Nº 2475 - Abril de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Análise Conceptual do Conceito Estratégico de Defesa Nacional
Coronel
Luís Fernando Machado Barroso
Introdução
 
O Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) define os aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da Política de Defesa Nacional (PDN). Neste âmbito a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA) define que: “1. No contexto da política de defesa nacional será aprovado pelo Governo o conceito estratégico de defesa nacional.” “2. …entende-se por conceito estratégico de defesa nacional a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do estado adoptada para a consecução dos objectivos de defesa nacional.“3. A competência referida no n.º1 será exercida pelo Conselho de Ministros, mediante proposta conjunta do Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional…” “4. As grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional serão objecto de debate na Assembleia da República, por iniciativa do governo ou de um grupo parlamentar…”.1
 
O CEDN é estruturante da PDN e envolve na sua génese os órgãos superiores do Estado, dando consenso aos princípios nele definidos. Visa estimular a correcta avaliação das áreas de interesse estratégico nacional, identificar os adequados mecanismos políticos, diplomáticos, económicos e militares para a afirmação nacional nesses espaços, fomentando os ajusta­mentos estruturais capazes de potenciar a necessária capacidade de actuação nesses domínios.
 
O CEDN é o produto do processo da formulação estratégica2 ao nível da estratégia total do Estado e representa a grande ideia de manobra estratégica a empreender para a consecução e salvaguarda dos objectivos políticos escolhidos e constitui o produto fundamental do planeamento estratégico do Estado.
 
O CEDN deriva da evolução da guerra, que deixou de ser um confronto exclusivamente entre forças militares, para obrigar à mobilização de todos os recursos da nação. Com o aumento do espectro das ameaças para o Estado, os recursos económicos, políticos, tecnológicos, psicológicos, etc., transfor­maram-se eles próprios em instrumentos de coacção. É por este motivo principal que o CEDN engloba as orientações para as estratégias gerais do Estado.
 
É neste enquadramento que vamos efectuar uma abordagem conceptual do CEDN. Para tal, vamos efectuar a análise conceptual do CEDN tendo sempre presente que é um produto da estratégia total3 do Estado e que expressa de uma forma clara como o poder político visualiza atingir os objectivos da política e define as orientações para os níveis inferiores da estratégia, num determinado ambiente estratégico.
 
O texto está organizado em cinco partes. Nas duas primeiras são apresentadas as referências conceptuais necessárias para basear a nossa abordagem. Na parte três construímos o método, baseado nos pontos anteriores, para uma análise conceptual do CEDN. Na parte quatro fazemos a análise baseada nos critérios que estabelecemos, com a finalidade de destacar os pontos que consideramos serem essenciais para a elaboração de um conceito estratégico ao nível da estratégia total. Na última parte apresentamos as conclusões da nossa análise.
 
 
1.  Da Estratégia
 
A finalidade deste capítulo é apresentar algumas considerações sobre a teoria da estratégia nos termos essenciais para a análise de um CEDN.
 
a.  A definição de estratégia
 
A definição da estratégia não é simples, sendo comum a sua utilização fora do seu real âmbito como, a estratégia da empresa ou a estratégia da educação. Para o nosso trabalho o âmbito da aplicação do termo estratégia é ao nível da estratégia ou total do Estado, tendo por isso aplicação em paz e em guerra, embora esteja mais fortemente ligada à guerra.
 
A definição de “estratégia” sofreu alterações ao longo do tempo. Para Clausewitz “a Estratégia é a teoria relativa à utilização dos empenhamentos ao serviço da guerra4 ou a arte de ligar os combates uns aos outros.”Para o nosso trabalho esta definição não é satisfatória porque lida apenas com o elemento militar e com o nível operacional e não com o nível estratégico.
 
Contemporâneo de Clausewitz, Jomini define que “a estratégia é a arte de fazer a guerra no mapa e compreende todo o teatro de guerra”.6 Esta definição também se focaliza no instrumento militar e é específica a um teatro de guerra.
 
Já no século XX, o historiador militar B. H. Lidell Hart, no seu livro “Strategy”,7 aprofunda a definição e apresenta outra abordagem à definição de estratégia. Define a estratégia como a “arte de distribuir e aplicar os meios militares para atingir os fins da política”. E acrescenta que “a estratégia depende, primeiro e acima de tudo, de um cálculo e coordenação coerentes de objectivos e meios”.8 Embora estes conceitos estejam no âmbito da estratégia militar, o seu livro apresenta também considerações sobre a Grande Estratégia, ao afirmar que esta calcula e desenvolve o potencial económico e humano a fim de sustentar o combate. Apresenta também os recursos morais e refere que o poder militar é apenas um instrumento da grande estratégia, já que se devem ter em conta as acções económica, diplomática e outras formas de coacção para compelir o adversário. Acima de tudo, enquanto a estratégia está limitada à guerra a grande estratégia “olha para lá da guerra, até à paz subsequente”. A grande estratégia deve utilizar os seus instrumentos de coacção de forma a não afectar de forma negativa a prosperidade e a paz que se seguem à guerra.9 Esta definição está já mais próxima da definição moderna de estratégia, embora haja alguns termos que carecem de factores característicos da actualidade.
 
Cabral Couto, um dos grandes pensadores nacionais, define a estratégia como “a ciência e arte de desenvolver e utilizar as forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem objectivos políticos que suscitam, ou podem suscitar, a hostilidade de uma outra vontade política.”10 Esta definição é muito mais abrangente que a definição de L. Hart, ao suscitar o desenvolvimento e utilização de forças tangíveis e intangíveis, mas está somente focalizada no espectro da hostilidade entre vontades políticas. Contudo, ficam de fora outras circunstâncias no âmbito do espectro do conflito, como por exemplo a competição.
 
Para este texto vamos considerar a definição de estratégia utilizada por Yarger na sua monografia “Strategic Theory For the 21st Century: The Little Book on Big Strategy”. Para este autor a estratégia é “a arte e a ciência de desenvolver e utilizar os instrumentos de poder político, económico, psicológico e militar de acordo com as directivas políticas para criar os efeitos necessários à protecção dos interesses nacionais relativamente a outros Estados, actores ou circunstâncias.11 É esta a definição de estratégia que será a referência para o nosso trabalho de abordagem conceptual. Esta definição mostra a neces­sidade do desenvolvimento e a acção dos instrumentos de poder12 na salvaguarda dos interesses do Estado em qualquer circunstância que o dificulte. Engloba a paz, a competição e a guerra. Vai mais além de Cabral Couto ao assumir, que além de Estados, podemos ter como possíveis adversários, competidores ou ameaças, outros actores ou circunstâncias.
 
b.  A racionalidade da Estratégia
 
Para além dos conceitos anteriormente apresentados podemos também definir a estratégia como um processo de resolução de problemas. Conceptualmente, podemos também definir a estratégia como a relação entre os objectivos, métodos e meios disponíveis. Ou seja, consideraremos a estratégia como a arte de formular, coordenar e aplicar o modelo Objectivos - Métodos - Meios para promover e defender os interesses nacionais (Figura 1).13
 
Os estrategistas protegem os interesses do Estado, aplicando de uma forma racional o paradigma Objectivos - Métodos - Meios. Embora a relação entre os elementos do modelo Objectivos - Métodos - Meios pareça demasiado simplista, não é. Em primeiro lugar tem de considerar todos os três elementos do modelo de uma forma holística.
 
 
Figura 1 - Modelo Objectivos - Métodos - Meios
 
 
Os objectivos decorrem de um processo de formulação ao nível estraté­gico, que serve de base para a estratégia, e são-lhe atribuídos. Se o estrategista pretende atingir os objectivos através de determinados métodos, então pode determinar os meios necessários através de um exercício da arte da estratégia - emprego dos meios de coacção. Se o estrategista souber quais os objectivos a atingir e os meios à sua disposição, então pode determinar os métodos.14
 
Relativamente ao emprego de recursos, a estratégia pretende estabelecer a ponte entre a realidade actual e um futuro desejado. Envolve o cálculo disciplinado para atingir objectivos, formular conceitos e utilizar recursos dentro dos parâmetros de risco a fim de criar as condições que provavelmente não existiriam se nada fosse feito. No contexto do Estado, a estratégia envolve o emprego dos instrumentos de poder para alcançar os objectivos do Estado através de relações de cooperação ou competição com outros actores, que perseguem - possivelmente conflituais - também os seus objectivos.15 Esta definição mostra que a estratégia se subordina à natureza do ambiente estratégico, o qual é dinâmico e competitivo.
 
Um aspecto fundamental na estratégia é a de que, na perspectiva do Estado, os actores têm interesses que pretendem alcançar. Os interesses são estados finais desejados que podem ser categorizados como sobrevivência, bem-estar económico e social, segurança e manutenção de determinados valores considerados essenciais. O papel da estratégia é assegurar que é alcançado através da acção dos instrumentos de poder do Estado de uma forma eficaz e coerente.
 
Um segundo ponto fundamental é a de que a finalidade política domina toda a estratégia do Estado, como Clausewitz já tinha afirmado. A sua finalidade é estabelecida pela política, que por sua vez é a expressão de um objectivo ou estado final visualizado sob o prisma do governo. A política domina a estratégia através da articulação dos objectivos e orientações, em especial respeitantes aos recursos, limitação das acções e outras considerações.
 
O terceiro ponto fundamental é de que a estratégia se submete à natureza do ambiente estratégico. A formulação estratégica tem em conta o conhecimento da situação estratégica e o conhecimento da sua natureza. Inclui a apreciação interna e a internacional. Ao nível externo são avaliados elementos como alianças, valores em competição com outros actores, economia, lei internacional, organizações internacionais, actores não-estado, ameaças convencionais e não convencionais. Ao nível interno são avaliados elementos como as condições económicas, leis do estado, grupos de interesse, os poderes do estado (legislativo, executivo e judicial), ambiente de informação (media), condições sociais, opinião pública. A instabilidade do ambiente pode implicar uma mudança de estratégia na procura de um novo equilíbrio.
 
O quarto ponto fundamental é a de que a estratégia deve ser vista sob a forma holística. Embora o estrategista possa imaginar uma estratégia de um ponto de vista particular, deve ter em conta que a estratégia se submete ao ambiente e que a sua acção vai provocar efeitos noutros actores e no ambiente. Outro aspecto fundamental é a de que a estratégia obedece a uma hierarquia. O nível político assegura-se que mantém o controlo e a influência sobre os instrumentos de poder e atribui-lhe os objectivos. A estratégia tem vários níveis, desde a estratégia total até às estratégias particulares. Geral­mente a estratégia é originada no topo da hierarquia do estado, a estratégia total, possivelmente sem produtos documentais. Os seus objectivos são vagos, geralmente articulando interesses nacionais com circunstâncias concretas no ambiente estratégico. Os níveis inferiores decorrem das suas orientações para determinados assuntos.
 
Em suma, a estratégia tem uma lógica inerente que deve ser compreendida e aplicada. A estratégia serve uma finalidade única: a finalidade do Estado. Uma estratégia de sucesso é baseada na compreensão cabal do ambiente estratégico, dos interesses, da política e numa compreensão teórica do que é a estratégia. A teoria da estratégia orienta e disciplina o desenvolvimento e a execução da estratégia.
 
c.  A Formulação de Objectivos
 
Na formulação estratégica atingir os objectivos é o mais importante. Não nos podemos esquecer que é o cumprimento dos objectivos que produz o efeito estratégico pretendido. São os objectivos o verdadeiro foco da formulação estratégica, pelo que falhas na sua articulação e selecção torna o conceito estratégico ineficaz. Mesmo pensando que os meios e os métodos são tão importantes como os objectivos, estes devem surgir como orientadores dos outros dois.16 No modelo Objectivos - Métodos - Meios, os objectivos representam o que é certo fazer, os métodos procuram fazer certo e os meios representam os custos da acção pretendida.
 
Para o Estado, estratégia e objectivos estratégicos derivam da consideração da política em salvaguardar os interesses nacionais (Figura 2) no ambiente estratégico. Exactamente o que esses interesses são e como são determinados pode apresentar-se complexo.
 
No entanto, reconhecemos que todos os Estados têm os seus interesses vitais e que estarão relacionados com os seus elementos básicos - território, população e soberania.17 Reflectem as aspirações e as necessidades básicas da comunidade nacional. Ao mais alto nível do estado, a liderança política articula os interesses nacionais e as directivas para os atingir e proteger.
 
Deste modo, a política garante direcção à estratégia, que pode ser enunciada em termos genéricos ou mais específicos, referindo objectivos, métodos e recursos. O estrategista deve compreender os interesses nacionais e a política do Estado para formular os objectivos a atingir. Os objectivos serão as metas a alcançar, em termos mensuráveis, cuja concretização visa a satisfação dos interesses nacionais. Embora seja a política a dar orientações para a formulação de objectivos e para a utilização dos instrumentos de poder, o estrategista deve informar o nível político da sua formulação. Os objectivos explicam o que é que tem de ser alcançado. São formulados a partir da apreciação dos interesses nacionais, em termos de estado final a atingir. Os objectivos são limitados pela política, pela estratégia, pelo ambiente estratégico e pela capacidade dos recursos disponíveis. Na estratégia, os objectivos devem ser formulados com verbos explícitos para serem mais facilmente mensuráveis.
 
 
Figura 2 - Relação entre objectivos e interesses nacionais
 
 
Os objectivos devem reflectir um entendimento completo do estado final desejado, a natureza do ambiente, as directivas políticas e os efeitos de enésima ordem, a fim de criarem as condições para o estado final desejado.
 
d.  Formulação de conceitos estratégicos
 
O conceito estratégico explica como é que os objectivos são alcançados através do emprego dos instrumentos de poder (Figura 3). Por sua vez, os instrumentos de poder são a manifestação dos recursos da nação. O conceito estabelece a ligação entre os objectivos e os métodos, estabelecendo o quê, quem, quando e porque é que os objectivos devem ser alcançados. Como os conceitos representam acção, a questão linguística tem importância na sua formulação. A questão da linguagem é também importante na articulação do conceito, porque nos dá a ideia de esforço e prioridade na consecução dos objectivos. Como são orientadores para os níveis subordinados, o conceito deve ser o mais explícito possível para implementar e atribuir recursos aos níveis inferiores.
 
Os conceitos estratégicos devem ser o foco da estratégia total. Não podemos confundir o conceito com a estratégia, porque esta consiste na relação do modelo Objectivos - Métodos - Meios com o ambiente estratégico. A formulação de conceitos deve ser entendida como um empreendimento num ambiente de competitividade ou antagonismo na prossecução dos objectivos.
 
 
Figura 3 - Modelo de formulação estratégica ao nível da estratégia total
(Fonte: adaptação de Bartholomees, p. 279)
 
 
O sucesso estratégico depende da multiplicidade de abordagens num ambiente estratégico complexo para alcançar os objectivos propostos. Por conseguinte, é normal que não se utilize apenas um instrumento de poder, mas que seja a combinação sinérgica dos efeitos de todos os poderes que permitem alcançar os objectivos. Este facto permite a flexibilidade necessária quando uma acção não tem o efeito desejado. Por conseguinte é muito mais fácil mudar o foco através de um conceito com múltiplas linhas de acção estratégica do que com um conceito que oriente apenas um instrumento de poder.
 
e.  Os Meios
 
Os meios, ou recursos, em estratégia são os elementos que vão por em prática o conceito. O primeiro aspecto relativo aos recursos é que estes raramente são suficientes para um conceito óptimo. Isto pode ser devido ao facto de o estado ser incapaz de os gerar ou à falta de financiamentos. Enquanto os recursos tangíveis (como forças militares, equipamentos, dinheiro) são facilmente quantificáveis e previsíveis, os recursos intangíveis (como a vontade nacional) requerem uma análise mais profunda, porque são demasiado voláteis.
 
Uma consideração fundamental na escolha dos meios para executar um conceito deve ser a determinação dos seus efeitos. Uma força militar pode executar uma lista infindável de actividades (combate, apoio humanitário, apoio a desastres), mas a sua escolha pode acarretar consequências indesejáveis, como por exemplo serem vistas como forças de ocupação. Deste modo o estrategista deve ter a capacidade para determinar os níveis de efeitos para além dos pretendidos.
 
 
2.  Do Planeamento Estratégico
 
O planeamento de acção estratégica, ao nível da estratégia total, pode ser sistematizado como se apresenta na Figura 4. O Estado visa objectivos e finalidades que são lógicas, fruto de um processo racional. Aqueles, que no sistema se podem opor ou competir na prossecução dos seus objectivos, são o alvo da estratégia racionalmente formulada.
 
A racionalidade da estratégia tem como consequência primária a resposta “às seguintes perguntas fundamentais: Que futuro se deve promover? Para o efeito, que ameaças ou obstáculos é necessário conjurar?18
 
 
Figura 4 - Planeamento de acção estratégica total
 
 
A resposta à primeira questão está no âmbito da Política. Por conseguinte, representa os objectivos políticos e as grandes directrizes políticas tendentes à sua consecução. A resposta à segunda questão representa o papel da Estratégia como instrumento da Política, a missão estratégica.19
 
a.  Delimitação dos objectivos e papel do planeamento estratégico
 
As unidades políticas visam a prossecução de duas finalidades fundamentais, a segurança e o desenvolvimento. Estas finalidades são designadas por “Objectivos Últimos”, que contêm na sua formulação termos como «soberania», «integridade territorial», «independência nacional», etc.20
 
Cabe ao exercício da política, tendo em vista a salvaguarda e a realização das finalidades fundamentais, estabelecer os Objectivos Políticos Concretos de acordo com os interesses nacionais e a conjuntura: “o papel da Política consiste, precisamente, em definir como esses objectivos últimos devem ser alcançados, isto é, que objectivos concretos deverão ser atingidos para o efeito e orientar a acção nesse sentido”.21
 
Por conseguinte, o Planeamento Estratégico é o processo pelo qual se procuram definir os Objectivos Políticos Concretos Longínquos (OPCL) e os Objectivos Políticos Concretos Actuais (OPCA). Esta definição é da responsabilidade da Política e da Estratégia, embora esta última seja instrumento da primeira (como conselheira).
 
b.  Definição dos Objectivos Políticos Concretos Longínquos
 
Os OPCL (médio e longo prazo) são o resultado da análise da situação política, moldados pelos móbiles políticos e pelo quadro institucional, destinando-se a guiar a acção a longo prazo. “A análise da situação política vai permitir definir possíveis objectivos políticos longínquos, logicamente conce­bidos; os móbiles políticos vão orientar a escolha, entre a pluralidade de objectivos possíveis, daqueles que irão ser prosseguidos à luz dos fins últimos (segurança e progresso e bem-estar social) prosseguidos em permanência pelo Estado.”22
 
A sua definição é fundamental para determinar os meios a obter ou adequá-los em função de tais objectivos. Na prática, os OPCL podem constar no texto de Leis Fundamentais, Programas de Governo ou de Partidos Políticos, outros podem não ser referidos objectivamente por razões de sigilo e outros, ainda, poderão fazer parte do subconsciente colectivo.
 
c.  Definição dos Objectivos Políticos Concretos Actuais
 
Os objectivos políticos longínquos são a melhor expressão da ligação da estratégia ao factor tempo. A avaliação contínua do ambiente estratégico pretende testar a sua adequabilidade. Podem mesmo ser “decompostos em objectivos mais modestos, parciais e intermédios, cuja convergência deve garantir a consecução dos objectivos longínquos. Esses objectivos “mais modestos, fruto da adaptação à situação “constituem os objectivos políticos concretos actuais, nos quais se deve incluir a orientação da evolução daquelas mesmas possibilidades no sentido de se poderem atingir os objectivos longínquos.23
 
Daqui se pode concluir que a definição “dos objectivos actuais é o da adaptação dos fins aos meios” enquanto para a consecução dos “objectivos longínquos o princípio regulador é o da adaptação dos meios aos fins.24
 
Os OPCA constam do Programa do Governo, outros poderão não ser explicitados por razões de segurança nacional. Na sua formulação, a garantia da ampliação progressiva desses objectivos, com vista à convergência contínua dos mesmos com os OPCL e à eliminação de qualquer distorção existente, deve constituir preocupação permanente.
 
d.  Conceito de Acção Política
 
O conceito de acção política deve ser a tradução da resposta às seguintes questões: como? Quando? Onde actuar para atingir os objectivos? As direc­trizes políticas definirão o modo geral segundo o qual se procurará dar resposta àquelas perguntas, e que se traduzirão no conceito da acção política, estabelecendo as bases do comportamento governamental com vista à consecução dos objectivos preestabelecidos. Tal implica uma clara e coerente percepção e definição da sequência e articulação dos vários objectivos, indispensáveis a uma adequada e essencial coordenação da acção nos vários domínios ou departamentos governamentais.
 
e.  Estudo da Situação Estratégica
 
Tem por finalidade tomar as opções relativas aos meios e métodos capazes de atingir cada um dos objectivos estratégicos. Procuram-se obter respostas claras para as seguintes questões fundamentais relativas à acção estratégica: Para quê (objectivo)? Contra quem (adversário)? Contra quê (ameaça)? Com quê (meios)? Como (modalidades de acção)? O estudo da situação estratégica consiste numa análise dos factores de decisão e, a partir daquela, na formulação de possíveis modalidades de acção e na sua análise e discussão, com vista a uma decisão fundamentada e traduzida na escolha de uma das modalidades consideradas. Esta fundamentação é consolidada através da análise de um primeiro esboço do estudo pelas estratégias gerais que tratam de verificar a sua adequação e exequibilidade.25
 
O produto final deste estudo é a Decisão Estratégica, a qual integra: o Conceito de Acção Estratégica, susceptível de ser designado por Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN). O conceito de acção estratégica representa a grande ideia de manobra estratégica total a empreender pelo Estado, para a consecução e salvaguarda dos objectivos políticos por ele escolhidos, e que constitui o fundamento de todo o planeamento estratégico para os níveis inferiores. Nele se abordarão ameaças admitidas e factores de ritmo, combinação de acções, prazos, espaço e meios.
 
Estabelecidos o conceito de acção estratégica e as missões às estratégias gerais, decorrem daí as directivas governamentais, que incluirão os condicio­namentos a observar, destinadas aos órgãos governamentais de planeamento para a elaboração dos planos estratégicos da sua competência - planos militares, económicos, diplomáticos, etc. Essas directivas devem assegurar a perfeita coordenação e integração dos diversos planos, a fim de se garantir um todo coerente e harmónico.
 
f.  Órgãos Necessários
 
Conceptualmente, em cada nível da estratégia deve existir um responsável pela condução, um órgão de conselho e um órgão de estudo, isto é, um órgão de estado-maior.26
 
Ao nível da estratégia total o responsável é o chefe do governo ou do Estado, que pode ser auxiliado por conselheiros da sua confiança pessoal e de todas as áreas de actividade do Estado. Do órgão de conselho deveriam fazer parte os ministros (ou seus assessores) responsáveis pelos principais domínios da acção geral. A finalidade do órgão de estado-maior destina-se, essencialmente, a preparar e a acompanhar as decisões tomadas.
 
 
3.  Construção Modelo de Análise
 
Um conceito estratégico é a elaboração intelectual apropriada a um espaço geográfico e político, a um poder com capacidade para utilizar certos vectores estratégicos e uma determinada conjuntura.”27
 
O conceito de acção estratégica enquadra a ideia de manobra estratégica a empreender pelo Estado, para a consecução e salvaguarda dos objectivos políticos por si definidos. Explica como é que os objectivos vão ser alcançados através do emprego dos meios à disposição do Estado, e em Portugal assume a designação de CEDN.
 
Como produto da formulação estratégica ao nível da estratégia total do Estado, representa o enquadramento para a acção das estratégias particulares. Para além de ter em conta a racionalidade da estratégia, o CEDN deve ser o suficientemente explícito para dirigir o planeamento dos níveis subordinados mas não retirar a iniciativa ao nível de planeamento estratégico inferior. Por conseguinte, constitui o fundamento de todo o planeamento estratégico.
 
Para efectuarmos a análise conceptual do CEDN seleccionámos os seguintes critérios de análise:
  • Hierarquização da Estratégia
A estratégia está integrada numa hierarquia. Como a estratégia se submete à política, os níveis mais baixos da estratégia subordinam-se aos mais elevados. A hierarquização facilita o controlo da formulação e da execução ao definir objectivos claros e orientar os níveis inferiores através de directivas e documentos enquadradores.
  • Compreensão do ambiente estratégico
A estratégia subordina-se à natureza do ambiente estratégico. Por conseguinte, a estratégia deve identificar um equilíbrio entre os objectivos, os meios e os métodos a aplicar num determinado ambiente estratégico ou seja, deve ser consistente com o ambiente estratégico. É da análise do ambiente estratégico que são determinadas as ameaças e os possíveis adversários.
  • Formulação de objectivos
Na formulação estratégica atingir as metas específicas é a medida do sucesso estratégico e é o seu cumprimento que produz o efeito estratégico pretendido (realização dos interesses nacionais). Sendo o verdadeiro foco da formulação estratégica, falhas na sua articulação e selecção tornam o conceito estratégico ineficaz.
  • Relação com o espaço
A estratégia, ao cumprir os objectivos que lhe são definidos pela política, necessita de relacionar os interesses do Estado com o espaço onde ser vão exercer os efeitos dos elementos de poder. “Relacionar … espaço estratégico com o interesse nacional, é materializar ao nível do Estado, as prioridades de intervenção, de investimento ou mesmo de segurança.”28
  • Relação com o tempo
A estratégia tem uma relação simbiótica com o tempo. Um aspecto chave na competência do estrategista e do estratega é a sua avaliação do tempo. Uma escolha estratégica deve estabelecer uma relação entre o passado e o futuro pretendido. A relação do tempo está sempre presente na estratégia.
 
 
4.  Análise
 
O actual CEDN (2003) é o terceiro do pós-25 de Abril, tendo os outros dois sido apresentados em 1985 e 1994. O actual CEDN encontra-se dividido em nove partes:
- Introdução;
- Enquadramento internacional;
- Enquadramento nacional;
- Valores permanentes de defesa nacional;
- Espaço estratégico de interesse nacional;
- Ameaças relevantes;
- Sistemas de alianças e organizações internacionais;
- Missões e Capacidades das Forças Armadas;
- Meios Necessários e políticas Estruturantes.
 
a.  Hierarquização da Estratégia
 
A estratégia é holística pelos objectivos que pretende alcançar e pelos métodos que emprega. Mas no campo da sua aplicação, a estratégia irá dividir-se de acordo com as suas particularidades. Por conseguinte pode estabelecer-se uma pirâmide - pirâmide de Beaufre - que reflecte uma hierarquia de níveis diferenciados de decisão e conceptualização (Figura 5).
Da pirâmide conseguimos inferir o seguinte: A estratégia total ou global é decidida ao mais alto nível do estado e está directamente ligada às directrizes políticas definidas; as estratégias gerais derivam das missões atribuídas pela estratégia total e segundo os instrumentos de poder podem dividir-se em económica, diplomática, militar, etc., encontrando a sua definição ao nível dos ministérios (nível de conduta); as estratégias particulares são divisões das estratégias gerais, como por exemplo estratégias militares terrestre, naval e aérea, que são definidas e emanadas através dos departamentos que constituem os ministérios. Mas a estratégia não se limita ao emprego dos instrumentos de poder. Deve gerar os meios (estratégia genética),29 estruturá-los (estratégia estrutural)30 e empregá-los (estratégia operacional).31
 
 
Figura 5 - A Pirâmide de Beaufre
 
 
 
No âmbito da direcção estratégica, em termos conceptuais, em cada nível da estratégia deve existir um responsável pela sua condução, um órgão de conselho e um órgão de estudo e planeamento. No caso nacional, e de acordo com a moldura legal, ao nível da estratégia total é o Primeiro-Ministro (PM) o responsável pela execução da PDN.32 O Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) é o órgão de consulta para assuntos de DN e para a organização, funcionamento e disciplina das FA.33 O CSM é o órgão consultivo do MDN. O Quadro 1 mostra a estrutura da direcção estratégica, conforme está definida em lei (LDNFA e LOBOFA).
 
Nos termos legais, o Presidente da República (PR), como Chefe de Estado e por inerência Comandante Supremo das FA, não tem nenhuma função de relevo no processo da formulação estratégica. Mas é o PR que preside ao CSDN, que é seu órgão de conselho, que por sua vez se pronuncia sobre o CEDN, que é da responsabilidade do Governo. Por conseguinte, nota-se uma incompatibilidade de atribuições e hierarquia. Por um lado, o CSDN ao pronunciar-se sobre o CEDN actua como órgão de conselho do PM. Por outro, é também um órgão de conselho do PR. Isto quer dizer que nos termos da LDNFA o Chefe de Estado é conselheiro de uma outra entidade que hierarquicamente lhe é inferior.
 
 Nível­  Responsabilidade Órgão de Conselho Órgão de Staff­
 Total­  Primeiro-Ministro CSDN Gabinetes de Estudo
 Gerais­  Ministérios CSM­ (no caso do MDN) EMGFA­
 Particulares­  Chefes de Estado-Maior­ Conselhos Superiores dos Ramos­ Estados-Maiores­
 
Quadro 1 - Estrutura da direcção estratégica em Portugal
 
 
No quadro legal o CEDN está inserido na LDNFA conforme se indica:
• No contexto da PDN prosseguida, será aprovado pelo Governo o CEDN (artigo 8º, n.º 1, da LDNFA).
• A competência referida no n.º 1 será exercida pelo Conselho de Ministros (CM), mediante proposta conjunta do PM e do Ministro da DN, ouvido o CCEM e precedendo a apreciação do CSDN (artigo 8º, n.º 3, da LDNFA).
• No âmbito da matéria do presente diploma, compete em especial ao Governo definir o CEDN (artigo 42º, n.º 1, n), da LDNFA).
• Dentro da competência genericamente conferida ao Governo, compete em especial ao CM deliberar sobre as matérias referidas na alínea n) do número anterior (artigo 42º, n.º 2, b), da LDNFA).
• O PM é politicamente responsável pela direcção da PDN, competindo-lhe, nomeadamente, propor ao CM, conjuntamente com o Ministro da DN, a definição do CEDN. (artigo 43º, n.º 1, c), da LDNFA).
• Compete em especial ao Ministro da DN propor ao CM, em conjunto com o PM, a definição do CEDN e velar pela referida execução (artigo 44º, n.º 2, i), da LDNFA).
• No âmbito da matéria do presente diploma, compete em especial a cada ministro contribuir, dentro das atribuições do seu ministério, para a elaboração do CEDN (artigo 45º, n.º 2, a), da LDNFA).
• No exercício das suas funções administrativas, compete ao CSDN pronunciar-se sobre o CEDN (artigo 47º, n.º 2, a), da LDNFA).
• Compete ao CSM dar parecer, sempre que para o efeito for solicitado, sobre matérias da competência do Ministro da DN, nomeadamente as referidas no artigo 44º, n.º 2, alínea i) (artigo 49º, n.º 1, c), da LDNFA).
• Compete ao CCEM dar parecer sobre as propostas de definição do CEDN (artigo 7º, n.º 4, a), da LOBOFA).
• Compete ao CSM dar parecer, sempre que para o efeito for solicitado, sobre matérias da competência do CSDN (artigo 49º, n. 1, b), da LDNFA).
• Compete ao CCEM deliberar sobre a elaboração dos projectos de definição (...) do SFN (...) (artigo 7º, n.º 3, c), da LOBOFA).
 
Como se depreende na análise da LDNFA, o CEDN está intimamente ligado à LDNFA pelo enquadramento legal que lhe proporciona bem como na sua orientação “doutrinária”. E neste aspecto reside uma incompatibilidade fundamental. Por um lado, a LDNFA é expressamente orientada para as FA, portanto de cariz estritamente militar. Mas por outro lado, o CEDN como produto da formulação estratégica ao nível da estratégia total, assume que a DN é mais abrangente e envolve todos os sectores do Estado.
 
Quanto às orientações para o nível inferior, à excepção do instrumento militar, o actual CEDN é insípido, embora se possam deduzir orientações para o instrumento diplomático e política interna, no âmbito da segurança. O CEDN apenas dá apenas orientações específicas para o instrumento militar, sendo mesmo explícito nas definições das suas capacidades, podendo mesmo retirar-lhe a iniciativa.
 
b.  Compreensão do ambiente estratégico
 
O enquadramento do ambiente estratégico no CEDN está orientado com a transição para o que denomina de grandes espaços, impulsionados pela unidade política e destinados a superar a incapacidade do Estado clássico para superar as necessidades actuais dos povos. São exemplos o crescente envolvimento nas operações humanitárias e missões de apoio e imposição da paz (ONU) e o conceito de Segurança Cooperativa (OTAN, OSCE).
 
Está identificado um espectro de factores de instabilidade muito amplo e que é adequado aos receios de uma democracia europeia como é Portugal. O espectro abrange focos de ameaças desde estados falhados em África, Médio Oriente e Ásia como bases possíveis para movimentos terroristas até ao direito do exercício de ingerência. Assimetrias económicas, ingerência da comunidade internacional, proliferação de armas de destruição maciça, uso indevido da nova tecnologia, diminuição da garantia de manutenção e controlo de equipamento e material radioactivo, químico e biológico são referidas também como focos de instabilidade.
 
Ao considerar a importância para a segurança internacional, a manutenção da paz e resolução de conflitos através da ONU, OSCE, etc., Portugal está a dar um passo importante no papel que a diplomacia pode desenvolver, por um lado, e por outro, contar com essas organizações como recurso disponíveis.
 
A análise do ambiente internacional reflecte mais uma vez o seu cariz eminentemente militar, ficando de fora uma análise mais aprofundada com mais interesse para outros instrumentos. E aqui notamos uma incongruência de princípio: no texto do CEDN é permanente a percepção de que uma ameaça ao território é improvável embora mantenhamos os valores permanentes como objectivos da DN ligados à independência e à integridade do território contra qualquer ameaça ou agressão externas. Nem mesmo a referência do terrorismo como uma ameaça externa é suficiente para mitigar esta incon­gruência.
 
A análise do ambiente externo é clara na definição de possíveis ameaças a Portugal, directa ou indirectamente. No entanto, ao nível interno a análise efectuada não tem correlação lógica com o que deveriam ser os factores de ordem interna - as condições económicas, leis do estado, grupos de interesse, os poderes do estado (legislativo, executivo e judicial), ambiente de infor­mação (media), condições sociais, opinião pública.
 
c.  Formulação de objectivos
 
É ao governo que compete definir as orientações para a formulação estratégica. Deste modo, o programa do Governo é um documento de importância fundamental na definição dos objectivos da DN. É nele, de acordo com a análise do ambiente estratégico (interno e externo), que devem vir especificadas as metas a atingir para protecção ou perseguição dos interesses nacionais.
 
A finalidade da existência do Estado Português deve ser o ponto de partida para todo o processo de formulação estratégia. Os nossos valores e crenças, incorporados na finalidade do Estado representam as bases filosóficas e morais para a existência de Portugal.
 
A partir da finalidade do Estado, enquadramento interno e externo, efectuado pelo topo da direcção estratégica, deveria ser feita uma apreciação estratégica com a finalidade de determinar quais seriam os interesses nacionais, para um determinado período de tempo. Eram estes interesses que iriam orientar o processo de formulação estratégico, para que os estrategistas pudessem aplicar em, termos globais, o processo Objectivos - Métodos - Meios.
 
Este processo resultaria no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, o qual definiria os objectivos a alcançar pelos instrumentos de poder do Estado. Estes objectivos seriam já previamente explicitados nos programas dos governos ou através das GOCEDN. Mas o que realmente se passa é substancialmente diferente.
 
Os objectivos referidos no CEDN são os objectivos da DN, definidos na Constituição da República Portuguesa (CRP),34 mas também objectivos da política de defesa, definidos na LDNFA.35 Daqui resultam confusão e dificuldades de interpretação. Primeiro, os objectivos permanentes são definidos apenas para a política de defesa, ficando de parte o termo “nacional”. Os objectivos da PDN ficam reduzidos aos objectivos permanentes.
 
Segundo, no então programa do governo36 (responsável por este CEDN) é apresentado, relativamente à DN, como uma prioridade fundamental “recuperar a autoridade do Estado”. Nesta prioridade são referidas as FA, pressupondo que relaciona a DN apenas com as FA. No mesmo âmbito, o ponto “I - UM ESTADO COM AUTORIDADE, MODERNO E EFICAZ”, no seu ponto “1 - DEFESA NACIONAL”37 a prioridade é restabelecida em termos de metas, ou condições. Só que todas são muito ligadas às FA, deixando a certeza, mais uma vez, que em Portugal a DN é igual a Defesa Militar.38 Mesmo assim, por lógica de formulação, essas metas deveriam constar no CEDN como metas específicas a atingir, embora fossem inócuos por força da sua importância para a DN.
 
d.  Relação com o espaço
 
O CEDN permite claramente dividir o espaço estratégico de interesse nacional (EEIN) em 3 áreas distintas que correspondem as áreas de interesse, que definimos como: vital, importante e relevante.
 
A área de interesse vital corresponde ao EEIN permanente, é o Portugal Soberano, constituído pelo Território Nacional (TN) e os correspondentes espaços aéreos e marítimos.
 
Quanto ao EEIN conjuntural, salientamos com especial destaque o enquadramento de Portugal no âmbito de Organizações e Alianças. Este espaço pode definir-se como de interesse importante. Portugal integra organizações e alianças, perante as quais tem que assumir a sua quota-parte, quer se trate de corporizar as suas responsabilidades, quer de se posicionar na defesa dos seus interesses, devendo ser capaz de conviver com as vantagens e inconvenientes que no plano estratégico advém dessa situação.
 
Nessa perspectiva, o CEDN define o EEIN conjuntural como sendo um espaço estratégico, variável em função da “avaliação da conjuntura internacional e da definição da capacidade nacional, tendo em conta as prioridades da política externa e de defesa, os actores em presença e as diversas organi­zações em que nos inserimos”, estabelecendo um conjunto de áreas prioritárias.
 
Mais ambiciosa é a declaração de espaço estratégico de interesse nacional conjuntural relevante como “qualquer outra zona do globo em que os interesses nacionais estejam em causa”, porventura fruto dos efeitos da globalização e reflexo do reforço do papel que o novo CEDN reserva para Portugal no seio das organizações, atitude que poderá criar condições efectivas para a defesa dos interesses nacionais à escala global.
 
 
O CEDN define claramente os espaços onde se pretende materializar o seu efeito.
 
O espaço de defesa e política externa é focalizado no EENP e EEINC, orientados na defesa militar da república e participação em organizações como a OTAN, ONU e UE. Como membro da ONU, Portugal deve estar atento a todas as áreas definidas como estratégicas por esta organização, para poder participar na medida das suas capacidades e interesses. O CEDN referencia expressamente esta organização considerando ser “da maior importância para a segurança internacional…o reforço do prestígio e da actuação da ONU”. Como membro da OTAN é de esperar que de futuro Portugal a continue a privilegiar como organização de defesa face à preponderância que esta tem vindo a manter no cômputo das organizações de defesa do mundo ocidental. O recente alargamento da OTAN, e a última revisão do seu conceito estratégico permitem deduzir que embora a zona prioritária de interesse seja o Atlântico Norte, as novas ameaças e o fenómeno da globalização, alargam esta zona à escala planetária, sendo previsível, embora não declarada, a sua expansão à dimensão espacial.
 
No âmbito cultural, é também possível definir um espaço, a CPLP. Tendo-se assumido como um “projecto político cujo fundamento é a Língua Portuguesa, vínculo histórico e património comum dos oito - que constituem um espaço geograficamente descontínuo, mas identificado pelo idioma comum” configura-se claramente como um potencial bastião a partir do qual a defesa dos interesses nacionais pode também ser conduzida. Esta mesma postura é traduzida pela própria organização, quando afirma ser a língua “factor de unidade que tem fundamentado, no plano mundial, uma actuação conjunta cada vez mais significativa e influente”. Em termos estratégicos, Portugal pode tornar-se o elo de ligação da UE com a CPLP, aumentando o seu potencial estratégico e o seu poder negocial a todos os níveis. Em termos económicos, o apoio a todos os países da CPLP poderá trazer dividendos importantes, decorrentes da capitalização da posição de mediador e interlocutor privilegiado que Portugal tem vindo a saber ocupar junto desta organização.
 
No entanto, seria sempre necessário definir as áreas prioritárias, um factor essencial para a orientação dos escalões subordinados de planeamento estratégico.
 
e.  Relação com o tempo
 
A estratégia está relacionada com o futuro. É no futuro que a estratégia tem o seu efeito. Lidando com as incertezas do futuro, a estratégia prevê, a partir da compreensão do ambiente estratégico, como é que os sistemas interagem.
 
Quanto ao factor tempo, o CEDN deveria reflectir as considerações de base objectiva destinados a ajuizar sobre as tendências de evolução ou os futuros previsíveis. E estes, ao serem estabelecidos pelo programa do governo, deveriam fazer parte da análise da situação interna.
 
Neste CEDN não há nada claro que relacione a situação actual com a futura. Um modo prático de relacionar o CEDN com o tempo poderia ser o estabelecimento dos objectivos em OPCL e OPCA.
 
O facto de que o programa do Governo é o documento orientador para os diversos domínios da actividade governamental, dá também ao CEDN um limite temporal. As GOCEDN, como produto dessa orientação, devem ser analisadas e emitidas sempre que necessário. Por conseguinte, as GOCEDN podem também ser um mecanismo que formaliza as alterações no CEDN de forma a adaptá-lo ao ambiente estratégico. É mais um método para estabelecer a relação da estratégia com o tempo.
 
No entanto a prática é substancialmente diferente. De acordo com a resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003, que aprova o CEDN, as GOCEDN foram debatidas por iniciativa do Governo. A anterior discussão teve lugar na AR em 04Jun93. Foram dez anos de intervalo, um tempo demasiado longo num mundo em constante alteração.
 
 
5.  Conclusões
 
A formulação de um conceito estratégico é um exercício mental de elevada dificuldade. Para além de ser necessário ter em conta um futuro desejável, o ambiente onde os efeitos das opções estratégicas se fazem sentir está em constante mutação. Esta mutação requer a formulação de conceitos que explicitem claramente os objectivos a atingir e tenham em conta a flexibilidade necessária para fazer face a contingências.
 
Como produto da formulação estratégica do Estado, representa o enquadramento para a acção das estratégias particulares. Para além de ter em conta a racionalidade da estratégia, um conceito estratégico deve ser suficientemente explícito para dirigir o planeamento dos níveis subordinados mas não retirar a iniciativa ao nível de planeamento estratégico inferior.
 
A PDN é um produto complexo pelo seu carácter permanente, pela sua universalidade e pela sua unidade. Mas, por ser excessivamente baseada na LDNFA, refere apenas os aspectos relativos às entidades que de um modo directo ou indirecto estão ligados às Forças Armadas, ou seja à sua componente militar de DN.
 
A direcção estratégica está definida em lei, no entanto, o Presidente da República (PR), por ser o Chefe de Estado e por inerência Comandante Supremo das Forças Armadas, deveria desempenhar um papel mais relevante na formulação estratégica. Presidir apenas ao CSDN, órgão que não tem responsabilidades na sua elaboração nem poder de veto, é muito pouco para o Chefe de Estado.
 
O CEDN, como produto da estratégia total deve orientar os níveis inferiores. Contudo, por ser excessivamente militarizado apenas as dá ao instrumento militar e demasiado detalhadas, correndo o risco de retirar iniciativa ao executante.
 
Os objectivos da PDN apresentados são apenas os objectivos permanentes de defesa, não sendo tido em consideração os aspectos fundamentais da análise do ambiente estratégico nem incluem as outras disciplinas para além da militar. Parece não haver uma apreciação estratégica (Estudo de Situação Estratégica Total) com a finalidade de transformar os interesses nacionais, face ao ambiente, em metas a atingir. Em termos de objectivos, o CEDN está amputado de orientação. A perseguição dos objectivos não está dependente apenas da componente militar. Por conseguinte, o CEDN pouco mais é que uma directiva para a componente militar.
 
Como a análise do ambiente estratégico não foi tida em conta para formulação de objectivos, estes podiam ser de outro país qualquer com outra posição geográfica, com outros interesses, com outros valores e com outra história, visto que são os constantes na lei.
 
Excepção feita ao EEIN permanente, o EEIN é, política e militarmente, definido de acordo com conjunturas, tornando a sua configuração e delimitação variáveis. Face às limitações conhecidas da real capacidade nacional de fazer face a desafios onde a distância ou as dimensões de possíveis adversários e competidores, a definição geográfica constante no CEDN, embora não completamente explícita, afigura-se como adequada e a sua implementação conhecida, eficaz. Contudo, as referências à CPLP deveriam ser um ponto prioritário já que é um espaço em que Portugal se pode afigurar como centro de gravidade. Esta pretensão poderia catapultar Portugal para uma posição de mais relevo nas relações com África e América do Sul.
 
A relação da estratégia com o tempo é um ponto fundamental para o estrategista. O conceito tem um prazo de validade que lhe é imputado pelo sufrágio popular da direcção estratégica e pela avaliação constante do ambiente. Por conseguinte, o CEDN não pode estar imutável sem ser ajustado dentro de prazos razoáveis, como por exemplo uma legislatura.
 
Esperava-se que um CEDN tivesse uma abordagem holística e que não estivesse disponível ao público, porque a estratégia parte do princípio da actuação num ambiente que é pelo menos competitivo. A sua disponibilização obriga também a que o seu texto seja um conjunto de lugares comuns que não definem claramente a postura de um Estado moderno pronto a enfrentar os desafios da globalização.
 
 
Bibliografia
 
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CLAUSEWITZ, Carl Von, “On War”, Anatol Rapaport, (Ed. and trans.), London: Penguin Books, ISBN 0-140-44427-0.
COUTO, Abel Cabral, “Elementos de Estratégia - Apontamentos para um Curso”, Vol, Lisboa: IAEM, 1988.
DORF, Robert «Robin» H., “Some Basic Concepts and Approaches in The Study of International Relations”, in J. Boone Bartholomees, Jr (Editor), “Guide to National Security Policy and Strategy”, US Army War College, 2004.
HART, B. H. Lidell, “Strategy”, 2nd Revision Edition, London: MERIDIEN BOOK, 1991.
JABLONSKY, David, “Why is Strategy Dificult?” in J. Boone Bartholomees, Jr (Editor), “Guide to National Security Policy and Strategy”, US Army War College, 2004.
NOGUEIRA, José Manuel Freire, “Pensar a Segurança e a Defesa, Edições Gomes, Lisboa: IDN, 2005.
YARGER, Harry R., “Strategic Theory for the 21st Century: The Little Book on Big Strategy”, Carlisle: Strategic Studies Institute, USAWC, 2006.
Conceito Estratégico de Defesa Nacional, Resolução do Conselho de Ministros nº6/2003.
Constituição da República Portuguesa, VII Revisão Constitucional (2005).
Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro - Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA).
Programa do XV Governo Constitucional.
 
 
*      Tenente-Coronel de Infantaria. Professor de Táctica na Área de Ensino Específico do Exército no IESM.
 
 
 1 LDNFA, Art 8.
 2 Para o nosso trabalho representa o produto da aplicação metodologia para o desenvolvi­mento da acção estratégica através do processo Objectivos - Métodos - Recursos, com a finalidade de orientar o nível estratégico inferior para a consecução dos objectivos definidos.
 3 Também designada de estratégia global ou grande estratégia.
 4 Clausewitz, p. 241.
 5 Idem, Ibidem.
 6 Antoine Jomini, Apud J. Boone Bartholomees Jr., p. 79.
 7 B. H. Lidell Hart, “Strategy”, 2nd Revision Edition, London: Meridien Book, 1991.
 8 Idem, p. 321.
 9 Idem, pp. 353-360.
10 Couto, p. 209
11 Yarger, p. 1.
12 Diplomacia, Informação, Economia e Militar.
13 Bartholomees, p. 81.
14 Idem, p. 81.
15 Jablonsky, p. 69.
16 A diferença entre planeamento e estratégia baseia-se em dois pontos principais. Primeiro, o planeamento é essencialmente determinístico e linear, muito focalizado nos efeitos de primeira ordem e estabelece a ligação entre a estratégia e a sua execução. Segundo, a estratégia focaliza-se na identificação e criação de efeitos estratégicos em apoio aos objectivos políticos. Ver Yarger, pp. 47-48.
17 Dorf, p. 5.
18 Couto, pp. 305-306.
19 Idem, pp. 305-306.
20 Idem, p. 307.
21 Idem, Ibidem.
22 Idem, p. 308.
23 Idem p. 308.
24 Idem, p. 308.
25 Idem, p. 328-335.
26 Idem p. 234 e 235.
27 Barrento, p. 69.
28 Nogueira, p. 34.
29 Concepção e obtenção de novos meios, no momento adequado e que sirvam o conceito adoptado e evolução possível da conjuntura. Couto, p. 231.
30 Organização dos meios visa a detecção e análise das vulnerabilidades e potencialidades das estruturas existentes, tendo em vista a sua maior eficiência. Couto, p. 232.
31 Utilização dos meios existentes para se alcançarem os objectivos fixados; concepção e execução da manobra estratégica pelos responsáveis dos teatros de guerra. Couto, 231.
32 LDNFA, Art.º 43º, n.º 1.
33 LDNFA, artigo 47º, n.º 2, a).
34 Art.º 273, nº 2.
35 Art.º 5º.
36 Programa do XV Governo Constitucional.
37 Idem, pp. 11-20.
38 Deixamos de parte o juízo de valor relativamente às metas apresentadas.
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Luís Fernando Machado Barroso

Comandante do Regimento de Apoio Militar de Emergência. Sócio efetivo da Revista Militar.

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