Nº 2668 - Maio de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A contribuição social do Serviço Militar Obrigatório no Brasil
Coronel
Rogério Nunes

1. Introdução

O presente artigo analisa a contribuição social do Serviço Militar Obrigatório para a sociedade brasileira. Dentro desse enfoque, foram buscados subsídios em documentos nacionais e internacionais para responder a seguinte pergunta: “Como o Serviço Militar pode ser considerado o primeiro emprego e de que forma contribui na inserção no mercado de trabalho da geração de 18 a 24 anos?”

O objetivo geral do artigo é analisar a contribuição social do Serviço Militar tendo por base a sua previsão no instrumento constitucional do Brasil. Além disso, pretendeu-se alcançar os seguintes objetivos específicos, quais sejam: coletar dados sobre a questão do trabalho no Brasil, em particular da população jovem em relação ao primeiro emprego; verificar a contribuição do Serviço Militar como primeiro emprego; apresentar o Projeto Soldado Cidadão desenvolvido pelo Ministério da Defesa e pelo Exército Brasileiro.

O Serviço Militar é assunto tratado no capítulo II (Das Forças Armadas), dentro do Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas) da Constituição Federal de 1988 (CF/88)1. Por outro lado, o trabalho é tratado no capítulo I (Disposição Geral), inserido no Título VIII (Da Ordem Social). Nesse caminho, a ordem social é definida tendo como base o primado do trabalho e, como objetivo o bem-estar e a justiça sociais2.

Desse modo, o ponto de partida para a construção do presente artigo é a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.

Visando ampliar o conhecimento, buscou-se consultar documentação pertinente em instituições e organizações, nomeadamente as seguintes: Governo Federal do Brasil, Ministério da Defesa, Ministério da Educação, Ministério do Trabalho, Exército Brasileiro (EB), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), bem como outros considerados pertinentes ao tema.

Para atingir o objetivo proposto, o trabalho está dividido nos seguintes pontos: tratará dos conceitos de trabalho e educação; analisará a geração de 18 a 24 anos no Brasil; abordará o problema do primeiro emprego; explicará o Serviço Militar na atualidade; e, por fim, tecerá pontos sobre o Projeto Soldado Cidadão e suas contribuições sociais.

 

2. Desenvolvimento

2.1 A importância do trabalho e da educação

O trabalho é um importante mecanismo de análise social, pois ajuda a compreender o funcionamento da sociedade, incluindo suas relações sociais e de produção (MARTINS, 2017, p. 39). De início, buscou-se uma definição de trabalho e surgiram as mais variadas, como: o ato de trabalhar; qualquer ocupação física ou intelectual; atividade profissional regular e remunerada; além de outros conceitos de Biologia, Medicina, Física e até de Ocultismo3.

A palavra “trabalho” aparece 105 vezes na Constituição Federal de 1988, o que por esse dado verifica-se um especial realce por parte do legislador. Já o termo “educação” figura por 58 vezes, o que desperta no mínimo a curiosidade para esse desequilíbrio relativamente grande.

Por outro lado, não é o escopo deste artigo aprofundar os conceitos dos sociólogos clássicos conhecidos, como Durkheim e Weber. Sabe-se que suas conhecidas teorias são importantes para o entendimento do funcionamento da sociedade e, por isso, sempre atuais (MARTINS, 2017, p. 56). Contudo, o artigo se propõe a estudar a realidade social. Buscou-se, assim, seguir os conselhos de Weber onde “o pesquisador precisa estar consciente de sua visão de mundo pessoal”, como também de Durkheim que diz que “o cientista social precisa ser racional, objetivo e imparcial o máximo possível” (NAUROSKI, 2018, p. 220).

Buscou-se jogar à luz ao que instiga a curiosidade, qual seja a de verificar a transcendência do conceito de trabalho do ponto de vista filosófico. Nesse sentido, garimpou-se em Kardec que “o trabalho é uma lei natural, por isso mesmo é uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque aumenta suas necessidades e prazeres” (1857, p. 235).

Prosseguindo nessa vertente, Kardec (idem, p. 235) aponta que o trabalho é imposto ao gênero humano como:

[...] um meio de aperfeiçoar sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na infância da inteligência. Por isso deve seu sustento, segurança e bem-estar apenas ao seu trabalho e à sua atividade.

(grifo do autor)

Voltando para a relação trabalho e educação, Kardec (1857, p. 237) aponta com precisão que:

Não basta dizer ao homem que é seu dever trabalhar, é preciso ainda que aquele que tem de prover a existência com seu trabalho encontre com que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando a falta do trabalho se generaliza, toma as proporções de um flagelo como a miséria. A ciência econômica procura o remédio no equilíbrio entre a produção e o consumo; mas esse equilíbrio, supondo-se que seja possível, não será contínuo, e nesses intervalos o trabalhador precisa viver. Há um elemento que não se costuma considerar, sem o qual a ciência econômica torna-se apenas uma teoria: é a educação. Não a educação intelectual, mas a educação moral; não ainda a educação moral pelos livros, mas a que consiste na arte de formar o caráter, que dá os hábitos, porque educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Quando se pensa na massa de indivíduos lançados a cada dia na torrente da população, sem princípios nem freios e entregues aos próprios instintos, devem causar espanto as consequências desastrosas que resultam disso? Quando essa arte for conhecida e praticada, o homem trará hábitos de ordem e de previdência para si e para os seus, de respeito pelo que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos angustiado os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que uma educação bem conduzida pode curar; aí está o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, a garantia da segurança de todos.

(grifo do autor)

Nessa linha, o trabalho no Brasil é um dos direitos sociais previstos no texto constitucional ao lado da educação, da saúde, da alimentação, da moradia, do transporte, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e à infância e da assistência aos desamparados4.

Um ponto importante a considerar é a questão da valorização do trabalho. Esse tema é tratado por Moraes (2008, p. 111) que assevera que:

O trabalho humano deve ser valorizado, enquanto condição necessária para proporcionar ao ser humano existência digna, sendo esta a finalidade da Ordem Econômica e fundamento da República Federativa do Brasil, traduzindo-se em valor fonte de todo o ordenamento jurídico pátrio, preexistindo-o. A Ordem Econômica tem uma função social a cumprir, no tocante à dignidade da pessoa humana, de forma que possa assegurar a todas as pessoas os direitos sociais básicos, o que implica na necessária intervenção do Estado nas relações sociais e econômicas, quando necessária, a fim de fazer prevalecer a valorização do trabalho humano, e consequentemente da dignidade humana, favorecendo o gozo dos direitos sociais básicos.

(grifo do autor)

Dessa forma, procurou-se tratar brevemente da importância e definição de trabalho, sua relação com a educação e a questão da sua valorização. É ainda pertinente trazer uma reflexão do conferencista francês Léon Denis5 (2012, p. 76), ao asseverar que:

Não basta se dizer republicano, é preciso que o sejamos pelos costumes e pelo caráter, é necessário que cada um de nós trabalhe para se instruir, para se moralizar e para se tornar melhor. Que cada um espalhe, em torno de si, ideias de justiça e de solidariedade e o futuro será nosso. Tenhamos confiança. Que todos façam seu dever. A grande lei da vida é o trabalho, é o progresso, cumpramo-la!

(grifo do autor)

Do exposto, pode-se concluir, parcialmente, que trabalho e educação, do ponto de vista sociológico e filosófico, são importantes para o desenvolvimento do ser humano, seja intelectual ou moralmente. Além disso, é importante ressaltar que trabalho e educação são direitos sociais garantidos aos brasileiros pela Constituição Federal ora vigente.

 

2.2 A geração NEET6 no Brasil

A temática juvenil vem ocupando um local de destaque no contexto das grandes inquietações mundiais, expressando preocupação na sociedade em diversos ramos da economia, principalmente no que tange a aspectos relacionados à inserção produtiva e engajamento educacional (CÍRIACO, 2015, p. 13).

Nesse sentido, diversas pesquisas têm discorrido sobre a relação da população jovem com o mundo do trabalho e sob diferentes prismas, como: exposição a remunerações mais baixas, instabilidade ocupacional devido à falta de experiência laboral, informalidade nos vínculos, vulnerabilidade a contratos temporários e intermitentes, maior sensibilidade a recessões etc. Todas essas condições adversas enfrentadas pelos jovens podem gerar uma população que não é empregada e que nem está em processo de educação ou treinamento, denominados de forma genérica pela literatura brasileira de geração “nem-nem” (CIRÍACO et al., 2022, p. 32).

Em artigo recente, Ciríaco et al (2022, p. 46) chegam a intrigantes considerações:

Cabe destacar, por sua vez, que fatores associados às características individuais, aos arranjos familiares e ao contexto social podem repercutir sobre o fator de exclusão social da juventude brasileira. Em linhas gerais, observou-se que a localidade na qual o jovem reside é importante para o seu desenvolvimento pessoal e coletivo, pois contextos sociais precários, com baixo nível de dinamicidade econômica e alta vulnerabilidade social contribuem para a inatividade laboral e educacional de jovens. Por fim, haja vista o exposto, a elaboração de políticas públicas que estimulem o engajamento juvenil tanto no sistema educacional quanto no mercado de trabalho torna-se de suma importância para enfrentar tal problemática. Ademais, outros fatores de ordem familiar podem influenciar nas decisões dos indivíduos, o que exige uma atuação mais integrada às redes locais de amparo socioassistencial e de intermediação de emprego.

(grifo do autor)

Cabe ainda destacar que, segundo estudos recentemente publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os governos estão cada vez mais buscando comparações internacionais de oportunidades e resultados educacionais à medida que se desenvolvem políticas para melhorar as perspectivas sociais e econômicas dos indivíduos, para fornecer incentivos para maior eficiência na escolaridade e ajudar a mobilizar recursos para atender demandas crescentes. A Diretoria de Educação e Habilidades da OCDE contribui para esses esforços ao desenvolver e analisar os indicadores quantitativos, comparáveis internacionalmente, publicando anualmente um estudo denominado de “Uma visão sobre a Educação”7.

Ao ser consultado o estudo da OCDE, verificou-se que no Brasil existe um grande obstáculo a ser vencido que é a existência de uma geração entre 18 e 24 anos que “nem estuda nem trabalha (NEET em inglês)”. No caso brasileiro chega a mais de 35,9% em dados de 20208 onde podem ser comparados com outros 40 países integrantes ou parceiros da OCDE, cabendo ao Brasil a segunda posição.

Muito embora o Brasil ainda não seja integrante da OCDE, os dados apresentados não podem ser desprezados, pois não invalida sua credibilidade.

Um dado importante a considerar é que o Brasil apresenta 10,9%9 da sua população na idade entre 18 e 24 anos, o que equivale aproximadamente a cerca de 22 milhões de brasileiros.

Portanto, pode-se concluir, parcialmente, que a geração entre 18 e 24 anos deve receber a atenção na formulação de políticas públicas, acompanhada das necessárias estratégias que atendam tanto ao sistema educacional quanto à sua entrada no mundo do trabalho. Assim, será diminuída a vulnerabilidade social e a consequente exclusão social da juventude brasileira.

 

2.3 O primeiro emprego

A busca do primeiro emprego é um tema importante pois, segundo Reis (2014, p. 10), “evidências para o Brasil relacionadas à transição dos jovens para o primeiro emprego são escassas, embora alguns estudos indiquem que este grupo tenha um comportamento diferente dos demais desempregados”.

A partir do ano 200010, com a inclusão do contrato de aprendizagem na alteração produzida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)11, a previsão legal passou a contemplar o público jovem entre 14 e 24 anos. Assim, permitiu-se a inclusão de jovens em programas de aprendizagem compatíveis com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, possibilitando o primeiro contato com o mundo do trabalho sem, entretanto, descuidar de estarem matriculados e frequentando a escola ou já ter concluído o Ensino Médio.

Daí surge uma interessante constatação do estudo de Reis (2014, p. 27), quando afirma que:

[...] os resultados indicam que a escolaridade aumenta a probabilidade de transição do desemprego para o emprego formal, e reduz a probabilidade de transição para o emprego informal. Resultados semelhantes são encontrados para os grupos de trabalhadores que já tiveram alguma experiência prévia no mercado de trabalho. Para os jovens em busca do primeiro emprego, porém, os resultados mostram que um nível mais alto de escolaridade aumenta a probabilidade de transição para o emprego formal, […]

(grifo do autor)

Coerente com esse propósito, a Constituição Federal prevê o estabelecimento do Plano Nacional de Educação que, por meio de ações integradas dos poderes públicos conduza, dentre outros objetivos, a melhoria da qualidade do ensino, bem como a formação para o trabalho12. Verifica-se, assim, que existe no texto constitucional a preocupação sobre o ensino e o trabalho, corroborando o constatado por Reis (2014, p. 31):

As evidências também mostram que algumas variáveis influenciam a probabilidade de transição do desemprego para o emprego de uma forma particular para os jovens em busca do primeiro emprego. A escolaridade, por exemplo, é uma variável associada a menores probabilidades de saída do desemprego para os indivíduos com experiência prévia no mercado de trabalho, o que pode estar relacionado com salários de reserva mais elevados para os mais escolarizados. Para os jovens procurando o primeiro emprego, no entanto, a escolaridade é um fator que aumenta a probabilidade de sair do desemprego. Níveis mais elevados de educação, portanto, podem acelerar este processo de transição até o primeiro emprego.

(grifo do autor)

Dessa maneira, a pesquisa de Reis relaciona a necessidade de uma boa escolaridade com a conquista do primeiro emprego.

Outra vertente importante é a existência de políticas públicas que auxiliem a tão esperada conquista do primeiro emprego. Sendo assim, conforme constata Santos (2019, p. 39):

No âmbito da produção legislativa, o termo política pública tem sido reservado para designar os sistemas legais que definem competências administrativas, estabelecem princípios, diretrizes e regras e em alguns casos impõe metas gerais ou leis, instituidoras das políticas públicas nacionais, normalmente inseridas no âmbito das competências administrativas comuns ou legislativas concorrentes previstas; respectivamente, nos artigos 23 e 24 da CF. Isso ocorre, por exemplo, com o PNPE13, do Governo Federal, que foi criado pela Lei n. 9.608/98, alterado pela Lei n. 10.748/03, reformulado pela Lei 10.940/04 e revogado pela Lei n. 11.692/08, que institui o sistema nacional de políticas públicas sobre o primeiro emprego.

(grifo do autor)

Entretanto, conforme avaliou Santos (idem, p. 118) que:

os resultados alcançados, infelizmente, não foram significativos. No decorrer da pesquisa, foi possível averiguar que as taxas de desemprego do jovem entre 18 e 24 anos, segundo os dados do IBGE, continuam na faixa de 20%. Esse resultado mostra várias deficiências que carecem de revisitação. Um aspecto constatado pelas altas taxas de desemprego é que um dos elementos impeditivos para entrada do jovem no programa é a quantidade de vagas ofertadas, ou seja, o programa não garante que todos os jovens sejam matriculados; outra questão é a verificação de se há reserva financeira suficiente para a ação para todos uma vez que a execução depende de gastos públicos, e, por fim, a política pública deve ter ação contínua, deve-se buscar a permanência dos jovens no programa e não apenas nos períodos de maior dificuldades.

(grifo do autor)

Do que foi exposto, pode-se concluir, parcialmente, que a existência de políticas públicas de estímulo ao primeiro emprego deve ter uma ação efetiva e contínua por parte do Estado. Outro aspecto importante é atenção para a escolaridade, pois níveis mais elevados de educação acelerarem o processo de transição até o primeiro emprego.

Sendo assim, a problemática da formação da juventude pobre brasileira não vai ser vencida enquanto não houver ações constantes e não apenas em momentos de crise. É fundamental a aplicação de medidas sérias e não-sazonais para que se promova a democratização da sociedade na perspectiva da emancipação do ser humano (SANTOS, 2019, p. 119).

 

2.4 O Serviço Militar

No Brasil, todos os homens, no ano em que completam 18 anos de idade, são obrigados ao alistamento militar. Caso essa obrigação não seja observada, o jovem é considerado “refratário” e, nessa condição, não recebe o certificado de reservista, documento exigido para tirar título de eleitor ou passaporte, prestar concurso público ou matricular-se na universidade. Os selecionados para o Serviço Militar Obrigatório que não se apresentam tornam-se “insubmissos”, sujeitos às penalidades previstas pela Justiça Militar (CASTRO, p. 53).

No advento da República e nas primeiras décadas do século XX houve um grande debate em torno do Serviço Militar. Conforme constata Castro (2012, p. 53):

Entre a primeira lei que previa a obrigatoriedade do serviço militar, em 1874 – que não saiu do papel –, até uma segunda lei, de 1908, que só foi implantada em 1917 – e novamente “não pegou” –, viveu-se uma intensa propaganda a favor ou contra a adoção do serviço militar obrigatório.

(grifo do autor)

A questão do Serviço Militar foi resolvida ao longo das décadas de 1930 e 1940, com a universalização da exigência do documento de Serviço Militar e a adoção de dispositivos legais mais eficazes. Um decreto de 1933 exigiu o certificado de Serviço Militar para o alistamento em cargo público, exigência incorporada à Constituição de 1934 por insistência do ministro da Guerra, General Góis Monteiro (CASTRO, 2012, p. 81).

Além da previsão constitucional no artigo 143 da CF/88, a normativa legal que trata do Serviço Militar gira em torno da Lei do Serviço Militar14 e do Regulamento da Lei do Serviço Militar15.

Na atualidade, a aplicação já consolidada de todos esses instrumentos legais permite ao Brasil anualmente incorporar uma fatia representativa dos jovens da sociedade brasileira. No ano de 2022, o Exército Brasileiro incorporou a suas fileiras um contingente de 57.62116 recrutas.

Segundo o publicado no Noticiário do Exército17:

A incorporação encerra o recrutamento militar, que é formado por diversas etapas. A primeira delas é a convocação, que acontece por meio do Plano Geral de Convocação e da veiculação de campanhas em âmbito nacional e regional. Em seguida, ocorre o alistamento online ou presencial no primeiro semestre do ano em que o jovem atinge a idade de 18 anos. A partir de agosto do mesmo ano, acontece a chamada seleção geral, etapa em que os jovens realizam exames médicos, testes de aptidão e entrevistas. Em seguida, entra-se na fase de designação, na qual o selecionado é indicado a se apresentar em uma das 1.078 organizações militares das três Forças Armadas. Na sequência, já na organização militar para a qual foi designado, o jovem passa por mais uma etapa eliminatória de exames e entrevistas – é a seleção complementar. Os escolhidos nessa fase serão incorporados em alguma das três Forças para o serviço militar inicial, que tem a duração de 12 meses.

(grifo do autor)

É importante ressaltar que o público-alvo do Serviço Militar Obrigatório é o abrangido entre 18 e 24 anos, particularmente o segmento masculino, uma vez que as mulheres e os eclesiásticos são considerados isentos dessa obrigatoriedade em tempo de paz, embora sujeitos a outros encargos que a lei lhes atribuir.

Verifica-se, portanto, o ponto de encontro entre a prestação do Serviço Militar e a geração dos jovens aptos a executá-lo, pois são justamente os abrangidos no estudo da OCDE como pertencentes à chamada geração que “nem estuda nem trabalha”.

Do que foi exposto, pode-se concluir, parcialmente, que o Serviço Militar surge como o contato inicial entre o jovem e o mundo do trabalho, o que pode ser sua primeira oportunidade de passar por exames e, para muitos, realizar sua primeira entrevista de trabalho. Ademais, para os jovens que tiverem a oportunidade de ingressar como soldados, receberão toda a assistência da estrutura militar que participará da sua formação como militares, mas proporcionará além disso, a busca de uma qualificação que atenda às suas aptidões apresentadas no processo de seleção para o Serviço Militar, o que lhes servirá mais tarde na sua inserção em melhores condições no mercado de trabalho.

 

2.5 O Projeto Soldado Cidadão

O Projeto Soldado Cidadão18 é um dos programas sociais conduzidos pelo Ministério da Defesa. Sua origem ocorreu no ano de 2002, quando à época foi desenvolvido um Projeto de parceria entre a Fundação Cultural Exército Brasileiro (FUNCEB) e o Instituto de Professores Públicos e Privados (IPPP) para a qualificação profissional de militares temporários, utilizando recursos do FAT (Fundo de Amparo aos Trabalhadores) que beneficiou 1.664 soldados, no Município do Rio de Janeiro. O trabalho foi exitoso criando as condições necessárias para aperfeiçoá-lo e ampliá-lo para o ano seguinte, ensejando a criação do Projeto Soldado Cidadão, ainda em caráter experimental (PANTOJA, 2006, p. 10).

Nesse viés, Pantoja (idem, p. 40) constata que:

O Projeto Soldado-Cidadão desperta a cidadania dos jovens que passam pelo Exército, ao mesmo tempo que resgata a importância do serviço militar na sociedade, uma vez que proporciona a parte da população jovem brasileira, de perfil sócio-econômico (sic) carente, cursos de capacitação profissional, que possibilitam melhores perspectivas de ingresso no mercado de trabalho e que complementam a formação cívica. A partir da criação do Projeto, a procura pelo Serviço Militar foi aumentada e as notícias na mídia, contra o Serviço Militar Obrigatório, praticamente cessaram.

(grifo do autor)

Com base nos dados do Relatório de Gestão do Exército (2023, p. 14) verificou-se a formação de 7.649 militares no Projeto Soldado Cidadão no ano de 2022, de um total de 57.621 de recrutas incorporados, ou seja, cerca de 13% do efetivo incorporado teve a oportunidade de receber uma formação profissional aliada ao cumprimento do dever cívico de prestar o Serviço Militar.

Na área do Comando Militar do Sul, abrangida pelos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, desenvolveu-se iniciativa complementar visando também a qualificação do pessoal que encerra seu período de Serviço Militar. Nasceu assim, o Programa Militar de Qualificação Profissional (PMQP)19.

O PMQP é fruto de um Acordo de Cooperação Técnica entre o Tribunal Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul e o Comando Militar do Sul, tendo por objetivo conceder a validade jurídica aos cursos desenvolvidos durante o período de instrução militar atendendo aos padrões exigidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)20 como também aos previstos na formação militar. Desse modo, verifica-se a dualidade na prestação do Serviço Militar, atendendo tanto ao cidadão para melhor qualificá-lo, quanto às demais exigências legais para melhor colocá-lo no mercado de trabalho, futuramente.

Desse modo, é lícito concluir parcialmente que, tanto o Projeto Soldado Cidadão quanto o Programa Militar de Qualificação Profissional são iniciativas importantes que ligam o cidadão que presta o Serviço Militar à busca de sua qualificação profissional, atendendo assim, tanto um interesse particular como também, a crescente demanda de uma melhor capacitação do mercado de trabalho.

 

3. Considerações finais

No tocante à população compreendida na idade entre 18 e 24 anos, cerca de 22 milhões de brasileiros, verificou-se a necessidade de especial atenção na formulação de políticas e estratégias públicas que atendam tanto ao sistema educacional quanto a sua entrada no mundo do trabalho. Somente com empenho da sociedade em todos os níveis poderá ser incluída essa parcela populacional e, assim, ser minimizada a consequente vulnerabilidade social e exclusão da juventude brasileira. Dessa forma, o trabalho e a educação serão os direitos sociais que estarão acessíveis a todos.

Do ponto de vista do primeiro emprego, novamente aparece como importante a escolaridade, pois níveis mais elevados de educação facilitam a entrada no mercado de trabalho. Além disso, são necessárias ações constantes e permanentes para atender ao público jovem.

Verificou-se ainda que, o Serviço Militar é o resultado de um processo trabalhoso, mas que foi consolidado e portanto exitoso, evoluindo e atendendo às necessidades de Defesa e sociais do Brasil. Ademais, é o primeiro contato entre uma parcela considerável de jovens e o mundo do trabalho que para muitos é o momento de realizar a sua primeira entrevista de trabalho. Assim, é um processo que se inicia na seleção, passa pela formação militar chegando até a qualificação, tanto militar quanto profissional. Desse modo, o Serviço Militar entrega à sociedade um cidadão apto a inserir-se nas melhores condições no mercado de trabalho.

Constatou-se ainda que, tanto o Projeto Soldado Cidadão, quanto o Programa Militar de Qualificação Profissional são importantes ferramentas, pois complementam a prestação do Serviço Militar e propiciam ao cidadão a sua qualificação e consequente melhor capacitação profissional.

Finalmente, confirmou-se que o Serviço Militar Obrigatório proporciona uma contribuição social importante, em particular para muitos jovens, caracterizando-se como o primeiro emprego e, principalmente, a primeira oportunidade de buscar um conhecimento profissional. Assim, o Serviço Militar além de ser um instrumento de exercício da cidadania e do patriotismo, contribui de forma eficiente, eficaz e efetiva para a redução das mazelas sociais que ainda persistem no Brasil.

 

4. Referências

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SANTOS, Elisabeth Beatriz Konder Reis Calixto dos. Inclusão socioeconômica do jovem: a política pública nacional do primeiro emprego para garantia do trabalho como direito fundamental/Elisabeth Beatriz Konder Reis Calixto dos Santos. 2019. 141 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Extremo Sul Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Direito, Criciúma, 2019. Disponível em: http://repositorio.unesc.net/bitstream/1/7490. Acesso em 3 de maio de 2023.

TRABALHO. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP), 2008-2021. Disponível em:https://dicionario.priberam.org/trabalho. Acesso em 7 de maio de 2023.

 

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1  Art. 143 da Constituição da República Federativa do Brasil/1988.

2 Art. 193 da Constituição da República Federativa do Brasil/1988.

3 Disponível em: https://dicionario.priberam.org/trabalho. Acesso em 15 de abril de 2023.

4 Art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil/1988.

5 Conferência feita em Tours e Orléans, em fevereiro e abril de 1880, respectivamente.

6 NEET é um acrônimo em inglês que se refere aos jovens que nem estão empregados, tampouco na educação formal ou em treinamento.

7 Education at a Glance (EaG) 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/acoes-internacionais/publicado-o-education-at-a-glance-2022. Acesso em 30 de março de 2023.

8 Idem, p. 57.

9 IBGE. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101957_informativo.pdf. Acesso em 19 abr. 23.

10Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

11Decreto-Lei nº 5.452/1943, aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.

12Art. 214 da Constituição da República Federativa do Brasil/1988.

13Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego.

14Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964.

15Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966.

16Relatório de Gestão do Comando do Exército. Disponível em: https://www.eb.mil.br/relatorio-de-gestao. Acesso em 18 de abril de 2023.

17Centro de Comunicação Social do Exército. Acesso em 19 de abril de 23.

18Disponível em https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/programas-sociais. Acesso em 14 de abril de 2023.

19Comando Militar do Sul. Disponível em: http://www.cms.eb.mil.br/index.php/noticias/cms-assina-cooperacao-com-o-trt-4-para-qualificar-cabos-e-soldados. Acesso em 5 de maio de 2023.

20A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) é um documento que retrata a realidade das profissões do mercado de trabalho brasileiro. Foi instituída com base legal na Portaria nº 397, de 10.10.2002. Disponível em: https://empregabrasil.mte.gov.br/76/cbo/. Acesso em 5 de maio de 23.

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Coronel

Rogério Nunes

Oficial de Cavalaria da Reserva Remunerada do Exército Brasileiro, atualmente professor do Colégio Militar de Porto Alegre.

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