Nº 2655 - Abril de 2023
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A condição militar
Tenente-general
Mário Augusto Mourato Cabrita

1. Introdução

É sabido que as Forças Armadas (FFAA) irão desempenhar um papel determinante no sucesso da estratégia que vier a ser definida para a Segurança e Defesa de Portugal. Por isso, importa ver se os militares que as servem estão motivados, se o seu moral está em alta e se a sua mente está liberta de preocupações que os impeçam de se focarem na missão.

A primeira referência formal à condição militar surge na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA), de 1982, que apenas foi regulamentada 7 (sete) anos depois, com a publicação da Lei n.º 11/89 – Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar (LBGECM). Esta Lei também é aplicada aos militares da Guarda Nacional Republicana, por isso mesmo, por também serem militares.

A condição militar é uma relação jurídica entre o militar e o Estado. De forma simples pode ser representada por uma balança: num dos pratos estão os deveres dos militares e no outro os seus direitos.

 

Os deveres são muitos, mais de 40 (quarenta), embora alguns deles repetidos, enquanto os direitos constam de uma única alínea, mas muito abrangente: consagração de especiais direitos, compensações e regalias atribuídos aos militares e aos seus familiares, designadamente nos campos do apoio social, assistência na doença, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação.

Em toda a legislação sobressaem dois deveres dos militares: o de aceitar as restrições constitucionais que sobre eles impendem e o de dar a vida na defesa de Portugal e dos portugueses. Esta é a essência da condição militar, já que estes dois deveres apenas são aplicados aos militares e a mais nenhum grupo profissional ou cidadão.

Este normativo foi elaborado por políticos com sentido de Estado, alguns deles tinham cumprido o serviço militar e o trabalho produzido foi considerado, na altura, como uma boa lei, justa, equilibrada e que respondia às particularidades da vida militar.

Citemos o Professor Aníbal Cavaco Silva na cerimónia de despedida das Forças Armadas, no final do seu segundo mandato como Presidente da República:

A preservação e a dignificação da condição militar são obrigações que devem ser claramente assumidas pelo Estado e cultivadas com honra e sobriedade pelos militares. Lesar ou desvalorizar a condição militar é enfraquecer a Nação.

É consensual que os militares têm cumprido, genericamente, os seus deveres com nobreza e dignidade, pelo que é importante verificar como os seus direitos, legalmente instituídos, têm sido respeitados pelo Poder Político.

Vamos fazê-lo, tendo em atenção, três vertentes: (i) O sistema remuneratório, (ii) a Assistência na doença, e (iii) O Estatuto dos Militares das Forças Armadas, procurando ser objetivo e apresentar dados concretos.

Três notas prévias:

– Primeira, para não se ser muito repetitivo, apenas será tratada a categoria de oficiais, sabendo-se que as mesmas situações atingem as categorias de sargentos e de praças;

– Segunda, apenas falaremos de remuneração base, já que é a única componente da remuneração que é oficialmente tornada pública e do conhecimento de todos, enquanto que os subsídios, abonos, complementos, suplementos, etc., apenas são divulgados dentro da instituição que os acomoda;

– Terceira, que fique claro que não nos move qualquer desígnio corporativista, antes e apenas preocupações com a profissão militar, o que torna obrigatório observarmos a sociedade que nos rodeia.

 

2. O sistema remuneratório

Nos termos da Lei, o sistema retributivo da Administração Pública (AP) estrutura-se com base em princípios de equidade interna e externa, sendo que esta última vertente visa alcançar o equilíbrio relativo em termos de retribuição de cada função no contexto do mercado de trabalho. É esta coerência entre a teoria e a prática da governação que procuraremos, nos pontos seguintes, perceber da sua correção e conformidade.

 

a) Comparação com outros grupos profissionais

Comecemos pelo topo, pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), que é o posto mais elevado na hierarquia militar, é só um e ocupa este cargo com 62 anos ou mais. Apesar disso, há milhares de quadros da AP que têm uma remuneração base superior à do CEMGFA.

Desçamos um pouco e comparemos um magistrado judicial ou do Ministério Público aos comodoros/brigadeiros-generais promovidos durante o ano transato, cujos valores médios constam do quadro seguinte:

 

– O magistrado, seja Juiz de Direito ou Procurador da República, começa a carreira com menos de 30 anos de idade, enquanto que o militar atinge esse posto com 57 anos;

– Nesse momento, o magistrado tem 0 anos de serviço, enquanto os militares têm 32 anos de serviço, durante os quais estiveram colocados em nove unidades diferentes do Continente e das Regiões Autónomas, em estados-maiores internacionais, na cooperação técnico-militar com os PALOP e em cenários de guerra, como a Bósnia, o Kosovo, o Afeganistão, o Mali e a República Centro-Africana;

– O magistrado não terá necessidade de frequentar qualquer tipo de curso de promoção para ser promovido, enquanto os militares tiveram que frequentar obrigatoriamente o Curso de Promoção a Capitão (CPC) (ou de especialização, na Marinha), o Curso de Promoção a Oficial Superior (CPOS) e o Curso de Promoção a Oficial General (CPOG).

– O magistrado inicia a carreira com uma remuneração base de 3.588,99€ e o Comodoro/Brigadeiro-general vence… 3.561,11€.

 

b) Uma confrontação bem mais abrangente

Analisámos os dados referentes a todos os funcionários dos ministérios da defesa, da saúde, da justiça e da ciência, tecnologia e ensino superior que, durante o ano de 2022, transitaram para a aposentação, bem como a respetiva pensão.

 

Atentemos, apenas, na percentagem das pensões de valor superior a 3000€ e o que se verifica é um valor residual no que se refere ao Ministério da Defesa (MD) [9,0%], quando comparado com os outros ministérios [30,2%; 31,3%; 50,2%].

E, deste ponto de vista, este quadro dá-nos uma noção da realidade no que concerne às remunerações, parecendo-nos, assim, elucidativo e esclarecedor.

No entanto, fomos mais longe e pesquisámos igualmente os dados referentes aos aposentados em 2021 e o que se constata é que, de 2021 para 2022, no mesmo bloco de percentagens em causa (acima de 3000€), o MD foi o único que, uma vez mais, piorou, ao passar de 12,96% para 9,0%. Os outros ministérios melhoraram esses valores.

Poder-se-á perguntar por que razão a comparação é feita apenas entre estes quatro ministérios. A explicação é simples: no ano de 1980, o juiz de direito, o coronel, o capitão-de-mar-e guerra, o professor catedrático e o médico chefe de serviço tinham praticamente a mesma remuneração base. Mais concretamente:

– O juiz de círculo vencia 25.000$;

– O coronel vencia 22.700$;

– O professor catedrático e o médico chefe de serviço venciam 22.500$.

Avancemos uma década e o que se constata é que a equiparação se mantém e só a partir de 1991 é que o desnível entre as quatro profissões começa a atingir proporções exponenciais.

Mas vejamos a situação atual destes quatro grupos, tomando como referência o coronel, que atinge este posto, em média, com 27 anos de carreira e consideremos os outros 3 grupos, também, com os mesmos 27 anos de carreira. O resultado é o seguinte:

– O coronel tem uma remuneração base de 3.024,25€;

– O professor catedrático de 5.119,63€; (*)

– O assistente graduado sénior de 5.167,88€; (*) e

– O juiz desembargador de 6.646,28€; (*)
[(*) Valores estimados, com rigor, por dificuldade em obter dados reais.]

Circunstâncias análogas também ocorrem nas categorias de Sargentos e de Praças e são mais um conjunto de elementos que nos permitem perceber quanto a profissão militar tem sido desvalorizada em termos remuneratórios e, como consequência, em termos sociais.

 

c) A posição das FFAA no seio da Administração Pública

Contudo, podemos estabelecer um paralelo mais abrangente recorrendo à Síntese Estatística do Emprego Público, documento exaustivo, publicado sob a égide da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, referente ao 4º trimestre de 2022.

Da análise de um dos seus inúmeros quadros estatísticos “Remunerações base e ganhos médios mensais nas administrações públicas por cargo, carreira e grupo – trabalhadores a tempo completo”, retiramos que, dos 26 grupos elencados, as FFAA encontram-se na 21ª posição, ao nível dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, ligeiramente acima dos Bombeiros e dos Polícias Municipais e em nível muito superior aos Assistentes Operacionais e Assistentes Administrativos.

As situações descritas parecem ser suficientemente demonstrativas do progresso do sistema remuneratório da AP e da degradação contínua, e negativamente discriminatória, que o regime remuneratório aplicado aos militares vem sofrendo ao longo dos tempos.

 

3. A assistência na doença

Recorde-se que a LBGECM determina que os militares e os seus familiares têm direito à Assistência na Doença (ADM) e, assim sendo, considera-se pertinente aquilatar do modo como o Estado tem cumprido esta sua obrigação nas últimas décadas.

 

a. Evolução dos descontos dos militares

Vamos analisar mais esta área problemática, começando pela evolução dos descontos dos militares para órgãos responsáveis pela gestão da saúde.

Importa relembrar que os militares, como qualquer outro cidadão, descontaram, durante toda a carreira, 11% para Caixa Geral de Aposentações.

Em 1961, passaram a descontar 0,43% do seu vencimento para a Assistência aos Tuberculosos das Forças Armadas (ATFA). Este desconto tinha um caracter solidário, já que era uma forma dos militares apoiarem os seus camaradas e familiares doentes e, complementarmente, era um dos muitos contributos das FFAA para a profilaxia da tuberculose e para se erradicar esta doença que, na época, constituía um grave problema para a saúde pública em Portugal.

A partir de 2006, os militares passaram a descontar 1% para a ADM/IASFA e, depois, sucessivamente (e num curto prazo de 8 anos), até 3,5%, em julho de 2014, com o argumento de que aos militares tinha que ser aplicado o Regime Geral.

Dois aspetos suplementares: para os familiares dos militares que desejem usufruir dos serviços da ADM, esses militares terão que descontar mais 3,5% de 79% da sua remuneração base e estes descontos são feitos ao longo dos 14 meses do ano.

 

b. Receitas e despesas da ADM

Mais alguns números que se consideram interessantes para a compreensão da atual conjuntura.

Em média, os militares e os seus familiares descontam por ano 55 M€ para a ADM, mas estes militares e familiares, os que descontam para a ADM, apenas fazem despesas no valor de 31M€, pelo que podemos concluir que há um diferencial positivo de 24 M€.

Por outro lado, os prestadores de cuidados de saúde privados debitaram à ADM 79 M€. Mas, sabendo-se que apenas foram efetuadas despesas de 31 M€, daqui resulta um saldo negativo de 48 M€, sobre o qual importa conhecer quais os motivos que lhe dão origem.

Então, de onde vem este défice?

No essencial, provem da obrigatoriedade da ADM ter de suportar as despesas de saúde não só dos seus beneficiários contribuintes, mas também de outros benificiários não contribuintes, cujos encargos deveriam ser da responsabilidade do Estado e que podem ser aglutinados em quatro grupos distintos:

– Desde logo, o dos familiares não contribuintes, isto é, os descendentes até aos 26 anos que se encontrem a estudar e os cônjuges dos militares que não tenham rendimentos;

– Depois, os Beneficiários Titulares Isentos, cerca de 6000, quer sejam os deficientes das FFAA quer os beneficiários isentos de descontos cujos proventos estão indexados à evolução da Retribuição Mínima Mensal Garantida, pelo que, sempre que esta aumenta, cresce, paralelamente, o número de beneficiários e familiares que têm ganhos inferiores a este novo valor e passam a ficar isentos de descontos para a ADM;

– Também as despesas referentes aos militares que sofreram acidentes em serviço, ou àqueles que tiveram problemas de saúde quando em missão oficial no estrangeiro; e

– Finalmente, a questão do Hospital das Forças Armadas (HFAR) que, em termos de impacto financeiro, é a mais significativa. O HFAR é um hospital público, mas que fatura a ADM como se tratasse de um hospital privado.

As razões apontadas levaram a que a ADM fosse acumulando, ao longo dos anos, uma dívida extremamente elevada. No entanto, desde 2021, a dívida aos prestadores de cuidados de saúde privados começou a ser regularizada e, em paralelo, foi-se resolvendo a maioria dos casos que se constituíam como responsabilidade do Estado, nomeadamente, as despesas dos militares no ativo e os custos com os medicamentos disponibilizados pelo Laboratório Militar (LM), com os cuidados continuados, com os cuidados respiratórios domiciliários e com os transportes de doentes não urgentes.

Esta situação está bem descrita no relatório da auditoria do Tribunal de Contas à ADM/IASFA e é importante chamar a atenção dos responsáveis para que, caso não sejam adotadas as medidas corretivas aí propostas, o défice voltará a avolumar-se de modo calamitoso.

 

c. Apoio do Estado ao HFAR

Para concluir este bloco, vamos examinar a forma como tem funcionado o apoio do Estado à melhoria das condições de funcionamento do HFAR.

Uma Resolução do Conselho de Ministros de 2014, com o propósito de alcançar a plena e eficaz operacionalização e a completa implementação do Polo de Lisboa do HFAR e do Campus de Saúde Militar, atribuiu ao HFAR 18 M€, com a seguinte distribuição temporal:

– Em 2014: 7 000 000€

– Em 2015: 10 000 000€

– Em 2016: 1 000 000€

Em 2015, o Estado vendeu o Hospital Militar Principal e da verba obtida destinou 13 M€ para o HFAR, tal como em 2016 vendeu o Hospital da Marinha por 18 M€, tendo revertido todo esse montante para o HFAR.

O somatório destas quantias atinge os 49 M€.

Perguntar-se-á: onde estão tantos milhões? No HFAR não estão com certeza!

 

4. O Estatuto dos Militares das Forças Armadas

O estatuto de uma classe profissional é o conjunto de normas jurídicas que explicita os direitos e deveres dos elementos que a integram. O Estatuto de 1990 foi integralmente preparado por militares que incorporavam um Grupo de Trabalho liderado pelo EMGFA e composto por delegados dos Ramos, que apresentaram a proposta final ao Ministério da Defesa que a aprovou após algumas alterações, poucas, sem grande importância ou significado, e deu continuidade ao processo legislativo que se concluiu com a publicação do documento em Diário da República.

A partir daí, a participação dos militares foi sendo reduzida progressivamente, culminando, em 2015, com a inversão total da metodologia utilizada até então e com o estatuto a ser elaborado pelas instâncias políticas e distribuído aos militares na sua forma final, sem qualquer abertura para serem aduzidas sugestões para a melhoria do seu texto. Apenas as fortíssimas críticas da Instituição Militar e as vozes de algumas mentes mais sensatas do Parlamento, permitiram reverter dois artigos do Estatuto que, no mínimo, eram considerados aberrantes.

Analisemos, então, algumas das alterações nos Estatutos que por iniciativa dos Governos têm penalizado, fortemente, os militares.

 

a. Tempo mínimo de serviço no posto

Comecemos pelo tempo mínimo de serviço em cada posto, isto é, o tempo que cada militar tem que cumprir antes de poder ser promovido ao posto seguinte. O Estatuto de 1999, tal como o de 2005, determinava os tempos mínimos constantes da tabela seguinte.

O somatório dos tempos mínimos de serviço, denominado por tempo mínimo global, de GMAR/ALF a CMG/COR, é de 22 anos. Isto significa que só no final deste período o oficial poderá ser promovido a CALM/MGEN.

Já o Estatuto de 2015 procedeu a várias modificações de muito peso. Neste particular, aumentou o tempo mínimo de serviço de mais um ano em Alferes, outro em Capitão, outro em Major e outro em Coronel. O tempo mínimo global passou de 22 para 26 anos.

Permitam duas notas:

– Primeira: esta decisão, para a qual não se vislumbra qualquer justificação plausível, e está em total contraciclo com o que se passa na sociedade, onde cada vez mais se atingem os cargos cimeiros das instituições com menor idade, dilata e dificulta a progressão na carreira;

– Segunda: aumentando os tempos mínimos de permanência nos postos mais baixos, está-se, de forma sagaz, a reduzir o vencimento dos militares.

Explicando: a diferença entre a remuneração base mensal de alferes e a de tenente é de 156€. O ano de acréscimo que o Alferes foi obrigado a cumprir, traduziu-se numa perda de 2 188€. O mesmo pode suceder ao capitão, ao major e ao coronel.

Vamos ver só mais o caso do Comodoro/Brigadeiro-general. O Estatuto de 2015 ativa este posto, que nos estatutos anteriores apenas se ascendia por graduação, e não por promoção, dos capitães-de-mar-e-guerra com o CPOG e dos coronéis tirocinados indigitados para o desempenho de funções em cargos e estados-maiores internacionais.

Assim, o Capitão-de-mar-e-guerra/Coronel em vez de ser promovido a Contra-almirante/Major-general é, desde então, promovido a Comodoro (Brigadeiro-general).

E, deste modo, o que se verifica é que, logo no primeiro ano, este oficial general, além de não progredir na carreira, perde 1500€ em relação ao normativo anterior e às suas próprias expectativas.

Mais, a maioria deles passará à reserva nesse posto e, enquanto estiver na reserva, e depois na reforma, até falecer, este oficial general deixará de receber milhares de euros, injustiça que se manterá com a pensão da viúva.

De notar ainda que este procedimento constitui uma outra forma, singular, sem dúvida, de governos criativos encolherem a remuneração base dos militares.

 

b. Cinco apontamentos eloquentes sobre esta matéria

São inúmeros os exemplos estatutários que mostram que as medidas inovadoras resultam, sempre, em prejuízo dos militares. Vejamos mais algumas:

– O Estatuto de 1999 possibilitava um aumento na contagem do tempo de serviço, para efeitos de passagem à reserva, de 25%. Já o de 2005 reduziu esse valor para 15% e o de 2015 para 10%.

Se já é estranha esta diminuição progressiva, o espanto é maior quando é público que algumas profissões que nunca tiveram, estatutariamente, qualquer aumento de tempo de serviço, passaram a ter 15%.

– Os estatutos de 1999 e 2005 permitiam a jubilação dos militares, à semelhança do que sucede com outras profissões, eventualidade que nunca chegou a ser utilizada. Mas existia! O estatuto de 2015 eliminou essa hipótese.

– Os estatutos de 1999, e mesmos os anteriores, bem como o de 2005, reportavam a data do novo vencimento do militar recém-promovido, à data em que ocorreu a vaga que deu origem à promoção.

O de 2015 define a data do novo vencimento como aquela em que o plano de promoções for assinado pelo Senhor Ministro das Finanças, obrigando, previamente, à sua tramitação por vários ministérios.

Estas diligências provocam um atraso enorme, o que se traduz num prejuízo que ronda os milhares de euros por cada militar. Como em cada ano há centenas de promoções e este problema já se arrasta há vários anos, os governos tornam a penalizar fortemente os militares.

– Atualmente, no seio das FFAA, coexistem três fórmulas diferentes para cálculo da pensão de reforma. Naturalmente, cada uma é sempre mais gravosa que a anterior, mas, sobretudo, dão origem a tensões internas e minam o indispensável espírito de corpo, medidas que são criadas em nome da obsessão de enquadrar os militares no Regime Geral.

– A profissão militar é a única da AP que não tem representantes seus que se sentem à mesa com o Governo para discutir o seu sistema remuneratório.

Graças às medidas inventivas e engenhosas dos sucessivos governos, os militares em vez de serem aumentados, veem as suas remunerações diminuídas e os governos negam milhões de euros que são devidos aos oficiais, aos sargentos e às praças.

 

5. Conclusões

Voltemos à imagem da balança. O prato dos direitos ficou tão leve que bateu no tecto, enquanto que o dos deveres continuou tão pesado que caiu com estrondo no chão. O sistema desmoronou-se por completo, perdeu credibilidade e não inspira o mínimo de confiança.

 

Mas ninguém está atento e apreensivo com o modo como o Poder Político está a cuidar dos militares?

As Associações Socioprofissionais das três categorias de militares das FFAA têm tido uma evolução muito positiva e têm desenvolvido um trabalho meritório, mas dispõem de um campo de atuação muito limitado.

Por isso, pugnamos pela criação de um órgão, não de um observatório ou de uma comissão de acompanhamento, mas sim de um órgão novo, independente, isento, com peso político e institucional, constituído por personalidades de reconhecido mérito nomeadas pelo Senhor Presidente da República, que reporte a ele próprio, ao Governo e à Assembleia da República e que tenha suporte legal para produzir propostas e pareceres vinculativos, à semelhança do que já existe em vários países da Europa e que a senhora Secretária de Estado teve oportunidade de conhecer em França (dezembro de 2021).

 

Depois desta panóplia de factos e números, é legítimo perguntar: o que querem os militares? A resposta é muito simples. Querem, apenas, que se cumpra a Lei.

Mas, reutilizemos os já muito conhecidos 3 R, para explicitar os seus anseios.

Remuneração justa que compense a total disponibilidade para o serviço; o afastamento, quase permanente, da família e dos amigos; o desgaste físico e psicológico; o risco e a penosidade das condições em que prestam serviço, sobretudo, no treino e nas operações.

Reconhecimento por quem está sempre disponível para apoiar a sociedade; sempre pronto a defender os interesses de Portugal, colocando-os acima dos seus interesses pessoais e por quem é um dos maiores embaixadores da política externa de Portugal.

Respeito por quem aceita restrições aos seus direitos constitucionais e não vacila em dar a sua vida, em nome de Portugal e dos portugueses.

Parece ser o mínimo que se pode conferir a quem faz do seu dia a dia uma lição de servir com honra e pundonor, sem olhar a quem, aonde nem porquê.

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2023-09-20
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Tenente-general

Mário Augusto Mourato Cabrita

Cumpriu uma comissão militar na Guiné (1973-74). Como oficial superior esteve colocado no Estado-Maior do Exército, no Instituto de Altos Estudos Militares, como professor, no Quartel-General das Forças Aliadas na Europa (SHAPE) e comandou o Grupo de Artilharia de Campanha/BMI. Foi 2.º Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana. Publicou inúmeros artigos nos jornais Diário de Notícias e Expresso.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia