Nº 2439 - Abril de 2005
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL - A Defesa Nacional no Programa do XVII Governo Constitucional
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo
Na Revista Militar é sempre com alguma expectativa que se lê um Programa do Governo no que se refere à Defesa Nacional. E a leitura do Programa do XVII Governo Constitucional merece-nos alguns comentários.
 
As mudanças no paradigma que constitui a base da segurança e da defesa têm sido frequentes, profundas e de difíceis respostas. A um ritmo que não se compara com os do passado, essas mudanças conduzem, quase sempre, a um desfasamento entre as respostas implementadas e a realidade dos factos. E mais: na preparação das respostas há uma tendência atávica em seguir padrões de pensamento já experimentados, levando por vezes à conclusão de que «os generais tendem sempre a travar o próximo conflito com as experiências recolhidas no último que combateram».
 
Dos pontos inseridos no Programa do Governo (Defesa Nacional), desejamos ressaltar dois: Uma aposta na segurança cooperativa e modernização das Forças Armadas.
 
A segurança cooperativa deverá continuar a ser prosseguida no espírito da Carta das Nações Unidas, procurando respostas adequadas às ameaças e riscos que afectam a comunidade internacional e reforçando o papel das organi­zações regionais de segurança como espaços privilegiados para encontrar melhores respostas.
 
Portugal tem lugar próprio em duas dessas organizações, a OTAN e a UE, que procuram persistentemente adaptar-se às exigências de uma segurança cooperativa. A OTAN depois da sua última Cimeira em Istambul e a UE no seu Tratado Constitucional abrem caminhos para novas formas de coope­ração, consolidando estruturas integradas já existentes ou criando a possi­bilidade para cooperações estruturadas se essa for a vontade soberana dos estados membros.
 
Acreditamos ser a segurança cooperativa, na actual e previsível conjuntura, o espaço de planeamento da segurança e da defesa. Lançando mão de «nichos de competência» em capacidades militares que as Forças Armadas Portuguesas possuem e alargando espaços de cooperação próprios, não só com a CPLP, mas também com o nosso vizinho peninsular, onde a sua parceria será importante para o espaço do Mediterrâneo e da América Latina. Temos que perceber que a Espanha pode ser e deve ser parceiro importante na segurança cooperativa de Portugal e que os dois Países Peninsulares vão ter de cooperar na segurança e defesa de recursos energéticos e hídricos, do ambiente e na segurança humana.
 
Sobre a modernização das Forças Armadas vamos debruçarmo-nos em três das oito prioridades estabelecidas no Programa do Governo: Consoli­dação e sustentabilidade da profissionalização das Forças Armadas, Susten­tação orçamental e Reforma dos diplomas legais da Defesa Nacional e das Forças Armadas.
 
Manter efectivos para os números estruturais definidos constitui o desafio mais importante para a Defesa Nacional e Forças Armadas nos próximos tempos, se se pretender manter o actual sistema de recrutamento. Há o perigo de os Quadros Permanentes diminuírem significativamente, por falta de motivação para acreditar no Compromisso com a Pátria, e é real a progressiva falta de motivação de jovens para aderirem ao voluntariado, quando começam a existir outras formas de praticar uma vida de aventura com melhores remunerações do que as que oferece o Estado Português. Hoje há agências internacionais que recrutam pela Internet e oferecem lugares de trabalho e vencimentos apelativos para uma juventude que não procura, na maioria, ideais mas tem desejo de consumir e viver. O modelo actual de procurar efectivos para as Forças Armadas pode esgotar-se a curto prazo. Políticos e Comandantes devem manter esta preocupação como Ponto 1 das suas Agendas.
 
As Forças Armadas olham sempre para os seus Orçamentos com reservas. Não vão longe os tempos que as cativações de duodécimos, redução nas despesas de funcionamento e quebra de compromissos assumidos começaram sempre pelas Forças Armadas. Em tempo de dificuldades orçamentais é sempre mais fácil começar pelos militares: cultivam o sentimento de Pátria, são disciplinados, aceitam ordens e não costumam reunir com o poder político nomeando meia dúzia de indivíduos que não se fardam há anos, carregam pastas com papéis feitos não se sabe por quem e… representam as associações sócio profissionais. As Forças Armadas continuam a ver na sua hierarquia a nobreza da sua Condição Militar. Como diz o texto do Governo, as Forças Armadas esperam que se atinjam «gradualmente um investimento de acordo com os compromissos internacionais do Estado».
 
Está também nas prioridades do Governo a Reforma dos diplomas legais da Defesa Nacional e das Forças Armadas. É uma reforma há muito reclamada e sucessivamente adiada. Mas quem vive as Forças Armadas sabe que desde há muito que passou o tempo da Lei Nº29/82, das suas indefinições entre direcção política e comando das Forças Armadas, das suas divisões de poder para contemplar interesses corporativos, da ambiguidade de composição e articulação de uma força militar que deve ser conjunta, mas continua a tentar obedecer a três comandos operacionais desarticulados, de uma condição militar que anda prostituída entre polícias e forças de segurança e qualquer dia bombeiros. Vamos ter esperança que algo se ajuste às tremendas mudanças que se vivem.
 
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* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.
 
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2006-10-14
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by COM Armando Dias Correia