Nº 2625 - Outubro de 2020
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Nas últimas semanas, mais precisamente a partir de 27 de Setembro do corrente ano, temos vindo a assistir à confrontação militar entre a Arménia e o Azerbaijão a propósito do território de Nagorno-Karabakh (N-K) e Distritos circundantes, controlados pelas forças armadas da Arménia, desde o cessar-fogo estabelecido em 1994, que pôs termo ao conflito com o Azerbaijão, o qual, durante quase quatro anos, provocou cerca de 30 000 mortos e mais de um milhão de deslocados.

Durante o período soviético, o território de N-K era parte do Azerbaijão, que, por sua vez, integrava a URSS. Com o desaparecimento desta, a maioria arménia (cristã) procurou uma união com a Arménia ou mesmo a independência, o que levou aos confrontos internos com a minoria Azery (muçulmana, étnica e culturalmente próxima dos turcos) e com o Azerbaijão, tendo o cessar-fogo atribuído à Arménia, o controlo dos distritos circundantes de N-K.

A situação no terreno teve o apoio da Rússia, que tem um Tratado de Defesa Mútua com a Arménia, embora a ocupação não seja internacionalmente reconhecida, considerando que os territórios dos Distritos continuam a fazer parte do Azerbaijão. Desde aquela data, a situação não se alterou. Passaram já mais de 25 anos e o controlo dos Distritos circundantes de N-H tem-se vindo a consolidar, como forma de garantir a ligação, cada vez mais estreita, com a Arménia, embora, ao longo deste tempo, se assistisse, continuadamente, a esporádicas escaramuças militares. A situação agudizou-se com as declarações e diversas ações internacionais encetadas pelo PM da Arménia, Nikol Pashinyan, no sentido da unificação de N-K com a Arménia. A reação do Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev foi escalar a gravidade dos acontecimentos, recorrendo ao emprego de forças militares.

Os combates têm-se intensificado e os observadores e organizações no terreno apontam para centenas de mortos com bombardeamentos à principal cidade de N-K, Stepanakert, e à segunda maior cidade do Azerbaijão, no norte, Ganja. Do lado azery, há a referência da ocupação de mais de uma dezena de zonas populacionais no distrito de Jabrayil, que faz fronteira com o Irão e um dos sete que servem de “anel de segurança” ao enclave de N-K. O equilíbrio militar inicial, com umas forças armadas mais capazes e profissionais do lado arménio, tem vindo a ser alterado com a intervenção da Turquia, apoiando o Azerbaijão em meios militares, designadamente com drones e com a presença de centenas de mercenários provenientes da Síria, situação documentada na comunicação social.

Ambos os países declararam a mobilização geral, sendo que do lado arménio esta foi assumida como um desígnio nacional e com a adesão da população à participação no recrutamento, com o sentimento de que a defesa de N-K é inseparável da sua sobrevivência como país independente. No caso do Azerbaijão, a mobilização não tem tido o mesmo impacto, designadamente, junto das camadas mais jovens, que consideram a situação como uma “questão de recuperação, pelos mais velhos, do orgulho nacional ferido”, pela perda de uma zona montanhosa, que não conhecem e que ocorreu quase há trinta anos; esta realidade tem igualmente sido apontada, como uma das razões para a necessidade da participação dos mercenários sírios, patrocinada pela Turquia, como forma de ultrapassar as dificuldades encontradas na mobilização.

A presente melhoria da qualidade tecnológica da capacidade militar do Azerbaijão deve-se à aquisição de sistemas de armas à Rússia, a Israel e ao fornecimento de drones turcos (BT 2), já utilizados na Síria e que, para além da destruição que provocam, fazem o seu registo fotográfico, com tremendo impacto psicológico na guerra de informação sobre o conflito. Os riscos de internacionalização do conflito em termos regionais é real, os combates têm ocorrido na fronteira com o Irão e posto em risco a segurança dos “pipeline”, de petróleo e gás natural, que partem do Mar Cáspio  e chegam à Turquia através da Geórgia. Em termos internacionais, temos assistido às declarações da ONU, da UE, da OTAN, dos EUA e da Rússia para que parem as hostilidades, mas sem interlocutor convicto, nem grande empenhamento dos dois últimos, por razões distintas e, no caso da Turquia, a um incentivar do Azerbaijão a continuar e intensificar as ações militares, com Erdogan a “garantir total apoio aos seus irmãos azerys, na sua luta sagrada, até à vitória final”.

Relativamente aos EUA, a situação eleitoral atribui a esta questão “uma não prioridade” e a Rússia, embora pretenda ter uma intervenção visível o mais tarde possível, não deixará de honrar o seu compromisso político para com a Arménia, na altura que considerar inevitável, mas, entretanto, vai deixando tornar evidente a incapacidade da UE para ter qualquer tipo de intervenção na resolução do conflito, para além das declarações políticas que produz e, também, a demonstração da manifesta paralisia da OTAN para refrear os comportamentos belicistas e de afirmação de poder regional de um seu país membro, com uma agenda expansionista do que considera ser o seu interesse nacional, mesmo à margem do direito internacional que, no mínimo, perturba a coesão política e militar da Aliança.

Quanto à ONU, sem o apoio e envolvimento dos grandes poderes (neste caso, da Rússia e dos EUA), dificilmente concretizará qualquer Resolução, que imponha uma solução para o diferendo, solução cujo primeiro esboço aponta para um N-K autónomo, com um estreito corredor de ligação à Arménia e a devolução ao Azerbaijão dos Distritos circundantes, proposta que nenhuma das partes está, nesta data, disponível para discutir ou sequer ouvir.

Por razões de política de poder, a nível interno na Turquia, Erdogan tem vindo a jogar um perigoso exercício de afirmação de poder regional, confrontando a Rússia, na Síria e na Líbia, e, agora, no Cáucaso, desafiando e ignorando as críticas da UE e da OTAN; o próximo passo a que poderemos assistir poderá ser em Chipre, com o reinício das prospeções de hidrocarbonetos nos mares daquela ilha e da Grécia, a par de uma eventual resposta musculada à crescente atitude de líderes políticos na República Turca de Chipre, favoráveis à reunificação, descontentes com a assimetria de desenvolvimento e que encaram a presença dos cerca de trinta mil soldados turcos não como uma garantia de segurança, mas sim como uma força de ocupação.

O Presidente da Turquia, Erdogan, irá continuar o seu projeto pessoal de poder, utilizando a religião e o nacionalismo, prosseguindo publicamente a desconsiderar as críticas da UE e da OTAN, a menos que estas organizações tenham a coragem política para assumir atitudes mais firmes, sem receio das continuadas ameaças relativas ao “abrir das portas para a Europa” aos imigrantes retidos e de reiterar ações contrárias ao direito internacional e a colocar em risco a estabilidade regional, fruto de declarações da possibilidade de uma atitude militar agressiva, relativamente à Grécia. Esta é uma situação internacional que importa ser acompanhada com a maior atenção.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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by CMG Armando Dias Correia