Nº 2472 - Janeiro de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A 1ª Invasão Francesa: porque não se lutou desde a primeira hora?
Tenente-coronel PilAv
João José Brandão Ferreira
“A teus pés, fundador da monarquia
vai ser a lusa gente desarmada!
Hoje cede à traição a forte espada
Que jamais se rendeu à valentia!”
Início do soneto declamado pelo autor,
Capitão de Cavalaria Luís Paulino de Oliveira Pinto
da França, junto ao túmulo de D. Afonso Henriques,
na Igreja de Santa Cruz de Coimbra, em 1807,
após a primeira Invasão Francesa.
 
As invasões francesas foram um facto histórico maior, na história de Portugal, do qual deixámos de guardar memória e nem sequer temos como povo, nem sequer a nível das elites, verdadeira consciência das consequências que tais invasões tiveram e que se repercutem até aos dias de hoje. Sim, até aos dias de hoje!
 
As consequências não foram “apenas” materiais e sociais, foram doutri­nárias e sobretudo políticas.
 
Na parte social, as perdas humanas foram enormes e nunca ao certo contabilizadas. Estima-se que cerca de 10% da população tenha perecido não só pela acção inimiga como também pela doença, pela fome e pelo frio. Seriam cerca de 300 000 compatriotas nossos, um número inimaginável nos dias de hoje, mesmo tendo em conta que hoje somos quatro vezes mais …
 
No mais o país ficou arrasado: a agricultura e a pecuária destruídas; os campos talados; os monumentos roubados; igrejas profanadas; cidades, vilas e aldeias incendiadas; território ermado; pontes e outras “obras de arte”, destruídas; população esbulhada e deslocada (estima-se que atrás das Linhas de Torres se aglomeraram cerca de 600 000 pessoas!), todas as actividades produtivas desarticuladas.
 
No campo doutrinário, inoculou-se a nação com ideias estranhas à sua matriz portuguesa, não se conseguindo ou querido, disseminá-las de um modo progressivo e adequado. A imposição de tais ideias, a maioria oriundas da revolução francesa, dividiu a família real, a corte, as forças armadas e toda a nação, dando origem a divisões políticas profundas que ainda se entre­chocam nos dias de hoje. A consequência mais profunda desta divisão política foi uma guerra civil intermitente que lavrou durante cerca de 100 anos e só terminou, não completamente, porém, com a Constituição de 1933.
 
Pelo caminho ficaram dezenas de assuntos da maior importância por arrumar. Não tenho esperança que venham a ser arrumados.
 
Vamos então tentar perceber como Portugal foi abrasado pela fúria Napoleónica.
 
 
“No conjunto presente enquanto as coisas não tomam jeito, a maior política será o maior disfarce e a melhor negociação será a de ter boas tropas e bons navios.”
José da Cunha Brochado, carta de 28 de Novembro
de 1700 a El Rei D. Pedro II
 
Os poderes em Portugal tinham toda a obrigação de estar mais que avisados dos perigos que ameaçavam o País, tendo em atenção os graves eventos que ocorriam na Europa e no Continente Americano e, em particular, por via das Inconfidências Brasileiras, da Campanha do Roussilhão e da infeliz Campanha de 1801 desenvolvida contra nós por uma coligação franco-espanhola em que perdemos Olivença, ilegalmente ocupada, desde então, pela Espanha.
 
Lamento incomodar as consciências dos leitores sobre este ponto, mas não posso deixar de o enfatizar.
 
E, ainda, porque se deveria ter levado a sério a ameaça de Napoleão quando ao comentar a actuação da esquadra portuguesa, no Mediterrâneo ao lado da Inglesa, afirmou: “Virá o tempo que a Nação Portuguesa chorará com lágrimas de sangue a ofensa que praticou à República Francesa”.
 
Mas em vez de tirar as ilações naturais e preparar o país para um conflito mais do que certo, reforçando o Poder Nacional de todas as maneiras possíveis e preparando uma linha de actuação politica e as estratégias económica, militar, diplomática, financeira, psicológica, etc., que a sustentasse, optou-se por se tergiversar e adiar constantemente no caminho a seguir, entregando à Providência Divina a prevenção das desgraças. Não me parece até, que os actuais habitantes deste cantinho ocidental da Europa, tenham aprendido muito com os seus antepassados …
 
A Revolução Francesa pela dinâmica que criou, tornou a França exportadora de ideologia por atacado. Com a subida ao Poder de Napoleão, aquele país tornou-se imperialista e dispôs-se nada mais, nada menos, do que a subjugar toda a Europa e, naturalmente, todas as suas dependências ultramarinas.
 
Contra a República Francesa, que tinha transformado cada cidadão num soldado e cada soldado num cidadão, levantaram-se diversas coligações, das principais potências europeias habilmente manipuladas pela Inglaterra que, defendida pelo Canal da Mancha evitava comprometer forças suas em solo europeu, desenvolvendo toda a sua campanha no mar. As coligações foram sendo sucessivamente derrotadas pelo grande cabo-de-guerra corso, numa série de brilhantes batalhas. No mar, no entanto, a sorte era-lhe adversa.
 
A hora de Portugal chegou, quando Napoleão, na sequência da vitória de Iena, em Novembro de 1806, decretou em Berlim o bloqueio continental, com o que pretendia impedir todo o comércio e comunicação com a Grã-Bretanha. Em seguida, apeou a monarquia espanhola colocando um irmão seu no trono de Madrid.
 
Pela Paz de Tilsit, após a vitória de Friedland, que selava a derrota da Rússia, da Áustria e da Prússia, o auto proclamado imperador dos franceses, fez um ultimatum ao governo de Lisboa (e a outros países) segundo o qual teríamos que declarar guerra à Inglaterra e fechar-lhes todos os portos. E se não o fizéssemos até 1 de Setembro de 1807, o país seria invadido. Estávamos em Julho desse ano. E não contente com isso ainda mandou um “aviso”, a 14 de Agosto, que obrigava Portugal a “oferecer voluntariamente” uma elevada quantia em dinheiro e quatro mil soldados.
 
Nestas circunstâncias Portugal não tinha grandes escolhas (e já devia saber disso de guerras anteriores!...); ou declarava a neutralidade ou escolhia um dos lados da contenda. Em qualquer dos casos só um milagre evitaria a guerra.
 
A neutralidade seria o que melhor conviria aos interesses portugueses e por isso ela foi tentada. Mas era irrealista, dado que não é neutral quem quer, mas sim quem tem Poder para o fazer. Ora Portugal não tinha na altura poder suficiente para se interpor entre as duas super potências da época. Declarar-se ao lado da Inglaterra resultaria numa invasão franco espanhola da Metrópole; mas pôr-se ao lado dos poderes continentais implicaria a perda de todo o Ultramar, de que dependia a sua existência.
 
E isso não garantia que a Inglaterra não viesse a desembarcar forças suas na Península, trazendo a guerra à Metrópole.
 
Por isso parecia lógico que a situação menos má fosse declarar em altura própria, a actualidade da Aliança Inglesa e preparar o país para as consequências possíveis. Nada disto se fez. A Corte e o Conselho de Estado estavam divididos, os embaixadores inglês e francês moviam as suas influências no seu seio e o próprio governo inglês na insidiosa actuação, por vezes pérfida, em que modela a sua diplomacia, nunca foi também claro no apoio que estaria disposto a facultar-nos e quando. O Primeiro-Ministro William Pitt, chegou até a responder a um pedido nosso, esta frase sugestiva: “O governo de S. Majestade só ajuda os governos que, em primeiro lugar, se queiram ajudar a si próprios!”
 
Até ao fim tentou-se tapar o Sol com a peneira e o desespero fez até com que fossem tomadas algumas atitudes de vergonhosa subserviência e apaziguamento, sobretudo relativamente a Paris.
 
Foi no meio deste ambiente que surgiu a ideia de pôr a família real portuguesa a salvo no Brasil, privando assim Napoleão de deitar mão ao Poder Político português, gorando os seus projectos de domínio de Portugal. Esta ideia teve o apoio, senão mesmo a sua origem, do governo inglês. Pouco se fez, sem embargo, para a tornar viável.
 
Napoleão soube, em 9 de Outubro de 1807, que o governo português recusava o ultimatum e ordenou a invasão.
 
Por um golpe de sorte a Corte em Lisboa, soube através de um comerciante português, que tinha passado por Bayonne, da existência do Exército Francês aí estacionado, que se destinava à invasão de Portugal. Mais tarde a informação foi confirmada pelo nosso ministro na capital espanhola.
 
Tolhidos por uma paralisia incompreensível pouco se ia fazendo para lidar com a situação e só se soube que a invasão se tinha dado quanto Junot estava em Abrantes.
 
 
“É necessário estarmos apercebidos para nos defen­dermos de quem quiser ofender, porque a presteza aproveita às vezes mais que a força nas coisas da guerra. Não descansem os amigos da paz, na que agora gozam, se a querem perpetuar porque os contrários dela, se a virem mansa, levá-la-ão nas unhas”.
Padre Fernando Oliveira (estratega do Sec XVI)
 
Entretanto, em Lisboa reinava a confusão e o pânico. A Corte dispunha apenas de escassos 15 dias para rejeitar ou aceitar as exigências resultantes de Tilsit.
 
Logo no dia 18 de Agosto reuniu-se o Conselho de Estado, tendo apenas um dos conselheiros, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, advogado que se “fizesse guerra à França e Espanha … e (quando Portugal) não fosse feliz nas armas passasse a Família Real para o Brasil”; e o conselheiro Thomaz Villanova Portugal, insistiu na saída imediata “para o Brasil do Príncipe da Beira, com o título de Condestável e com tropa, acompanhado das infantas e de dois generais …”.
 
Os restantes conselheiros inclinaram-se para que Portugal “se unisse à causa do Continente e fechasse os portos”.1
 
A 30 de Agosto nova reunião que aprovou a ida do Infante D. Pedro, para o Brasil à excepção de Sousa Coutinho que continuou a “sustentar que se devia fazer a guerra e na retirada, sair toda a Família Real para o Brasil”.
 
Esta decisão espoletou a preparação de quatro naus destinadas àquela tarefa, no Arsenal de Lisboa. A nau destinada a transportar o herdeiro do trono era a “Afonso de Albuquerque”, navio antigo mas considerado ainda em boas condições.
 
Logo que esta esquadra ficou pronta o Príncipe Regente decidiu informar os governos da França, Espanha e Inglaterra da decisão do Conselho de Estado. A reacção francesa consubstanciava uma declaração de guerra; a da Espanha mantinha uma contínua ameaça e a da Inglaterra limitava-se a dar conselhos, o mais importante dos quais contemplava a saída imediata para o Rio de Janeiro de toda a Família Real.2 Durante o mês de Outubro e face às ameaças francesas, discutiu-se na Corte qual das duas opções seria preferível: apenas a ida do Príncipe Real se de toda a Família, para a segurança das terras brasileiras. Mas nada se decidiu!
 
Em Novembro a confusão aumentou, com as perturbadoras notícias chegadas de Espanha e com o exército invasor já em movimento. A Corte ainda tentou acalmar Napoleão com a oferta de uma espada de oiro guarnecida de diamantes e a promessa de se cumprirem os seus desejos. Mas era tarde demais.
 
Por este tempo (11 de Novembro) arribou ao Tejo uma esquadra russa vinda da Turquia, constituída por nove navios que ninguém duvidou ser consequência do acordado em Tilsit entre a França e a Rússia. O Almirante russo insistiu em vários propósitos que eram contrários aos tratados em vigor, mas tudo se lhe consentiu. E um oficial russo chegou mesmo a declarar com o maior desembaraço, que se o Príncipe os não deixasse entrar (no Tejo) dentro estava quem lhe abriria a porta …”3. Por aqui se pode ver quão longe teria ido a traição entre os portugueses. Estranhamente a esquadra manteve-se apenas espectadora durante todo o desenrolar dos eventos.
 
A 14 de Novembro uma esquadra inglesa de cinco navios comandada pelo Almirante Sidney Smith postou-se ao largo da Foz do Tejo ficando a bloquear a costa portuguesa. Uma nova fragata britânica chegou entretanto, entrando no Tejo com a bandeira de parlamentário para levar instruções ao embaixador inglês, Lord Strangford. Este deslocou-se a bordo da força inglesa, tendo regressado a 21 de Novembro à capital, com um exemplar do jornal “Monitor” do dia 11 de Novembro, o qual continha o decreto imperial datado de 27 de Outubro de 1807, pelo qual Napoleão decidira que “a Casa de Bragança deixara de reinar em Portugal”!
 
O Conselho de Estado votou então pela saída imediata de toda a Família Real para o Brasil, deitando mão a todos os navios de guerra e mercantes surtos no Tejo e que fosse possível aparelhar.
 
A 24 de Novembro o governo português deu conta finalmente que Junot estava em Abrantes, quando ainda o julgava em Salamanca. A invasão tinha avançado a 19 de Novembro, entre Segura e Castelo Branco. Em simultâneo um exército espanhol comandado pelo General Taranco, ocupava o norte do País. Os dias seguintes foram de desvairamento na Corte.
 
E em vez de embarque ordeiro a ânsia da fuga de todos os filhos de algo do Reino resultou numa confusão indescritível, levando a que se perdessem muitos haveres, se preparassem mal os navios e os sobrecarregassem com todo o tipo de carga e passageiro em demasia. A Família Real embarcou a 27 e com ela uma multidão estimada entre 10 a 15 000 pessoas, com todas as riquezas que puderam transportar.
 
Devido ao mau tempo (factor que deveria também ter sido equacionado com antecedência), a esquadra de cerca de 30 a 40 navios, comandada pelo Almirante D. Manuel da Cunha Sottomayor, só conseguiu largar o Tejo a 29, sendo comboiados por quatro navios de guerra ingleses. Esse foi o dia em que as tropas avançadas do Exército francês, destroçadas e maltrapilhas, conseguiram chegar a Lisboa. Junot no seu desespero ainda avistou os navios ao longe…
 
Todos os navios à excepção de um conseguiram atingir o Brasil numa viagem de dois meses, muito penosa pelas terríveis condições a bordo. A chegada ao Rio de Janeiro só se deu a 7 de Março de 1808. O Príncipe Regente deixou em Lisboa uma junta governativa para receber Junot e indicações para que não se molestasse os franceses, para evitar represálias.
 
Porém uma delegação da maçonaria portuguesa tinha-se adiantado e ido saudar em Sacavém, os franceses como libertadores …
Tinha começado um longo calvário para a Nação Portuguesa.
 
 
“Todos os homens dos 15 aos 60 anos se armem, cidades, vilas e povoações que se fortifiquem.
Quem o não fizer incorre em pena de morte e as vilas que franquearem as suas portas serão arrasadas”
Real Decreto de 11/12/1808, incitando os portugueses a resistirem aos franceses
 
Afinal a resistência que com tantos receios se quis evitar brotou naturalmente do povo enquadrado pelas pequenas forças militares que restavam.
 
De facto uma das primeiras medidas de Junot foi licenciar o Exército português e escolher um corpo constituído pelas melhores tropas que não tardou a enviar para França. Constituíam-no seis a sete mil homens (muitos dos quais desertaram) que veio a constituir a Legião portuguesa comandada pelo Marquês de Alorna e que tão valentemente se veio a bater nas campanhas do Centro da Europa. Apenas cerca de 100 destes bravos regressou a Portugal…
 
Desde cedo a atitude das tropas francesas começou a gerar incidentes e revoltas. O primeiro motim sério registou-se quando a bandeira nacional foi arriada do Castelo de S. Jorge e substituída pela francesa!
 
Em Maio de 1808, deu-se uma insurreição em Madrid contra os franceses. O contingente espanhol que ocupava o Porto prendeu o comandante francês e retirou para a Galiza. A 11 de Maio o General Sepúlveda, Governador das Armas de Trás-os-Montes revoltou-se e instituiu uma junta a que presidiu.
 
A revolta alastrou a todo o País. As tropas francesas conseguem debelar alguns focos. Uma intervenção inglesa é então negociada pela Junta do Porto e aqueles desembarcam a 1 de Agosto frente à Figueira da Foz.
 
A 17 e a 20 de Agosto travam-se os combates da Roliça e do Vimeiro. Vencidos os franceses estes negoceiam a rendição e pela Convenção de Sintra são autorizados a partir com armas e bagagens e o produto dos seus saques …
 
Chegou entretanto o General Beresford com a incumbência de reorganizar o Exército Português.
 
A cruenta guerra que se seguiu só terminou em 1814, com as tropas anglo-lusas às portas de Toulouse.
 
Porque não resistimos?
 
 
“Se todos os portugueses fossem como eu não restaria um só invasor…”
Jacinto Correia
Português, fuzilado pelos franceses em 25 de Janeiro de 1808
 
 
Como se pode constatar, Junot foi expulso de Portugal ao fim de seis meses. E pode verificar-se que dado o estado depauperado em que ele chegou à fronteira portuguesa, dois batalhões bem adestrados e comandados seriam suficientes para o esmagar na passagem das Talhadas. Mas nunca se encarou seriamente a hipótese de resistência. Porquê?
 
Fundamentalmente por uma deficiente formação e escolha das elites que nos governam.
 
Tal facto originou na altura questões que podemos sintetizar em problemas de:
 
Liderança
 
Política
 
Ideologia
 
Traição
 
Ordem Psicológica
 
Derivados do medo
 
De facto o Príncipe Regente não tinha compleição nem estatura moral, intelectual e psicológica para fazer frente a tão complexos e perigosos desafios. Numa época onde eram requeridas grandes decisões, alguma audácia, exemplo e força de vontade, o futuro Rei mostrava-se tíbio, indeciso, infeliz, sem astúcia nem golpe de asa, mal aconselhado e sofrendo da forte personalidade da mulher de quem se viria a afastar.
 
Dos principais conselheiros e membros do governo nenhum também se destacou pelos dotes de clarividência e perseverança à excepção de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, já mencionado.
 
Tais características nas principais figuras com peso político no reino originaram que não se concebesse atempadamente uma clara linha de actuação política com objectivos bem definidos, nem se definiram estratégias para os alcançar. Esta indefinição além de gerar confusão de actuação, dúvidas no devir colectivo, impediu que se reforçasse adequadamente o Poder Nacional, nomeadamente a economia, a diplomacia, as forças militares e o Sistema de Informações, indispensáveis aos sucessos futuros.
 
Esta falta de definição de uma política teve também origem em causas ideológicas. As sequelas doutrinárias da Revolução Francesa já tinham chegado a Portugal e eram sobretudo disseminadas pelas lojas maçónicas, nomeadamente de rito francês e escocês, em franco desenvolvimento desde o consulado de Pombal, e por vários diplomatas e militares estrangeiros durante a sua passagem por Portugal.
 
Tais ideias eram fundamentalmente subversivas da ordem política exis­tente e eram transmitidos preferencialmente à nobreza e burguesia cultas e também a alguns sectores da Igreja.
 
Estas questões ideológicas vieram a resultar, algumas em traição e todas, seguramente, contra os interesses nacionais da altura por terem dado origem a dois partidos: “o partido francês e o partido inglês”. Ora só interessava à Nação que existisse o “partido português”…
 
A questão ideológica não explica por si só o que atrás se afirma. Para tal concorreu também a corrupção de muitas consciências, em grande parte originados na acção de Marechal Lannes e do próprio Junot enquanto embai­xadores da França em Lisboa, nos períodos que antecederam a 1ª invasão.
 
Finalmente adiantam-se causas psicológicas que afectaram a mente de muitas personalidades na Corte e fora dela o que teve a ver sobretudo com o mito criado pela invencibilidade dos exércitos napoleónicos, sobretudo quando comandados pelo próprio imperador. Isto gerou os medos mais variados (e sabe-se como o medo é mau conselheiro) e obnubilou por certo o discernimento das decisões.
 
 
Porque deveríamos ter resistido?
 
“O peso da mochila do soldado é incomparavelmente mais leve que o peso das grilhetas do escravo”
Eisenhower
 
  
Em primeiro lugar é necessário começar por dizer que resistir a quem nos assalta a casa, neste caso a casa portuguesa, é um direito e um dever de todos os nacionais, a começar pelos mais responsáveis.
 
É uma questão de princípio.
 
Em segundo lugar por uma questão de Honra. Por muito deletérias que sejam as ideias e a moral de uma época, o conceito de honra agiganta-se sempre bem alto pela sua excelência e altivez. Transportando isto para a Instituição Militar, um Exército só se deve render quando esgotada a sua capacidade de lutar e morrer faz parte do Dever Militar, por mais que espíritos desorientados trocem da questão ou tentem inventar guerras sem mortos.
 
Depois porque a resistência permite o reforço da coesão e o moral nacional.
 
A “alma” de uma Nação tempera-se e reforça-se nas agruras e nos feitos praticados em conjunto. Em 1800 os portugueses já tinham um lastro longo de uns e de outros.
 
Em seguida, porque permite aumentar a nossa capacidade de negociação em termos diplomáticos, tanto durante como após o conflito. E permite a garantia dos nossos direitos, aumentando a autoridade moral.
 
Aliás não se entende que haja receio das elites, em Portugal, em oferecer resistência seja em que época for. Muito menos naquela altura.
 
Quando o Major de Engenharia Talaya com apenas 30 homens defendeu a praça de Campo Maior durante 10 dias contra uma Divisão francesa, em 1811, nada há a temer, da resistência.
 
Quem consegue fazer as Linhas de Torres Vedras, em 1810, com 108 fortes, 151 redutos, revelins e batarias, entre a Foz do Lisandro e Alhandra e guarnecê-las com 1 067 peças de artilharia e 68 000 homens, também teria conseguido organizar mormente a defesa em 1807, se tivesse havido vontade para isso.
 
Quem tem no seu seio um punhado de gente, como aqueles pescadores de Olhão que decidiram atravessar o Atlântico Sul num pequeno barco de pesca, inapropriado para o efeito, só para irem dar a notícia da expulsão dos franceses de Portugal, ao seu Rei, não há que temer opor resistência seja a quem for. E ao dito de Napoleão após a batalha de Wagram, afirmando não haver em toda a Europa infantaria como a portuguesa, julgo que não é preciso acrescentar mais nada, pois não pode haver mais abalizado e eloquente elogio.
 
O Exército e o povo não se bateram no início da primeira invasão francesa apenas e pela simples razão de que ninguém lhes deu ordem. E é nisto que reside a nossa maior vulnerabilidade como Estado/Nação desde que o filho de Henrique de Borgonha individualizou e alargou o Condado onde ainda hoje vivemos.
 
 
Conclusão
 
“Com quem saiba conduzi-los, eles irão a toda a parte e combaterão quem se quiser …; marcharão sujeitando-se às maiores fadigas, sem um murmúrio, e vivendo apenas de pão e água com um dente de alho como condimento…”
Diogo Ferrer, Oficial do Exército Britânico
(sobre os soldados portugueses, século XVIII)
 
A Geopolítica, cujos factores primordiais, são a geografia e o carácter da população, sempre condicionaram, condicionam e condicionarão o “status quo” político, estratégico e social da Nação Portuguesa.
 
Estes factores não foram avaliados devidamente pela liderança existente na época dos eventos que evocamos. Constata-se ainda, no meio da tergiver­sação política e social ocorrida que apenas uma personalidade com peso político teve o discernimento da opção mais correcta: D. Rodrigo de Sousa Coutinho. A sua voz não fez vencimento. A saída da Família Real para o Brasil parece correcta e deve ser encarada como uma retirada estratégica e não como uma fuga.
 
Contudo, devido ao modo atrabiliário como foi preparada a saída e o muito mau estado dos navios no que concerne a fabricos, excesso de carga e falta de provisões, tornou a travessia do Atlântico numa verdadeira aventura que poderia ter degenerado numa tragédia de consequências incalculáveis.
 
Sem embargo já não parece acertado ter-se permitido o embarque da quantidade enorme de gente que seguiu com o Rei. O Rei devia ter-se feito acompanhar das pessoas necessárias à constituição de um governo fora da sua sede normal (Lisboa), do tesouro real e das forças militares e navais que conseguisse salvar para posterior emprego militar. A nobreza e burguesia que embarcou devia ter ficado no Reino e sofrido com o povo as agruras da crise. A retirada da Família Real, devendo estar preparada e planeada há muito mais tempo, só se devia efectuar depois de se verificar que não era possível prosseguir na defesa e tal a pusesse em perigo.
 
De facto a não resistência não evitou nenhuma das desgraças que se racionalizara em tal tomada de decisão, apenas acrescentou indignidades e emba­raços. E nem sequer parece coerente com uma das primeiras decisões do Príncipe Regente após a sua chegada ao Rio, que foi a de declarar guerra à França!
 
Mas só com a mudança de Regência em Lisboa se começou a reorganizar o Exército de Linha e se deu início à reconstrução de praças e fortalezas, com a nomeação para a pasta dos assuntos da Guerra, de D. Miguel Pereira Forjaz.
 
Caros leitores:
 
Já há muito que devíamos ter aprendido, entre muitas coisas, que é fundamental prepararmos e seleccionarmos as elites que nos governam para serem esclarecidas e patriotas; que um Exército não se improvisa de um dia para o outro; que existem realidades geopolíticas a que não nos podemos furtar e que isso implica um equilíbrio constante entre a maritimidade e a continentalidade; que tem que se ter muito cuidado com toda a sorte de ideologias que não são conformes à matriz nacional e ao estado de desenvolvimento cultural médio da população, em cada época, ou pura e simplesmente são erradas e maléficas; que as virtudes morais e cívicas têm que ser cultivadas sem desfalecimento; que as leis têm que ser adequadas às pessoas em que se aplicam; que o desenvolvimento lento e sustentado é preferível a eventuais soluções de ganho rápido e desgarrados no tempo e no espaço; que não se deve gastar mais do que o que se produz; que quanto mais dobramos a cerviz, mais mostramos o fundo das costas, etc.
 
Mas, por estranha maldição, não somos capazes de aprender.
 
Só os povos que sabem resistir ficam na História e fazem a História. Os outros serão pasto de vontades alheias e olhados com um misto de indiferença e comiseração.
 
Mas para sermos donos do nosso futuro temos que reflectir constante­mente sobre o passado para podermos aprender com os erros e acertos que nele se espelham.
 
Os portugueses já têm antiguidade mais do que suficiente como povo e uma vivência rica de acontecimentos os mais variados para poderem transformar as notícias em informações, estas em conhecimento que dão em seguida origem a sínteses de saber. Saber estar, saber fazer e saber prever.
 
Infelizmente e olhando a praxis política contemporânea e seus principais actores verifico que não se tem conseguido nada disto, a não ser a insistência nos erros.
 
Quero alertar, no entanto, que não parece terem minguado os “Napoleões” potenciais que nos rodeiam. Já, porém, dificilmente vislumbro porto seguro para onde retirar noutra emergência.
 
 
Bibliografia
 
Barata, Manuel Freire Themudo - “As Invasões Francesas e a Organização da Resistência Portuguesa”, Cadernos de História Militar nº 1, Direcção do Serviço Histórico-Militar, Lisboa, 1989.
Direcção dos Serviços de Engenharia - “Engenharia Militar Portuguesa”, 1997.
Ferreira, João José Brandão - “A Evolução do Conceito Estratégico Ultramarino Português, da conquista de Ceuta à Conferência de Berlim”, Atena, Lisboa, 2000.
________“A Evolução do Conceito Estratégico Ultramarino Português, da Conferência de Berlim, à Descolonização”, Hugin, Lisboa, 2002.
Serrão, Joel e outros - “Dicionário da História de Portugal”, Figueirinhas, Porto.
 
Conferência
Santos, Cor Valdez dos - “A Viagem da Família Real para o Brasil”, International Congress on the Iberian Pesinsula (1780-1840), em 24 de Julho de 1989.
 
Revistas
Barrento, António - “Invasões Francesas, Portugal na Fronteira do Poder Terrestre e no Poder Marítimo”, Revista Militar, nº 8, Agosto de 1989.
Ramos, Rui - “As Invasões Francesas na História de Portugal”, Jornal do Exército, nº 489, Outubro de 2000.
 
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*      Sócio Efectivo da Revista Militar.
 
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 1 Boletim do Arquivo Histórico Militar nº 46.
 2 Valdez dos Santos, “A Viagem da Família Real para o Brasil”, pag. 5.
 3 Valdez dos Santos, obra citada, pag. 5.
 
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João José Brandão Ferreira

Sócio Efetivo da Revista Militar.

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