Nº 2569/2570 - Fevereiro/Março de 2016
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Combate aos jihadistas radicais: Quando um mau diagnóstico provoca soluções incompletas
Brigadeiro-general
Nuno Correia Barrento de Lemos Pires

Quando homens e mulheres, pais que incentivam os próprios filhos, incluindo pessoas com formação superior e elevado estatuto social[1], se voluntariam para cumprir missões suicidas é porque acreditam num motivo muito forte para o fazer. É possível que haja muitos que são manipulados ou forçados a agir, mas sabemos que ninguém se oferece para morrer por motivos fúteis ou por meras ambições geopolíticas. A vida é, para todos, um dos bens mais preciosos que possuímos e temos de entender porque tantos, centenas, milhares, diariamente, em todas as regiões do mundo, estão dispostos a sacrificá-la.

Desde os mais antigos pensadores da estratégia até aos atuais, de Sun Tzu, Carl Von Clausewitz a André Beaufre, o peso do fator “moral”, da “paixão” ou o da “motivação”, sempre foram essenciais para atribuir os fatores potenciadores da dimensão das forças (o potencial estratégico). Na maioria das análises, a “moral” era medida sobre as motivações e determinações das unidades aglutinadoras dos combatentes (ou seja, dos seus exércitos e respetivas divisões parciais) e não tanto por cada um dos combatentes. Uma regra básica do que habitualmente se denomina por espírito de equipa, é que a força moral de uma equipa é superior à simples soma das motivações individuais, ou seja, a sinergia do grupo é maior que a soma de cada uma das partes. Em síntese, o peso das motivações pessoais, o que os move e os determina, é fundamental para a moral de um grupo, ou de uma unidade. Hoje, quando assistimos a atuações individuais, a redes que não são grupos formais, a causas sem líderes e sem hierarquia, a ações que são profundamente descentralizadas e, muitas delas, sem sequer contarem com contactos anteriores e formais, teremos de dar, ainda mais, um peso acrescido ao estudo das motivações individuais. Só assim, estudando o que move cada indivíduo, em contextos políticos, geográficos e sociais, tão dispersos e distintos, poderemos entender a força da sinergia que se obtém.

Requerem-se por isso estudos profundos, uma análise mais completa que as simples leituras conjunturais e regionais. Vamos tentar ir à origem dos problemas e tentar identificar as grandes linhas de radicalização que nos levaram a um ambiente de medo e terror (de caos)[2], em que determinadas partes do mundo se encontram mergulhadas, para melhor poder discutir soluções. Este não é o único problema, há inúmeras ameaças e movimentos que causam e podem causar problemas graves, mas escolhemos estudar apenas este, do jihadismo global [3] e regional, porque ainda pensamos ser possível analisar a temática de forma diferente.

Há solução, há soluções, mas da mesma forma que as causas não são nem conjunturais nem regionais, nem sequer recentes, também as soluções terão de ser globais, alargadas no tempo, geracionais, formativas e construídas para serem duradouras. É este o nosso desafio, ir longe para encontrar as causas, ver de longe para conseguir olhar todo o fenómeno e pensar para lá do espaço e do tempo mediático para encontrar soluções equilibradas, possíveis e desejáveis.

 

O percurso e o crescimento dos radicais jihadistas

Recuemos ao tempo de Maomé (570-632) para extrair alguns elementos. Não temos a pretensão, nem o podemos ter em poucas páginas, de fazer uma análise profunda sobre o percurso do Profeta, pelo que deixaremos na bibliografia referências a muitas obras onde este tema é tratado com muita profundidade[4]. Vamos simplesmente retirar do seu percurso e dos seguidores imediatos as principais linhas de argumentação que foram, e ainda são, usadas pelos radicais para justificarem as suas ações. Ou, dito de outra forma, identificar os argumentos que os radicais encontraram para recusar discutir interpretações.

Do percurso de vida de Maomé importa salientar que a revelação feita pelo anjo Gabriel terá sido por volta do ano 610 e que a sua pregação terá começado cinco anos depois. Devido à perseguição que lhe foi movida, teve de sair de Meca para Yatrib (futura Medina), no ano de 622 (este ano, o da Hégira, marca o início do calendário Islâmico)[5]. Será a partir desta nova base e de Meca (que será conquistada por Maomé e seus seguidores) que o futuro da expansão política, religiosa e militar, ou seja, das novas ideias que mais tarde serão compiladas e reveladas no Alcorão[6], se irá fazer nos anos, décadas e séculos, seguintes.

Abreviando muito (muitíssimo!) a explicação sobre o percurso desta importantíssima religião monoteísta, deixamos aqui uma das referências essenciais que ajudam a entender, ainda hoje, as anunciadas motivações dos radicais. Referimo-nos à Batalha de Badr, ocorrida em 624. Maomé venceu a sua antiga tribo, os coraixitas, com evidente inferioridade numérica mas, como ficou para a história, com a ajuda de Alá[7]. Assim, e para sempre, para os jihadistas em particular, Alá ajuda em batalhas e compensa aparentes inferioridades de força.

O segundo momento que queríamos destacar, após a morte de Maomé, foi o problema da sucessão que, após os quatro primeiros califas (denominados de os bem guiados), levou o Islão dividir-se em diferentes linhas, sendo as mais conhecidas os Sunitas e os Xiitas. Em resultado da escolha do quarto Califa (Ali, genro e primo de Maomé) gerou-se uma cisão entre os seguidores do Profeta e foi inevitável o confronto. Destacamos a batalha de Siffin, em 657, quando os partidários de Ali (futuramente conhecidos por Xiitas) confrontaram os partidários de Muawiyah (futuramente conhecidos por Sunitas) e a batalha durou três dias sem que se encontrasse um claro vencedor. Recorreu-se por isso à arbitragem, que deu a vitória aos sunitas, mas que deixou bem evidente que, além das duas correntes opostas, havia uma terceira que queríamos relevar. Os Sunitas assumiram a vitória, os Xiitas aceitaram mas não se conformaram e a querela continuaria até a agudização de posições na célebre batalha de Kerbala, em 680, e que confirmariam a grande discórdia (Fitna). Mas houve um grupo, que a história pouco registou, que nunca aceitou a arbitragem na Batalha de Siffin e por isso abandonaram logo os dois grupos que se formaram, os “que saíram” (ou “os que cindiram”), os “Carijitas”, que afirmaram que as decisões apenas a Alá pertenciam e que nenhum Homem podia arbitrar sobre decisões soberanas.

Assim, e muito brevemente, as ideias que estiveram na base de um movimento como os dos “Carijtas” também as podemos encontrar, em certa medida (grosso modo, parecidas), mas ainda que não idênticas, em grupos radicais (fundamentalistas) atuais de inspiração islâmica, desde a al-Qaeda ao Daesh[8]. Nos séculos seguintes, também se afirmou uma corrente, pouco significativa na altura, mas, como veremos, crescente no final do segundo milénio e que viria a denominar-se de salafismo, que defendia (e continua a defender) de que tudo o que ao Islão diz respeito tinha ficado esclarecido durante a vida de Maomé e da vida dos quatro primeiros califas (os bem guiados). Assim, na visão dos salafistas mais radicais (teremos sempre de adjetivar de “radical” ou “jihadista”[9], porque também não é consensual, nem universal, a forma como esta corrente se afirma, se divide e se analisa), não há lugar a interpretações no Islão, do Alcorão e da Sharia, porque estes são para serem seguidos literalmente e sem desvios. Destes grupos divergentes iniciais, uns mais radicais que outros, minoritários na expansão muçulmana do primeiro milénio, surgiram seitas como os Azraquitas de Bassorá, talvez estes os mais radicais de todos, que defendiam que qualquer homem se podia tornar Califa (até mesmo um escravo, desde que para tal fosse eleito pelos pares e reconhecido como tendo elevado caráter moral e religioso), que estabeleciam que todos os restantes muçulmanos eram pecadores e que defendiam o terrorismo político como a estratégia preferencial de ação. Entre outras práticas (e ainda estamos no século VII), defendiam: como prova iniciática, a decapitação de um prisioneiro adversário, a prática do assassinato por motivos religiosos que permitia matar homens, mulheres e crianças e, fora do grupo e do território no qual viviam, ou seja, onde os outros muçulmanos viviam – na denominada terra dos infiéis, era-lhes permitido pilhar e matar. Os Ibaditas[10], bastante mais moderados que os Azraquitas, permitiram a expansão das ideias iniciais dos Carijitas e que, nos dias de hoje, entre alguns dos grupos que iremos referir, ainda as podemos encontrar.

Deixemos claro que não nos preocupa identificar a progressão de determinado grupo ou fação e tentar segui-la até aos dias de hoje. O que queremos destacar é a ideia (ou ideias) por detrás destes grupos que se formaram fora das grandes linhas tradicionais do Islão e que, de uma forma ou de outra, foram ressurgindo ou reinventando-se em determinados períodos da história, de acordo com conjunturas variadas, tendo como denominador, mais ou menos comum, o carácter literalista da leitura do Alcorão, a proibição de interpretações para além do estabelecido na época de Maomé e dos quatro primeiros califas, e o modo impositivo como a sua visão se devia sobrepor às restantes, dentro ou fora do Islão. Os originais “Carijitas” e os grupos que os seguiram ou se formaram dentro do mesmo espírito, caracterizaram-se, quase sempre, pela ausência de tolerância e pelo espírito missionário que os assistia, por impor uma visão inquestionável dentro das suas comunidades e, quando possível, por levar esta visão ao resto do mundo.

 

O crescimento do jihadismo radical[11] por oposição às ofensas exteriores

Como afirmámos, a expressão de grupos como os Carijitas foi sempre diminuta (embora pontualmente relevantes como os ibaditas de Tripoli e Caiurão, no século VIII, ou o curto emirato de Rustum, em territórios que hoje formam a Argélia, a Líbia e a Tunísia, mas de existência efémera). No entanto, quando potências exteriores afrontaram ou atacaram diretamente as grandes regiões islâmicas, grupos similares ou teólogos com visões radicais surgiram e aumentaram a expressão na medida e na dimensão das “afrontas”.

Entre as principais afrontas estão as cruzadas sobre os lugares santos das religiões monoteístas (judaica, cristã e islâmica) do início do segundo milénio e as invasões mongóis do século XIII. A crueldade dos combates, as execuções infligidas pelos povos invasores, levara a um forte sentimento de retaliação e ao aparecimento de doutrinas e pensamentos que se foram afirmando. Por exemplo, em virtude da invasão mongol e da execução quase geral da população sunita que a ocupava, surgiram os textos de ibn Taymiyya (1263-1328). A partir de Damasco, Taymiyya, fundou uma escola de pensamento (que retomou o pensamento de Ahmad ibn Hanbal – Hanbalismo – de Bagdade, 780-855, na qual se opunha, de forma radical, a qualquer forma de intromissão da razão humana na interpretação das fontes primárias do Islão) que reafirmou o caráter literal do Alcorão e da Suna, exigindo a guerra contra os infiéis mongóis (mesmo quando se converteram ao Islão, porque, ao não respeitarem a Sharia, não podiam ser considerados muçulmanos puros).

Quase cinco séculos depois, surgiu outro pensador que iria revolucionar o pensamento literalista do Islão: Abd al-Wahhab (1703-1782). Também em parte devido à presença e ao aumento de ocidentais nas regiões consideradas sagradas e, como consequência das invasões napoleónicas e conquistas europeias do final do século XIX, o pensamento Wahabita foi-se consolidando e fortalecendo, ainda para mais, como resultado da associação entre o poder político do que hoje conhecemos como sendo a Arábia Saudita (a casa de Saud) e esta visão literalista do Islão, que ficou conhecida como de wahabismo sunita. Entre muitas das suas proclamações ficou famosa a declaração contra os grandes representantes do Islão de então, o Império Otomano, acusando-os de apostasia (Takfir)[12]. Wahhab tinha sido profundamente influenciado pelo pensamento de Hanbal e de Tamiyyah e conseguiu criar uma aliança poderosa entre uma visão religiosa literalista e o poder político reinante.

No século XX, a forma impetuosa como as denominadas potências ocidentais atuaram sobre territórios islâmicos em todo o mundo ir-se-ia agravar muitíssimo, ainda mais, face à oposição e à agressividade contra os “invasores”[13]. Primeiro, foi o estabelecimento dos poderes europeus em terras do Islão, nomeadamente de franceses, britânicos e italianos. Depois, foram as imposições desastrosas durante a Grande Guerra de 1914-1918, e que resultaram num tratado que ignorou por completo as lideranças locais (o tratado Sykes-Picot, em 1916) e a declaração de Balfour, em 1917, quando reconheceu o direito a um espaço para o povo judaico. O mote estava lançado e, após o nascimento do Estado de Israel, em 1948, os ânimos ir-se-iam exaltar muito mais ainda.

O problema identificado, aparentemente complexo, foi muito simples de apontar pelos radicais (fundamentalistas) de então: para ter havido dominação ocidental na região, também implicava terem existido líderes coniventes com os invasores. Pior, explicaram os teorizadores, foram capazes de aceitar acordos e formas de governar seculares (ou seja, em que os assuntos dos estados eram completamente separados dos assuntos da Igreja). Estas formas de governar e gerir as populações muçulmanas eram completamente inaceitáveis por wahabitas e por parte do movimento salafista, que acusavam os governantes dos novos estados, pós segunda guerra mundial, de desrespeitarem a pureza do Islão, de serem corruptos e de corromperem as mentalidades e o modo de vida ganho pelo sangue dos seguidores de Maomé e dos seus primeiros quatro califas. Assim, cresceram imenso as visões patrocinadas por Hassan al-Banna (1949-1967) e al-Qutb (1906-1966), criadores da irmandade muçulmana no Egipto, que afirmavam, entre outras mensagens, muito fortes e simples de espalhar, que o Islão devia dominar o mundo, que os líderes dos estados muçulmanos que não impunham a lei muçulmana como única forma de governar eram apóstatas e que se tornava necessário, cada vez mais, de fazer ressurgir a Umma, como comunidade unificadora de todos os crentes no Islão, e de um Califado Islâmico ou, pelo menos, de um Estado Islâmico que unisse os “verdadeiros crentes” sob uma “soberania divina” levando à expulsão de todos os infiéis.

 

Os primeiros Estados Islâmicos e a presença do jihadismo global

Na última década da guerra fria (1979-1989), em consequência da invasão soviética do Afeganistão, inúmeros combatentes da liberdade, “os mujahedines” acorreram de todo o mundo para se juntarem entre a fronteira do Paquistão e do Afeganistão. Aí se juntaram, criaram ou cresceram, inúmeros movimentos, quase todos de inspiração salafista ou wahabita. Ao lado dos combatentes criaram-se escolas (madrassas) que formaram as próximas gerações de convertidos e, assim, muitos dos grupos de cariz radical que hoje conhecemos, forjaram-se nos anos e décadas seguintes (naquela região e outras), como, por exemplo: a al-Qaeda, a Rede Haqqani, Gulbuddin Hekmatyar e o HIG, os Uigures chineses, a al-Tawhid wal-Jihad de Al-Zarqawi (antecessora do Daesh)[14].

Como resultado da retração soviética e após anos de intensa guerra civil no Afeganistão, surgiram os Talibãs, os “estudantes do livro”, que numa visão profundamente literal do Islão, de inspiração salafista e anti-moderna, conseguiram criar um primeiro projeto de um Estado completamente Islâmico intolerante. Foi mais um sinal muito forte que as ideias dos carijitas do século VII nunca tinham desaparecido e continuavam bem vivas, e em crescimento assinalável. Noutras paragens, o ambiente também se radicalizou, a Pérsia que tinha dado lugar ao Irão teocrático, em 1979, o Iraque secular de Saddam de antes da guerra do golfo de 1991, que se transformou num Iraque religioso, o Líbano em guerra civil quase permanente e os movimentos de cariz religioso mais fundamentalistas que cresceram em muitos países de maioria islâmica, como na Argélia, na Líbia e no Egipto.

 

Do 11 de Setembro de 2001 ao Daesh de 2014

As ideias estavam criadas, os textos e as doutrinas da dominação literalistas espalhadas e assentes, variadas estratégias para a tomada do poder estavam lançadas e com cada vez mais adeptos em todo o mundo. O 11 de setembro de 2001 foi o momento que tudo exponenciou. Gostaríamos de chamar a atenção para este ponto, o radicalismo (fundamentalismo) islâmico não se iniciou no 11 de setembro, apenas se exponenciou, em números de aderentes, em efeitos mediáticos, em propaganda, em medo e mudança, em muitas das regiões do Mundo.

A resposta, a “guerra ao terror” de George Bush, lançada em 2001, foi por isso a primeira parte de uma resposta, que sabemos hoje, muitas vezes errada e claramente incompleta, ou seja, mal dirigida contra os verdadeiros originadores da violência. Sobre esta temática já muito se escreveu e também tive a oportunidade de apresentar uma visão[15]. O que hoje podemos afirmar, com a tranquilidade que o tempo de análise e de analistas já possibilitou, é que a intervenção no Afeganistão foi, em parte, inconsequente porque não soube prever o pós-conflito. Que não havia uma estratégia que atendesse às inúmeras necessidades que resultavam de atacar um Estado quase falhado, sem ter uma política e vontade estável para fazer um longo State-Building posterior.

Tudo se agravou imensamente com a invasão do Iraque, em 2003, que pouco ou nada se deveu a razões ligadas ao terrorismo. Ao não se conseguirem criar as condições para a estabilidade da região e, depois, por se sair de forma quase abrupta (em 2011), sem se garantir uma solução equilibrada e inclusiva entre Sunitas, Xiitas e Curdos, ficou um espaço alternativo para se recriar um Estado Islâmico. Mais do que uma guerra entre os ocupantes estrangeiros e os insurgentes (que aparentava ser a causa principal de toda a violência), percebeu-se, tarde demais, que a guerra sectária fomentada por al-Zarqawi contra os Xiitas era uma parte fundamental da estratégia dos radicais e que traria muito piores consequências, como ficou evidente ainda nos anos de 2006 e 2007 e, comprovado amplamente, de 2011 aos dias de hoje. Assim, e depois de deposto o Estado Islâmico Afegão (também denominado de Emirato Islâmico do Afeganistão) criado pelos Talibãs, foram várias as tentativas para o estabelecer noutras áreas, desde o norte da Nigéria e do Mali, da Somália e do Iémen até chegarmos, finalmente, em 2014, à parte da Síria e norte do Iraque ocupada pelo Daesh.

O caminho e as estratégias escolhidas foram sempre as mesmas. Onde surge o caos surge a oportunidade de criar um Estado Islâmico, um Estado Concha (Shell State) ou uma “vanguarda[16] de um movimento muitíssimo mais global, a que sempre apelaram os teólogos mais radicais, desde Hanbal a Tamiyyah, de Wahhab a Hassan al-Banna e al-Qutb, de Ussama bin Laden a Mullah Omar (líder dos Talibãs), de al Zarqawi a abu Bakr al-Baghdadi (líder do Daesh). Por isso, o que vemos atualmente numa determinada região é apenas uma manifestação de uma ameaça muito maior, que vive imersa entre uma enorme região e população, do norte do Congo até aos confins do Paquistão. Mesmo que seja destruída num determinado local, poderá aparecer ainda com mais força noutro bem distante. Podemos tirar uma borbulha, mas, enquanto o acne persistir outras borbulhas aparecerão.

Este é o problema, esta é a origem e o desenvolvimento da(s) ideia(s), que nunca se perdeu, que cresceu do irrelevante ao perturbador do século XXI. O problema está na(s) ideia(s), está na obrigatória ausência de interpretação, na vontade de aderir a causas extremas para afirmar uma visão inquestionável. O problema não são apenas os Talibãs, a al-Qaeda, o al-Shabaab, o Boko-Haram, o Abu Sayyaf, ou o Daesh. Estes são a consequência de um problema escrito e referenciado numa doutrina que não admite interpretações, em visões que, embora distintas, têm como denominador comum a intolerância para qualquer outra visão. O problema é que discutir com quem não aceita discutir é, de facto, muito difícil.

É para este problema, muito mais vasto e global, muito mais antigo e de alcance gigantesco, que é necessário encontrar soluções. Não há soluções para expressões táticas e técnicas de uma vontade, como o terrorismo ou os ataques em territórios longínquos. O terrorismo, porque apenas é uma técnica, não poderá nunca ser exterminado[17] e os ataques entre grupos contra cidades ou territórios não terminarão apenas porque determinado grupo é destruído. Podemos travar, diminuir a importância, evitar mais e maiores ataques, mas, apenas, quando nos decidirmos a resolver o problema de fundo é que encontraremos a solução desejada, durável, estável e consequente.

 

O problema

Identificámos em parte (estamos conscientes que muito mais haveria para dizer para além das manifestações destes fenómenos de radicalização jihadista, porque ideologias radicais existem de muitas origens, desenvolvidas de formas muito distintas e em contextos muito diferenciados) as motivações que levaram ao crescimento de vários radicalismos ao longo da história e podemos concluir que, mais do que os argumentos intrínsecos a uma explicação religiosa, o que levou efetivamente às opções violentas foi a necessidade de respostas políticas para levar a mudanças conjunturais e globais. Os argumentos religiosos foram e são fundamentais para alimentar o radicalismo mas não são, em si, a razão única do problema. Ao longo da história, o uso das religiões serviu para justificar inúmeros atos de violência entre povos, de perseguições dentro dos estados, de hostilização e causa para extermínios e guerras. Basta lembrar as destruições parciais da Biblioteca da Alexandria pelo patriarca cristão Teófilo[18] ou os argumentos brandidos para as cruzadas medievais ou a terrível guerra dos trinta anos na Europa (1618-1648), em resultado da cisão cristã ou, ainda, a ignóbil perseguição movida pela inquisição. O problema contemporâneo do jihadismo radical não é muito diferente, mas apresenta seis características que levam a uma análise distinta.

Primeiro, porque, ao se justificar sem admitir diálogos, interpretações ou discussões, torna muito difícil a procura de soluções pela negociação. Para haver diálogo tem de haver vontade de conversar e discutir, mas, quando uma das partes considera heresia fazê-lo, é muito difícil, para não dizer impossível, discutir.

Em segundo lugar, há um crescendo de animosidade, que se construiu ao longo dos séculos e que se exponenciou desde o final do século XIX até aos dias de hoje, que motiva um discurso radical contra os ocupantes exteriores, os governantes regionais coniventes e as culturas locais permissivas a tendências consideradas ofensivas aos costumes. Argumentos muito simples, com exemplos muito claros, bem direcionados e focados, tornam muito apelativas as mensagens políticas complexas. Ao dividir as pessoas em bons (os que cumprem e seguem devotamente os preceitos puros do seu Islão) e maus (todos os outros que não o fazem, incluindo a esmagadora maioria dos muçulmanos)[19], transforma as ideias radicais de imposição de vontades em mensagens fáceis de seguir e de espalhar.

Em terceiro lugar, por detrás das visões religiosas extremas estão postulados de poder individual e coletivo muito apelativos. Aos combatentes oferece-se não dinheiro mas poder efetivo. Com uma missão muito clara, oferece-se uma vida com regras estritas, com direito a família (com mais do que uma mulher), a escravos, a poder exercer a violência sob a forma de tortura e da morte, a impor vontade aos que não se convertem[20]. O poder seduz e atrai muitos pela sua face afirmativa que, provavelmente, aderem por variadíssimas razões em que a religião pouco ou nada terá a ver com o caso. Como afirma Rui Pereira, o “Estado Islâmico” nem é “Estado” nem é “Islâmico”[21], porque se trata, acima de tudo, de um exposição de um projeto de poder alimentado e projetado há muito pelos radicais de inspiração jihadista.

Em quarto lugar, não é a região denominada de Estado Islâmico que marca o objetivo pretendido. O objetivo global é estabelecer um Califado pan-Islâmico e, se possível, de dominação sobre o mundo. Onde surgir a oportunidade de mostrar a proposta de governo em modo salafista radical, este será aproveitado para, de forma completamente descentralizada, a partir daí, se expandir o projeto de poder político[22]. Por isso, foi tentado pelos Talibãs, no Afeganistão, pelo Boko-Haram, na Nigéria, ou pelo Daesh, na Síria e no Iraque. O local de onde parte, embora relevante e apelativo, não interessa à estratégia global decidida. Uma vez criada uma base de partida, através de alianças futuras, regionais e globais, com juras e promessas estáveis (denominadas de Bay’at que marcam compromissos firmes entre líderes de grupos radicais) vão-se formando territórios de expansão (denominados de Wilayat, as províncias do Califado Islâmico, como são exemplo as anunciadas pretensas províncias que o Daesh conta, desde a Nigéria até ao Afeganistão[23]).

Em quinto lugar, o combate faz-se de forma descentralizada, moderna e digital. Qualquer um que adira às ideias e ao projeto pode e deve executar ataques contra os apóstatas. Os textos a apelarem a estas metodologias são muitos, muito disseminados e com resultados provados (basta lembrar os ataques em Bali, em 2002, em Madrid, em 2004, em Londres, em 2005, em Bombaim, em 2008, em Estocolmo, em 2010, em Boston, em 2013, ou em Paris, em 2015)[24].

Em sexto lugar, e talvez um dos mais importantes, há muitos fatores que exponenciam o ambiente de caos que possibilita o aparecimento e o crescimento de movimentos radicais. Desde uma certa decadência de valores e princípios entre as sociedades mais modernas, à gestão não resolvida da geopolítica de regiões com fronteiras impostas nos séculos XIX e XX, em especial, no Norte de África e Médio Oriente[25], até ao agravamento das condições de vida local pelos efeitos das alterações climáticas acompanhada de um forte crescimento demográfico e clara diminuição de recursos[26].

 

As soluções

Não há uma solução. Existem, sim, soluções e estas têm de ser, obrigatoriamente, holísticas e pensadas para um período, no mínimo de duas gerações, ou seja, devem ser aplicadas nos próximos cinquenta anos. Um problema com mais de um milénio de existência não se resolve com medidas estratégicas de curto alcance e eficácia. Precisamos de uma política clara e, mesmo sem deixarmos de mostrar a nossa decisão pelo combate direto sempre que a ameaça se manifesta, a solução global terá de ser decidida e sustentável, antes de elencarmos as estratégias para as obter.

Tal como se prescreve na praxis médica, relativamente à procura da cura de determinada doença grave, previamente, devemos apostar na prevenção para evitar que a mesma ecloda. Isso implica um estudo permanente sobre as diversas causas que favorecem o crescimento de grupos terroristas ou de “lobos solitários” que aderem a ideais radicais[27]. O fortalecimento das atuais e futuras gerações, garantindo um maior sentimento de pertença e orgulho em valores humanistas e universais, que são a base das sociedades democráticas modernas que, com muito esforço, se conseguiram afirmar. Tem de haver mais, tem que se robustecer uma defesa intransigente do direito à liberdade e à segurança, das liberdades individuais e do bem-estar. Comunidades coesas, conscientes, educadas e imbuídas de um elevado sentido de cidadania, são muito mais fortes, coesas e impermeáveis a mensagens radicais de extremismo.

Por alastramento ter-se-á de acolher os migrantes e de aceitar os que se querem integrar. Mas também tem de se ser decidido e intransigente na luta contra possíveis contágios de extremismos, e impedir que se instale a indiferença ou a exclusão para quem tem diferentes origens e padrões. A intolerância e a xenofobia combatem-se com inclusão e integração, respeitando diferenças, mas criando e alargando as bases culturais comuns de entendimento. Criar políticas de adaptação e de integração não significa obrigar a fazer escolhas sobre políticas ou religiões, teremos que obrigatoriamente adotar métodos menos impositivos de fatores de diferenciação e de exclusão. Caso contrário, promoveremos o crescimento de guetos etnicizados a par de condomínios securitários e excludentes.

Perante uma ameaça global, apenas com respostas globais, em paridade com atuações locais contextualizadas[28], se poderão encontrar políticas duradoiras e eficazes. O paradoxo do mundo em que vivemos, como nos refere Moisés Naím no seu livro (ver bibliografia), é que num dos momentos em que mais necessitamos de uma resposta coordenada, global e centralizada é exatamente quando o poder se encontra mais disperso, efémero e desigual. Tem de se encontrar uma determinação comum para demonstrar aos possíveis aderentes do radicalismo que há um caminho global mais justo, mais equilibrado e mais respeitador das liberdades individuais[29].

Tem-se também de atuar onde a argumentação se alastra e contamina. Dentro da religião e entre religiões. Se é verdade que estes radicais não representam o Islão, também não podemos ignorar que nele que se inspiram e usam como base para explicar e justificar as suas ações. Tal como os inquisidores usavam a Bíblia para argumentar o injustificável, acabando por ser excluídos da religião cristã, também se terá que usar a mesma fórmula para com os radicais que usam o Islão em seu proveito. Assim, caberá, dentro das várias ramificações do Islão, encontrar as melhores respostas apelativas e com mensagens também elas mais claras contra os extremismos, para contrariar estas visões radicais[30]. Devemos apoiar os muçulmanos moderados, em geral, nesta sua luta contra os radicais, porque a história têm-nos vindo a demonstrar que quando tomamos o todo pela parte, esta foi e continuará a ser a pior opção. Basta lembrar que, quando os moderados alemães pediram apoio para lutar contra o crescimento do movimento Nazi, a resposta de muitos foi o de dizer que “isso é um problema deles”. Só quando nos afetou mais direta ou indiretamente é que muitos decidiram, tarde, demasiado tarde, a agir e o preço foi, como sabemos, inaceitável. Este não é nem nunca poderá ser um problema deles, da religião islâmica, também é nosso e temos a obrigação, o dever moral e o interesse em apoiar a luta interna que se faz contra os radicalismos, o de aceitar a natureza aberta e universalista que esta religião demonstrou e que deverá poder continuar a demonstrar[31].

De outra parte, este é o momento de se dar redobrada atenção à dimensão do fenómeno religioso no mundo. Não será porque autonomizámos o Estado da Religião, e muito bem, que devemos deixar de dar a devida importância ao que move a esmagadora maioria das populações em todo o Mundo. O Ecumenismo é a face mais visível deste esforço que devemos acarinhar, incentivar e apoiar[32]. Nada é mais forte do que a tolerância demonstrada quando várias religiões discutem de forma desassombrada o que as une, muito mais, do que as divide. Fazem-se pontes pelo diálogo e constrói-se pelo exemplo da troca cultural, do enriquecimento mútuo de experiências, pela clarificação de posições dúbias, pela transparência do que se pretende fazer. As religiões são, esmagadoramente, ideias de paz e de concórdia e, tudo, mas mesmo tudo o que puder ser feito para mostrar esta realidade deve prevalecer sobre a dimensão do particular e específico que as divide. Ecumenismo é uma perspetiva e um projeto, possível e desejável[33]. Será esta a via do meio, a via da transparência que permitirá criar relações de confiança mútua e de partilha de valores de sã convivência.

Tem de se atuar maioritariamente através de aliados regionais e locais. Como se procurou explicar, a emergência de radicalismos e as ameaças colocadas pelos grupos que pretendem o poder em determinados territórios são, fundamentalmente, um fardo para as populações locais e próximas. Quem conhece a realidade local é quem lá vive e pretende dar continuidade ao seu projeto social. Parece, por isso, desejável e eficaz que sejam as populações locais e regionais a tomar a liderança na luta e erradicação dos radicalismos. Estamos conscientes dos perigos e dificuldades, é inegável, existem agendas, projetos e interesses das várias potências envolvidas, mas isso faz parte da dinâmica do sistema político internacional[34]. Interesses também existem por parte das potências exteriores. Num planeamento estratégico bem executado, interesses e objetivos de todos os envolvidos têm de estar bem identificados e superiormente levantados, mas não podem nem devem ser inibidores do princípio político que consideramos mais apropriado, o da primazia das lideranças regionais e locais na procura de soluções duradoiras. Saber apoiar e saber ouvir é substancialmente diferente de se ter supostas perceções de como agir unilateralmente segundo critérios culturais próprios.

Dever-se-á continuar a aprofundar, dentro e fora de cada estado, a eficácia de sistemas complementares e coordenados entre segurança e defesa, entre políticas sociais e desenvolvimento económico, entre políticas nacionais, regionais e internacionais. Para se ser eficiente, eficaz e sustentável é necessária uma ação cívica junto das áreas onde se recrutam os extremistas, em conjugação com uma política efetiva que possibilite uma boa governação e condições de inclusão social. A par de uma estratégia de “Drones, Loans and Phones”, com mais ou menos “Special Forces on the ground ”, ou seja, em paridade com uma atuação direta e indireta, sobre os ativistas, sobre as suas fontes de financiamento e sobre as suas comunicações, acompanhadas de ações dos soldados locais com forças especiais internacionais bem preparadas, terá de haver sempre a correspondente, e coordenada, política de prevenção e de melhoria da estabilidade social dentro e fora das áreas em perigo[35]. Apenas com abordagens holísticas e sistémicas, dentro de cada estado, dentro de cada aliança e entre aliados e parceiros, será possível encontrar soluções completas e complementares[36].

Só assim se poderá entender o que é a parte, muito pequena, da grande política contra o radicalismo jihadista, da contenção do fenómeno pela forma direta, ou seja, do confronto direto das Forças Armadas e de Segurança contra os grupos radicais. Esta pequena parte da grande política, esta estratégia parcelar que deriva de uma estratégia total coordenada e ampla, estará necessariamente em último lugar, porque será sempre a mais efémera. É necessária, mesmo necessária, mas sem as anteriores políticas poderá ter sempre efeitos efémeros (até mesmo, por vezes, contraproducentes) pela escolha errada em apostar em execuções estratégicas demasiado limitadas, pouco ambiciosas e descoordenadas entre os múltiplos interesses dos vários atores do sistema internacional. Não nos arriscamos a detalhar esta componente da análise, porque estaria sempre demasiado comprometida na sua vastidão e levaria apenas a uma leitura conjuntural do problema[37] que temos vindo a contrariar. O problema não é, de todo, conjuntural, é: antigo, global, grave e estrutural.

 

Maus diagnósticos provocam soluções incompletas

Leituras enviesadas, realizadas quase exclusivamente a partir do ponto de viragem do 11 de setembro de 2001, ou ainda pior, extrapoladas apressadamente sobre os efeitos das “Primaveras Árabes”, têm levado a conclusões precipitadas, a propostas de soluções incompletas, porque teimam em ignorar a dimensão global e secular da génese dos problemas.

As soluções que advogamos ainda necessitam de se transformar em estratégias exequíveis e estáveis, de ser desenhadas para várias décadas de implementação e com marcos bem estabelecidos para a sua revisão parcelar. Também, por isso, este texto se encontra incompleto e inacabado, apenas tivemos a pretensão transmitir a nossa interpretação dos factos, de levantar possibilidades de análise e, acima de tudo, estimular o debate consequente.

Hoje, muito mais do que no passado, há menos tempo para tentar, mas também para errar, porque a dimensão dos fenómenos raramente se limita a uma só dimensão regional, local ou temporal. Vivemos num mundo global, mas de poder local, com problemas graves que não se resolvem nem com respostas conjunturais desconcertadas nem com ausência de ação. O momento é de agir, mas o tempo disponível para o fazer revela-se muito longo e extenuante, certamente obrigará a muito empenho, a um verdadeiro espírito colaborativo, de coordenação e à tomada de decisões vitais que perdurarão nas próximas duas gerações.

Mas são soluções perfeitamente possíveis, alcançáveis e desejáveis.

Oxalá.

 

Bibliografia

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* Agradecemos ao Major General João Vieira Borges, ao Professor Doutor Felipe Pathé Duarte e ao Tenente-coronel da GNR Pedro Moleirinho pela revisão, recomendações e críticas a este artigo.

** Sócio Efetivo da Revista Militar.

 

[1] Sobre a grande variedade das origens sociais dos terroristas, podemos ler em Stern & Berger, 2015 ou em The 9/11 Commission Report.

[2]  Ver sobre esta tendência o livro de António José Telo e Nuno Lemos Pires – Conflitos e Arte Militar na Idade da Informação (1973-2013), Lisboa, Tribuna da História, 2013.

[3]  Sobre a escolha desta designação ver a obra de Felipe Pathé Duarte, Jihadismo Global: das palavras aos actos, Marcador, Lisboa, 2015.

[4]  Em especial os livros de Virgil Gheorghiu, A vida de Maomé, Lisboa, Edições 70, 2002; de Akbar S. Ahmed, O Islão, Lisboa, Bertrand, 2001 e de Jaime Nogueira Pinto, O Islão e o Ocidente: A grande discórdia, Lisboa, D. Quixote, 2015.

[5]  Gheorgiu, 2002: 166-168.

[6]  “Uma religião de uma simplicidade espantosa. Não oferece uma filosofia complicada nem uma hierarquia estabelecida e fundamentada em castas e riqueza, nem um chefe espiritual vivo, nem padres. Na sua essência é: Um Deus, um Livro e um Profeta” (Ahmed, 2001: 77).

[7]  Ver descrição completa da “Lendária Batalha de Badr”: “Deus o ajudará. Deus não pode deixar que os pagãos esmaguem aqueles que o adoram e honram (…) Da nuvem descem anjos armados (…) o prestígio e a vitória de Badr abrem ao Islão as portas da história”; Gheorgiu, 2002: 212-223.

[8]  Detalhes sobre as comparações entre os grupos atuais e os Carijitas estão bem elaborados num artigo de Ali Mamouri: “Saudi Mufti Sheikh Abdul Aziz Al ash-Sheikh issued a statement in August 2014 calling IS an extension of the Kharijites who “believed that killing Muslims was not a crime, and we do not consider either of them Muslims”, http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2015/01/islamic-state-kjarijites-continuation.html#ixzz3w ZPaqvSY”, consultado em 7 de janeiro de 2016.

[9]  O salafismo, embora inicialmente tendo demonstrado uma certa abertura, foi-se manifestando por parte de muitos dos seus adeptos como mais radical ao longo dos tempos, pelo que é normal o mesmo ser reforçado com adjetivos como os usados por Loretta Napoleoni com “Salafismo Radical” (2015: 87) ou por Stern & Berger com “Salafismo Jihadista” (2015: 9), definido como sendo: o “Ramo do Salafismo que defende que qualquer governo que não governe através da Sharia é um regime infiel ilegítimo. O Salafismo jihadista abraça o uso da violência para derrubar estes regimes”.

[10]  Os Ibaditas, inicialmente também em Bassorá, foi em Omã que estenderam a sua ação e, embora muito menos violentos, defenderam sempre o estrito e inquestionável comportamento moral de acordo com o carácter literal do Alcorão.

[11]  O jihadismo, por princípio, é em si radical. Muitos autores tendem a preferir a palavra “fundamentalista” (ver Borges, 2012). O jihadismo parte da jihad menor (ou jihade pequena) – “a pequena jihade: a defensiva e a ofensiva (…) a jihade ofensiva, por seu turno, só podia ser invocada pelo califa (…) a sua missão era não a de defender o Islão, mas de o expandir” (Napoleoni, 2005: 81).

[12]  Takfir: “pronunciamento de um muçulmano como apóstata. Normalmente entendido pelos jihadistas como uma autorização religiosa para se matar o sujeito” (Stern & Berger, 2015: 11).

[13]  “Os muçulmanos queixam-se de terem sido duplamente colonizados pelo Ocidente: a nível político, no século XIX, e a nível cultural, no século XX” (Ahmed, 2001: 16).

[14]  “Organizações que surgiram por todo o mundo árabe no início da década de 1990, criada por jiadistas anti-soviéticos veteranos (…) Groupe Islamique Armé (GIA), na Argélia, Exército Islâmico Aden-Abyan, no Iémen” (Napoleoni, 2015: 87).

[15]  Ver do autor: Wellington, Spínola e Petraeus: o comando holístico da guerra, Lisboa, Nexo, 2014.

[16]  “Um Estado Concha pode ser tão pequeno como um subúrbio ou tão grande como um Estado genuíno (…) o seu território ideal encontra-se em enclaves devastados pela guerra onde todas as infraestruturas ruíram e a autoridade política desapareceu” (Napoleoni, 2015:49); também referido como “vanguarda” em Stern & Berger, 2015:100.

[17]  Ver, do autor: “Terrorismo: Uma ameaça Perene”, Vol 64 nº 6/7 (Junho-Julho) da Revista Militar, pp. 663-680, 2012 e Borges, 2013:85.

[18]  “Reuniu uma multidão de cristãos e juntos destruíram e incendiaram o Templo de Serápis (uma divindade sincrética do mundo helénico e egípcio). Em seguida, o prédio contíguo da prestigiosa biblioteca da Alexandria – também conhecida como Museu (templo das musas que representavam as realizações da criatividade humana) – foi saqueado e destruído, deixando as estantes da biblioteca vazias e obscurecidas pelo preconceito religioso. Foram destruídas também as estátuas das deusas, altares e outros símbolos de cultos pagãos” (em http://redesaude.org.br/comunica/opinao/hipatia-de-alexandria-epicurismo-e-a-realizacao-pela-ciencia, consultado em 3 de janeiro de 2015).

[19]  “o xeque Abu Muhammad al Maqdisi, um dos arquitetos do Salafismo Jihadista (…): qualquer governo que não dirija o país de acordo com uma interpretação estrita da Sharia é um regime infiel que tem de ser alvo de oposição violenta” ou noutra passagem do mesmo livro, notando-se que até o próprio Bin-Laden ficou incomodado com as posições extremas de “al-Zarqawi em que todos os muçulmanos xiitas deviam ser mortos” (Stern & Berger, 2015: 37-38).

[20]  “No mundo atual, a falta de ideais, as dificuldades materiais levam os jovens à procura de uma forma de melhorar a vida, se possível com certa dose de glória. Há uma busca de objetivos que o autoproclamado Estado Islâmico potencia, propondo ideais religiosos e políticos aos seus combatentes, melhorando-lhes as condições sociais, proporcionando-lhes casamento.” Professor Doutor António Dias Farinha, em entrevista ao Expresso, em 06 de Janeiro de 2016. Sobre o direito à escravatura ver Stern & Berger, 2015: 250-254.

[21] Em http://www.cmjornal.xl.pt/opiniao/colunistas/rui_pereira/detalhe/guerra_das_lajes.html, consultado em 3 de janeiro de 2015.

[22]  Como apelou o principal porta-voz do Estado Islâmico, a 21 de setembro de 2014, para se fazer a luta em todo o mundo: “Se conseguirem matar um descrente americano ou europeu (…) acreditem em Alá e matem-no de qualquer forma (…) esmaguem a cabeça dele com uma pedra, degolem-no com uma faca, atropelem-no com um carro, atirem-no de um lugar alto, esganem-no ou envenenem-no (…) queimem a casa dele, o seu carro ou o seu negócio” (Stern & Berger, 2015: 123).

[23]  Ver as sucessivas declarações de Bay’at e de reconhecimento de Wilayat em Stern & Berger, 2015: 210-219.

[24]  Os objetivos, as estratégias a prosseguir, as técnicas a usar e as metodologias para se alargar estão descritas em inúmeras obras referenciadas: de Abu Bakr Naji, escrito em 2004, um tratado de 113 páginas, intitulado (tradução para inglês) de “Management of Savagery: The most critical stage through which the Ummah will pass”; Abu Musab al-Suri e a obra de Nasar’s de 1.600 páginas “The Global Islamic Resistance Call”, também em 2004; entre muitas outras referências discriminadas nos textos de Nuno Rogeiro, de Luís Tomé, de Felipe Pathé Duarte e de Stern & Berger (ver bibliografia).

[25]  Por vezes, os efeitos imediatos de mudanças políticas em determinados países podem trazer consequências indesejadas como se pode aferir pelas palavras de Loretta Napoleoni (2015:14): “O Kuwait, o Qatar e a Arábia Saudita, visando uma mudança de regime na Síria, dispuseram-se a financiar um grande número de organizações armadas, de que o EI é apenas um exemplo”.

[26]  Ver do autor: “Das Ameaças-Riscos Intangíveis aos Estados Frágeis e às Guerras Civis” no livro Ameaças Transnacionais, Universidade Nova, Lisboa, 2016.

[27]  “Nem todos os fundamentalistas são terroristas, mas todos os terroristas são fundamentalistas (…) o fundamentalismo é a transformação da religião em ideologia” (Esther Mucznik em Borges, 2012:44).

[28]  “Pensar global, agir local”.

[29]  Tivemos uma oportunidade única em 2001, mas não a soubemos aproveitar, em parte, porque a visão do terrorismo e das suas causas foi conjuntural e não global como bem demonstra o estudo detalhado em Borges, 2013: 75-87.

[30]  “Discursos longos e aborrecidos por líderes espirituais islâmicos não vão mudar a mentalidade dos jovens atraídos pelas mensagens do ISIS e outros radicais (…) é necessário uma maior envolvimento do setor privado, das companhias da internet e dos media, que saberão fazer mensagens apelativas e mais direcionadas”, no fundo fazendo o que é mais importante, que será “Winning the War of Ideas” (Stern, 2015: 68-70).

[31]  Como defendia Hegel: “a religião tem sido uma força reconciliadora na sociedade, não uma força divisora” (Borges, 2012: 20).

[32]  Como se pode ler na declaração aprovada pelo Parlamento Mundial das Religiões em Chicago, em 1993: “Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões sem critérios éticos globais. Não haverá sobrevivência do nosso globo sem um ethos global, um ethos mundial” (Borges, 2012: 8).

[33]  “(…) o diálogo, complexo e exigente, de civilizações, culturas e religiões é necessário, possível e frutuoso. É o melhor contraponto para o isolamento, a desconfiança e o confronto, mas também o mais potente incentivo à abertura, ao entendimento e à tolerância” (Jorge Sampaio em Borges, 2012: 97).

[34]  Neste momento em que escrevemos, em que a Arábia Saudita endurece as suas posições relativamente ao Irão, a situação ainda é menos favorável, sendo o desafio ainda maior.

[35]  Stern, 2015: 64.

[36]  Ver a teoria do comando holístico da guerra, em Lemos Pires, 2014.

[37]  Algumas propostas podem ser encontradas no texto do autor em: “As Forças Armadas e o Terrorismo Internacional” (2015), Revista Segurança & Defesa Nº 31, pp. 08-14.

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