Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
(Canto I, 3)
Na última Assembleia-geral da Revista Militar, por unanimidade, os Sócios expressaram a sua vontade no sentido da Direção encontrar uma forma de participar, mesmo de forma isolada e da sua iniciativa, nas Comemorações dos 500 anos do nascimento do nosso Poeta Maior, Luís Vaz de Camões.
Para isso, foi decidido encontrar uma forma adequada e específica para, revisitando os Lusíadas, centrar a pesquisa, tirando partido da argúcia da visão de Camões, sobre os acontecimentos relatados, da sua atenção e sabedoria para escutar os relatos e as personagens, o que lhe permitiu construir a sua Obra maior, caracterizando a índole, o carácter, o sentimento e o temperamento do homem português.
Realça também a expansão marítima, como grande projeto nacional, a mobilizar a energia de todo um povo e, por extensão, a alma de Portugal, perante diversos acontecimentos políticos e militares da altura, avançando inclusive para o enunciar do destino e dos desígnios nacionais, sempre anunciados e em permanente busca e concretização.
A presente edição da Revista Militar é assim dedicada a Camões e à tentativa de descrever os aspetos militares que o poeta-soldado relatou nos Lusíadas, salientando a sua personalidade como militar, a sua paixão pelo mar, a sua condição de ser soldado como modo de vida, as suas referências à disciplina militar, aceitando, conformado, as fatalidades que lhe foram acontecendo, sobrevivendo, em paralelo, com a compensação que o talento da pena lhe trazia, realidade que traduz de forma inequívoca, aquela sua dupla condição.
Mas Camões também realça o ânimo e a valentia, o esforço coletivo dos combatentes portugueses, a sua dedicação e o seu espírito de sacrifício, a perseverança demonstrada na procura de um desígnio comum, que hoje poderíamos qualificar de resiliência, a par da exaltação do patriotismo, do sentido do dever e a dedicação à Pátria.
É uma avaliação das qualidades dos combatentes portugueses que antecipa aquilo que hoje designamos por condição militar, que é intrínseca aos fundamentos éticos, operacionais e profissionais da Instituição Militar, materializados no comando, na hierarquia, na disciplina, na disponibilidade, na camaradagem, no espírito de coesão, na solidariedade entre todos, no espírito de pertença e, sobretudo, no patriotismo.
Também a sua avaliação dos valores cívicos e culturais, que destaca no comportamento político e militar das grandes figuras que menciona e descreve, torna claro a sua importância no reforço da autonomia política que existia no passado e tão útil hoje, no relacionamento nacional na Europa e Mundo, fazendo também a interpretação contemporânea do fenómeno da guerra e dos vários acontecimentos militares relatados ao longo dos dez Cantos da Obra. Aspetos que esta edição da Revista Militar pretende realçar, nessa perspetiva militar, com as diversas abordagens dos artigos que agora são apresentados.
As descrições detalhadas dos acontecimentos militares descritos nos Lusíadas, a par da sua comparação com outros registos históricos, de outras fontes e de outras visões, permitiu aos autores, com engenho, espírito crítico, a par de uma responsável contenção, dissertar sobre aquilo a que poderemos classificar da ação estratégica militar desenvolvida, nos respetivos períodos históricos e dos consequentes objetivos políticos e militares definidos e passíveis de serem alcançados.
Nesse sentido, a Direção da Revista Militar convidou um conjunto de Personalidades Civis e Militares, que pudessem concretizar esta intenção editorial e olhar para os Lusíadas segundo essa visão militar, algo que até agora parece ter sido pouco concretizada e avaliada.
O nosso agradecimento vai para todos os Autores dos Artigos que constam desta Edição, sendo de salientar a sua pronta disponibilidade e a sua generosidade para aceitar o nosso desafio. Bem Hajam, por esse facto.
Destacamos ainda nesta edição comemorativa a republicação de dois artigos na Revista Militar que interpretam Os Lusíadas e que destacam a vida e obra de Luís de Camões: do General Câmara Pina, em 1979, com a experiência do Poeta-Soldado, desde que saiu de Portugal até ao seu regresso do Oriente; e do General António Barrento, em 1999, narrando as conceções e manobras estratégicas dos portugueses no Oriente do séc. XVI.
É nossa convicção de que esta edição temática se destacará de todas as que têm vindo a ser produzidas no nosso passado editorial, que certamente atingirá um universo de leitores mais amplo que os tradicionais seguidores da Revista Militar e que, mais importante que tudo isso, poderá passar também a ser mais uma referência bibliográfica, para os estudiosos de Camões e dos Lusíadas.
Por último, a Direção da Revista Militar remeteu para a senhora Ministra da Cultura um ofício dando conhecimento desta iniciativa, o qual foi reencaminhado para a Estrutura de Missão responsável pelas Comemorações do V Centenário do nascimento de Luís de Camões, com a finalidade de garantir o apoio institucional para a presente edição da Revista Militar.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.