Nº 2463 - Abril de 2007
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Terrorismo transnacional - Contributos para o seu entendimento.
Tenente-coronel
Francisco Proença Garcia
Nota Introdutória
 
Este breve artigo procura responder à curiosidade suscitada pelo fenómeno do terrorismo transnacional, nomeadamente pelas questões do como está estruturado? Como efectua o seu recrutamento? Como é financiado? Procu­rando contribuir para a resposta destas questões organizámos o nosso estudo em cinco partes. Na primeira procuramos caracterizar o fenómeno, para depois na segunda parte abordarmos os seus objectivos, a sua natureza e tentar-mos perceber um pouco a sua estrutura. A terceira parte aborda a complexa teia dos apoios, sobretudo financeiros, centrando-se a quarta parte no processo de recrutamento e por último uma breve abordagem à análise estatística do fenómeno. Confessamos, logo à partida, que não dispomos de quaisquer informação privilegiada sobre a al Qaeda ou a sua evolução, para além do que é possível apurar pelo acompanhamento dos media e de alguns textos mais académicos.
 
 
1.  Conceito e breve caracterização
 
Tem sido extremamente difícil encontrar consenso entre estudiosos, analistas políticos e homens de Estado, para uma definição unívoca do conceito de “terrorismo”.
 
Autores como Adriano Moreira (1995) e Regina Mongiardim (2004) consideram o terrorismo como um poder político que desenvolve uma capacidade autónoma de decisão e de intervenção, orientada por uma ideologia ou por uma ética que consideram válida, ajustada e legítima. O fenómeno não possui porém todos os atributos de um Poder na concepção tradicional, sendo considerado errático, pois carece de uma legalidade objectiva, de instituições universalmente reconhecidas, tem uma natureza dispersa, não possui território, nem população nem orçamento - exactamente o “negativo” do Estado que conhecemos.
 
Habitualmente, e em consonância com as matrizes éticas do Estado tradicional, a definição do conceito assenta muito na legitimidade do seu aparelho político, administrativo, de segurança e defesa, inserindo-se assim numa categoria específica do discurso político, tendo por significado a sistemática utilização da violência sobre pessoas e bens, para fins políticos e ou religiosos, provocando sentimentos de medo e de insegurança, e um inevitável clima de terror (Mongiardim, 2004). Segundo o Professor Adriano Moreira, o conceito de terrorismo tem sido remetido para aquele plano devido à necessidade de se preservarem tais matrizes, o que não oculta, porém, as coincidências dos seus objectivos com as finalidades que, tradicionalmente, são atribuídas aos Estados (1995).
 
Ao nível internacional o consenso também não se consegue atingir havendo uma multiplicidade de abordagens, multiplicidade essa verificada por exemplo na inúmera legislação internacional.
 
Para as Nações Unidas, o conceito de terrorismo “(...) compreende toda a acção que provoca danos a pessoas ou a bens, quando o propósito da acção, pela sua natureza ou contexto, é intimidar a população ou pressionar um governo ou organização internacional a abster-se de redigir determinado acto (...)”; por seu lado a União Europeia já tinha definido o fenómeno em Dezembro de 2001 como: “(...) intentional acts, by their nature and context, which may be seriously damaging to a country or to an international organisation, as defined under national law, where committed with the aim of (i) seriously intimidating a population, or (ii) unduly compelling a Government or international organisation to perform or to abstain from performing any act, or (iii) destabilising or destroying the fundamental political, constitutional, economic or social structures of a country or international organisation (...)” (European Communities, 2002).
 
No entanto, estas conceptualizações não são objectivadas nem adoptadas pelos principais actores do sistema político internacional, havendo países, como os EUA, a Rússia, a China e a Índia, que redigiram as suas próprias definições. Qualquer um destes Estados tem problemas concretos com o terrorismo, não de todo similares, pelo que cada qual tende a preocupar-se com o «seu terrorismo», de forma sectorial, pois está em causa não só a segurança interna como, em alguns casos, a própria integridade territorial (Lousada, 2007). Isto, apesar de, por um lado, o alinhamento pelas «amarras» conceptuais das organizações internacionais poder limitar a determinados Estados a liberdade de acção que lhes permitam adoptar as modalidades de acção estratégicas consideradas adequadas para lidar com esta ameaça, sem estar sujeito a eventuais restrições legais (Lousada, 2007) e, por outro lado, se pretender abarcar no mesmo conceito a violência sobre civis, exercida quer pelo actor Estado, quer por actores não estaduais, e se pretender ainda consagrar o direito de resistência à ocupação estrangeira. As dificuldades a ultrapassar são inúmeras e para as Nações Unidas torna-se um imperativo político encontrar tal definição (2004).
 
Após esta breve análise conceptual do terrorismo, neste estudo entendemos ser necessário optar por uma definição, sendo que a da OTAN, expressa no MC 472, nos parece ser um bom instrumento conceptual para a investi­gação aqui apresentada. Assim, entendemos por terrorismo “(...) a utilização ilegal da força ou da violência planeada contra pessoas ou património, na tentativa de coagir ou intimidar governos ou sociedades para atingir objectivos políticos, religiosos ou ideológicos (...)”. Esta definição insere o terrorismo transnacional, que hoje é identificado, sobretudo pelas opiniões públicas e seus formadores, com Bin Laden e a al Qaeda (a base), no conceito mais lato de subversão; subversão que entendemos ser uma técnica de “(...) assalto ou de corrosão dos poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar e pôr em causa o Poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo (...)” (Garcia, 2000).
 
Uma vez que o terrorismo transnacional, como veremos, tem intenções, objectivos, recrutamento e organização globais, consideramos o fenómeno como uma acção subversiva global (Mackinlay, 2002, Garcia, 2006) ou Pansurgency (National War College, 2002)
 
 
2.  Natureza, objectivos e estrutura
 
a. Natureza
 
Esta ameaça antiga que funciona com base em critérios políticos, culturais e religiosos próprios e sempre na clandestinidade, subiu na hierarquia das preocupações dos Estados, procurando atingir os pontos mais críticos de convergência entre a sociedade e o aparelho do Estado, estando mais vocacionado para desgastar o Poder que desafia ou para promover a sua rejeição do que para o derrubar (Monteiro, 2002) lança na contenda dois actores do sistema internacional (o terrorismo e o Estado), com fins políticos ou político-religiosos distintos, e que, em regra e numa primeira instância, um deles recusa a intermediação, a arbitragem e a negociação (Mongiardim, 2004).
 
Ao longo dos tempos o terrorismo assumiu dois tipos de natureza (Mongiardim, 2004): uma secular e outra religiosa. O de natureza secular determina livremente os seus objectivos, meios e fins; o de natureza religiosa, por seu lado está apegado a leis que lhe são ditadas por um Ente Superior. Estes terrorismos de natureza diferenciada têm em comum o recurso à violência e o elemento constante é o martírio dos inocentes (Moreira, 2004), diferindo ambos, no entanto, quanto às suas justificações e objectivos. Independentemente desta sua diferente inspiração e natureza, este poder errático goza sempre de apoio popular e é exercido em função da obtenção de vantagens políticas.
 
Após o 11 de Setembro de 2001 e na sequência do aparecimento de estratégias de desestabilização mais radicais, o entendimento do fenómeno foi sujeito a novas abordagens. Embora persistam fenómenos circunscritos ao espaço nacional ou regional, parece poder dizer-se que há um terrorismo que assumiu uma escala global, por vezes com ligações ao crime organizado e com outras organizações de solidariedade transnacional de matriz ideológica, cultural e étnica. O seu potencial quer pelo grau de violência, quer pela capacidade organizativa ou mesmo pelas novas estratégias de recrutamento também foi acrescido (Romana, 2004), passando hoje a ser global. O fenómeno sofreu também uma alteração qualitativa e passámos a falar do ciberterrorismo, do bioterrorismo, do ecoterrorismo, e do terrorismo químico e mesmo nuclear.
 
b. Objectivos
 
Basicamente, o principal móbil da subversão global assenta num conceito geopolítico de pan-integrismo islâmico (Lousada, 2007), tendo por base a modificação da actual ordem internacional e no estabelecer de um Califado no coração do mundo islâmico, o Iraque1, regido por uma Sharia (Corão e Sunna) concebida a partir de uma interpretação integrista do Corão, procurando assim a transformação da sociedade muçulmana, limpando-a de inovação doutrinária (Zuhur, 2005); como objectivos intermédios procura não apenas aterrorizar, mas também a retirada das forças Ocidentais e mesmo dos seus negócios do Iraque, da Palestina e da terra de Maomé, ou seja, da Arábia Saudita e ainda estender a jihad aos países seculares da região e a sequente substituição das suas lideranças; no fundo, dominar os Estados (Garcia, 2006).
 
Para alcançar estes objectivos é permitido o recurso a mecanismos não apenas políticos mas também violentos, como se pode ler no manual de treino da al Qaeda: “Islamic governments have never been, and will never be, established through peaceful solutions and cooperative councils. They are established as they have been, by pen and gun, by word and bullet, by tongue and teeth” (Gunaratna, 2002).
 
Este fenómeno pode ser analisado segundo dois ângulos que podem ser interdependentes: uma análise racional em função dos objectivos, ou por outro lado, uma análise segundo as motivações de quem no terreno efectua as tácticas subversivas, onde os combatentes agem sem racionalidade e de forma emocional. É aqui que as análises ocidentais pecam, nas percepções, pois por norma, segundo Zuhur (2005) interpretamos as suas mentalidades como diferentes das nossas, mas do que na realidade se trata é de uma diferença de valores e de técnicas associativas, no fundo, os novos comba­tentes da Jhiad estão auto-convencidos que os seus actos imorais de violência são morais, mas, de modo nenhum desafiam a lógica moderna de padrões da sua mentalidade.
 
Mas o curioso desta atitude, em que os Ocidentais são o inimigo e que “para a violência estrutural do Ocidente apenas o terrorismo global é a resposta eficaz” (Moreira, 2004), é que ela é aceite por camadas significativas da população, contrastando com o entendimento do poder, como se verifica com o Paquistão, Arábia Saudita, Egipto, Argélia, Jordânia, ou ainda em países que estão a braços com movimentos secessionistas de raiz islâmica, como acontece na Rússia, na China, na Indonésia ou no Bangladesh (Lousada, 2007).
 
Hoje em dia a maior ameaça representada pelo terrorismo transnacional está na possibilidade de associação do fenómeno à utilização de Armas de Destruição Massiva (ADM) (White House, 2006), pois é com relativa facilidade que uma organização terrorista pode ter acesso à construção de uma ADM. Se uma arma destas for detonada numa zona urbana pode causar entre centenas de milhares a um milhão de baixas, sendo o choque económico previsto de cerca de um trilião de dólares (Nações Unidas, 2004). Um ataque desta natureza afectaria a segurança internacional, a estabilidade dos regimes democráticos e a liberdade dos cidadãos.
 
Os riscos de armas destas virem a parar em mãos terroristas foi incrementado com o esboroar do antigo Império soviético, altura em que quer o controlo quer a segurança da tecnologia e armamento nuclear russo sofreu uma erosão profunda. Por outro lado, neste período também testemunhamos um incremento na proliferação nuclear em Estados não-nucleares. A este propósito lembramos que de acordo com as Nações Unidas, são cerca de 60 os países que desenvolvem capacidades nucleares, 40 dos quais possuem tecnologia industrial e infra-estruturas científicas que lhes permitem, se essa for a opção, a construção de armamento nuclear a breve prazo. As Nações Unidas equacionam ainda outro perigo que se prende com a criação de elevados stocks de material nuclear e radioactivo. Existem actualmente 1 300 quilos de urânio enriquecido em reactores de investigação espalhados por 27 países, mas o volume de urânio acumulado é muito superior, estando algumas quantidades armazenadas em condições que oferecem pouca segurança, tendo sido confirmados mais de 200 incidentes envolvendo tráfico ilícito de material nuclear (2004).
 
Nesta delicada situação o factor humano, porque extremamente vulne­rável, desempenha um importante papel. Segundo um artigo de Deborah Ball e Theodore Gerber publicado em 2005 na conhecida International Security, dos 602 cientistas russos que trabalham no sector, 20% expressou a sua disponibilidade em trabalhar para Estados considerados proliferadores como o Irão que, lembramos, tem ligações estreitas com o Hezballah, o que pode ser tentador para que elementos da al Qaeda procurem por esta via um acesso clandestino à tecnologia nuclear (Dempsey, 2006).
 
 Um outro exemplo surge com o Professor Abdul Qadeer Khan, “pai” do programa nuclear Paquistanês. Khan confessou em 2004 ter estado envolvido numa rede internacional clandestina relacionada com a proliferação de tecnologia de armamento nuclear, do Paquistão para a Líbia, Irão e Coreia do Norte. Ao que tudo indica este cientista teria pouco controlo sobre os elementos da sua rede fora do Paquistão; além do mais quer ele quer os seus companheiros ao terem acesso a esta sensível tecnologia terão ficado eminentemente motivados pelo lucro fácil. Nestas circunstâncias, o risco de acesso por elementos terroristas a tecnologia nuclear aumenta significativamente (Dempsey, 2006).
 
Uma outra ameaça pode surgir também de armas de destruição massiva, mas de carácter radiológico, biológico ou químico. As armas radiológicas podem apenas utilizar material radioactivo, cuja matéria-prima está disponível em milhares de fontes na área industrial ou médica, e permite a construção de uma dirty bomb, com capacidades limitadas, mas de grande impacto psicológico junto das populações.
 
As armas químicas e biológicas também elas são de destruição em massa, com a agravante de os agentes químicos e biológicos estarem disponíveis no mercado internacional, e nas inúmeras instalações industriais e laboratórios em todo o mundo, e, lembramos, que ataques com agentes químicos (gás sarin) foram perpetrados no metro de Tóquio em 1995 e que em diversas instalações terroristas foi encontrado o tóxico ricin que não tem antídoto e é altamente letal. A utilização deste tóxico pode provocar mais baixas do que uma detonação nuclear, só uma grama pode provocar entre cem mil e um milhão de mortes (Nações Unidas, 2004).
 
c. Estrutura2
 
Ao nível estrutural podemos identificar algumas características na subversão global, como:
• Estrutura-se como uma scale free network transnacional;
• Uma metodologia de acção própria dos serviços de intelligence, designadamente a construção de redes de contactos, a selecção de elementos a recrutar (Romana, 2004) e um planeamento meticuloso das operações com um extremo cuidado na pesquisa e análise;
• As suas acções são acompanhadas pelos media que lhe ampliam o impacto (Mackinlay, 2002).
 
A al Qaeda, ou aquilo que ela representa no nosso imaginário, apresenta uma maleabilidade, uma plasticidade e um oportunismo nas suas ligações, efectuando sempre alianças coerentes mas sobretudo convenientes, juntando grupos que pretendem a derrota do inimigo longínquo, o Ocidente e Israel, com grupos que apenas pretendem a autonomia local, ou mesmo com grupos mais moderados (Zuhur, 2005).
 
Na Europa e na América do Norte aquela “organização” tentacular procura infiltrar-se através da emigração clandestina, para posteriormente estabelecer ligações com diversas organizações nacionalistas islâmicas, com grupos étnicos e entidades multinacionais, de corte radical, levando o seu apelo para a mesma causa comum, causa capaz de transcender as diferenças (políticas, nacionais e religiosas), ao mesmo tempo que mantém a sua capacidade de acesso a consideráveis recursos, sobretudo através do crime organizado e do tráfico de armas (Mongiardim, 2004).
 
Na visão tradicional de abordagem do fenómeno, há autores que apesar de referirem a estrutura em rede, consideram que há uma unidade na “organização”, e que esta reside na identidade centrípeta religiosa (Lousada, 2007), referindo James Philips (2006) da Heritage Foundation, que a “organização” possui um núcleo disciplinado e profissional, que provavelmente conta com cerca de 500 elementos. Segundo este autor, tradicionalmente a al Qaeda opera através de uma estrutura horizontal informal, talvez combinada com uma estrutura mais formal, vertical, onde surge a figura de Bin Laden, que será mais importante como porta voz da “organização” do que como Comandante (Phillips, 2006), e o egípcio Ayman al-Zawahiri como Comandante Operacional. Este núcleo, segundo Paul Smith (2002), é assessorado por um conselho consultivo (a majlis al shura) que coordena quatro comités (militar, finan­ceiro, religioso e propaganda), cabendo ao comité responsável pela área militar a nomeação dos responsáveis das células espalhadas pelo mundo.
 
Na sua estrutura cada célula desempenha uma função específica; existem as de “suporte” que possuem funções específicas (gestão de recursos humanos, contratações, etc), autonomia de acção e ligação por módulos e, as células “operacionais” (que congregam os grupos que perpetram as acções directas). Em torno da al Qaeda, há também colaboradores (informadores, tarefeiros…), militantes e simpatizantes (Smith, 2002). Algumas das células, segundo James Phillips (2006), contêm indivíduos auto seleccionados com pouco ou mesmo nulo treino terrorista, que não pertencem necessariamente à organização e que podem estar activos apenas para uma operação, o que os torna mais dificilmente detectáveis.
 
No modelo em rede abordado por autores como Raab (2003) e Sageman (2004), elementos centrais da organização fornecem o contexto ideológico, a estratégia, o planeamento os recursos mas um apoio administrativo muito limitado, porém são fundamentais para estabelecer a ligação entre células que se encontram descentralizados e dispersas geograficamente. Sageman ao descrever a estrutura da al Qaeda adianta um modelo estruturado a partir de “hubs” e “nodes”, sendo os primeiros fundamentais para as ligações de uma direcção e comunicação centralizada entre os segundos, que se encontram, estes sim, descentralizados e independentes entre eles.
 
Para Sageman os “hubs” são essenciais para a direcção das operações da al Qaeda, ao passo que os “nodes”, que são pequenos grupos de indivíduos isolados da comunidade envolvente e o produto de uma livre associação local, com laços de união interna extremamente fortes e resistentes à erosão, são aqueles que possibilitam as capacidades locais e sobretudo a presença operacional em áreas de interesse da organização como um todo. Segundo este autor, as ligações “hubs”/”nodes” são muito fracas e, frequentemente de natureza não directiva; porém na sua análise destaca sempre o papel fundamental dos “hubs” para o comando e controlo, o que os torna vulneráveis a qualquer acção que vise a sua destruição, ao passo que os “nodes”, face à constituição já explicada, são de difícil detecção e monitorização.
 
Há no entanto uma versão significativamente diferente sobre a estrutura e organização da al Qaeda. Para Albert Barabási (2003) no centro desta “teia sem aranha”, não existe qualquer líder central, ou uma cadeia de comando formal, caracterizadora de uma estrutura militarizada ou das corporações do século XXI, que controle todos os detalhes. Douglas Macdonald (2007) perfilha desta ideia e vai mais longe, comparando a visão política extremista islâmica a totalitarismos como o Nazi. No regime do Führer, os “little Hitlers” gastavam a sua energia a trabalharem para Hitler, antecipando os seus desejos a partir dos seus discursos, ideologia e acção, mas tendo a iniciativa localmente. Assim, para Macdonald, a rede global é melhor entendida quando comparada a “little Bin Ladens”, financiados, treinados e guiados pela “base” mas a planearem os ataques de acordo com as condições e capacidades locais, citando depois Bin Laden em 1998 a propósito dos atentados às embaixadas norte-americanas em África: “Our Job is to instigate and, by the grace of God, we did that, and certain people responded to this instigation” Macdonald (2007).
 
Ao certo, o que podemos considerar é que actualmente aquela “organi­zação” funciona cada vez mais como uma confederação (Brissard 2002) que congrega um conjunto de redes, com uma dimensão e estrutura variáveis, complexas e flexíveis, que gere e utiliza diversos centros de apoio espalhados por aproximadamente 60 países (Phillips, 2006), apoiando-se os grupos radicais mutuamente, constatando-se ainda a existência de uma rede de solidariedade activa que se estende da Chechénia ao Sudão, passando pelas Filipinas, pela Somália, pela Malásia e pela Indonésia, e passando igualmente pela Europa, onde possui uma muito elevada interoperacionalidade em domínios como a recolha de fundos, o recrutamento e a aquisição de material não letal (Romana, 2004).
 
Esta estrutura descentralizada que financia operações dos seus seguidores, cuja trajectória político-operacional é, do médio prazo para diante, uma incógnita (Boniface, 2002) parece estar a evoluir ainda para uma maior descentralização, num conjunto de redes de base regional (Singer, 2004), formando uma “rede de redes”, demonstrando uma capacidade de actuação global, atacando inclusivamente o coração de grandes poderes, como fez em Nova Iorque, Madrid e Londres, conseguindo sobreviver a intensas contra-medidas (Mackinlay, 2002). A sua capacidade de sobrevivência advém-lhe da desterritorialização, e a mistura entre religião, ideologia, crime e fontes de investi­mento, torna difícil determinar a origem clara de qualquer fundo terrorista específico. Em princípio provêm de doadores privados, investimentos legí­timos, do narcotráfico e de outras actividades criminosas (Winer, 2002).
 
Apesar da sua capacidade de sobrevivência e adaptação, apresenta diversas debilidades que podem ser exploradas pela contra-subversão, como (Romana, 2004 e Lousada, 2007):
• A dificuldade de coordenação de acções, num contexto de autonomização das unidades operacionais e de apoio;
• A dificuldade de manutenção de disciplina interna;
• A necessidade de impedir o surgimento de áreas ideológicas e de problemas de motivação.
 
 
3.  Apoios financeiros e outros
 
A fim de sustentar e manter a subversão global e os seus objectivos, a al Qaeda conseguiu construir uma complexa teia de apoios e instrumentos políticos, religiosos económicos e financeiros (Brissard, 2002). Podemos assim considerar apoios de diversas fontes e formas.
 
As principais fontes de apoio são os Estados, diásporas, guerrilhas exteriores, refugiados, organizações religiosas, personalidades com fortuna pes­soal e inclusive de grupos activistas de direitos humanos. Os motivos de apoio são variados. Os Estados são mais motivados por questões geopolíticas do que por afinidades étnicas, ideológicas, ou religiosas. Em contraste, as diásporas apoiam sobretudo por motivos étnicos e os refugiados são normalmente motivados pelo desejo de regressar a casa e restaurar as suas vidas e da sua nação em determinado território (Byman, 2001). As formas de apoio vão do político nos “fora” internacionais e junto das grandes potências, ao simples encorajamento para a subversão do Poder, passando pelo tradicional apoio financeiro, material, de intelligence, acabando no santuário, no treino ou mesmo em apoio militar directo.
 
As raízes da rede de financiamento da al Qaeda têm origem nas intensas actividades de recrutamento e busca de apoio financeiro estabelecidas para apoiar a Jihad contra os soviéticos no Afeganistão, por Bin Laden e seus apoiantes (entre os quais os próprios EUA).
 
Hoje está enraizada na opinião pública a ideia de que a globalizada al Qaeda é economicamente saudável, possui vastos recursos financeiros que emprestam desafogo à sua actividade operacional. Porém, num relatório das Nações Unidas assinado por Jean-Charles Brissard, e datado de Dezembro de 2002, vêm perfeitamente identificadas as diversas fontes e formas que a organização utiliza para o seu financiamento. Brissard desmistifica com este relatório alguma ideias pré-concebidas sobre a organização e o seu finan­ciamento. Mas analisemos mais detalhadamente este relatório.
 
Segundo Brissard, e contrariamente ao mito enraizado na opinião pública, a organização carece de meios financeiros para poder actuar. Para ele as células que estão adormecidas não necessitam de grandes recursos, por outro lado as que se encontram operacionais necessitam de avultados meios financeiros. De acordo com o relatório que temos vindo a analisar, das necessi­dades de financiamento, 90% são destinadas para infra-estruturas, comuni­cações, instalações, redes, treino e protecção dos seus elementos e os restantes 10% para as despesas correntes diárias, planeamento e execução dos atentados. Brissard refere depois diversos exemplos de custos associados a ataques perpetrados, sendo que o atentado ao USS Cole em 2000 terá custado entre 5 e 10 mil dólares, e o do 11 de Setembro terá ficado por valores aproximados dos 500 mil dólares, num total de 761 mil dólares americanos, o que leva Adelino Torres a concluir que não estamos perante “combatentes pobres de mãos nuas” (2004).
 
De acordo com Brissard, a rede não necessita das facilidades dos off shore para cobrir as suas operações. Segundo ele, a rede possui os meios e a capacidade para desviar e lavar dinheiro, como o método Hawala 4, considerando no entanto que a maioria dos fundos tem uma origem legal e, como veremos, representando a Zakat (dádiva obrigatória) a sua maior fonte de financiamento.
 
Para recolher fundos, a “organização” utiliza diversos métodos, sendo a ligação ao crime organizado inevitável: cotizações dos membros; projectos de investimento; empresas de fachada; falsos contratos; assaltos a bancos; cheques forjados; fraude com cartões de crédito; moeda falsa; raptos; extorsão; contrabando de armas; tráfico de drogas; e os mais diversos tráficos como de carros, cd’s e inclusivamente humano (Brissard, 2002).
 
A Drug Eenforcement Agency (DEA) norte americana, estima que por exemplo, só no Afeganistão a al Qaeda lucra mais de 40 milhões de dólares ano com o tráfico do ópio (Carpenter, 2004).
 
A Célula de Madrid foi talvez a mais importante a ser desmantelada desde o 11 de Setembro, tendo-se verificado inclusive que a mesma financiava outras células, como a de Hamburgo, e que obteve os fundos para comprar os explosivos usados no 11 de Março, através da venda de haxixe.
 
Ao mesmo tempo que como sistema adaptativo complexo (Guedes, 2006) se transformava e desenvolvia, a al Qaeda infiltrou-se e estabeleceu-se numa série de Organizações Muçulmanas de Caridade, as quais podiam ser facilmente utilizadas para colher donativos, mascarar os fundos de que ela necessitava para financiar as suas actividades, montar autênticos centros de apoio à causa e distribuir os necessários às suas células espalhadas pelo mundo inteiro, ao mesmo tempo que serviam para apoio e ajuda humanitária legítima. Mais de 50 instituições de caridade locais e internacionais foram investigadas e conseguiu-se relacionar algumas com a al Qaeda, sendo as mais importantes as seguintes: a International Islamic Relief Organization (IIRO), a Benevolence International Foundation, a Al Haramain Islamic Foundation e a Rabita Trust. Todas elas têm escritórios espalhados pelo mundo e as suas actividades são, ou eram, relacionadas com programas religiosos, educacionais, sociais e humanitários (Brissard, 2002).
 
A caridade é bastante importante na tradição e lei muçulmanas. Existe um dever religioso reconhecido no mundo muçulmano de doar ou atribuir uma porção das posses de cada um para caridade ou benevolência religiosas (esmola legal), que se intitula Zakat (avaliada em cerca de 10 mil milhões de dólares por ano). Existe também a participação em actos de caridade e trabalho voluntário, a que se dá o nome de Sadaqah. Em países como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes Unidos, não existe um sistema de taxas ou impostos implantado, pelo que o Zakat os substitui como a fonte principal de fundos para as organizações e actividades sociais, religiosas e humanitárias. Este é recolhido através das mesquitas locais e de centros religiosos, sendo que os donativos são em grande maioria anónimos e esse é um dos motivos porque tanto o Zakat como o Sadaqah são considerados responsabilidades religiosas pessoais, não existindo assim um controlo rigoroso dos mesmos por parte dos governos (Brissard, 2002 e Torres, 2004).
 
Esta situação é explorada pela al Qaeda para recrutar elementos, aumentar o número de apoiantes à causa e solicitar apoio financeiro directamente nas mesquitas e centros islâmicos.
 
Também instituições bancárias, como por exemplo, o Banco Al Taqwa, utilizavam as suas filiais em vários países para adquirir fundos para a al Qaeda, transferindo e lavando esses fundos, servindo ainda como plataforma de transporte para equipamentos militares e outros, com destino a elementos internacionais desta rede (Jacquard, 2001).
 
Organizações Não Governamentais como a Islamic Relief Agency, Save Bósnia Now e o Comité de Beneficência e Solidariedade, angariam e manipulam livremente importantes somas de dinheiro a coberto de acções humanitárias. Devido à sua natureza não lucrativa, não se encontram sujeitas a fiscalização, pelo que servem na perfeição os intentos da al Qaeda.
 
Muitos elementos da elite Saudita (homens de negócios, príncipes e banqueiros), descontentes com o rumo dos acontecimentos e da grande abertura que a família real tem dado aos EUA, têm vindo a contribuir para a causa do grupo de Bin Laden (Torres, 2004) com valores entre os 300 e 500 milhões de dólares (Brissard, 2002).
 
A al Qaeda opera como uma “franchise”, sustentando financeira, logística e ideologicamente entidades que operam há vários anos em lugares extremamente diversificados, como vimos referindo, e cujas acções custam milhares de dólares (Brissar, 2002). Além disso, grupos terroristas locais podem agir em seu nome com o intuito de aumentar a sua própria reputação, mesmo que ainda não estejam a receber apoio desta.
 
 
4.  Recrutamento
 
Tendencialmente, na opinião pública perpassa a ideia de que o terrorismo está apenas associado à pobreza, à miséria humana; são as próprias Nações Unidas a reconhecer que existe uma relação muito próxima entre terrorismo e pobreza, sendo as regiões mais pobres do mundo as mais propensas à ocorrência de violência, assim como os Estados fracos como a Libéria e a Serra Leoa ou o Afeganistão, e os Estados colapsados como a Somália, são aqueles que apresentam condições mais favoráveis para a eclosão ou para servirem de “berço” ao terrorismo5. Contudo, nos atentados de 11 de Setembro de 2001, pela análise das biografias dos suicidas, verificou-se que as fileiras do terrorismo também são preenchidas por indivíduos de nível social, económico e educacional, relativamente elevado.
 
As fontes de recrutamento e os motivos para adesão são diversos e estão sobretudo associadas à revolta com situações sociais degradantes, à ausência de instituições democráticas, a factores culturais considerados humilhantes, a injustiça, a desigualdades e a xenofobia, mas também segundo Zuhur (2005), os extremistas recrutam por uma crença recente na missão islâmica, a da´wa, e na glorificação da Jihad e do martírio, juntamente com o desejo de poder contribuir para a mudança do meio que os rodeia e do mundo em geral. A tudo isto acresce, o exponencial crescimento demográfico e o factor migratório, com o fluxo orientado predominantemente para os países do Ocidente, onde as novas comunidades que se instalam dificilmente são integradas nas sociedades locais, potenciando o acréscimo de desencantados e de potenciais filiados e combatentes pela alternativa apresentada pelo terrorismo.
 
Independentemente das formas de recrutamentos, para Amaro Monteiro (Monteiro, 1999-2000), é de esperar que de uma maneira geral o recrutamento se efectue sobre indivíduos com os seguintes perfis psicológicos:
1) Personalidades cujo comportamento se enquadre já no âmbito da criminalidade comum; baixa ou elementar escolaridade; origem social ao nível do subproletariado urbano; perfil solitário-sofredor; nula ou muito vaga consciência política; portador/a de traumas infantis e da adolescência propiciadores de uma permanente auto-alegação de “vítima”; vendo na sociedade a mãe-má de um pesadelo a apagar/destruír (pelo menos na recusa da responsabilidade). Propenso a “dedicar-se”, carente de ser “necessário”, este tipo psicológico é, na organização terrorista, aliciável e utilizável para todo o “trabalho menor”, após uma “consciencialização” que lhe resgate a “menoridade” na medida q.b.;
2) Personalidades cujo comportamento é de aparência normal e está, no plano da criminalidade comum, fora de qualquer suspeita; escolaridade média ou alta, com razoável ou acentuada densidade de leituras; estrato burguês médio ou médio/alto; perfil intrinsecamente solitário/lábil, mas dotado de versatilidade e empatia quando em circunstância de “actor no palco”; frequente portador de complexo edipiano mal resolvido e de traumas juvenis; vítima real ou alegada de preterições políticas ou socio-profissionais; idealismo exaltado e colando-se a mania carismática (“ego” paranóide); perda progressiva do distanciamento crítico entre a ideologia/religião e a realidade, com hipertrofia simultânea do ele­mento utópico. A partir de determinado ponto, a amoralidade é nele dominante. Sociopata (?). Levado pela acção a não poder acreditar na própria morte, vê em todo o seu exterior uma culpa de sangue que só o sangue pode remir. Este tipo psicológico é, na organização terrorista, de aliciamento normalmente lento, dada a capacidade crítica. Aderindo, destina-se ao planeamento e/ou comando operacional. Dura enquanto for controlável. É óbvio que os perfis descritos, não sendo universais nem rígidos, têm porém valor referencial; indexam-se aos contextos culturais e sociais do país ou área de recrutamento.
 
Estas personalidades são recrutadas essencialmente de duas formas que podemos designar por recrutamento directo e recrutamento Indirecto6.
 
a. Recrutamento directo
 
Nesta forma de recrutamento o contacto com o elementos a recrutar é feito directamente e incide sobretudo em jovens previamente sondados e persuadidos, facilmente manipuláveis, que expressam a sua revolta contra a tirania, a injustiça e a corrupção existentes nos seus países, situações de que estas organizações tiram proveito, sendo por isso a forma de recrutamento mais eficaz (Zuhur, 2005).
 
O contacto com os futuros recrutas efectua-se sobretudo em mesquitas, ou nas escolas corânicas. A al Qaeda envia recrutadores que ou estão embeded nas mesquitas ou viajam de mesquita em mesquita, onde procedem à identificação de potenciais voluntários. Muitas vezes estes são seleccionados para viajar para um terceiro país como o Paquistão ou o Iémen onde a sua educação religiosa vais ser incrementada. Uma vez lá chegados, são isolados dos seus anteriores companheiros e mesmo da família e é-lhes ministrada formação religiosa mais avançada e recebem treino para a Jihad. O recrutamento também é efectuado em grupos radicais que apoiam ou dependem de alguma forma da organização e estão disseminados pelo mundo fora, sendo neste momento o Iraque considerado como o epicentro para atraír, organizar e treinar a nova geração de terroristas (Phillips, 2006).
 
Sharon Curcio (2005), um oficial reservista norte-americano, apresenta no seu estudo “As diferenças entre as gerações para travar a Jihad”, publicado na Military Review, uma interessante análise sobre as motivações para participar na Jihad e sobre a forma de recrutamento. Na base do seu estudo estão 600 entrevistas a prisioneiros detidos em Guantanamo.
 
Para Curcio desde o tempo em que se deu início à procura de combatentes estrangeiros para colaborarem no esforço de expulsão dos soviéticos de solo afegão, até ao 11 de Setembro de 2001, muitos jovens muçulmanos foram motivados pelas prédicas dos Imãs, a trocarem os seus lares e partirem para o montanhoso território da Ásia Central, Chechénia ou Palestina. O apelo à Jihad seduzia e funcionava como um ritual de transição para a idade adulta e era ainda o demonstrativo da devoção ao Islão, transformando-os em mujahedin.
 
No seu processo de recrutamento os aliciadores utilizavam múltiplos meios de persuasão, como por exemplo imagens de muçulmanos perseguidos e exibiam filmes onde se mostravam mulheres e crianças em sofrimento em campos de refugiados na Chechénia e na Palestina (Curcio, 2005). Ainda segundo este autor, de forma a cumprirem a Jihad eram oferecidas diversas alternativas aos jovens aliciados, como ensinar o Corão ou árabe; visitar um país-modelo de Sharia ou mesmo auxiliar irmãos muçulmanos a lutar contra os opressores ocidentais para extinguir a corrupção que ameaça o Islão em todos os lugares. A estas motivações Curcio acrescenta outras como o desemprego, problemas financeiros ou outros tipos de fracasso pessoal, referindo o exemplo de muitos dos detidos dos países do Golfo Pérsico, verem a Jihad como um “emprego alternativo.”
 
Por outro lado é curioso notar, e o autor salienta esse pormenor, que os jovens e educados de origem saudita foram motivados pelo desejo de descobrir as suas identidades e experimentarem um desafio; para os mais puristas, a Jihad era a grande oportunidade de junção do domínio espiritual com o material; para outros era a chance de provar sua masculinidade e, ainda para outros, oferecia alívio temporário da pobreza ou dos problemas do abuso de drogas. Houve recrutadores que utilizaram ainda o artifício da peregri­nação para enganar alguns dos jovens aliciados (Curcio, 2005)
 
 Para James Dunnigan (2006), uma das formas dos radicais islamitas obterem grande influência sobre as populações passa pelo controlo da acção educativa básica ou inicial. Na Arábia Saudita as escolas corânicas (madrassas), largamente apoiadas por instituições de caridade e por contribuições locais, utilizam cerca de 40% do tempo escolar a ensinar assuntos do foro religioso, com os restantes 60% a serem dedicados a disciplinas como Gramática, Retórica, Discurso Público, Lógica, Filosofia, Literatura Árabe, Lei Islâmica, Teologia, Medicina e Matemática, procurando-se acima de tudo formar jovens muçulmanos capazes e observadores. Além destes ensinamentos, nas madrassas, cujo número se avalia em cerca de 100 000 em todo o mundo, passam-se também mensagens como: “luta contra os infiéis do mal” e “matem os judeus”, que são assim incutidas nos jovens muçulmanos e é através destas que a al Qaeda e outras organizações extremistas capitalizam seguidores e apoiantes (Dunnigan, 2006). Porém, não devemos esquecer que, tal como Bergen e Pandey (2005) adiantam, estas escolas “do not teach the technical or linguistic skills necessary to be an effective terrorist”.
 
Como uma organização que se modifica e adapta constantemente, procurando novas formas de evitar a detecção ou dos seus membros serem capturados, a al Qaeda tem procurado a surpresa e a exposição mínima, recrutando operacionais oriundos não só de países muçulmanos mas também em países como a Grã-Bretanha, França, Austrália e os próprios EUA (Jacquard, 2001).
 
b. Recrutamento indirecto
 
Esta forma de recrutamento engloba todos os processos utilizados pela al Qaeda para integrar novos membros, sem que exista numa abordagem inicial um contacto ou interacção directa entre a entidade recrutadora e o elemento a recrutar. Aqui a actuação cinge-se ao campo das emoções, sendo utilizados os conhecimentos das leis da psicologia, da psicosociologia a da psicotecnologia para influenciar crenças e sentimentos.
 
Destes processos os mais conhecidos são a divulgação de cassetes vídeo, as intituladas Cassetes de Recrutamento da al Qaeda, (Bulliet, 2006) produ­zidas por apoiantes de Bin Laden e onde surgem imagens do próprio, além de propaganda sobre o estado do mundo muçulmano, das causas desse estado e a solução para o mesmo, que não é senão a “guerra sagrada” contra os infiéis.
 
Também a internet se tornou um novo meio de recrutamento e treino dos novos elementos, de captação de fundos e recursos, de divulgação e reivindicação das suas acções e de comunicação, tudo isto com facilidade de acesso e a possibilidade de anonimato quase garantida, mesmo com a intensa vigilância a que esta rede está agora sujeita. O grupo liderado por Al-Zarqawi, por exemplo, colocou um vídeo on-line intitulado “Toda a religião será para Alá”, numa página da World Wide Web com grandes recursos gráficos e com qualidade profissional, mostrando fotos dos mártires e o treino dos bombistas suicidas (Zuhur, 2005).
 
A divulgação dos vídeos de decapitações de ocidentais infiéis na Internet e nas televisões de todo o mundo, tem sido também utilizada como propaganda para o recrutamento. Através destas decapitações, de raptos e de ataques bombistas no Iraque, a organização consegue dois resultados práticos: a propaganda à organização para atrair simpatizantes e a intimidação da população e dos “infiéis” (Zuhur, 2005).
Nesta forma de recrutamento os jovens entram num processo de auto-aprendizagem com recurso a manuais de guerra terrorista e gravações em vídeo ou CD. Quando e sempre que possível completam o seu treino a nível operacional com curtas passagens por grupos paramilitares no estrangeiro (Curcio, 2005).
 
Segundo Sharifa Zuhur (2005), um dos mais poderosos argumentos para o recrutamento desta Jihad tem na sua génese a ocupação estrangeira e a presença militar em terreno muçulmano e, de acordo com a base de dados, on line, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, a base potencial de recrutamento da al Qaeda e as suas fontes de financiamento foram consideravelmente aumentadas pela invasão americana do Iraque, uma vez que subiram as contribuições de muçulmanos ricos e revoltados com escândalos como o das torturas e humilhações sexuais em Abu Ghraib ou, mais tarde, as notícias da colocação do Corão junto às sanitas das celas de Guantanamo.
 
Os grupos extremistas conhecem perfeitamente as potencialidades da cobertura dos atentados pelos media sendo isso evidente numa carta entre dois lideres da al Qaeda, al-Zawahiri para al-Zarqawi, onde este referia “we are in a battle, and that more than half of this battle is taking place in the battlefield of the media”7.
 
Por outro lado também sabem que os ataques suicidas são multiplicadores de força; atraem os media; são relativamente “económicos” e adaptados à natureza irregular da organização e aumentam o recrutamento, sendo curioso verificar o aumento crescente de mulheres suicidas (Zuhur, 2005).
 
Heitor Romana (2004) considera ainda uma outra forma de recrutamento, o “free lancer”, que assenta em operacionais organizados em células activas ou que podem mesmo estar “adormecidas”, bem como no apoio logístico que essas mesmas células podem proporcionar.
 
 
5.  A análise estatística
 
A partir da análise e descrição efectuadas, pensamos agora ser interessante quantificar incidentes, baixas (mortos e feridos) e custos associados.
 
Apresentamos alguns gráficos extraídos da Terrorism Knowledge Base.. Esta base de dados é uma boa ferramenta analítica e permite criar não só gráficos como tabelas sobre incidentes terroristas. Aqui damos apenas o exemplo de gráficos com o registo do número de mortos e feridos por ano e depois por região:
 
 
 
 
 
Ou uma tabela que relaciona incidente por alvos:
 
 
Ou por mês:
 
 
Ou mesmo pela classificação do grupo terrorista:
 
 
Estes dados estão disponíveis on line em http://www.tkb.org/AnalyticalTools.jsp.
 
Porém, as análises estatísticas dependem de diversas condicionantes, como por exemplo da própria definição adoptada para o fenómeno. Por exemplo, para Frey e Luechinger (2003), da Universidade de Zurique, os incidentes em Nova Iorque contra as torres gémeas são contabilizados como um ou dois atentados? E podemos depois comparar a dimensão desta tragédia numa escala idêntica à de um sequestro de uma alta individualidade? Ou este será apenas, na melhor das hipóteses, um método genérico de abordagem do problema?
 
Encontramos muitas vezes discrepância nos resultados face aos conceitos utilizados para a análise do mesmo fenómeno. Porém, independentemente do que se pretende quantificar e da escala utilizada, estas análises explicativas e retrospectivas são sempre importantes e úteis para fins académicos mas, em nossa opinião, também o são sobretudo para órgãos e ou entidades que efectuam a gestão das consequências dos atentados pois permite-lhes, a partir das lições aprendidas, estimar custos, criar cenários e treinar modalidades de acção para esses cenários no sentido de minimizar vulnerabilidades, maximizando as suas potencialidades de actuação.
 
Ao nível dos custos associados aos atentados limitamo-nos a expressar a preocupação do Banco Mundial, para quem um ataque terrorista tem hoje consequências económicas devastadoras e globais. Segundo aquela Insti­tuição, o bem-estar de milhões de pessoas seria afectado, inclusive no mundo em desenvolvimento. Como exemplo refere-se o caso do ataque às torres gémeas em Nova Iorque que, só por si, teve um efeito de ressonância que provocou um aumento de 10 milhões de pessoas a viverem na pobreza, sendo os custos totais na economia mundial estimados em 80 biliões de dólares (Nações Unidas, 2004, 19).
 
 
Considerações finais
 
Com esta breve análise sobre um fenómeno que se constitui como uma das principais ameaças transnacionais esperamos ter contribuído para a reflexão e ter aberto novos rumos, para o aprofundar da investigação sobre os objectivos, a natureza, a estrutura, as formas de recrutamento e de financiamento do terrorismo transnacional.
 
Antes compreendermos a tempo o fenómeno, para assim podermos delinear eventuais cenários de evolução e prever formas de actuação, com modalidades de acção estratégica para lhe fazer face, quer através de medidas activas, quer passivas ou, na pior das hipóteses, para ser possível planear a gestão das consequências após a concretização de um atentado.
 
 
Bibliografia e outras fontes
 
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 *     Este texto resulta de uma evolução do texto “Terrorismo Transnacional. Contributos para o entendimento da sua estrutura, recrutamento e financiamento”, editado no Blog Jornal de Defesa e Relações Internacionais.
**     Major de Infantaria. Professor de Estratégia do Instituto de Estudos Superiores Militares. Sócio Efectivo da Revista Militar.
 
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 1 Podemos detalhar mais em diversas declarações de Bin Laden disponíveis em www.state.gov./s/ct/rls/pgtrpt/2003/31711.htm, e mais recentemente em http://www.dni.gov/releases.html.
 2 Entendemos por estrutura o conjunto das funções e relações que determinam formalmente as missões que cada unidade da organização deve realizar, e os modos de colaboração entre essas unidades. Sobre este assunto podemos detalhar mais em (Strategor, 2000).
 3 Sobre este assunto podemos detalhar em (Guedes, 2006) e (Barabási, 2003).
 4 Forma tradicional de transferir dinheiro entre países no mercado paralelo, onde não há qualquer tipo de registos.
 5 No texto do Coronel Thomas Dempsey referido em bibliografia podemos encontrar exemplos detalhados relacionados com esta temática. Dempsey foi Adido Militar em Monrovia e Freetown e actualmente é o Director de Estudos Africanos do US Army War College.
 6 Sobre este assunto devemos ver a sistematização bem conseguida em Serrano [et. al.] (2006).
 7 Podemos detalhar sobre este documento refere ainda a necessidade de se conquistar o importante apoio da população, disponível em http://www.dni.gov/releases.html.
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by COM Armando Dias Correia