Nº 2575/2576 - Agosto/Setembro de 2016
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Portugal, os Portugueses, as Opiniões Publicas e a Guerra de 1914-1918

Nuno Mira Vaz

 

O Coronel Mira Vaz, professor de Sociologia Militar, mestre em Estratégia e Doutor em Ciências Sociais, oferece-nos uma obra que é resultado de uma pesquisa sistemática nos jornais e publicações mais relevantes editadas em Portugal, durante a Grande Guerra de 1914-1918, nas quais se refletiram as diferentes opiniões públicas daquele período.

O prefácio, do conhecido jornalista Henrique Monteiro, ajuda-nos a compreender melhor o título deste livro pois que, como deixou escrito, em Portugal, ao contrário dos países anglo-saxónicos e nórdicos, “onde o jornal da cidade ou da comunidade, por definição, continha um conjunto plural de opiniões, a nossa imprensa nasce e desenvolve-se à volta de projetos políticos ou ideológicos”, havendo jornais apoiantes das diversas fações republicanas, como os havia monárquicos, anarquistas e socialistas.

À época, as principais fontes de informação disponíveis, para os portugueses que sabiam ler, eram os jornais diários e outras publicações periódicas publicadas em Lisboa e Porto e noutras cidades e vilas da província.

As “opiniões públicas”, como lhe chama o autor, porque eram as mais diversas, estavam estribadas em interesses e ideologias e eram veiculadas pela imprensa da época, mas esta alcançava apenas uma percentagem dos portugueses, porquanto mais de 70% eram analfabetos. A imprensa ilustrada com fotografias, essa era a que mais podia aproximar-se dos iletrados pois, através da imagem, estes podiam percecionar o que se passava em Portugal e no mundo. As fontes publicadas estavam ligadas às elites políticas, à Igreja e aos sindicatos e apresentavam-se profundamente divididas quanto aos projetos que tinham para o nosso país e, em particular, repartidos quanto ao papel que Portugal deveria ter no grande conflito.

As operações militares, nas diferentes frentes de batalha, foram fortemente influenciadas pelas opiniões públicas, porquanto estas afetaram diretamente a vontade e o moral das tropas. O confronto permanente entre guerristas e anti-guerristas, dominava a sociedade portuguesa da época. Os grupos mais influentes, dirimiam-se no Parlamento, no seio do Governo e na Administração Pública, enfrentamento que se estendia às famílias, grupos sociais e também às Forças Armadas.

A agitação social própria de um período instável e pleno de carências, a censura da imprensa, as greves, a repressão policial, a guerra do pão e das subsistências, as quedas dos Governos por meios violentos, as centenas de mortos e feridos resultantes das confrontações, são escrutinadas pelo autor, recorrendo às publicações que chegavam às mãos dos leitores. Indisciplina e agitação social que se vai refletir nas nossas forças militares destacadas no Ultramar e na Flandres, que acompanhavam à distância as confrontações políticas ocorridas na sua pátria.

Mas, para melhor compreensão do âmbito desta obra, nada melhor do que reproduzir algumas das observações do autor. Segundo ele esta obra faz:

“uma abordagem centrada na formação das opiniões públicas e na forma como elas evoluíram durante o período considerado, orquestradas por atores interessados em condicioná-las, fosse na busca de um grande consenso nacional relativamente à participação na guerra ou na manifestação da sua discordância. Trata-se, em suma, de averiguar como foi percecionada pelos portugueses a guerra de 1914-1918 e que consequências ela trouxe para o seu quotidiano”.

Na impossibilidade de cobrir todos os jornais e publicações portuguesas, o autor privilegiou os de maior difusão nacional que propagavam diferentes ideologias e correntes de opinião. Trabalho hercúleo de paciência e determinação!

Quais foram então as fontes escritas mais consultadas pelo autor? Além da principal revista ilustrada que circulava em Portugal, “A Ilustração Portuguesa”, os mais escrutinados foram:

1. O Diário de Notícias, considerado pelo autor o mais informativo e menos ideológico de todos os jornais;

2. O Século, com antecedentes e ligações à monarquia, embora apresentando-se na época como jornal republicano independente;

3. A República, com ligações ao partido Evolucionista;

4. O Mundo, considerado o órgão oficioso do partido Democrático;

5. O Dia, monárquico;

6. A Lucta, de inspiração Unionista;

7. O Intransigente, que apoiava Machado dos Santos;

8. A Capital, próximo do partido Democrático;

9. A Situação, órgão do partido Nacional Republicano que apoiava Sidónio Pais;

10. A Nação e a Ordem, ambos de inspiração católica;

11. A Greve, O Combate e a Aurora, ligados às correntes institucionais, socialistas e anarco-sindicalistas do movimento operário.

Na análise destes periódicos, Mira Vaz procurou dar mais atenção às notícias do setor militar, porquanto os militares foram protagonistas de relevo nas movimentações de natureza política que ocorreram no período da guerra e porque participaram nas diversas frentes do conflito. Mas sem dar atenção aos aspetos de natureza estratégica ou operacional.

No capítulo II, aborda a importância da opinião pública nos regimes democráticos e ainda os condicionalismos à liberdade de informação, em particular a Censura imposta durante a guerra que também abarcou espetáculos, teatros, discursos, livros, panfletos, etc.

Em seguida, num capítulo que designou “Um país em convulsão”, aborda a carestia de vida, o proletariado urbano e rural, a questão religiosa e os milagres de Fátima, as reações contra a República, a cisão dos republicanos, a violência, as greves, os pronunciamentos e a postura dos militares na evolução do processo político.

Depois, em “Duas guerras lá tão longe”, trata da questão da neutralidade portuguesa e da postura dos líderes políticos, dos movimentos sindicais e anarquistas, dos militares, dos monárquicos e dos argumentos esgrimidos a favor da intervenção no conflito para supostamente se garantir a manutenção do Império e a legitimação da República.

Alguns políticos, militares e intelectuais de craveira assumidamente “guerristas”, tais como Afonso Costa, Jaime Cortesão, Augusto Casimiro, Teixeira de Pascoais, Teófilo Braga e Raul Proença, defendiam com paixão o nosso envolvimento na Flandres. Em contraponto sobressaía o “antiguerrismo” de Brito Camacho, dos sindicalistas e anarquistas e dos monárquicos.

Estas fraturas domésticas e as duras condições das trincheiras, foram desgastando o moral dos combatentes, que se vinha degradando com a forma como eram feitas as nomeações para França, a gestão das licenças de campanha, os boatos, o não “roulement” dos militares das primeiras linhas, as carências logísticas, sanitárias e higiénicas. Isto, apesar da mobilização de parte da sociedade portuguesa, apoiando a intervenção e criando organizações de apoio aos combatentes.

Na análise da Imprensa do período 1914-1918, sobressaem as publicações periódicas que o autor dividiu em dois momentos distintos, indo o primeiro até à declaração da guerra e o segundo, desde essa data até ao final do conflito.

A imprensa “guerrista”, em particular O Século e O Mundo, empenhava-se em passar para a opinião pública, a imagem do voluntarioso soldado português “ardendo de zelo patriótico e amor à pátria”. Mas depois veio a realidade de “La Lys” e, lentamente, a nossa imprensa foi traçando a verdadeira dimensão da tragédia, a fragilidade das nossas forças, a falta de meios e de reforços, a redução dos efetivos porque não havia rendição das baixas e o cansaço moral e físico dos nossos homens após terem passado mais de um ano entrincheirados na lama da Flandres.

Finalmente, em 11 de novembro de 1918, foi assinado o Armistício. No dia seguinte o Diário de Notícias titulava na primeira página “A Vitória e a Paz”:

“A maior guerra de todos os tempos terminou enfim, e vamos entrar numa era de paz que também ficará para todo o sempre como a mais alta, a mais nobre, a mais indestrutível afirmação da justiça dos homens!

Não acabou apenas uma gigantesca luta armada entre nações e exércitos: terminou, simultaneamente, um prélio secular entre a Força e o Direito, entre a Opressão e a Liberdade”.

Esta obra apresentada num volume de 208 páginas, publicada em maio de 2016, pelo editor António José Coelho da Quartzo Editora, prefaciada por Henrique Monteiro e integrada no âmbito da Evocação dos 100 Anos da I Grande Guerra (1914-1918), constitui um importante contributo para a história portuguesa daquele período, pelo que se recomenda a sua leitura.

A Revista Militar agradece a oferta deste livro e felicita o editor e o autor por mais esta iniciativa.

 

Major-general
Manuel António Lourenço de Campos Almeida
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2017-02-13
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