós e a não permitir que qualquer embarcação se lhe atracasse, excepto “o vapor vindo do Alfeite”. Cerca das 06H30, Mendes Norton entra a bordo e prende o Oficial de Dia dentro do respectivo quarto por este não ter querido aderir ao golpe. Só cerca das 11H00 um grupo de praças arromba a porta do quarto e liberta aquele oficial. Entretanto, alguém tinha acendido as caldeiras, sem que saiba quem. Pelas 11H30, o Comandante do navio, o Capitão-de-mar-e-guerra Henrique Monteiro Correia da Silva (falecido em 1 de novembro de 1935) entra a bordo, prende Mendes Norton e determina a prisão do cabo artilheiro n.º 2566 Luís António de Seixas e do marinheiro-fogueiro n.º 3356 Joaquim Pereira (O Diogo). Mendes Norton foi reintegrado, em 26 de Maio de 1956, como Capitão-de-mar-e-guerra e faleceu em 11 de Maio de 1967. Segundo o Diário de Notícias de 8 de Novembro de 1935, o Comandante-Geral da Armada pune o Oficial de Dia, com 8 dias de prisão disciplinar, um Cabo de Manobra, com 2 dias, o Sargento de Dia, com 3 dias, e um Soldado Artilheiro, com 2 dias de prisão. Os motivos invocados para as punições são pouco relevantes, prendendo-se, essencialmente, com quebras da rotina diária do serviço a bordo, no dia do golpe. O próprio promotor do Tribunal Militar de Marinha, o Capitão-de-fragata Artur Vital da Cunha e Freitas, aconselha moderação e sugere uma certa tolerância na apreciação das infracções cometidas devido à patente elevada do oficial insurrecto, ao pouco tempo de serviço das praças a bordo e até ao facto de algumas se terem posto, de imediato, ao serviço do legítimo comandante do navio (Referênca 515 Livro de Registo de Pareceres 11MAR31- 24DEC35) 5-VII-9-1 do Arquivo Central de Marinha).

17 Lavrador do Cartaxo e um dos angariadores de fundos para a realização do golpe.

18 Abel Augusto Lopes de Almeida (1888 – 1937). Oficial republicano, chegou a Governador Civil de Coimbra (exonerado seu pedido em 14 de Novembro de 1924. Começou praticamente a sua carreira militar em África, tendo participado, com certo brilhantismo, no combate de N’Giva (1914/15) e, já oficial de Administração Militar, prestou também bons serviços na I Guerra Mundial, nos últimos tempos do CEP. Na sequência do golpe foi preso, havendo notícias da sua passagem por S. Julião da Barra (9 de Outubro de 1935), Angra do Heroísmo (27 de Dezembro de 1935) e Colónia de S. Nicolau (Cabo Verde) donde regressou aos Açores (2 de Maio de 1936). Nunca foi amnistiado, embora o tivesse requerido e estivesse abrangido pela respectiva legislação. Envolvido num desfalque ocorrido na Manutenção Militar, em Coimbra, viu-se sem meios de subsistência por ter de liquidar a dívida ao Estado com a totalidade do vencimento de Capitão. Por despacho de 18 de Fevereiro de 1936 do Ministro das Finanças (Costa Leite) viu indeferido um requerimento em que pedia para passar a liquidar a dívida descontando um sexto do vencimento. À data do golpe estava “separado do serviço” em consequência da sua condenação em tribunal “por infidelidade” (P. Ind no AHM).

19 Processo do Tribunal Militar Especial n.º 177/35 – Caixa 56; Arquivo Histórico Militar.

20 Caipira vai ao ponto de declarar que teve de recorrer a um táxi porque cedera o seu próprio carro para o transporte de outro implicado, o capitão Abel de Almeida.

21 Cadastro político n.º 1777, datado de 13 de Setembro de 1935.

22 Nas suas declarações, o Tenente Eduardo Ferreira Soares de Albergaria, outro dos arguidos do processo, refere que conhecia Manuel Valente da Escola Superior Veterinária, onde era aluno. Presume-se, dada a diferença de idades, que o Tenente-coronel seria um dos professores da Escola. Contudo, não está registada nos seus documentos de matrícula nenhuma habilitação em veterinária e muito menos em estomatologia. Eduardo de Albergaria virá a ser libertado, em 20 de Maio de 1936, tendo sido amnistiando em 8 de Junho de 1937.

23 Efectivamente, no seu processo individual consta, sem razão aparente, uma transferência para o Comando Militar de Bragança onde lhe é fixada residência obrigatória. Porém, no dia seguinte o Ministério da Guerra informa que a transferência seria para a Praça de Almeida. A permanência é curta, pois Manuel Valente regressa a Lisboa, em 8 de Julho de 1928.

24 As penas disciplinares só podem ser aplicadas em processos disciplinares, excepto a de demissão, que será imposta no acórdão condenatório pelo crime de rebelião se o não tiver sido em processo disciplinar.

25 Decreto-lei n.º 26636 de 22 de Maio de 1936.

26 Trata-se do Apêndice n.º 2166, ao processo, denominado “Autos de Inquirição de Testemunhas e de Exame Directo” e datado de 26 de Novembro de 1935.

27 O presidente do tribunal de recurso e o juiz auditor eram os mesmos que haviam integrado o tribunal que o julgara em primeira instância. A estes juntou-se Fernando Luís Mouzinho de Albuquerque, coronel de Cavalaria, Duarte Figueiredo Nascimento Veiga, coronel de Engenharia, sendo o secretário o capitão de Infantaria Eduardo Faria Viana.

28 O atestado está datado de 27 de Janeiro de 1936 e assinado em Angra do Heroísmo, por um médico cuja assinatura revela chamar-se Joaquim (...) Flores.

29 Ameal, João, Anais da Revolução Nacional (Vol. III) pág. 385 a 390, Comp. Editora do Minho executado nas Oficinais Artistas Reunidos/Neogravura LMD/Papéis Nacionais da Comp. do Papel do Prado).

30 Segundo a nota oficiosa terão surgido, entre os conspiradores, divergências sobre a distribuição das pastas ministeriais, assim como acerca da individualidade que chefiaria o governo saído do golpe.

31 O Registo Geral de Presos da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado está preenchido com certa “displicência”. Nele consta que Manuel Valente era natural da freguesia da Graça, quando era natural da freguesia de Santa Engrácia, e filho de Francisco José Valente, em lugar de Francisco Manuel Valente. No Registo consta que foi preso pela Directoria, em 10/9/36, por conspiração contra a Situação e deu entrada na Cadeia do Aljube, o que não corresponde à realidade, pois a prisão ocorreu um ano antes.

32 Há outra imprecisão no Registo Geral de Presos da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. Não está indicada a data da baixa ao HMP, mas apenas a data de regresso ao Aljube – 29/10/36 – o que não pode ser exacto, uma vez que as referências ao julgamento e apreciação do recurso vêm exaradas depois dos assentos da prisão e da baixa ao hospital, tendo ocorrido antes (15 de Agosto e 2 de Setembro de 1936).

33 Segundo um relatório médico emitido em 26 de Abril 1937, quando esteve preso no forte de Peniche sofria de aortite.

34 Decreto-lei n.º 26636 de 22 de Maio de 1936.

35 O boletim clínico declara que sofria de aortite crónica com crises de hipertensão e insuficiência cardíaca.

36 Ofício n.º 2496/936-I de 18 de Novembro de 1936, enviado ao chefe de gabinete do Ministro da Guerra.

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Coronel

Pereira da Costa

Comandante do Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea de Cascais (1993-94) e Diretor da Biblioteca do Exército (2003-11). Publicou o livro “A Cidadela de Cascais: Pedras, Homens e Armas”, em 2003, numa parceria do Estado-Maior do Exército com a Câmara Municipal de Cascais. Colaborou no I Volume da obra “Os Generais do Exército Português”, publicado pelo Estado-Maior do Exército (setembro de 2003) e coordenou o II Volume (I e II Tomos) e III Volume (I e II Tomos) desta obra, relativos aos anos entre 1807 e 1961 e publicados em junho de 2006 e março de 2008, respetivamente. Coordenou a elaboração do livro “O Palacete do Camarista-real”, projeto de investigação apoiado pelo Gabinete do General Chefe do Estado-Maior do Exército, sobre o Palacete Almeida Araújo, em Queluz

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by COM Armando Dias Correia