Nº 2477/2478 Junho/Julho de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial - Os Valores da Nação
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo

Recentes iniciativas promovidas pelo Instituto da Defesa Nacional (Conferências do Castelo, no Porto, em 7 de Junho) e pela Comissão Executiva do Encontro Nacional de Combatentes 2008 (Conferência na Fundação Gulbenkian, em 9 de Junho) incluíram o tema Valores da Nação na sua programação de comunicações. Entendendo que as nações têm interesses que compete aos estados prosseguir e defender, não deve esquecer se que as nações, e os seus nacionais, foram incorporando valores na sua vida colectiva através da história vivida que fazem parte da genética da sua cidadania e da sua identidade nacional.

Em tempos de globalização, de arranjos supranacionais de soberanias, de cidadanias tendendo a serem reguladas mais pelo passaporte exibido do que pelo local de nascimento, de novos profetas que apregoam valores universais esquecendo identidades nacionais, é saudável que de vez em quando as nações e os seus cidadãos parem para pensar quem são, de onde vêm e para onde querem ir. Sem receios, complexos ou saudosismos de um passado que não volta, mas activos na procura de caminhos novos e de adaptações para uma nova sociedade que nasce. Foi assim noutras transições na longa história da nossa civilização: do medievo para a modernidade, do antigo regime para o contrato social e dos impérios para a autodeterminação dos povos.

A transição para uma pós modernidade que se adivinha faz se num caminho de incertezas, de riscos que se tornaram globais e com interdependências em rede de difícil descodificação. Os alicerces do que durante séculos foi construído por pensamento e obras como os valores da denominada civili­zação ocidental (the west) estão ameaçados por outras civilizações que reclamam the rest without west. Como procurar melhor caminho?

Procurando soluções globais, regionais e nacionais. Ao nível global continuando, no âmbito da Organização das Nações Unidas, a utilizar a sua convenção The Values Caucus e outras iniciativas como o Diálogo entre Civi­­li­zações, para se procurar a aceitação e difusão de valores universais como a paz, a liberdade, a democracia, os direitos humanos, a conservação da Terra, a luta contra a pobreza e a doença ou a boa governação. A nível regional, fomentando o diálogo e a cooperação entre vizinhos e próximos na procura de soluções para áreas como a escassez de recursos, os desarmamentos mútuos e equilibrados, migrações de populações, circulação de bens e outras que eliminem suspeitas mútuas alimentadas pela história. A nível nacional procurando conceber e implementar Grandes Estratégias, baseadas em Conceitos Estratégicos Nacionais realistas, onde aos clássicos factores de potencial estratégico (político, económico e militar) se junte o quarto factor dos valores.

Portugal, ao longo de uma história fascinante que atravessou a formação da Europa, do mundo atlântico e de contactos com outras culturas, foi construindo uma identidade nacional profundamente enraizada numa cultura própria, onde a língua, o conceito de Pátria e a observância das tábuas das leis distinguem o português que se espalhou pelo mundo. Na sua pobreza de recursos sempre lutou pela riqueza de ter terra e governo próprios. Na sua simplicidade de conceitos construiu e transmitiu a sua herança cultural na família e nas instituições em que foi moldando a sua sociedade.

Fala se em crise de valores e em alterações nas características dos portugueses. Como afirmou há alguns anos o Professor Jorge Dias “Ao contrário do que muitos disseram, o Português não degenerou; as virtudes e os defeitos mantiveram se os mesmos através dos séculos, simplesmente as suas reacções é que variam conforme as circunstâncias históricas. No momento em que o Português é chamado a desempenhar qualquer papel importante, põe em jogo todas as suas qualidades de acção, de abnegação, sacrifício e coragem e cumpre como poucos. Mas se o chamam a desempenhar um papel medíocre, que não satisfaz a sua imaginação, esmorece e só caminha na medida em que a conservação da existência o impele. Não sabe viver sem sonho e sem glória…”.

A comunicação social e o semblante na rua dos portugueses falam de crise. Crise de identidade? Não, naturalmente, pois continuamos a mobilizarmo nos quando está em causa o nome de Portugal. Mas crise nas expectativas que criámos para um estilo de vida melhor, mais igual, melhor distribuído por províncias e comarcas, melhor regulado por quem nos governa, naquelas áreas tradicionais da nossa vida colectiva, decidida quando adoptámos para a nação a figura de estado, traduzida em conceitos simples como justiça, fazenda, mercês e milícia. Estamos a vestir um fato que não foi feito à nossa medida, espartilhados num constitucionalismo que alguns desejam cumprido na sua letra e muitos sentem desajustado à sua maneira de ser e herança cultural.

Leonardo Coimbra, em 1920, escrevia: “Faça cada português as suas pazes com Camões e de novo, no Infinito, radiosa e feliz, a Pátria há de sorrir”. Acreditamos que temos de rever de onde vimos e onde estamos para construir um destino aceite por todos. Para construir um Conceito Estratégico Nacional, como em outras épocas de crise na nossa História, e que se torna urgente, teremos de começar por definir que valores partilhamos, que valores queremos para nós e que valores queremos deixar na nossa herança cultural. Como ouvimos muitas vozes gritarem recentemente, digamos todos, Força Portugal !

 

* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.

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2008-12-19
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by COM Armando Dias Correia