O Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso que proferiu na recente Cerimónia Oficial das Comemorações do “5 de Outubro de 1910”, recordou, entre outros factos históricos que, “há precisamente cem anos, em 1918, divisões fratricidas, debilidades partidárias, tratamento errado das Forças Armadas e incapacidade para enfrentar crises económicas e sociais conduziram ao antiparlamentarismo e ao providencialismo de um homem, num apelo ao Estado pós-partidário, que a si próprio se chamava República Nova”. Nesta oportunidade, ainda recordou que “não há verdadeira democracia sem sistema político dinâmico e gerador de alternativas, sem atenção a entidades estruturantes como as Forças Armadas”.
Na semana seguinte, através dos órgãos de comunicação social, tivemos oportunidade de ver e ouvir o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas a elogiar as Forças Armadas, na cerimónia militar da condecoração da Esquadrilha de Helicópteros da Marinha, a qual foi agraciada com a Medalha de Membro Honorário da Ordem do Infante D. Henrique: “Os portugueses reveem-se e confiam nas suas Forças Armadas. A relevância da sua missão, os seus valores e princípios, o firme sentido do dever e o seu exemplar desempenho na defesa da nossa soberania prestigiam Portugal e constituem motivo de orgulho para todos os portugueses. Um orgulho que todos, dos menos aos mais responsáveis devem contribuir para sublinhar dia após dia”.
Neste contexto, não podemos deixar de registar o Voto de Congratulação da Assembleia da República, de 28 de setembro, p. p., “pela forma corajosa, abnegada, equilibrada e altamente profissional como os militares portugueses têm cumprido as suas missões, contribuindo para assegurar a paz e estabilidade na República Centro-Africana, dignificando Portugal e as Forças Armadas.
Com a consciência da gravidade dos factos que, de algum tempo a esta parte, se têm vindo a suceder, e do impacto negativo que os mesmos possam ter nas Forças Armadas, não podemos deixar de saudar as recentes intervenções dos mais altos responsáveis pela soberania do Estado, com realce para a necessidade de tratar as mesmas com a dignidade que as “instituições estruturantes do Estado” merecem e lhes é devido. Naturalmente, estes assuntos levantam também preocupação a todos os militares, estejam no Ativo, na Reserva ou na Reforma.
Mas os militares continuam também preocupados, muito preocupados, com outros temas estruturantes para as Forças Armadas, tendo presente a verdadeira identidade da Instituição Militar, as características dos seus servidores militares e civis, a essência da condição militar e os problemas que urge resolver e que estão diretamente relacionados com a eficácia e eficiência das capacidades para o desempenho das missões atribuídas.
Importa ter presente que as Forças Armadas têm como fundamentos estruturantes, a hierarquia, a disciplina, a competência e a coesão, onde a administração da disciplina e a aplicação da justiça se tem de fazer com celeridade, embora contemplando as oportunidades de defesa de quem está indiciado, no quadro do Código de Justiça e do Regulamento de Disciplina Militares, em que a Polícia Militar é também um instrumento desse processo.
Igualmente importante e decisivo para o cumprimento das missões atribuídas às Forças Armadas está a formulação e execução da Lei de Programação Militar (LPM), tendo presente que esta se destina a garantir os sistemas de armas de que os três Ramos carecem, de forma coerente e harmónica e não, a seleção de equipamentos que interessam prioritariamente à indústria nacional, seja a naval ou o desejo da constituição de um “cluster” aeronáutico.
A participação da indústria nacional em projetos internacionais cooperativos de sistemas de armas é sempre desejável e vantajoso, mas deve ser também claro que, se determinado projeto é do interesse da economia nacional, então o financiamento ou parte dele deve ser encontrado fora da LPM.
Relativamente ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), os militares sentem a necessidade da sua revisão e melhoramento, tendo igualmente em consideração o que em termos sociais e apoio na saúde foi posto em causa em legislaturas anteriores. Na atualidade, não foi revertida qualquer das medidas então tomadas, designadamente, a extinção do Fundo de Pensões e do Complemento de Pensão; a insuficiente capacidade de resposta atual do Hospital das Forças Armadas (HFAR), quer aos militares nas diversas situações (Activo, Reserva e Reforma) quer em relação à Família Militar; a situação do Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA) e a sua real capacidade para dar resposta às legítimas expectativas das várias gerações de militares, que construíram esta Obra e que esperam, na velhice, encontrar ali um acolhimento digno.
Carece igualmente de reapreciação a decisão de concretizar a estrutura superior dos três Ramos, de forma idêntica, sem atender à especificidade das missões de cada um, dos meios que operam e do ambiente operacional em que atuam e à dimensão dos efetivos de que dispõe cada um deles. Também o controlo orçamental, estendido aos processos de recrutamento e de desenvolvimento de carreiras militares, entre outros, pôs em causa o primeiro e limita competências aos Chefes de Estado-Maior, com perturbações ou prejuízo para a sua ação de comando, com incidências em áreas como os recursos humanos, operações e segurança ou a logística e, mais recentemente, na disciplina.
Mas deve sublinhar-se que o principal problema com que as Forças Armadas se confrontam hoje, diz respeito aos efetivos em pessoal, ao processo de recrutamento e aos atrativos que existem para motivar os jovens a servir o país na Instituição Militar. Este é um debate político e social que é urgente efetuar, relativo ao modelo e políticas de prestação de serviço militar, sob pena de, a curto prazo, poder estar em causa o cumprimento das missões de soberania. Será que a recente decisão, relativa à extensão de alguns contratos para dezoito anos constitui solução para o problema de efetivos com que se debatem as Forças Armadas? A revisitação da História conduz-nos a épocas em que soluções deste teor tiveram repercussões menos positivas quanto a “supostos direitos” dos então abrangidos, tendo originado mesmo situações de perturbação e instabilidade na Instituição Militar.
Os militares mantêm a expectativa positiva quanto às competências dos Órgãos de Soberania Nacional, no sentido de serem atendidas as condições institucionais que suportem o cabal cumprimento das missões das Forças Armadas, com a “dignidade de Estado” com que possam merecer a confiança e o respeito de todos os portugueses. Igualmente que não se pactue com lutas de poder dentro do Estado, com execução de procedimentos claramente excessivos, que atentam contra a dignidade, quer dos atingidos quer das instituições que servem e que apenas visam pretender marcar uma “superioridade institucional”, e não favorecer a funcionalidade dos procedimentos.
Além de tudo, o espetáculo mediático a que temos assistido, quando
ignora a presunção de inocência e viola impunemente o segredo de justiça contribui para o enfraquecimento do regime democrático, da dignidade do próprio Estado e da sã convivência entre as suas instituições.
* Presidente da Direção da Revista Militar.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.