Nº 2643 - Abril de 2022
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A formação de Oficiais do Exército Português, no período 1837-1926
Doutor
Filipe Papança

1. Caraterização do período histórico (1837-1926)

Para uma melhor organização, análise e caracterização optou-se por dividi-lo em três partes. Na primeira, denominada Vitória e consolidação do Liberalismo, é analisado o período entre 1834 (fim da Guerra Civil) e 1851 (posse de Saldanha). Na segunda, apelidada de A Regeneração, procede-se à caracterização dos principais acontecimentos que marcaram a vida nacional entre 1851 e o fim da Monarquia (1910) e na terceira, denominada de A Primeira República (1910-1926), procede-se a um resumo dos factos essenciais que marcaram a Primeira República. Quanto aos autores de referência, recorreu-se a Roque e Torgal (1998), Serrão (1986), Marques (2004), Ramos (2006), Martins (1945) e Ramos (2001).

 

1.1. Monarquia constitucional (1834-1910)

O período 1834-1910, em termos de regime político, é caracterizado por uma monarquia constitucional com separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judicial, desempenhando o Rei o papel de Moderador e existindo duas Câmaras: a Câmara dos Senhores Deputados (eleitos) e a Câmara dos Pares (de uma forma geral, nomeados pelo Rei). Ao monarca cabe a nomeação de Pares do Reino, a convocação, nomeação e demissão de ministros, a sanção de decretos e resoluções, a dissolução da Câmara dos Senhores Deputados e a comutação de penas.

 

1.1.1. Vitória e consolidação do Liberalismo (1834-1851)

O período entre 1834 (fim da Guerra Civil) e 1851 (posse de Saldanha) é caracterizado por uma enorme instabilidade política e social, utilizando-se o golpe político como meio normal de acesso ao poder. Como pretexto, eram invocadas as divergências em torno da Constituição e da Carta. O descontentamento popular face ao agravamento das condições de vida motivou revoltas. As próprias eleições eram marcadas por atos de intimidação e violência, caciquismo, de modo a obter-se o resultado desejado. No entanto, efetuaram-se reformas importantes que tiveram um forte impacto na vida nacional, recuperaram-se e restauraram-se alguns monumentos.

O ano de 1834, com a vitória de D. Pedro sobre D. Miguel, marca o triunfo do liberalismo. No entanto, a instabilidade política permanece caracterizada, nos anos seguintes, pela confrontação entre adeptos da Constituição e da Carta. Roque e Torgal (1998) referem que, entre 1834 e 1851, Portugal mudou de código constitucional três vezes, centrando-se as principais divergências em torno de questões relacionadas com a atribuição de poderes ao Rei: os direitos de sanção, de veto, de convocação, de suspensão e dissolução das cortes, de iniciativa legislativa, de nomeação e exoneração de ministros e, sobretudo, a existência de uma segunda câmara. Questões igualmente polémicas, como a da representatividade e da atribuição do direito de voto aos frades, completavam o quadro. A revolução de Setembro de 1837, o golpe de Costa Cabral, em 1842, a eclosão de insurreições armadas, como a de Torres Novas, em 1844, revoltas populares, como a Maria da Fonte (1846), o golpe Saldanha, em 1846, e mesmo de uma guerra civil, a denominada Patuleia (1846-1847), marcaram a vida do país. O ciclo fecha com o golpe de Saldanha de 1851.

Este período ficou indelevelmente marcado pela nacionalização e extinção das ordens religiosas (1834), alimentada pela necessidade de fazer face às despesas da guerra e à vontade de recompensar os novos heróis (inicialmente pagos sob a forma de títulos da dívida pública, os chamados bilhetes azuis), completada pela posterior venda a particulares ou doação a outras instituições públicas (no caso, por exemplo, dos livros pertencentes às bibliotecas ou mesmo de edifícios transformados em escolas, quartéis ou hospitais, das igrejas doadas às paroquias). A venda de bens pertencentes aos partidários de D. Miguel, a tentativa de extinção do papel-moeda, o não reconhecimento das dívidas por este contraídas (constituindo um fator motivador de dificuldades na obtenção de crédito externo até ao fim da monarquia) completam este quadro, tendo as receitas obtidas pela venda de património, alheio na maior parte dos casos, ficando muito aquém do esperado.

Recorrendo novamente a Roque e Torgal (1998), saliente-se que o precário equilíbrio político não impediu o começo de outras reformas importantes que percorrem todo o século, como a reorganização territorial, a criação da Guarda Nacional, o recenseamento das propriedades, a matriz predial, a contribuição predial, a unificação dos pesos e medidas, adotando-se o sistema métrico decimal, a proibição dos enterros fora das igrejas, a extinção dos forais e morgadios, a desamortização dos baldios, a abolição dos direitos banais, a abolição da pena de morte para os crimes civis, a reorganização do crédito hipotecário, o fim do monopólio do tabaco, a entrada em vigor dos códigos administrativo, comercial e civil, o recenseamento militar obrigatório, a remissão do serviço militar, a reforma do ensino, a criação do atestado de óbito e da taxa do covato, a abolição de portagens e a possibilidade de constituição de sociedades anónimas sem prévia autorização governamental.

Segundo Roque e Torgal (1998), outro aspeto marcante é o despertar do sentimento nacional como reação a um certo internacionalismo. Os principais adeptos desta última corrente eram, entre outros, o italiano Mazzini e o português José Félix Henrique Nogueira, e de registar, também, a influência na política nacional de socialistas utópicos, como Owen, Saint-Simon ou Proudhon. Como resposta, assistiu-se a um certo revivalismo do nacionalismo, também como fator de consolidação do poder político, expresso na criação de novas instituições de âmbito nacional, como o Teatro Nacional, sob os auspícios de Passos Manuel e concretizado por Almeida Garrett (inaugurado em 1846), o Conservatório Real de Lisboa (1837), em que intervieram João de Domingos Bomtempo e Almeida Garrett.

No campo educacional assiste-se à institucionalização dos Liceus (1836), à fundação da Escola Politécnica (1837), à criação da Escola do Exército (1837), à criação da Academia Politécnica do Porto (1837) (em substituição da Academia Real da Marinha e Comércio do Porto), à reforma da Universidade de Coimbra e procedendo-se igualmente à extinção de instituições conotadas com o antigo regime, como era o caso do Colégio dos Nobres. Segundo Carvalho (2001), salienta-se ainda a reforma das Escolas Médico-Cirúrgicas, criando-se uma Escola de Farmácia anexa a cada uma delas e um curso para parteiras. Quanto ao ensino primário, de destacar a criação de Escolas Normais Primárias e a elaboração da primeira cartilha maternal por João de Castilho, introduzida a título experimental, em 1848.

Por volta de 1850, com a diminuição global da instabilidade, começou a procurar-se um entendimento e um novo equilíbrio entre as diversas forças políticas em disputa, de modo a favorecer um ambiente propício ao progresso e ao desenvolvimento do país.

 

1.1.2. Regeneração (1851-1910)

No início da segunda metade do séc. XIX, até praticamente ao final da monarquia, instala-se um sistema denominado pelos historiadores de Rotativismo, caracterizado por uma alternância ou partilha do poder entre duas correntes políticas, os progressistas e os regeneradores. Neste período, denominado de Regeneração, assiste-se à construção dos caminhos-de-ferro, rede de estradas, à construção e ampliação de portos, à intensificação das comunicações marítimas, à ampliação do telégrafo elétrico e reestruturação dos correios com a introdução dos selos. Portugal foi mesmo um dos primeiros países europeus a aproveitar o invento do telefone, espalhando-se a respetiva rede muito rapidamente.

A nível económico, é de registar o desenvolvimento da agricultura, o surgimento de unidades industriais, a expansão do sistema bancário e segurador, mesmo em cidades de pequena dimensão, e o incremento da atividade mineira. Decorrentes destas atividades económicas surgem novas classes sociais, como os ferroviários, os bancários, os operários e os tipógrafos. De entre os produtos exportados, saliente-se os produtos agrícolas, cabendo ao vinho a percentagem de 40% do volume total das exportações, os minérios, assim como produtos tanto manufaturados como resultantes de alguma atividade fabril, importando-se principalmente tecidos, cereais, metais, géneros coloniais e matérias primas para as indústrias.

Segundo Roque e Torgal (1998), a partir do momento em que o Estado regulariza os pagamentos, a administração pública consolida-se tornando-se um fator motivador da acalmia social. Mas o excesso de gastos públicos, agravados pelos sucessivos empréstimos contraídos para o financiamento da construção dos caminhos-de-ferro, cria situações confrangedoras, sendo a rutura financeira só evitada à custa de uma difícil renegociação de empréstimos, da alteração do sistema fiscal, da reorganização da dívida pública, registando esta um agravamento sucessivo ao longo da segunda metade do século XIX. Como os investimentos materiais realizados não implicavam um aumento da receita, por vezes, não restava outra saída que não a venda de património, quer do Estado quer de outras entidades, como a própria Coroa.

Segundo estes autores, o enorme desequilíbrio das importações face às exportações contribuiu para agravar o défice da balança de pagamentos. A introdução de pautas aduaneiras tentando fazer face a essa situação contribuiu, também, para o aumento da receita pública, tornando-se os direitos de importação, em pouco tempo, no maior angariador de receitas para o Estado (30% a 40 % da receita total). Tenta-se proteger a incipiente indústria nacional mas, com o tempo, todas as medidas protecionistas acabam por se transformar num fator bloqueador da sua modernização. Por ordem decrescente, em termos de receita fiscal, seguem-se os rendimentos dos tabacos (4% a 25%), a contribuição predial (6% a 15%) e o imposto de rendimento (5% a 13%), não chegando os outros impostos (décima, contribuição industrial, impostos de estradas e viação, imposto de selo, contribuição de registo e dos direitos de consumo de Lisboa) a totalizar mais de 3%. A organização fiscal revelava um Estado mal enraizado no território onde deveria exercer soberania beneficiando, sobretudo, as classes alta e média-alta, uma vez que a base fiscal incidia, essencialmente, no consumo em detrimento do rendimento, uma contradição com os princípios liberais. Este sistema minava as bases da própria cidadania, uma vez que, no início do período em causa, só as pessoas que usufruíam de determinados rendimentos poderiam votar ao mesmo tempo que era possível ficar-se livre do serviço militar mediante o pagamento de determinada quantia a chamada remissão a dinheiro, assim como o acesso à Câmara dos Pares, só possível a quem detivesse uma determinada posição social.

Ainda segundo Roque e Torgal (1998), do lado da despesa, entre os maiores sorvedouros contam-se a Junta do Crédito Público (35%), o Ministério das Obras Públicas (17%) e o Ministério dos Negócios da Guerra (15%), sendo a pequena burguesia constituída ainda, em grande parte, por funcionários públicos. Em termos do sector privado, domínio em que brilham banqueiros, como Burnay, e na indústria, famílias como a Pinto Basto, a percentagem de comerciantes, bancários e industriais aumenta significativamente, mas sempre aquém do que seria desejável para o bom desempenho económico. Estes autores referem, também, que a necessidade de segurança levou a uma procura de títulos da dívida pública, aquisição de bens imobiliários ou contratos de tabaco em detrimento do investimento em capital produtivo. O pouco investimento produtivo que existia estava quase todo nas mãos de estrangeiros, designadamente, nos transportes, indústria mineira, comércio do vinho do Porto e atividade seguradora. Por outro lado, assiste-se a um regresso ao mundo rural por parte de personalidades ligadas aos meios político e empresarial, valorizando-se as quintas, a natureza e o ambiente rústico, beneficiando um pouco a agricultura com esse facto.

As remessas dos emigrantes no Brasil desempenham um papel cada vez maior na economia, dado serem inúmeros os que enriqueciam neste país, agora independente, e que regressados a Portugal ajudam a estimular a economia e, ao mesmo tempo, a compensar o défice da balança comercial, reclamando títulos de nobreza e construindo luxuosas habitações. A própria venda de títulos nobiliários, assim como a concessão de graus das ordens honoríficas como a grã-cruz, ajudavam a aliviar a despesa pública.

Em Lisboa, na segunda metade do século XIX e princípios do século XX, rasgam-se novas avenidas, como a da Liberdade e as Avenidas Novas, desempenhando Frederico Ressano Garcia um papel preponderante no seu traçado. Sob a alçada de Vasconcellos Porto, constrói-se o túnel e a estação do Rossio (1890) e efetuam-se obras no porto de Lisboa, inauguradas em 1892. O abastecimento público de água, a iluminação pública da cidade, o estabelecimento de companhias de transporte, como a Carris e a Eduardo Jorge, com os seus elétricos, primeiro puxados a cavalo e posteriormente eletrificados, contribuíram para a melhoria da qualidade de vida da cidade.

Segundo Serrão (1986), Portugal adere ativamente desde o início ao movimento das exposições mundiais, quer enviando delegações e representações a diversas exposições universais e internacionais, fazendo-se representar nas exposições de Paris (1865, 1867 e 1879), Londres (1862), Viena (1873), Filadélfia (1876) e Rio de Janeiro (1879), quer promovendo e organizando certames similares como, por exemplo, Porto (1865), Lisboa (1863 e 1882), Coimbra (1869 e 1884) e Guimarães (1884). Com o objetivo de acolher a exposição de 1865, construiu-se o Palácio de Cristal no Porto, rodeado de belíssimos jardins, dispondo de espaçosos salões e salas de concerto, um magnífico órgão e lugares apropriados para galerias de pintura, gabinetes de leitura e restaurantes. A nível associativo, constituem-se organizações de classe, estando algumas delas relacionadas precisamente com a organização destes eventos: Associação Mercantil Lisbonense, Associação Comercial do Porto, Associação Comercial da Figueira da Foz, Associação Comercial de Setúbal, Associação Comercial de Ponta Delgada, Associação Comercial do Funchal, Real Associação Central da Agricultura Portuguesa, referidas em Roque e Torgal (1998). Reconhece-se a necessidade do ensino industrial e profissional com o objetivo de formar técnicos para a indústria, já que a nível superior esse papel era, de certa forma, desempenhado pela Escola do Exército e pelas Academias Politécnicas de Lisboa e do Porto.

A burguesia da Cidade Invicta vivia um período de prosperidade, gravitando a sua atividade em torno da Rua Nova ou Rua dos Ingleses, sendo o vinho a principal exportação do país, época em que pela barra do Douro saíam metade das exportações. O belíssimo Palácio da Bolsa, do qual se destaca o magnífico Salão Árabe, constituía o reflexo dessa prosperidade alojando a influente Associação Comercial do Porto. Esta situação não escondia, porém, uma certa dificuldade de adaptação às novas realidades industriais, como a energia a vapor.

A atividade económica nos territórios ultramarinos continuou ainda durante muito tempo dependente do tráfego de escravos por via dos direitos alfandegários que, mesmo sendo ilegal, constituíra a base de sustentação da ainda muito incipiente administração portuguesa. Segundo Roque e Torgal (1998), na segunda metade do século, começaram a prosperar as indústrias de óleos vegetais contribuindo, também, para a modificação da estrutura de trocas que passa abranger produtos como urzela, indispensável para as tinturarias e o marfim. Por essa altura, os portos de Luanda e Benguela abrem-se à navegação estrangeira. Surge o sonho de um novo Brasil em África e, ao mesmo tempo que aumentava a procura de produtos tropicais, tentava-se aumentar o número de funcionários recrutados localmente, surgindo importantes entrepostos para reabastecimento de navios, como o Mindelo, que se torna numa próspera cidade.

Em Angola, são doadas terras a particulares para produção de café e de cana do açúcar destinada ao fabrico de rum, no Sul deste território são instaladas plantações de algodão alimentadas por um sector alimentar rudimentar. Serrão (1986) salienta a criação do Banco Nacional Ultramarino (1864) que irá ter um papel importante no fomento destas atividades, estando o capital estrangeiro, sobretudo, presente nos sectores da navegação, caminhos-de-ferro e exploração mineira. Eram efetuados esforços, também, ao nível da educação, estabelecendo-se novos programas para o ensino primário e secundário, procurando-se evitar o povoamento por degredados através da instalação de colónias penais e adaptando-se o Código Civil à realidade colonial. As conferências de Bruxelas (1876) e de Berlim (1884-1885), desempenham um importante papel no delineamento de fronteiras e zonas de influência recorrendo-se, por vezes, à arbitragem para a resolução de conflitos como, por exemplo, aquele que envolvia a soberania da baía de Lourenço Marques e regiões limítrofes, mediado pelo Presidente francês.

Ao nível da cultura, em 1871 e no rescaldo da Comuna de Paris, surgem as Conferências do Casino, a que estão ligados nomes como Eça de Queirós, Antero de Quental, Teófilo Braga, Germano Meireles, Manuel de Arriaga, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Oliveira Martins e Salomão Saragga. Relacionado com as conferências, surge o célebre ensaio, da autoria de Antero de Quental Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos (1871), com base no discurso proferido por Antero de Quental, numa sala do Casino, no dia 27 de Maio, durante a primeira sessão das conferências que terminam de forma abrupta a 26 de Junho de 1871, por ordem do Presidente do Conselho, o Marquês de Ávila e Bolama. Por esta altura, são fundados os primeiros núcleos republicanos, surgem novas publicações como o António Maria, de Rafael Bordalo Pinheiro, são criadas novas sociedades, como a Sociedade de Geografia de Lisboa (em 1875), e associações, coletividades e clubes desportivos.

Neste período surgiram, oriundas dos meios militares, figuras principalmente ligadas à Escola do Exército e à Escola Politécnica que se revelaram, para além de excelentes técnicos, cientistas, estadistas, historiadores ou académicos de renome, figuras de referência nas suas áreas como Pedro José da Cunha, Daniel Augusto da Silva, Elias Garcia, Frederico Oom, Filipe Folque, Ressano Garcia, Vasconcelos Porto, Fontes Pereira de Mello, Pinheiro Chagas e Latino Coelho.

Segundo Roque e Torgal (1998), as profissões liberais representam igualmente um fraco aumento, representando uma pequena franja (cerca de 1,4%, em 1890), embora ocupem um lugar destacado na sociedade pelo seu papel interventor junto da opinião pública e pelos seus escritos, conferências, imprensa periódica, destacando-se, nesse domínio, os médicos Ricardo Jorge, Miguel Bombarda, Samuel Maia, os engenheiros José Joaquim Francisco de Freitas e Francisco de Sousa Brandão ou o advogado Augusto Alves da Veiga.

Começa, por esta altura, o hábito de frequentar as praias e as termas, surgindo as primeiras estâncias balneares (para todos os gostos e classes sociais) e termais (Caldas da Rainha, Luso, Taipas, Vizela, Gerês, Vidago e Monchique), incrementam-se os desportos náuticos, florescem os divertimentos que abrangem uma gama muito variada: teatros, clubes, cafés, recintos de baile, casinos, tertúlias, cafés-concerto, espetáculos de funâmbulos, récitas, quermesses, corridas de velocípedes e de cavalos, esperas de touros e muitos outros. Segundo Roque e Torgal (1998), em contraste com o Antigo Regime que privilegiava, sobretudo, os espaços fechados, a vida social desenvolve-se muito ao ar livre, destacando-se o Passeio Público, em Lisboa, e os jardins das principais cidades.

Em relação à Igreja, salienta-se o acordo com a Santa Sé, depois de demoradas negociações, em 1848, pondo termo a um diferendo que se arrastava desde a rutura de 1833, sendo efetuada a redução do número de dioceses (1881), indo de encontro aos desejos do poder político. Não existia separação entre o Estado e a Igreja, a paróquia servia de base à divisão administrativa. As eleições eram realizadas normalmente nas igrejas, estando o pároco presente na mesa de voto, sendo nelas realizados comícios, para além do registo paroquial e intervenção no recrutamento militar. Os próprios párocos eram escolhidos mediante concurso documental, cujo anúncio era publicado em Diário do Governo, sendo os bispos escolhidos mediante proposta do executivo, existindo, por vezes, uma certa conflitualidade entre os bispos nomeados por Roma e restante clero instalado pelo liberalismo, dando lugar, por vezes, a uma duplicação de competências.

As altas dignidades eclesiásticas tinham assento na Câmara dos Pares, chegando mesmo, como no caso do Bispo de Viseu, a integrar governos. O papel formador do clero era reconhecido pelo Estado, sendo facto bem salientado na novela de Alexandre Herculano, O pároco da aldeia, conto integrado nas Lendas e Narrativas (1851). O pároco, no caso de não haver escola e em alternativa às escolas regimentais, poderia exercer igualmente o papel de professor primário, situação que alguns políticos procuravam alterar propondo a laicização completa do ensino.

Quanto a edifícios religiosos, constroem-se santuários, como o Sameiro (resposta à proclamação do dogma da Imaculada Conceição), contrariando um certo anti-clericalismo bem expresso em obras como A velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro (1885).

Quanto ao clero não diocesano, segundo Marques (2004), a partir das décadas de cinquenta e de sessenta, assiste-se ao retorno de ordens religiosas expulsas em 1833 ou ao estabelecimento de novas congregações, agora especialmente vocacionadas em domínios como a saúde, o ensino e a assistência social. Desta forma, instalam-se no nosso país Franciscanos, Irmãs Doroteias, Salesianos, Padres do Espírito Santo, Beneditinos e Redentoristas. Os Jesuítas fundam colégios em Campolide (Lisboa) e São Fiel (Castelo Branco). Teresa de Saldanha funda a Associação Protectora de Meninas Pobres e, mais tarde, as Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, a primeira Congregação portuguesa depois da extinção das Ordens Religiosas.

A nível militar, segundo Marques (2004), de salientar de entre as medidas tendentes à sua modernização, o novo plano de divisão regimental das diversas armas, a regulação do uso de uniformes, novas regras para a promoção de oficiais, organização do serviço de saúde, reorganização da Escola do Exército e do Colégio Militar, instalação de escolas de primeiras letras nos regimentos.

Ainda no domínio castrense, merecem especial destaque as campanhas militares em que Portugal se empenhou nos diversos continentes, com o objetivo de consolidar a presença portuguesa. Em África, na Zambézia, em 1864, sobre os Vátuas (de novo em 1894-1896), salientando-se neste período a campanha contra o régulo Gungunhana, aprisionado pelo capitão Joaquim Mouzinho de Albuquerque, matabeles, landins e outros povos. Na Alta Zambézia, destacam-se as “guerras do Bonga”, sem sucesso entre 1861 e 1863, mas reeditadas de forma vitoriosa, em 1887-1888, a conquista do sultanato independente de Angoche, em 1861-1863, e a marcha contra Mataca. Em Angola, entre os episódios mais marcantes, contam-se as campanhas contra os dembos (na década de setenta), estendendo-se posteriormente aos cuanhamas e aos cumatas, assim como as operações nas Lundas. Na Guiné, o domínio dos balantas, pela sua resistência, poder de decisão e valentia, constituiu a maior preocupação.

Segundo Martins (1945), na Índia foram sempre os ranes os povos que mais deram que fazer aos governadores desse Estado e, mais uma vez, foram eles a causa de uma atividade militar que se prolongou de 1895 a 1897, agravada pela revolta dos soldados maratas. Neste período, foi efetuada a este território uma missão militar chefiada por D. Afonso, irmão do rei. Em Macau, foi enviada uma pequena expedição, em 1900, por se temerem as reações da guerra dos “boxers”, incitados pela Imperatriz-viúva a moverem guerra aos estrangeiros. Posteriormente, as preocupações voltaram-se para os piratas. Em Timor, foram efetuadas pequenas expedições contra indígenas de Lutem, Lamekitos, Maubará e Manutai e outros.

De realçar igualmente as viagens de Exploração de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, patrocinadas pela Sociedade de Geografia de Lisboa, atravessando todo o continente africano, sendo narradas por estes no livro De Angola à Contracosta (1886), que resultaram da necessidade de efetuar levantamentos cartográficos, hidrográficos, etnográficos, base importante para a afirmação da soberania.

Os precários entendimentos políticos, o caciquismo eleitoral, uma certa hostilização face ao clero (de certa forma, compensado com a nomeação de eclesiásticos como Pares e ministros), bem patente na condução do processo político que culminou com a expulsão das irmãs da caridade francesas por influência da Maçonaria e da Carbonária, toldam o ambiente político e social ajudando a minar ainda mais a credibilidade do regime.

A prenunciar um fim trágico da Monarquia haverá que referir certo mal-estar, que nunca deixou de estar presente, e que encontrou sucessivamente novas formas de expressão. Como exemplos, haverá que referir a revolta Maria Bernarda (1862), o movimento da Janeirinha (1868), o último golpe de Saldanha (1870), o surto grevista da década de setenta, o 31 de Janeiro de 1891, no Porto, a reação ao ultimato britânico, a reação ao aperto financeiro do início da década de noventa. O Rei tenta reagir através de suspensões cada vez mais frequentes da atividade legislativa, sob variados pretextos, encorajadas pela necessidade de protagonismo de determinadas personalidades. Segundo Ramos (2006), o movimento republicano funcionava como um rio, aproveitando estes momentos para ganhar experiência, logo regressando às antigas margens quando a situação retomava à normalidade, fortalecido e, tal como uma árvore, pronto para florescer novamente até à vitória final.

 

1.2. Primeira República (1910-1926)

Em 5 de Outubro de 1910 é proclamada a República. Muitos poderiam ser tentados a pensar que seria uma mera continuação da monarquia constitucional, agora com um Chefe de Estado à frente, mas tal não veio a suceder. Uma ideologia diferente domina agora o poder, mais dominadora e com outro tipo de crenças dominada pelo “velho” Partido Republicano, o que, para a época, constituía já uma originalidade, uma vez que no Norte da Europa existiam modernos partidos sociais-democratas, moderados, pautando a sua ação através da defesa de reformas políticas.

Segundo Ramos (2001), a vertente anticlerical acentuou-se enormemente com uma feroz perseguição à Igreja e a tudo relacionado com ela, desde o ensino religioso à ação social, sendo proibido todo o ensino que não se regesse pelos princípios republicanos, extinguindo-se os estabelecimentos onde ele era ministrado. Por este motivo, foram novamente expulsos os religiosos com base nas antigas leis de 1834.

A nova lei de separação entre o Estado e a Igreja (1911), surgia como um pretexto para um maior controlo da sociedade por parte do Estado. O culto religioso era então interpretado pela classe dirigente como sendo uma superstição a extinguir, sendo apenas tolerado dentro dos templos. Qualquer manifestação fora deles necessitava de autorização prévia. Com esse objetivo foram, desde logo, abolidos os feriados religiosos à exceção do Natal, rebatizado como a festa de família, e o dia 1 de Janeiro por ser dia de Ano Novo, sendo criados outros feriados laicos relacionados com a filosofia do regime, como o 1.º de Dezembro. De entre as outras medidas tomadas destacam-se, no plano legislativo, as leis do registo (já prometida no tempo da monarquia constitucional), do casamento civil e do divórcio.

Segundo Ramos (2001), o novo regime deu uma maior ênfase às questões coloniais e impôs novos cultos: a pátria, o hino e a bandeira. Cerimónias, como o hastear da bandeira, o juramento de bandeira, o toque do hino nacional, foram largamente cultivadas. O ensino, inserido no contexto educativo republicano, passou a ser encarado não apenas como instrução pública, mas como meio de formar novos cidadãos “livres de superstições”. O professor formado nas Escolas Normais é visto como um apóstolo desse novo saber, recebendo um novo impulso as disciplinas que o suportam a começar pela sociologia, a psicologia e a psiquiatria, disciplina em que as mais destacadas referências como Miguel Bombarda, Júlio de Matos e mesmo Egas Moniz eram republicanos eminentes.

Ramos (2001) refere ainda que a própria formação de partidos estava dificultada e fortemente condicionada à ideologia dominante, sendo formado o primeiro governo com base em partidos, apenas dois anos depois de proclamada a República. Este executivo foi constituído à custa das formações existentes que resultaram de divisões do Partido Republicano: Democratas (de Afonso Costa), Unionistas (de Brito Camacho), Evolucionistas (de António José de Almeida). A luta entre fações republicanas revestiu-se de incidentes brutais como ameaças, pancadaria, tiros, tentativas de assassinato e assaltos a quartéis. O governo não permitiu poderes paralelos e demitiu muitas vereações, passando Lisboa e Porto a serem geridas por comissões.

Aos detentores de cargos, embora, ao princípio, tenham sido mantidos os cargos públicos, era exigida fidelidade aos ideais republicanos. A desobediência era considerada como deserção, passível de prisão, originando mesmo, em alguns casos, a morte.

A disciplina partidária era fraca e a base do sistema era o indivíduo. Existiam duas câmaras, a dos deputados eleitos por três anos e dos senadores eleitos por seis anos. O próprio governo era parlamentar, não podendo o parlamento ser dissolvido. No entanto, este tinha poderes para nomear e destituir o presidente que, por sua vez, nomeava os ministros mas esperava-se que estes assistissem às sessões do congresso para responderem pelos seus atos do governo.

O direito de voto foi limitado estando novamente excluídos os analfabetos, para além dos militares no ativo. De resto, as eleições, que chegaram a ser adiadas sine die, não eram uma prioridade no quadro de um regime que se considerava expressão do povo. Se as aspirações deste não coincidiam com a política dos governantes, esse facto era, com certeza, fruto de “séculos de obscurantismo e superstição” que era necessário “extirpar”, educando e promovendo uma nova mentalidade. A política internacional ficou marcada pela colagem à “odiada” Inglaterra, através da qual se procurou um aval para a política económica, bem como uma aceitação no plano político. O seu apoio era considerado essencial para o reconhecimento internacional de um regime tido como bárbaro, motivando a entrada de Portugal na guerra quando nada o justificava.

Segundo Ramos (2001), os opositores que pensavam que iriam ter um tratamento semelhante aos tempos da monarquia, onde até se podia conspirar no café, esperava-os uma repressão feroz que poderia passar pela detenção, em condições sub-humanas, tortura e até morte. À noite, circulavam bandos encarregues de provocar o pânico nas hostes contrárias. Nas aldeias, hordas eram encarregues de espalhar o terror, nas cidades eram efetuadas buscas às casas. Já perto do fim do regime, diversas personalidades foram colocadas sob ameaça, dentro de uma camioneta que para o efeito circulava, sendo posteriormente mortas. A emigração constituiu o destino último de parte da população, principalmente nas zonas rurais, com uma taxa que chegou a atingir os 10%, especialmente para o Brasil. Lisboa, para os que não queriam emigrar, constituía uma alternativa.

No plano laboral, a agitação social, que caracterizou os últimos tempos da monarquia, prossegue, agravando-se e encontrando novos motivos para o conflito, provocando ruturas nos abastecimentos, sabotagens, piquetes, rebentamento de bombas, descarrilamento de comboios e corte das linhas do telégrafo. Verifica-se, ainda, um poder maior das sociedades secretas, estendendo, estas, a sua esfera de influência às diversas fações políticas em confronto e ao próprio Exército, motivando o assalto a quartéis, roubo de armamento, constituição de estruturas paramilitares, não escapando a própria Escola do Exército, tendo, num desses incidentes, sido mortos três alunos acusados de serem monárquicos.

Com a escassez provocada pela Guerra Mundial, aumentam ainda mais os distúrbios e multiplicam-se os assaltos a estabelecimentos comerciais. Esta situação é agravada por lutas dentro do próprio Partido Republicano, tentando cada uma das suas fações apoiar ou reprimir brutalmente cada uma das partes em conflito, fazendo aumentar exponencialmente a instabilidade.

A nível empresarial, destaca-se um certo desenvolvimento turístico com o lançamento do ousado projeto do Estoril e o surgimento de novas unidades fabris, investimentos esses que tiveram continuação e se tornaram estruturantes tanto em termos económicos como sociais e culturais.

No plano cultural, merecem uma referência especial o surgimento de novas correntes como o Modernismo e o Futurismo e o desenvolvimento do teatro de revista. Segundo Ramos (2001), ao nível da imprensa, a “lei-garrote”, de 9 de Julho de 1912, permitia o confisco e a proibição de publicações hostis, bem como a limitação do direito de reunião. Jornais da oposição, como o Dia e a Nação, foram várias vezes destruídos. No teatro, as alusões a Afonso Costa eram geralmente suspensas após desordens na assistência criadas por agentes do governo.

Em termos militares, procurou resolver-se o problema da elevada concentração de unidades militares à volta de Lisboa criando, por exemplo, a base Naval do Alfeite, o que não impediu uma sucessão de tentativas de golpes militares. Na verdade, a “ameaça” apenas se transferiu para o Norte, começando com as incursões de Paiva Couceiro a partir da Galiza (1911, 1912 e 1919) e acabando no 28 de Maio de 1926, organizado a partir de Braga. Saliente-se, igualmente, a lei do recrutamento militar (1911) que instituiu o serviço militar obrigatório e a criação da aeronáutica. Em termos de quadros, é de registar, no aparelho político, a ascensão de um grupo de jovens oficiais, republicanos e mações, entre os quais de destaca Vitorino Guimarães, tenente aquando da Revolução. Segundo Martins (1945) e Marques (2004), assistiu-se a um aumento do número de oficiais devido à entrada na Guerra e à admissão de milicianos. Findas as hostilidades, o seu peso fez-se sentir em todo o Exército, já que legislação especial permitia a sua integração, em muitos casos, na carreira militar normal, causando problemas, reações e ressentimentos.

No plano educativo, salienta-se a reforma da Universidade de Coimbra, a criação das Universidades de Lisboa e Porto, com as respetivas Faculdades de Ciências, em substituição das Escolas Politécnicas, do Instituto Superior Técnico, das Escolas Normais Primárias e, a nível particular, a criação de Jardins-escola (Carvalho, 2001).

A constante instabilidade no plano político, económico, social, laboral, o anti-clericalismo vigente, aliado à limitação dos direitos de cidadania, constituíram alguns dos aspetos que marcaram os anos da Primeira República. Merecem igualmente ser salientadas o falhanço na contenção das contas públicas, a deterioração de infra-estruturas, como estradas, e a escassez provocada pela I Guerra Mundial.

Os acontecimentos em Fátima, a presença de Portugal na Guerra Mundial, o alheamento de uma nova intelectualidade que entretanto desponta, para além do exposto anteriormente, contribuíram para o rápido desgaste do regime a que não é alheio também o preocupante desequilíbrio das contas públicas.

 

2. A Formação de Oficiais do Exército Português

2.1. Antecedentes da fundação da Escola do Exército

O espetacular desenvolvimento do conhecimento militar, operado desde o Renascimento, originou a necessidade de uma cada vez mais sofisticada formação. Esta preparação, aliada ao desenvolvimento das ciências matemáticas, motivou o surgimento de profissionais que a ela se dedicavam a título permanente. Associada ao conceito de Exército permanente, começa constituir-se uma carreira militar, na qual o Oficial ocupa lugar de destaque. O florescimento das engenharias, especialmente a engenharia civil, a de minas e a arquitetura, que tão úteis se revelaram à sociedade civil, é também resultado desse desenvolvimento.

Segundo Barata e Teixeira (2004), a formação teórica dos Oficiais, em matérias relacionadas com a fortificação, balística, navegação e engenharia começou por ser ministrada em cursos especiais com algumas semelhanças ao que hoje se apelida de seminários, as Aulas, complementadas por auto-estudo centrado em determinados manuais, devidamente escolhidos para esse efeito. A preocupação com a defesa do território e da integridade nacional, recentemente reconquistada (1640), levou à criação de cursos especiais, por D. João IV, nos quais se inclui a célebre Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, criada em 1647, passando mais tarde a denominar-se de Academia Militar da Corte (designação que se generaliza, a partir de 1651), em paralelo com as Lições de Artilharia e Esquadria (1641), ambas confiadas a Luís Serrão Pimentel, nomeado pelo Rei Engenheiro-mor do Reino e Tenente-General de Artilharia.

Existiam, igualmente, escolas associadas a Regimentos e Praças Fortes, como Viana do Castelo, Elvas e Almeida, sendo a primeira criada por D. Pedro II (1701), as segunda e terceira, embora criadas pelo mesmo monarca, só começam a funcionar quando confirmadas por D. João V, em 1732 (Barata e Teixeira 2004). Os Oficiais que quisessem seguir a carreira de Engenheiro deveriam frequentar posteriormente as academias da corte ou das províncias.

De acordo com os autores supracitados, no Brasil, onde (em 1699) já tinha sido fundada, uma Aula de Fortificação no Rio de Janeiro, são inauguradas duas outras, na Bahia e São Luís do Maranhão. Novamente no Rio de Janeiro é aberta a Aula do Terço de Artilharia, por carta régia de 19 de Agosto de 1736, sendo um dos responsáveis José Fernandes Pinto Alpoim.

O Colégio dos Nobres (1761) deu igualmente um importante contributo para a elevação do nível da cultura matemática nos meios castrenses, uma vez que muitos militares eram oriundos de famílias da nobreza. O número de alunos era de 24, aquando da abertura (apenas em 1766), embora o Colégio tivesse sido pensado para 100. Instalado no amplo edifício anteriormente ocupado pelo Noviciado da Cotovia, que pertencia aos Jesuítas, dispunha de moderna aparelhagem de laboratório, sendo o leque de matérias lecionadas, onde se incluíam as ciências físicas e matemáticas, considerado muito ambicioso. Os professores eram quase todos estrangeiros.

Segundo Ribeiro (1892), por alvará de 2 de Abril de 1762, é estabelecida a Aula de artilharia de S. Julião da Barra. O decreto de 30 de Julho de 1762 determinava que em cada regimento houvesse uma escola, sendo escolhido para esse fim o Oficial com maior capacidade para o desempenho dessa missão. Em 15 de Junho de 1763, sob os auspícios do conde Schaumbourg Lippe, é aprovado o plano de estudos desses regimentos, então reduzidos para quatro (decreto de 10 de Maio de 1763).

Segundo Carvalho (2001), com a reformulação da Universidade de Coimbra, operada em 1772, e sendo criada a Faculdade de Matemática, passou a existir a possibilidade de a formação de base do Oficial do Exército se efetuar nesta instituição. O respetivo bacharelato tinha como objetivo preparar os alunos para o serviço da Campanha e da Marinha, assim como para ensinarem, pública e particularmente, as Ciências Matemáticas fora da Universidade. Nesse mesmo ano (1772) termina o ensino da Matemática no Colégio dos Nobres, sendo os respetivos docentes transferidos para esta Universidade, bem como o Material de laboratório e os direitos de impressão dos Elementos de Euclides.

As Escolas de Marinha formaram, durante um curto período (1779-1790), também Oficiais para o Exército. Entre elas, destaca-se a Academia Real de Marinha, escola criada por decreto de 5 de Agosto de 1779, em substituição da Academia Militar da Corte e funcionando igualmente na corte. No diploma de criação foi estipulado que as pessoas que aspirassem aos postos de engenheiro deviam fazer o curso de Aritmética, Geometria, Trigonometria Plana e Esférica, Álgebra e suas aplicações à Geometria, Estática, Dinâmica, Hidrostática, Hidráulica e Ótica. Este curso era considerado equivalente ao professado nos três primeiros anos da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, sendo concedidas aos seus docentes regalias idênticas aos desta instituição. A Academia Real dos Guardas-Marinhas, segundo Barata e Teixeira (2004), é fundada 1761, suspende a sua atividade em 1779 e é restaurada em 1792. Segundo Barata e Teixeira (2004), a Academia Real dos Guardas-Marinhas foi transferida para o Rio de Janeiro quando, em 1808, o Príncipe Regente para ali se retirou, voltando a reinstalar-se em Lisboa, após o reconhecimento da independência daquele país.

Segundo Sena (1922), existiram igualmente aulas de Matemática em Goa, tendo sido criada uma Aula de Navegação, em 1759, passando a denominar-se Aula de Marinha, depois de reformada e outra de Aula de Artilharia, a qual foi abolida em 1812, sendo substituída por um curso de fortificação unido ao da marinha que lhe servia de preparatório.

Embora na constituição da Academia Real da Marinha estivessem previstos cursos especiais para os alunos destinados aos postos de Oficiais Engenheiros, em que frequentariam aulas de Fortificação, Engenharia e Desenho, segundo Sena (1922), estes nunca chegaram a funcionar. Tal motivo, aliado à necessidade de propiciar aos Oficiais de Artilharia e Infantaria uma melhor preparação de base, esteve na base da criação da Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho. Na Carta de Lei de 2 de Janeiro de 1790, que cria o estabelecimento e assinada pela rainha D. Maria I, estava prevista a abertura a civis designados, à época, por “paisanos”. Esta instituição, apesar de algumas vicissitudes, funcionou praticamente de modo contínuo (só não funcionando de 21 de Março de 1809 até ao início do Ano Letivo de 1811/1812 e no Ano letivo de 1833/1834), até à sua refundação como Escola do Exército, em 1837 (Sampaio,1991).

Em 1792, surge, no Brasil, uma Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho com características semelhantes à da sua congénere de Lisboa sendo substituída, segundo Motta (1998), pela Academia Real Militar, concebida por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, instituída em 1810 e encarregue de formar os engenheiros militares até 1874.

Segundo Sampaio (1991), na ilha Terceira, no castelo de S. João Baptista, é criada por Carta Régia de 16 de Setembro de 1799 (embora só a funcionar em pleno em 1805) uma Aula de Matemática para instrução de militares. Em 19 de Novembro de 1810, é criada a Academia Militar da Ilha Terceira, sendo o respetivo curso iniciado a 4 de Novembro de 1811.

Recorrendo a Simões (1892), o próprio Real Colégio Militar, fundado em 1802, deu o seu contributo para a formação de Oficiais de Infantaria e Cavalaria, desde essa época até 1849, ensinando ao 5.º e 6.º anos, a tática elementar, castramentação, fortificação de campanha, ataque e defesa das praças em geral e de pontos fortificados e desenho de arquitetura.

 

2.2. Fundação da Escola do Exército (1837-1851)

A Revolução Liberal surge como um excelente pretexto para a reformulação e atualização da formação de Oficiais do Exército, reforçando-se o seu carácter técnico e abrindo-a a novas áreas, nomeadamente, quanto ao estudo das línguas. Segundo Barata e Teixeira (2004), o contexto castrense constituiu um bom e sólido pretexto para criação de instituições que terão um alcance mais vasto, preparando também quadros para a vida civil, como engenheiros civis ou outras profissões que requeriam conhecimentos científicos e técnicos de que o país tanto necessitava.

Também em termos da organização e funcionamento dos exércitos, os avanços, entretanto, verificados a nível científico e técnico na artilharia e engenharia requeriam uma formação mais exigente, principalmente a nível da Física e da Matemática. No relatório que precede o decreto da fundação da Escola do Exército, escreve Sá da Bandeira, referindo-se à Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho:

Mas a verdadeira refórma d`esta academia era impossível, em quanto senão creasse uma Escola de Sciencias physicas, e mathematicas, na qual os Alumnos adquirissem todos os principios para poderem entrar com o indispensavel desenvolvimento no estudo da difficil Sciencia da guerra, e suas vastíssimas aplicações: Essa Eschola está creada (Diário do Governo, 12 de Janeiro de 1837, p. 84).

Terminada a guerra civil, em 1834, o governo de Sá da Bandeira extingue o Real Colégio dos Nobres (1837) e doa o seu património a novas instituições: Escola do Exército, em substituição da Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho e Escola Politécnica, escola preparatória por excelência, para os alunos que queriam prosseguir os estudos militares e para Oficiais de Artilharia e Engenharia. Tendo em conta que a missão da escola era não só formar militares, mas engenheiros que davam o seu contributo para a vida civil, em termos financeiros, esta solução revelava-se vantajosa, uma vez que, como é afirmado no relatório que precede o decreto (p. 84), o curso de engenharia civil apenas implicava um acréscimo de duas cadeiras. A construção, mas igualmente a manutenção de infra-estruturas, como pontes, estradas, canais, a topografia, a estabilidade das construções (o conhecimento e combinação dos materiais que nelas se empregam), a arquitetura, a mecânica aplicada às máquinas e aos traçados hidráulicos, o traçado de sistemas de comunicação, revelavam-se importantes, tanto para a vida militar como para a vida civil.

No decreto de 12 de Janeiro de 1837, é realçada a importância da língua, sendo introduzida, no novo currículo, uma cadeira de Curso de Gramática e Língua Inglesa. De referir que o mesmo requisito não é feito para a língua francesa, talvez porque o seu domínio por parte de muitos formandos fosse já uma realidade, dado o facto, segundo Sena (1922), ter sido sempre exigida como preparatório para a admissão à matrícula nas principais escolas superiores do país.

Este primeiro período fica marcado pela consolidação da instituição. Ao nível académico imperam questões relacionadas, sobretudo, com a organização da vida quotidiana do estabelecimento, mormente, em relação aos trabalhos escolares, exercícios práticos, exames finais e à prática da equitação. Outras questões, como a elaboração do regulamento interno (1846), o estabelecimento de normas respeitantes aos alunos, a equivalência de estudos em relação a outros estabelecimentos de ensino, completam este quadro. A mudança, por diversas vezes, de instalações até à instalação definitiva na Quinta da Bemposta (1851), a partilha do património do extinto Colégio dos Nobres, a procura de equipamentos e soluções adequadas para a lecionação marcaram igualmente a vida do estabelecimento.

 

2.3. Regeneração (1851-1910)

A formação de Oficiais, desde a fundação da Escola do Exército, passou naturalmente por diversas reestruturações, devido aos avanços a nível técnico, científico e às novas formas de organização dos exércitos (fatores motivadores do alargamento do ensino castrense a novas áreas do saber), aliadas à componente pedagógica e às modificações a nível político. Em 1863, de novo Sá da Bandeira efetua uma reforma da Secretaria d’Estado dos Negócios da Guerra (Ordem do Exército n.º 59 de 3 de Novembro de 1864), sendo o ensino aumentado das seguintes matérias: Legislação, Administração, História, Direito Internacional em Tempo de Paz, Política Militar e da Guerra, Progressos Militares das Nações, Crítica da Guerra e das Grandes Operações, Teoria Mecânica da Pólvora, Princípios Gerais de Química Aplicada, Análise dos Materiais de Construção, Fotografia, Direito Administrativo Ligado às Obras Públicas, Geodesia Prática. Na área das Matemáticas, introduz-se o estudo da Geografia e Estatística Militares. Com o objetivo de obter uma melhor interligação entre o ensino teórico e prático, dotou-se a escola com mais pessoal e criou-se no corpo docente, ao lado dos lentes, uma classe de professores-repetidores ou instrutores especialmente incumbidos de ministrarem o ensino de aplicação. Segundo Simões (1892), estas modificações revelaram-se, no entanto, incapazes de atualizar os conteúdos face às novas realidades tecnológicas entretanto surgidas, como, por exemplo, nas armas de precisão, nas bocas de fogo de carregar a culatra, nas remodelações da arte da fortificação, na generalização das vias férreas e no comércio.

Em 1884, foram introduzidas algumas alterações na composição das cadeiras (Ordem do Exército n.º 24 de 19 de Dezembro de 1884) da Secretaria d’Estado dos Negócios da Guerra. Além da adoção de uma terminologia, mais de harmonia com os progressos das ciências militares e da construção, verificou-se uma expansão do estudo das matérias compreendidas sob a nova designação de táctica aplicada, sucedendo o mesmo com a 4.ª cadeira, que, sendo desdobrada, se tornou bienal.

Uma nova alteração da Secretaria d’Estado dos Negócios da Guerra surgiu em 1890 (Ordem do Exército n.º 35 de 18 de Setembro de 1890), a qual procurou atualizar os cursos face às novas realidades tecnológicas entretanto surgidas, introduzindo-se, pela primeira vez, as viagens de estudo no curso de Estado-Maior. Aos alunos de cavalaria e infantaria era exigido o curso de ciências dos liceus ou do Real Colégio Militar e a aprovação no exame oficial de inglês ou alemão. Em relação ao curso de Administração Militar, era indispensável possuir diversas cadeiras dos Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa ou do Porto, além de outras que poderiam ser frequentadas nos liceus, Real Colégio Militar ou Escolas de Sargentos.

Em 1891, pela Secretaria d’Estado dos Negócios da Guerra através das Ordens do Exército n.º 29 de 10 de Outubro de 1891 e n.º 31 de 17 de Outubro de 1891, surgiram alterações à reforma de 1890, fundindo-se algumas cadeiras e passando parte das matérias de outras a ser professada em cursos auxiliares. Para a matrícula no curso de Administração Militar passou a ser exigido o curso completo de comércio, o primeiro grau dos Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa e do Porto, devendo os candidatos ter um ano de bom e efetivo serviço nas fileiras e serem Primeiros-Sargentos graduados Aspirantes a Oficial com o curso do Colégio Militar ou, pelo menos, Segundos-Sargentos efetivos. Os alunos militares passariam a constituir um corpo militar especial, denominado Corpo de Alunos, sendo-lhes concedida a graduação de Primeiro-sargento Aspirante a Oficial, um vencimento e, pela primeira vez, um uniforme. O comando é exercido por um Tenente-Coronel ou Major de qualquer arma, habilitado com o respetivo curso, sendo ajudante do Corpo um Capitão de Cavalaria ou Infantaria. Aos alunos que obtivessem uma cota de mérito igual ou superior a 15 valores, na média final de todas as provas escolares, determinou-se que se mencionasse que eles tinham feito os seus cursos Com Distinção, devendo o mais qualificado dos seus alunos ser enviado ao estrangeiro, conforme as disposições dum regulamento especial que nunca chegou a ser decretado. Para o ensino eram admitidos Oficiais com posto superior a capitão e não superior a tenente-coronel, podendo, contudo, serem admitidos os tenentes que tivessem seis anos de bom e efetivo serviço como Oficiais nas suas armas, tendo ainda a possibilidade de se conservarem no seu lugar ao atingirem o posto de tenente-coronel, desde que tivessem desempenhado com distinção a sua função docente, fixando-se em vinte e cinco anos o tempo de exercício para o magistério para os lentes que fossem engenheiros civis. O governo poderia autorizar, mediante proposta do conselho de instrução, a realização, na Escola, de conferências públicas feitas pelo pessoal docente ou propor indivíduos estranhos à Escola sobre assuntos importantes relativos às ciências militares ou construção.

Um ano mais tarde, em 1892 (Ordem do Exército n.º 29 de 30 de Outubro de 1892 da Secretaria d’Estado dos Negócios da Guerra), por razões de natureza financeira, havendo igualmente um novo ministro da Guerra, o general Pinheiro Furtado, em substituição do general Abreu e Sousa, que tinha subscrito a anterior proposta, foi decretada uma nova reforma que durou apenas dois anos letivos (1892-1894). Os lentes eram obrigados a apresentar no Conselho de Instrução da Escola, após dois anos de regência das suas cadeiras, as lições escritas das matérias que ensinavam, as quais, depois de aprovadas pelo mesmo conselho, seriam publicadas pelo Ministério da Guerra e não poderiam continuar a exercer a docência a partir do momento em que fossem promovidos ao posto de coronel. De acordo com esta reforma para a admissão à matrícula dos alunos nos cursos de Cavalaria e Infantaria, exigia-se, além do curso de ciências professado nos liceus ou o do Real Colégio Militar, a aprovação na Escola Politécnica de Lisboa, na Universidade de Coimbra ou na Academia Politécnica do Porto nas seguintes disciplinas: Álgebra Superior, Geometria Analítica, Trigonometria Esférica e Geometria Descritiva (1.ª parte). Esta situação deveu-se ao facto do ensino das matemáticas se centrar quase exclusivamente em assuntos de âmbito militar (engenharia militar, balística, fortificação, topografia, por exemplo) ou de cultura geral (astronomia). Cria-se o curso de Engenharia de Minas justificado pela necessidade de desenvolver, por todos os meios, as fontes de riqueza nacional. Para o curso de Administração Militar, os preparatórios exigidos pela anterior organização foram substituídos pela aprovação das seguintes disciplinas professadas nos Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa ou do Porto: Economia Política – Noções Gerais de Comércio, Escrituração e Contabilidade Comercial – Lei do selo, Física e Química Experimentais e Merceologia (estudo e verificação de mercadorias).

O numerus clausus era proporcional às vagas surgidas no posto de alferes na respetiva arma ou serviço continuando, porém, a manter-se a regalia concedida aos alunos habilitados com o curso do Real Colégio Militar, de poderem matricular-se nos cursos de Cavalaria ou Infantaria, independentemente do número fixado. A todos os alunos era concedida a graduação de Primeiros-sargentos Cadetes, designação que foi adotada em lugar da anterior (Aspirantes a Oficial), passando esta última categoria a constituir um novo posto, inferior ao de alferes e superior ao de sargento-ajudante.

Novamente em 1894 (Ordem do Exército n.º 19 de 1 de Setembro de 1894 da Secretaria d’Estado dos Negócios da Guerra), foi decretada uma nova reorganização, dada a dificuldade de preenchimento dos lugares por concurso público e acrescida morosidade dessa solução o que equivaleria, em termos práticos, a necessidade de encerramento do estabelecimento durante uma ano, agravada pelo facto de alguns lentes terem tido que abandonar a Escola originada pela incompatibilidade que a organização de 1892 estabelecia entre a docência e o posto de coronel.

Os concursos foram então adiados, continuando, no ano letivo de 1893-1894, os lugares vagos a serem exercidos provisoriamente pelos Oficiais que para esse fim tinham sido nomeados, sendo a oportunidade aproveitada para introduzir algumas modificações. Os preparatórios na Escola Politécnica de Lisboa ou estabelecimento do mesmo género passam a ser exigidos a todos os cursos, sendo instituído um curso geral de um ano comum a todos os cursos, implicando o aumento de três cadeiras (uma no grupo das ciências militares, outra nas construções e outra nas minas), passando os alunos de Engenharia Civil a ter graduação militar e a serem sujeitos a classificação, sendo finalmente adotado o regime de internato. Ao mesmo tempo reestrutura-se o curso de Engenharia de Minas, o curso de Guerra passa a denominar-se como anteriormente curso de Estado-Maior e passando a ser-lhes exigida a aprovação no curso de alemão dos liceus.

No currículo escolar, de acordo com a organização de 1897 (Ordem do Exército n.º 13 de 30 de Setembro de 1897 da Secretaria d’Estado dos Negócios da Guerra), no curso de Estado Maior figura a cadeira de Estratégia, Geografia e Estatística Militar, sendo regida no ano letivo de acordo com os anuários existentes referentes ao período 1895-1912, pelo tenente-coronel António José Garcia Guerreiro e nomeado por decreto-lei de 23 de Agosto de 1894. Aos candidatos à matrícula nos cursos de Cavalaria e Infantaria passa a ser exigida a aprovação na Escola Politécnica de Lisboa, ou na Academia Politécnica do Porto ou na Universidade de Coimbra das seguintes cadeiras: Trigonometria Esférica, Álgebra Superior, Geometria Analítica, Geometria Descritiva, Desenho. Aos de engenharia e artilharia será exigido o curso preparatório completo mais a aprovação em Química Orgânica, cadeira que será incluída no referido curso. Os de Administração Militar deverão ter aprovação em algumas cadeiras do curso geral dos liceus, ou do Real Colégio Militar, sendo-lhes agora igualmente exigido a aprovação em disciplinas do Instituto Comercial de Lisboa ou do Porto ou equivalentes de outros estabelecimentos de ensino superior. O quadro das disciplinas do primeiro ano dos cursos de Cavalaria e Infantaria será comum a estes dois cursos, sucedendo o mesmo em relação aos cursos de Engenharia Militar e Artilharia, sendo, após o primeiro ano, os alunos ordenados numericamente e tendo estes, segundo a ordem de classificação e dentro de cada um dos grupos, direito de opção pela arma que desejarem seguir. O Anexo 4 inclui uma lista da classificação numérica dos alunos que concluíram o primeiro ano dos cursos de Engenharia Militar e Artilharia, no ano letivo de 1905-1906.

Nos Anuários da Escola do Exército, desde o começo, em 1895, eram publicados os quadros para a classificação dos trabalhos escolares dos diversos cursos, o horário geral de todos os serviços escolares, a relação dos trabalhos a executar nas salas de estudo pelos diversos cursos, a distribuição em determinados meses dos trabalhos no campo, nos laboratórios, nos gabinetes e nos exercícios militares e a distribuição em determinado mês das visitas, missões, reconhecimentos militares e viagens de estado-maior, bem como o calendário de exames, exercícios militares (missões a fortificações, instrução de tiro e tática de artilharia, ginástica, esgrima e equitação) e outras atividades académicas. Os alunos eram submetidos a exame.

No Anuário do ano letivo de 1897-1898 (p. 201-347) foram publicados os programas das disciplinas pertencentes à secção de ciências militares, no total de onze.

 

2.4. Primeira República (1910-1926)

Em 1911, após a implantação da República, como consequência da valorização da componente miliciana no exército, a nível da formação de Oficiais, introduz-se o estudo das ciências sociais (abrindo horizontes, visando tornar o Oficial mais apto a ser um verdadeiro educador do povo), passando a denominar-se de Escola de Guerra (Ordem do Exército n.º 18 de 24 de Agosto de 1911 da Secretaria da Guerra). A engenharia militar é separada da engenharia civil sendo criado o Instituto Superior Técnico, passando, nesta instituição, apenas a ser lecionados os cursos exclusivamente militares. No âmbito dos cursos é efetuada a separação dos cursos de Artilharia de Campanha e Artilharia a Pé, o curso de Administração Militar foi bastante desenvolvido, assim como o curso de Estado-Maior, procurando-se um aprofundamento das matérias nele versadas. A fim de difundir os conhecimentos militares, de forma a melhorar o mais possível a preparação de Oficiais Milicianos, era permitida a frequência de alunos livres, militares (por exemplo, candidatos ao curso de Estado-Maior) ou civis. Para a admissão ao curso de Administração Militar passou a ser exigido o curso geral dos liceus ou do Colégio Militar, assim como disciplinas professadas nos Institutos Industriais de Lisboa ou do Porto. No ano 1913, são efetuadas algumas alterações a esta organização (Ordem do Exército n.º 18 de 11 de Outubro de 1913 da Secretaria da Guerra).

Em 1915, efetua-se uma redução da duração dos cursos, procurando-se adaptá-los às contingências da I Guerra Mundial que, então, se desenrolava. Segundo Barata e Teixeira (2004), a 9 de Março de 1916, a Alemanha declara guerra a Portugal, reagindo assim ao aprisionamento dos seus navios em portos nacionais, em resposta a um apelo do governo britânico invocando a antiga aliança. A participação de Portugal na guerra ficou a dever-se em grande parte à persistente ação diplomática de Afonso Costa, Ministro das Finanças junto dos ingleses e à capacidade de organização do general Norton de Matos. São decretadas leis que conferem poderes especiais ao Ministério da Guerra e transferem-se avultadas verbas de outros ministérios. Segundo estes autores, efetuam-se exercícios militares nos arredores de Tancos, durante três meses, organizando-se uma divisão de instrução comandada pelo general Fernando Tamagnini de Abreu e Silva.

O decreto de 4 de Abril veio estabelecer as bases do regime transitório a adotar para que os quadros do exército ficassem em condições de satisfazer as exigências da guerra em que o país iria participar. A duração dos cursos é reduzida a seis meses, sendo cinco de preparação efetiva e o sexto reservado à preparação e realização de exames, deixando de haver férias e existindo aulas todos os dias com exceção dos domingos e feriados. Os cursos passaram a ser lecionados com base em programas reduzidos, privilegiando as matérias em que havia imediata utilidade e absoluta necessidade. Os alunos que completaram o segundo ano dos respetivos cursos foram graduados em aspirantes e mandados apresentar imediatamente às unidades ou serviços a que pertenceram, sendo finalmente promovidos a alferes depois de três meses de serviço permanente, com base em informações comprovativas do seu bom comportamento, zelo e dedicação ao serviço militar. Os alunos dos primeiros anos passaram aos segundos anos dos respetivos cursos sem dependência de exame no caso de obterem a média geral de 10 valores.

Os únicos programas do período em estudo nesta dissertação (1835-1926), objeto de publicação autónoma que foram encontrados, dizem respeito ao regime de ensino especial em vigor entre (1916-1919) para os cursos professados na vigência provisória do decreto n.º 2314, de 4 de Abril de 1916, segundo o disposto no artigo 1.º do decreto n.º 2469, de 23 de Junho de 1916. Constam de três partes: constituição das cadeiras (dezoito ao todo acrescidas da língua inglesa – cadeira auxiliar), organização dos cursos (Estado-Maior, Artilharia a pé, Artilharia de campanha, Cavalaria, Infantaria, Administração Militar) e programas reduzidos das cadeiras.

A apresentação dos programas do regime de ensino especial (1916-1919) é antecedida pela citação de duas passagens, a primeira extraída do artigo 90.º do Regulamento da Escola de 19 de Agosto de 1911 “o ensino completo da escola será determinado em programas especiais metodicamente elaborados para cada um dos diferentes cursos, de modo a obter o máximo aproveitamento sem esforços exagerados” e do já mencionado decreto n.º 2314, de 4 de Abril de 1916 “os cursos serão redigidos com programas reduzidos em que principalmente se tenha em vista a lição das matérias de imediata utilidade e absoluta necessidade para o exercício da profissão de Oficial das diferentes armas e serviços”. Seguem-se os programas das dezanove cadeiras, e os principais pontos abordados nas conferências sobre material e organização naval, higiene e hipologia. A publicação termina com o índice e a descrição das alterações ocorridas durante a impressão do referido trabalho.

Neste período, a formação na Estatística assume já um papel relevante, sendo, contudo, repartida por diversas cadeiras. A não existência de uma visão unificada quanto ao ensino da Estatística, faz com que surja relacionada com a sociologia, a história militar, a tática e o tiro, incidindo os conteúdos, sobretudo, em matérias relacionadas com a teoria das probabilidades, salientando-se igualmente o esforço didático investido na seleção de matérias, simplificação de conteúdos e elaboração de programas.

Em termos curriculares, na segunda cadeira de História e Geografia Militar Portuguesas, Princípios de Estratégia, na primeira secção, surge relacionada com a tática, com a estratégia e com a história militar.

Na terceira cadeira Balística elementar, Tiro das armas portáteis, Noções de Material de Guerra, lecionada pelo lente adjunto das 8.ª, 9.ª e 10.ª cadeiras, João Augusto Crispiniano Soares, capitão de artilharia com o curso do Estado-Maior, na segunda secção dedicada à probabilidade do tiro, na alínea B – Elementos do cálculo das probabilidades, são abordados os princípios das probabilidades e a probabilidade dos erros: curva dos erros, médias, importância da média aritmética, erro médio, erro quadrático médio, erro provável relacionado com os tiros anormais, módulo de precisão, fatores de probabilidade.

Na quinta cadeira, Material, tiro, táctica e serviços de artilharia de campanha, lecionada pelo lente adjunto da 8.ª, 9.ª e 10.ª cadeira, José Augusto de Beja Neves, no segundo semestre. na primeira parte do programa, subordinada ao tema Tiro da artilharia de campanha, são abordados os efeitos do tiro, existindo uma secção denominada Probabilidades do tiro, em que são abordados tópicos como a dispersão e as suas causas, princípios fundamentais do cálculo das probabilidades e sua aplicação ao tiro de artilharia, sendo analisada a dispersão ao longo de uma recta, num plano e no espaço sendo igualmente elaborado um estudo experimental do tiro de artilharia, verificada a sua justeza e precisão (ver no Anexo 2, regime especial de ensino – excertos dos programas com ligação à estatística).

Segundo Guimarães (1924), a somar aos custos diretos da guerra, houve os custos indiretos. Dada a redução em termos de duração, dos cursos, os quadros viram-se confrontados com um aumento de efetivos, fator que veio agravar ainda mais a despesa pública, provocando congestionamento em termos de progressão de carreiras no caso dos que antes do conflito já exerciam a profissão das armas. O acesso a determinados postos fica dependente do número de vagas, constituindo um motivo de descontentamento, agravado pelo facto de muitos daqueles quadros, em vez de serem mandados para os campos de batalha permanecerem em Portugal, constituindo mais um fator de instabilidade política num período já de si tão conturbado. Em algumas situações perfeitamente tipificadas, como, por exemplo, os alunos que frequentaram os primeiros semestres dos cursos reduzidos e participaram nos conflitos em África ou em França, foram atribuídas condições especiais de frequência mediante a oferta de um currículo alternativo, como o estipulado no decreto de 23 de Maio de 1921.

Segundo Almeida (1991) e Sena (1922), a organização de 1919 marcou o regresso à normalidade institucional, procurando retirar lições do anterior conflito e dando uma maior ênfase às questões coloniais, adotando o nome de Escola Militar. Analisando a organização (Ordem do exército n.º 16 de 31 de Maio de 1919 da Secretaria da Guerra), surge, pela primeira vez, uma referência à Economia. De registar a menor exigência em termos curriculares para a admissão nos cursos de artilharia de campanha, cavalaria e infantaria, apenas se exigindo para a admissão o curso complementar de ciências dos liceus e até, paradoxalmente, para o curso de Administração Militar que, até esta altura, tinha vindo a ganhar importância apenas o curso comercial professado nos institutos comerciais.

Em 1922, são efetuadas alterações à anterior organização (decreto de 23 de Junho de 1922), fazendo-se sentir cada vez mais o peso do factor económico e atribuindo-se mais ênfase aos assuntos administrativos e contabilísticos. Não sendo de estranhar, por esse motivo, o aparecimento de uma cadeira em que a Estatística aparece relacionada com a Economia e com a Escrituração Militar (desde 1919), e que surge agora também associada com a Contabilidade (constitui uma novidade a primeira referência a esta disciplina), para além do já tradicional relacionamento com a Geografia, denominada Escrituração militar e contabilidade aplicada: Noções de Estatística e Geografia económica militar. Em termos pedagógicos, para além da tradicional demonstração experimental das matérias professadas e da resolução de problemas, procura-se igualmente despertar o espírito de iniciativa dos alunos, quer pela procura de novas soluções quer no aperfeiçoamento das já conhecidas. Quanto aos futuros candidatos, é instituído um conjunto de provas de admissão, incluindo uma prova de Matemática, pela portaria, como o refere a portaria incluída na Ordem do Exército n.º 16 de 29 de Dezembro de 1925, incidindo sobre matérias comuns para aos cursos de Engenharia Militar ou Artilharia a Pé e outro conjunto de matérias para a admissão os cursos de Artilharia de Campanha, Cavalaria e Infantaria (Anexo 5). Durante a frequência do curso são apreciadas e investigadas, cuidadosamente, as qualidades profissionais e morais por um júri, sendo imediatamente excluídos os considerados em más condições, como o refere o decreto de 21 de Abril de 1923. O comandante passa a ter competência disciplinar sobre o pessoal da Escola de Esgrima do Exército, enquanto estiver alojada nas suas instalações, de acordo com o Decreto n.º 10: 088 de 12 de Setembro de 1924.

Em 1918, é fundada a Escola Militar de Aviação (decreto de 29 de Junho de 1918), sendo o seu regulamento aprovado em 1922 (decreto de 25 de Setembro de 1922) e alterado em 1925 (Ordem do Exército n.º 14 de 30 de Novembro de 1925). Este novo estabelecimento abre novas perspetivas em termos de carreira aos Oficiais do Exército, oferecendo a possibilidade de obtenção da carta de piloto aviador ou observador aeronáutico e formando, igualmente, pilotos civis. A Escola Militar de Aerostação, fundada na mesma altura, compreende as mesmas especializações, contudo, na sua instrução, estava focalizada em termos de balões e dirigíveis.

Outras mudanças ocorrem a nível da formação militar, como abertura da Escola Superior Militar aos contratados, a fundação da Escola de Serviço de Saúde Militar e a reestruturação da Escola Central de Sargentos, precursora do Instituto Superior Militar e da Escola Superior Politécnica do Exército, transferida para Águeda, no final de 19261, passando a formar oficiais técnicos.

Ao longo da história, a formação militar tentou na medida do possível acompanhar o progresso tecnológico procurando, ao mesmo tempo, aproximar cada vez mais a teoria da prática e alargando a sua formação, sucessivamente, a novas áreas do saber. Outro aspeto marcante é a preocupação pela constituição de um espírito camaradagem, de corpo, assente em regras claras, procurando constituir uma autêntica família. A promoção do mérito esteve igualmente sempre presente.

 

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1Declaração n.º 3; Ordem do Exército n.º 3 (1.ª Série) de 7 de Março de 1927.

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