Nº 2485/2486 - Fevereiro/Março de 2009
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O poder instituído e a relação com o Exército entre 1901 e 1914. Aspectos de uma breve caracterização.
Mestre
Ricardo Manuel de Carvalho Varandas dos Santos
Antes da mudança de regime,1 a vida política nacional estava bastante instável2, situação resultante da profunda fractura política, geradora de apenas “guerras políticas” e escassez de ideias para o país, provocando a inexistência de soluções para os problemas da nação3. A toda esta situação somavam-se os pronunciamentos revoltosos republicanos.
 
Todos estes factores fizeram com que o grau de ameaça interna aumentasse, o que conjuntamente com o crescente dos nacionalismos a nível internacional e consequente aumento do potencial de ameaça, levou o governo português bem como o de outras nações europeias a se apoiarem mais nos Exércitos4 e nas suas forças policiais5 como salvaguarda das decisões tomadas pela esfera política e diplomática. Para que houvesse um auxílio das forças armadas, nomeadamente do Exército, aos intuitos políticos e diplomáticos nacionais, teve que existir uma reestruturação6 orgânica, funcional e operacional das forças militares, baseada na defesa dos territórios e dos interesses nacionais7.
 
Assim, o Interesse Nacional,8 foi temática de contestação política9 destacada pela imprensa, que na maioria das vezes também criticou as deliberações governativas e diplomáticas do estado.
 
Embora muitas vezes contestadas pela imprensa republicana, as decisões em prole da defesa das áreas de Interesse Nacional acabariam executadas pelo Exército10/Armada, sem grande enquadramento legislativo, baseadas apenas em deliberações políticas do monarca,11 o que produzia um aumento da contestação. Para que a crítica política diminuísse teve que surgir legislação,12 que desse enquadramento legal, aumentando a eficácia e a rapidez das decisões deliberadas perante a defesa das áreas e dos territórios de interesse nacional.
 
Também possíveis formas de operacionalização entre as decisões e as acções começaram a ser ponderadas desde os últimos anos do século XIX, sob a forma de propostas de alteração à reorganização dos Exércitos nacionais,13 permitindo que aumentasse a operacionalidade.
 
Assim os Exércitos (Metropolitano e Colonial) teriam perante as ameaças de um cenário internacional caracterizado pelos nacionalismos e por uma forte expansão colonial o dever da defesa das posições assumidas pelo governo e diplomacia sobretudo perante a manutenção da soberania dos territórios e da segurança dos interesses nacionais (áreas de interesse nacional). Para que os processos necessários à reorganização de forças fossem implementados, os Exércitos teriam que ter suficiente dotação orçamental,14 facto que não ocorria em Portugal.
 
Em 1901 a difícil situação económica e orgânica do Exército português foi debatida no Parlamento ao ser discutida a lei de promoções de Pimentel Pinto. Nessa sessão João Franco enquanto deputado proferiu um importante discurso sobre a situação militar nacional. Nesse discurso15 o então deputado comparou a situação em 1901 com a que existiu em 1884, quando Fontes Pereira de Melo conduziu uma reorganização no Exército. Desta forma ao afirmar preocupações legítimas16 a nível nacional e em especial na área da defesa, João Franco17 apareceu como um político de visão não somente sobre a situação nacional, mas também perante o cenário internacional.
 
Uma atitude de vigor e ambição perante a Defesa Nacional como a que João Franco teve, também implicou o dever de elaborar alternativas às situações em que se encontrava o Exército português no início do século XX. Foi o que ocorreu em 17 de Maio de 1906, quando um Governo presidido pelo mesmo assumiu o poder18 e transformou a defesa numa das prioridades do go­verno.
 
Alguns problemas apontados em 1901 tinham sido já solucionados, ou estavam em via de resolução, independentemente disso outras péssimas condições19 ainda se faziam sentir no Exército português.
 
Foi necessário encontrar soluções para as lacunas graves existentes nos aquartelamentos nacionais, para isso o poder político recorreu aos militares, aqueles que melhor conheciam os problemas internos da instituição.
 
Tendo este pressuposto por base, João Franco pretendeu um colaborador para o Ministério da Guerra, a escolha recaiu num oficial de engenharia, António Vasconcelos Porto,20 que anteriormente desempenhou funções de docente na Escola do Exército. Vasconcelos Porto ocupou a pasta durante quase dois anos, durante esse período foi notória a dinamização que deu à instrução militar, aos processos e mecanismos para que tal actividade decorresse conforme o definido pelo governo. Foi ainda responsável pela aquisição de material de mobilização21 que era uma das maiores lacunas do Exército nesta fase de transição entre séculos.
 
Durante a permanência deste oficial na pasta da Guerra promoveram-se visitas de chefias a unidades por todo o país, como forma de troca de experiências e partilha de informação. O próprio António Porto, em 1906 quis fazer uma viagem de Estado-Maior para se inteirar da situação, levando a que houvesse uma constatação das reais situações existentes e ao mesmo tempo permitindo uma articulação entre os vários organismos constituintes do Exército português, intentando soluções para os problemas detectados. Para uma correcta interligação entre os intervenientes, foi necessário que, por um lado, a formação de oficiais fosse conjunta e por outro, que o restante quadro de tropas se habituasse a critérios organizacionais e funcionais de serviço.
 
Desta forma António Vasconcelos Porto promoveu a realização de exercícios de quadros de grandes unidades, em várias regiões do país, fez com que houvesse conferências de oficiais nas unidades e estabelecimentos militares, levando a que se obedecesse a instruções que tinham sido publicadas. Para além disso, foi criado um prémio para o autor da melhor conferência realizada em cada arma.
 
Estas medidas não foram somente proveitosas para a uniformização de critérios organizativos no país, também serviram de estímulo para os oficiais que comandavam as unidades militares.
 
Além destas medidas, a partir de 1906/1907, outra forma de complementar esta uniformização de directrizes foi o facto de começarem a ser elaboradas por parte do Estado-Maior do Exército, publicações com instruções para cada uma das armas e serviços. Estes trabalhos visaram completar o regulamento de campanha iniciado em 1904, que desde aí continuara esquecido, prejudicando a defesa da soberania dos territórios e dos interesses nacionais, uma vez que era um elemento essencial à Defesa Nacional em caso de agressão.22
 
Do trabalho produzido pelo Estado-Maior apareceram, entre 1906 e 1908, trabalhos que visaram a articulação e uniformização de procedimentos entre as unidades do Exército nacional. Ao mesmo tempo começou a surgir uma alteração dos padrões de instrução23 até aí utilizados pelas forças militares portuguesas, não só no sentido de uma maior operacionalização de forças como no combate a inimigos internos (na maioria republicanos) que criavam novos tipos de ameaça ao governo monárquico.
 
Devido à eficiência na restruturação da força armada e nomeadamente do Exército, o Governo chefiado por João Franco mereceu respeito e gratidão nomeadamente ao nível das chefias militares partidárias da monarquia, o mesmo não poderá ser dito no campo dos partidos políticos24.
Do ponto de vista político, o Governo liderado por João Franco, foi autoritário25 e repressor para os opositores ao regime monárquico; uma prova disso foi a aprovação em 11 de Abril de 1907 de uma nova lei26 de imprensa que tentou fazer face aos ataques na imprensa, realizados por republicanos e dissidentes do partido progressista. Essa lei foi extremamente repressiva e ficou conhecida como a lei contra a imprensa.
 
O Estado para a sua implementação necessitou de um grande número de forças de segurança, inclusive o Exército, auxiliando a que este tivesse cada vez mais peso no combate às ameaças internas da nação. A utilização do Exército para reprimir manifestações populares contra o Governo de João Franco foi recorrente durante o ano de 1907 o que indignou a opinião pública.27
 
Desta forma, o excesso de autoritarismo fez com que o principal crítico a este governo, o partido republicano28 adquirisse maior apoio junto da população sobretudo a urbana. Consequência desse facto foi a eleição de quatro deputados que contribuíram ainda mais para o debate parlamentar e consequente crítica ao governo29.
 
Este facto contribuiu ainda mais para um confronto relacional entre o regime monárquico e os opositores republicanos que se repercutiu na instabilidade da vida política nacional. Exemplo disso, foi um pedido de esclarecimento numa sessão no Parlamento, onde os republicanos levantaram questões sobre as Finanças do Estado e puseram em causa a administração da Casa Real. Toda a situação foi resolvida por João Franco que de forma violenta, mandou colocar fora da Câmara dois dos quatro deputados republicanos. Assim a ditadura do seu governo chocou com as tendências liberais da sociedade o que desagradou a liberais e a republicanos, alimentando o espírito de revolta.
 
Juntamente a este facto, a repressão que se fazia sentir por toda a população de uma forma insistente, originou um movimento revolucionário de tendências republicanas que, em 28 de Janeiro de 1908, levou à tomada de medidas de repressão, perseguição e violência, que debilitaram ainda mais a situação da monarquia portuguesa e colocaram em causa os princípios deste Governo.
 
Nesse ano continuaram as manifestações contra o regime encabeçado por João Franco, que se apoiava de forma insistente nos meios militares, nomeadamente os do Exército para repor a ordem pública. Tendo a componente militar um peso forte neste governo, a questão anti-militarista30, foi colocada não só como crítica ao governo, mas também como preocupação perante a situação social. Uma das entidades a colocarem esta questão foi a Federação Operária, que, em 1908, na altura do Grande Congresso Nacional, levou com que as suas opiniões e declarações, sobre a defesa fossem ouvidas e consideradas, neste grande debate sobre as questões nacionais.
 
Todos estes factores levaram a que num curto espaço de tempo, no cenário interno existisse um ajuste na estratégia partidária, o que levou a que se tecessem alianças31 entre alguns sectores militares, como a aproximação da Carbonária à Corporação dos Sargentos,32 ambas compostas essencialmente por elementos do Exército, associadas desde a Revolta de 31 Janeiro de 1891 ao movimento contestatário à monarquia.
 
Se por um lado existiu um fortalecimento da componente anti-monárquica33, por outro esse factor fez aumentar ainda mais o controle e a repressão na sociedade portuguesa.
 
Foi em certa medida a opressão que fez com que o Partido Republicano operasse uma mudança na definição da estratégia política, conjugada com uma maior influência da ala radical fez o PRP ganhar importância34 levando à perda de terreno dos republicanos moderados e fazendo com que a ideia de uma acção revolucionária directa contra a monarquia ganhasse consistência. Em simultâneo surgiram diversas formas de contestação oriundas de várias esferas da sociedade portuguesa, mostrando a força e a dimensão do republicanismo.35
 
Foi na sequência de movimentos contestatários contra as medidas opressoras tomadas pela coroa, que surgiu uma denúncia estabelecendo ligações36 entre o Directório do Partido Republicano e a Organização revolucionária. Este facto levou à detenção dos principais dirigentes do movimento republicano, Afonso Costa, Egas Moniz, António José de Almeida entre outros. Estas apreensões fizeram com que houvesse manifestações internas, que foram reprimidas de forma dura, aumentado ainda mais o espírito de revolta.
 
Todos estes factos originariam indignação na população, juntamente com a assinatura de um tratado que penalizava com a deportação os elementos republicanos que criassem acções contra a monarquia, fizeram com que os republicanos do sentimento contestatário, passassem a sentir repulsa perante o regime monárquico. Ao certo não saberemos se este sentimento foi por si só o responsável pelo regicídio, apenas temos a certeza que, passados dois dias da assinatura deste tratado, ocorreu o regicídio, que vitimou o rei D. Carlos e o príncipe Luís Filipe no Terreiro do Paço depois de regressarem de Vila Viçosa. Esta acção subversiva deu a D. Manuel uma subida ao trono pouco delineada e preparada, fazendo um rei com apenas dezoito anos.
 
Um factor surgido após o regicídio foi o pedido de demissão de João Franco37 e consequente queda do seu governo. Com este volte-face na condução da política nacional, realizaram-se eleições que trouxeram para a ribalta política um governo encabeçado pelo Almirante Ferreira do Amaral. Com ele a escolha para o Ministério da Guerra recaiu sobre Sebastião Teles, um General recente tendo em conta que a sua promoção tinha ocorrido em 1906. Este facto foi insólito pois a colocação de um general com pouco tempo de generalato, fez com que figurasse inovação ao nível do generalato nomeadamente nos processos de escolha do possível detentor da Pasta da Guerra. Sebastião Teles permaneceu nesta pasta até Abril de 1909 e a sua governação não trouxe medidas notáveis, apenas houve uma clara manutenção da política iniciada por António de Vasconcelos Porto, referente à instrução militar, aqui continuaram a ser convocadas as segundas reservas para a instrução militar que contribuíram para uma maior operacionalização de todo o Exército Nacional, aumentando o treino e a formação de um contingente que tinha uma função importante no caso de mobilização e que se não fosse por este meio dificilmente poderia manter algum grau de operacionalidade.
 
Para além deste aspecto também o fortalecimento embora reservado38 do próprio Exército e da Instituição Militar39 na sociedade portuguesa, sofreram alterações que se traduziram em tentativas de reabilitação da imagem.
 
Um exemplo desta prática, foi o que se verificou a 18 de Fevereiro de 1908 com a inauguração por parte de Sebastião Teles do Monumento erigido à memória do Marechal Duque de Saldanha40. Esta valorização dos militares através da memória daqueles que tiveram feitos dignos em prole do país continuou até o fim do primeiro trimestre de 1909.
 
Consequência da contestação social41 ao regime monárquico, a partir do segundo semestre de 1909 surgiu instabilidade em vários Ministérios. A pasta da Guerra não foi excepção, desde Maio desse ano que os nomes à frente deste ministério sucederam-se. Assim Sebastião Teles foi substituído por Elvas Cardeira42, que durante os sete meses que esteve à frente da pasta fez com que se publicassem alguns novos regulamentos e instruções de funcionamento de certas unidades.43
 
Este esforço não originou resultados práticos, uma vez que Elvas Cardeira apenas se manteve sete meses à frente do Ministério da Guerra. Embora o período de mandato fosse curto, Cardeira ainda chegou a apresentar no Parlamento uma proposta para as bases sobre a organização do Exército intitulada “bases para uma nova organização do Exército” e outros trabalhos que entendeu necessários para o melhoramento da instituição militar. Todo este trabalho não teve oportunidade de ser posto em prática ainda durante a gerência deste General, embora grande parte do seu trabalho tenha sido reaproveitado posteriormente, sobretudo em propostas específicas para alterações organizativas.
 
Se considerarmos o tempo que este General esteve na condução desta importante pasta e o trabalho produzido poderemos concluir que foi um oficial eficaz pois elaborou, pelo menos em termos legislativos/organizativos, documentação válida para ser aplicada na prática e suficientemente significativa para mostrar uma reestruturação já há muito necessária.
 
Desde o fim do mandato de Elvas Cardeira (Maio de 1909) até ao final do mês de Setembro de 1910, apenas foi criado como linha estruturante, o Decreto-lei de 27 de Setembro de 1910, que atribuía uma bandeira comemorativa do centenário da Guerra Peninsular. Durante todo esse tempo a sucessão de nomes para a pasta da Guerra tornou-se uma constante. Desde Maio de 1909 até ao 5 de Outubro de 1910 foram treze os que detiveram a pasta da Guerra, naturalmente nenhum deixou nem imagem, nem factos notáveis de serem relembrados.
 
Pode ser afirmado que no início de 1910 surgiu uma onda de inércia que se apoderou da já pouco funcional instituição militar nacional, tanto a gerência do General Matias Nunes bem como a de Raposo Botelho apenas trouxeram ineficácia à restruturação da instituição militar.
 
Durante este tempo apenas existiram progressos para o Exército nacional no Ultramar44 em campanhas de pacificação, pois internamente existiu uma grande parada militar comemorativa do primeiro centenário da Batalha do Buçaco.
 
Devido ao cenário de instabilidade45 ministerial, característica da última fase da monarquia, no ano em que Portugal transitou de regime político, o Exército e mesmo a sociedade em geral perderam, pois a inoperância do sistema político levou à ineficácia ao nível da produção de legislação promotora de um ambiente propício à mudança, que se traduzia em termos militares por novos processos de reorganização.
 
Passados poucos dias do Decreto-Lei de 27 de Setembro ocorre em Lisboa a revolução que proclamaria a 5 de Outubro a República Portuguesa.
 
Com apenas tinta e seis horas de intensa luta46 foi derrubada a monarquia e um regime democrático começava a fazer parte da vida quotidiana dos portugueses. Esta mudança no regime político português repercutiu-se em nos mais variados sectores da sociedade portuguesa, entre eles o militar47, que embora tivesse na sua estrutura, posições fortes pró monarquia, manteve-se na maioria, em defesa do recém regime instaurado48. O Exército passou a ter um papel de defesa das novas instituições republicanas. A transição de regime implementou remodelações ao nível dos Ministérios, Organismos Governamentais e de praticamente todo o tipo de estruturas do país, que juntamente com políticas a nível social, tentaram alterar as condições económicas e sociais através de reformas económicas profundas.
 
Para este facto ocorrer teria que existir estabilidade e segurança do regime, o que só aconteceria se houvessem forças capazes de garantirem a ordem pública. No processo de transição de regime essa força necessária só poderia surgir das forças armadas e dentro destas do Exército, pois possuía no seu dispositivo um número forças suficientes para eliminar qualquer oposição interna e assegurar a defesa do regime.
 
Independentemente da existência de homens e meios para combater rebeliões internas seria necessária uma abrangente e estruturante remodelação, ao nível do contingente e das informações49, dos meios,50 da organização e da moral, pois encontravam-se organicamente desorganizados, descrentes em moral e deficitários financeiramente, com o prolongar das dificuldades surgidas nos últimos anos de Monarquia o que contribuía para uma deterioração da condição do Exército.
 
A partir do dia 5 de Outubro de 1910 o país entrou num novo período da sua história. A sociedade e o poder político devido à instabilidade interna e com a existência no cenário externo de potenciais ameaças, obrigatoriamente olharam para o Exército51, como a forma mais capaz de defender o regime52 recentemente criado, a soberania dos territórios e a defesa dos interesses nacionais. Este esforço teria que ser baseado nos meios e recursos nacionais, uma vez que a Inglaterra, seu tradicional aliado não reconheceu numa primeira fase o regime, originando esta situação uma ameaça ao republicanismo.
 
Para fazer face a estas ameaças o poder político promoveu condições para que o Exército começasse a remodelar-se deixando aos poucos a organização do século XIX, ineficaz para os novos desafios do século XX.
 
Um dos novos desafios ao Exército, passava pela educação cívica dos seus elementos, nesta linha o Ministério da Guerra, criou medidas procedimentais e estabeleceu princípios para que através da Instrução Militar houvesse um processo de aprendizagem continuado, metódico e progressivo tendo em conta os conhecimentos de cada um e dessa forma, atribuísse valores, educação e conhecimentos variados à maioria dos jovens portugueses. A instrução preparatória deveria incutir ao soldado um sentimento de dever, amor à pátria e à sua profissão, bem como tornar o soldado cada vez mais obediente; só assim é que Portugal poderia pôr em prática as reformas que a sua classe política projectava para a Instituição Militar53 e para o país, uma vez que com pessoas informadas o número de possíveis adversários ao recém-formado regime decrescia.
 
Esta forma de actuar era algo de inédito para a maioria das tropas, uma vez que a educação só era assunto das classes de comando, numa perspectiva técnica e nunca educadora e sensibilizadora.
 
A Educação do regime republicano também foi uma maneira de abertura à sociedade civil, uma vez que com os valores transmitidos existiria um interesse da sociedade civil por uma Instituição que teria que assegurar as liberdades e garantias de um recém-criado regime político tanto na esfera interna como no cenário internacional existente.
 
O Exército com esta forma de actuação na sociedade portuguesa fez com que houvesse uma aproximação54 entre as populações e a instituição militar, pois as pessoas reconheciam que a defesa dos interesses nacionais, da soberania, dos seus próprios interesses e do novo regime, aquele que poderia dar alguma esperança aos portugueses passava pelo Exército. O que ainda a sociedade não reconhecia era que a segurança que o Exército poderia realizar não era somente contra inimigos políticos mas também poderia ser realizada contra manifestações populares que pusessem em causa a segurança do regime. Assim a instituição considerada libertadora poderia em pouco tempo ser opressora dos seus apoiantes.
 
Outra forma de aproximação da instituição militar à sociedade foi que a Instituição Militar começou a garantir oportunidades monetárias aos cidadãos que pretendessem integrar os quadros, o que contribuiu ainda mais para novo dinamismo na esfera militar. Apenas actuando de forma dinâmica é que se pôde difundir o estilo miliciano ao Exército português, que não só necessitava de um maior número de efectivos como de uma doutrina de interesse nacional - a militar. Assim, se houvesse uma maior consciencialização do valor da soberania e do interesse nacional, poderia trabalhar-se muito melhor na constituição e no funcionamento do exército miliciano, pois havendo um certo tipo de valores interiorizados na sociedade seria mais fácil conseguir a defesa de Portugal, atribuindo mais competências de defesa às populações e às suas próprias milícias.
 
De todas estas transformações, uma era necessária e essencial, o Exército Português adaptar-se às novas pressões da sociedade, para que fizesse parte integrante desta, garantindo assim a continuidade de uma existência caracterizada pela longevidade. Atingindo assim três objectivos, que eram:
 
- Garantir uma eficaz permanência na vida portuguesa;
- Garantir a vida do recente formado regime;
- Garantir a soberania dos territórios nacionais e defesa dos interesses nacionais, num cenário internacional que galopava para a guerra.
 
Nesta linha o Governo provisório da República Portuguesa desenhou a reforma, reorganização e restruturação das instituições militares, o que ocorreu pelo Decreto de 25 de Maio de 1911, que foi pensado para reorganizar o Exército metropolitano e que deu claramente uma importância alargada às forças milicianas.
 
Pode ser referido que este foi um dos mais importantes documentos, senão o mais importante documento elaborado durante este período, pois é um diploma fundamental para a reorganização que se pretendia para o Exército da República.
 
Este documento estabeleceu uma nova composição orgânica do Exército Metropolitano e criou vários estabelecimentos dependentes das diversas armas e serviços existentes. Houve uma clara tentativa para a remodelação da Secretaria da Guerra, do Estado-Maior do Exército, dos Quartéis-generais, dos Comandos Militares e dos governos (conjuntos) de fortificações nomeadamente do Campo Entrincheirado de Lisboa e dos seus contingentes que teriam uma importância elevada, nos planos de defesa do Continente perante possíveis cenários de invasão.
 
Este importante diploma ainda lançou os alicerces para o Recrutamento de praças, oficiais e de quadros de uma maneira geral, para além de sustentar um eficaz mecanismo de promoções dentro de cada classe. Todas estas basearam-se no sistema miliciano suíço, com alterações que permitiram estabelecer este importante conjunto de mudanças no território nacional.
 
A própria Escola do Exército através do Decreto-lei de 25 de Maio de 191155 teve uma grande remodelação não só no respeitante aos seus conteúdos lectivos que passaram a contemplar as ciências sociais para além da parte bélica, com o intuito de transformar o futuro Oficial num educador dos seus pares dentro Instituição Militar, também a existência de cursos técnicos permitiu a formação a oficiais milicianos.
 
De forma a aumentar o empenho criou-se um sistema de bolsas para todos aqueles que melhor se distinguissem ao serviço desta Instituição para que pudessem fazer intercâmbios.
 
Este documento atribuiu uma importância especial à instrução militar, neste eram referidas as principais normas que iriam reger as escolas de recrutas, de repetição e as escolas de quadros. Todas estas disposições foram sendo regulamentadas, acabando codificadas num único regulamento, que iria englobar os cursos de tiro, técnicos e tácticos, escolas de tiro e de aplicação, bem como a instrução profissional dos quadros que compunham o Exército. Este documento foi terminado no período que vai desde 1912 a 1913 durante a gestão da pasta da Guerra do Major Pereira Bastos, oficial que muito contribuiu para vários aspectos enunciados no Decreto de 1911. Todo o Exército teria uma lei orgânica que foi subscrita pelo Ministro da Guerra do Governo Provisório, Coronel Correia Barreto, que de uma forma inovadora lançou em Portugal as bases para o Exército da República. Esta lei foi sujeita a alterações e rectificações, sendo codificada somente em 1914, antes da entrada de Portugal na Primeira Guerra podendo ser afirmado que foi um documento importante para o esforço de reorganização militar surgido das necessidades de um Exército carenciado, suficiente perante as novas ameaças internas ao recém-criado regime republicano, mas muito pouco eficaz perante o potencial de ameaça oriundo do cenário internacional, sobretudo perante a defesa dos territórios e dos interesses nacionais no Ultramar.
 
 
Conclusões
 
Todas estas formas de Defesa dos Territórios Nacionais e do Interesse Nacional foram equacionadas no Exército Português, embora a sua operacionalização fosse um problema bem mais complexo devido às dificuldades financeiras e ao número de pessoal, o que torna a questão da mobilização numa situação de conflito um problema complexo nomeadamente pelos recursos financeiros.
 
A própria Reorganização de 1911, embora remodelasse todo o contingente do Exército, não foi capaz de articular todas estas vertentes, como foi o caso do Regime de Recrutamento ou de Justiça militar, elementos essenciais a um processo de reorganização, que só foram publicados posteriormente a esta Lei.
 
Independentemente de existir em Portugal, no período estudado, a identificação das ameaças, ao país, ao seus territórios e aos seus interesses, não houve a capacidade activa nem reactiva para se tecerem modificações para além das legislativas relacionadas com o contingente como foi a Lei de 25 de Maio de 1911 ou a Proposta de Lei de 1913 para o caso do Exército Colonial.
 
As estruturantes alterações perante o todo da Defesa Nacional, adequadas aos princípios da guerra moderna e à concepção de que a Defesa é muito mais do que a Guerra, é também cultura de patriotismo, condução de poderes públicos em nome da autonomia de um estado, segurança de fronteiras e mesmo conservação e manutenção da liberdade, ficaram por realizar.
 
Pode ser afirmado, que o que faltou no período republicano não se relacionou com a inexistência de leis, pois durante este período surgiram alterações legislativas importantes para a reorganização dos Exércitos Nacionais (Metropolitano e Colonial) e consequentemente para a defesa dos territórios e interesses nacionais.
 
De facto, o que ocorreu nos primeiros anos do republicanismo, foi que, a evolução dos acontecimentos, tanto internamente como no cenário externo, fizeram com existisse um cruzamento do potencial de ameaça, aumentando a insegurança nacional.
 
Devido a este facto, embora não existisse um “Verdadeiro Conceito Estratégico de Defesa Nacional”, criou-se um ambiente propício ao aparecimento de opções políticas que baseadas no “Conceito de Defesa dos territórios e do Interesse Nacional” que fizeram os políticos olharem para a defesa como uma opção estratégica. Mas para esta ser uma realidade teria que se operar uma restruturação profunda nos Exércitos Nacionais. Foi o que os republicanos realizaram, não só como forma de combater ameaças nos territórios coloniais, mas também como necessidade de modernização do Exército e como forma de protecção das instituições e do regime republicano contra inimigos internos, embora a velocidade dos acontecimentos tivesse feito desactualizar e atrasar processos contidos na legislação recentemente publicada.
 
O Exército, passou deste modo a ser uma Instituição considerada verdadeiramente patriótica, de grande utilidade pública e o guardião da soberania, dos territórios e dos interesses nacionais, embora também se começasse a tornar uma instituição politizada sobretudo com a divisão do PRP. Assim o Estado no plano interno não teria somente que ter preocupações com a oposição monárquica, mas também com a discussão entre as ideias republicanas que poderiam trazer instabilidade à sociedade portuguesa e mesmo ao próprio Exército.
 
Tornou-se para os políticos cada vez mais necessário preparar o Exército para um novo século, repleto de incertezas, fazendo dele uma instituição, dinâmica e versátil, capaz de enfrentar de forma eficaz os verdadeiros desafios do século XX.
 
 
Bibliografia
 
Dicionário de História de Portugal Direcção de Joel Serrão, Iniciativas Editoriais, LISBOA, 1963.
AA.VV, História do Século XX, Volumes I,II,III,IV, Publicações Alfa, Lisboa, 1995.
AFONSO, Aniceto e Gomes, Carlos de Matos (COORDENAÇÃO), Portugal e a Grande Guerra, Diário de Notícias, Lisboa, 2003.
ALEXANDRE, Valentim, Portugal e os Conflitos Internacionais, DN, Lisboa, 1996.
AMEAL, João, História de Portugal Livraria Tavares Martins PORTO, 1940.
AZEVEDO, Manuela de Iberismo e Identidade Nacional in "Diário de Notícias" LISBOA, 1989.
BARRENTO, António Eduardo Queiroz Martins, Reflexões sobre Temas Militares, Instituto de Altos Estudos Militares LISBOA, 1991.
BERGHAHN V.R., Germany and the Approach of War in 1914, Nova Iorque, 1973.
CABRAL, Alexandre, Os Culpados da queda da monarquia, Lisboa, 1946.
CARRILHO, Maria, Elementos Referentes à Carreira Profissional nas Forças Armadas Portuguesas Os Oficiais Generais (1900-1981), EMGFA (Divisão de Planeamento), LISBOA, 1981.
CASTRO, Armando, A Economia Portuguesa no Século XX, 1900-1925, Edições 70, Lisboa, 1975.
DIAS, Jaime, Cartas Políticas do Conselheiro João Franco, Sep. De Estudos de Castelo Branco, Revista de História, 1969.
FERRÃO, Carlos, História da I República, Terra Livre, Lisboa, 1976.
FERREIRA, José Medeiros, O comportamento Político dos Militares. Forças Armadas e regimes políticos em Portugal no Século XX, Estampa, Lisboa, 1992.
GARCIA, José Manuel, História de Portugal - Uma Visão Global, Editorial Presença, LISBOA, 3ª ed., 1986.
GÓMEZ, Hipólito de la Torre, Na Encruzilhada da Grande Guerra, Portugal-Espanha 1913-1919, Editorial Estampa, Lisboa, 1980.
GOUVEIA PINTO, António Joaquim, Memória Estatístico-Histórico-Militar in "Questões Militares", EME.
HOFFMAN, Great Britain and the Germany Trade Rivalry, 1875-1914, Nova Iorque, 1933.
HOMEM, Amadeu Carvalho, A ideia Republicana em Portugal - O contributo de Teófilo Braga, Livraria Minerva, Coimbra, Março de 1989.
KENNEDY, Paul M., The Rise of Anglo-German Antagonism 1860-1914” Londres, 1980.
KENNEDY, Paul M. Kennedy, The Rise and Fall of British Naval Mastery, Londres 1983.
LLOSA, Mário Vargas, O Cepticismo nas Nossas Democracias e o Novo Racismo do Século XX in "Diário de Notícias" (Caderno Exclusivo) LISBOA, Dez 21,1987.
MARQUES, A H. Oliveira, Guia de História da Primeira República Portuguesa, Estampa, Lisboa, 1981.
MARQUES, A H. Oliveira (dir.), Portugal da Monarquia para a República (1890-1930), vol. XI da Nova História de Portugal/dir. Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques), Presença, Lisboa, 1991.
MARQUES, A H. Oliveira, Correspondência política, Afonso Costa, ed.,
MARTINS, Gen. Ferreira, História do Exército, EME, 1945.
MATTOSO, José, História de Portugal, Direcção de José Mattoso, 6º volume, a Segunda Fundação (1890-1926), Rui Ramos, Circulo de Leitores, Lisboa, Setembro de 1994.
MELLO João Augusto de Fontes Pereira, A Revolução de 4 de Outubro (subsídios para a sua história), Comissão Militar Revolucionária, Lisboa 1912.
MONTEIRO, Henrique Pires, Evolução Orgânica do Exército Português in "Revista Militar" n.º 1 e 2, LISBOA, 1929.
OLIVEIRA, Gen. A. N. Ramires, História do Exército Português 1910-1945, EME, Volumes I, II, III.
PEREIRA, Miriam Halpern, Política e Economia. Portugal nos séculos XIX e XX, Livros Horizonte, Lisboa, 1979.
PIMENTA, Coronel Gonçalo, As minhas memórias”, Porto 1947
PINTO, António Costa, Muitas Crises, poucos compromissos: a queda da Primeira República, Penélope, n.º 19-20, 1998, pp. 43-70.
PINTO, António Costa, “A formação do Integralismo Lusitano (1907-17)”, Análise Social, Volume XVIII, 1982, pp. 409-419.
PRESTON, R, e Outros, Men in Arms, Frederick A. Praeger, NEW YORK, 1962.
RAMOS, Rui, A Segunda Fundação (1890-1926), vol. VI da História de Portugal (dir. José Matoso) Círculo de Leitores, Lisboa, 1994.
RAMOS, Rui, João Franco e o Fracasso do Reformismo Liberal 1884-1908, ICS, Dezembro de 2001.
REIS, António (dir.) Portugal Contemporâneo, volumes II, III e IV, Alfa, Lisboa, 1889-1990.
ROSAS, Fernando, “A crise do Liberalismo e as origens do autoritarismo moderno e do Estado Novo em Portugal”, Penélope, nº 2, Fevereiro de 1989, pp. 97-114.
SANTOS, J. Loureiro dos, Incursões no Domínio da Estratégia Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, LISBOA, 1983.
SELVAGEM, Carlos, Portugal Militar, Imprensa Nacional, LISBOA, 1931.
SCHOLLGEN, Gregor, ed., Escape into War? The Foreign Policy of Imperial Germany, Nova Iorque, 1990.
SCHWARTZMAN, Kathleen, The Social Origins of Democratic Collapse. The First Portuguese Republic in the Global Economy, Lawrence, University Press of Kansas, 1989.
STEINBERG, Jonathan, The Copenhagen Complex, Journal of Contemporary History, vol.1, 3 1966
STEINER, Zara, Britain and The Origins of the First World War, Nova Iorque, 1977.
TAYLOR, A. J.P, The Struggle for Mastery in Europe 1848-1918, Oxford, 1957.
TEIXEIRA, Nuno Severiano, O Poder e a Guerra 1914-1918. Objectivos Nacionais e Estratégias políticas na entrada de Portugal na Grande Guerra., Estampa, Lisboa, 1996.
TELO, António José, Economia e Império no Portugal Contemporânea, Edições Cosmos, Lisboa, 1994.
TORRE, Hipólito de la (dir.), Portugal, España y Africa en los ultimos cien años, UNED, Merida, 1992.
WHEELER Douglas L., René Pélissier, Angola, Londres 1971.
VALENTIM, Alexandre 1979, As Origens do Colonialismo Português moderno, primeira parte, Sá da Costa, Lisboa, 1979.
VINCENT-SMITH, John D., As Relações Políticas Luso-Britânicas, 1910-1916 Ed. Livros Horizonte (Col. Horizonte n.º 30) LISBOA, 1975.
VILAR, Pierre, Desenvolvimento Económico e Análise Histórica Editorial Presença, LISBOA, 1982.
 
PUBLICAÇÕES OFICIAIS
Anuários Estatísticos de Portugal.
Censos da População.
Lei de 14 de Novembro de 1901.
Decreto-lei de 29 de Janeiro de 1907.
Decreto-lei nº 142 de 27 de Junho de 1907.
Decreto-lei de 3 de Maio de 1911.
Lei de 2 de Março de 1911.
Lei de 25 de Maio de 1911.
Proposta de Lei de Organização do Exército Colonial, 1913.
Regulamento Geral do Exército, de 1914.
Regulamento para a instrução do Exército Metropolitano - 1914, Imprensa Nacional, LISBOA, 1914.
Relatório do Decreto de 14 Novembro de 1901.
Relatório do General José Estevão Sarmento ao Ministro da Guerra sobre as propostas de Lei sobre Recrutamento, 1909.
British documents, vol. I,II,III, p. 80, MNE.
 
ANEXO
 
~
Comparação entre os Exércitos Europeus em 1911
 
FIGURAS
 
 
*      Mestre em História Social Contemporânea com a Tese intitulada: “Reorganização do Exército Português entre 1901 e 1914”.2002-2005. Doutorando em História Social Contemporânea no campo da História da Cultura e das Mentalidades com a Tese intitulada: “A Memória da Primeira Guerra Mundial como elemento Gerador de Mudanças na Sociedade Portuguesa entre 1917 e 1940”.
 1 Existência de grande instabilidade na Sociedade portuguesa devido nomeadamente à situação política que se vivia no final da monarquia constitucional, que tinha sido não mais do que um acordo entre a ordem e o progresso e que depois ficou à sua mercê. Sobre isso José Luciano afirmava “Nenhum governo hoje tem força para exterminar os seus adversários” em Documentos políticos p. 66. Tudo isto eram factos surgidos depois da queda de João Franco, que fez com que após 1908 a desagregação dos partidos existentes tenha sido um processo rápido.
 2 Sobre a instabilidade anterior à implantação da República a obra do General A. N. Ramires de Oliveira “História do Exército Português (1910-1945) refere na p. 51 “O movimento de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, embora frustrado, representou a primeira tentativa militar republicana, com a colaboração de civis. As conspirações daqui em diante não pararam mais. As cronologias dos pronunciamentos republicanos depois de 1891 reportam-se a 1895, 1896, 1901, 1906, 1908 e por duas vezes ao Verão de 1910, o que naturalmente foi criando preocupações ao governo. Mas também eram motivo de alguma descrença para os revolucionários, pelos repetidos insucessos. A tentativa de 28 de Janeiro de 1908, espécie de ensaio geral, em que colaboram republicanos, carbonários e anarquistas, é desencadeada em Lisboa, mas o custo foi elevado para os revoltosos. Embora servindo de estímulo aconselhou ponderação e a revisão de todo o sistema.
 3 A Luta em 18 Junho de 1910, questionava a forma de oposição que os partidos tinham em relação ao regime instituído e aos objectivos dessa oposição sobre isso diziam: “Os senhores fazem oposição como ela se fazia no tempo de Fontes. Fazem oposição para derrubar o Governo, pelos processos e na mesma gíria em que a faziam então, como se ainda estivessem nesse tempo, como as circunstâncias fossem as mesmas, como se a sociedade fosse a mesma.”
   Tudo isto demonstrava uma obsessividade pelo poder, que fazia esquecer os problemas e a real situação do país, também era notória uma descontextualização da vida política nacional por parte dos partidos.
4 A respeito de como os Estados se apoiaram nos Exércitos para defender decisões políticas e diplomáticas temos o caso inglês descrito na obra de Michael Howard, The Continental Commitment, Londres, 1989, p 42 onde se refere: “No decurso da crise, (Marroquina), o Estado-Maior considerou a possibilidade de um ataque alemão através da Bélgica e uma resposta britânica apropriada: “Um Exército eficiente de 120 000 homens..... Isso traria quase de certeza uma paz rápida e, do ponto de vista britânico e francês satisfatória.” Esta perspectiva daria forma ao planeamento militar britânico até à eclosão da guerra”.
 5 No caso português o apoio que o poder político pediu às forças policiais e às unidades da GNR foi mesmo decisivo em alguns momentos do regime republicano, pois anula ou minimiza os efeitos de revoltas internas contra o regime. Foi o caso da utilização destas forças em 1917, no que ficou conhecido com a revolta da Batata.
 6 No início do século a reestruturação das forças militares das grandes potências relacionavam-se com a corrida naval, dominadora das relações entre Inglaterra e Alemanha entre 1908/1912, o que colocou ao rubro os sentimentos nacionais como é referida na obra de A. J. Marder From Dreadnought to Scapa Flow, 2 vols, Oxford, 1961, p. 143 sobre a posição alemã: “A Lei Naval será cumprida até ao último pormenor; não importa que os Britânicos gostem ou não!” A resposta inglesa à nova reorganização e os custos inerentes provocaram um debate intenso em Inglaterra pois implicaria um processo novo de reorganização militar adequado às novas realidades de defesa dos territórios, dos interesses nacionais e no caso inglês guardião da hegemonia do poder mundial.
 7 Os interesses nacionais surgem nesta época de forma díspar e sem conceito definido. Normalmente surgia a noção de interesse nacional somente posterior à necessidade de defesa de um potencial (territorial, económico, político, etc.) perante uma ameaça. Nesta altura não estava definido em termos legislativos nenhuma espécie de CEDN, dessa forma tornava-se muito mais difícil definir Interesse Nacional, em termos de conceito global. O próprio interesse nacional estava dependente da oferta que o próprio Estado realizava junto de certas classes, as quais através do investimento de capitais poderiam numa economia capitalista criar um sentimento de interesse colectivo perante determinadas áreas.
   Sobre a questão da oferta do Estado, Dietrich Rueschemeyer no livro intitulado Bringing the State back in, Cambridge University Press, 1985 na página 61 refere. “The state offers, in the context of a capitalist economy, a contribution that is both unique and necessary unique because it transcends the logic of the competitive market and necessary because a capitalist economy requires for its development market and necessary because a capitalist economy requires, for its development as well as its maintenance in the face of changing conditions, the supply of “collective goods” that can not be provided by the competitive actors in the economy. Both for the conception of appropriate policy goals and for their implementation, at least some corporate coherence of state apparatus is necessary. Without a minimum degree of autonomy the state’s contribution would therefore lose its unique character and fail to serve systemic needs of the capitalist political economy.”
 8 O que hoje poderemos designar de áreas de Interesse Nacional.
 9 A contestação política republicana às decisões governamentais sobre matérias essenciais à soberania e ao interesse nacional surgiram em diversas alturas e de diferentes formas, consoante a aproximação que o PRP estava perante o poder.
   Um dos exemplos foi na questão da guerra anglo-bóer em que Portugal e o seu governo por deixar transitar auxílio para as unidades inglesas, foi severamente criticado pelos republicanos. Afonso Costa interpelou o governo, acusando-o de subserviência perante a Inglaterra, numa situação em que para além do auxílio inerente a um aliado no caso de um conflito, também a dimensão política e diplomática desse apoio não foi ou não quis ser equacionada.
   Como exemplo temos na obra Luís Vieira de Castro, D. Carlos I, Portugália Editora, Lisboa, 1943, p. 200:“A resolução do governo português, tão oportuna e patriótica, seu desejo, porém, a que de novo se manifestasse a hostilidade da política republicana contra a Grã-Bretanha” ou sobre a mesma situação na p. 203 mencionando em 1900 uma declaração de Sir H. Macdonell ao Lord Lansdowne sobre a visita da esquadra inglesa a Lisboa que veio confirmar a antiga aliança e que expunha os ataques da imprensa portuguesa a esse tratado da seguinte forma: “… A revivescência dos compromissos dos antigos Tratados, é salvaguardar a integridade das possessões portuguesas na África do Sul, daí a amistosa atitude de Portugal, a despeito dos ataques hostis da imprensa da metrópole.”
   Perante esta situação podemos observar como a monarquia constitucional numa situação de Interesse Nacional tomava decisões e como sobre o mesmo assunto, (que deveria ser uma matéria consensual), os republicanos detinham outra posição completamente contrária. A cisão política muito contribuía para a falta de consenso sobre o que de facto era primordial para o país.
10 Num cenário internacional caracterizado por um aumento dos nacionalismos e crescente conquista territorial, onde o potencial de ameaça para um estado passou a ser elevado, os Exércitos passaram a ter um papel determinante, como é exposto na obra mencionada anteriormente p. 227: “Escrevendo, em Junho de 1892, ao Director Geral do Ultramar, o Governador de Lourenço Marques, Augusto Cardoso, definia sem subterfúgios a nossa posição: “…teremos de começar a conquista de novo, digo, das nossas possessões africanas pelo princípio, para que possamos acabá-la um dia.” A respeito de como é que seria exigido esse esforço às forças portuguesas (Exército) é escrito: “Ciosos das grandes tradições históricas, nunca cuidámos de tornar efectiva a soberania portuguesa nessas regiões longínquas, onde agora a ocupação exigia um esforço tenaz e audacioso.”
11 A defesa do interesse colectivo nunca poderia passar meramente por decisões de uma estrutura dominante na sociedade, o que acontecia nesta época em Portugal, pois poderá ser entendida como uma movimentação de interesses, como é mencionado na p. 68 da obra Bringing the State back in, Cambridge University Press, 1985, onde é referido: “… even structurally dominant ones, will have to be sacrificed in order to achieve systemically required “collective goods” that cannot be provided by partial interests.”
12 Para que houvesse ligação entre as decisões políticas e a parte operacional das forças militares, teve primeiro que existir uma restruturação pelo menos em termos legislativos, que determinavam uma reorganização no contingente militar da época. Foi exemplo a Lei de 25 de Maio de 1911 ou a Proposta de Lei surgida em 1913 para o Exército Colonial.
13 As alterações aos Exércitos Nacionais não passavam somente pela orgânica, teriam que passar também pelos armamentos e adaptá-los à inovação tecnológica. Este facto é salientado na obra de António José Telo, Economia e Império no Portugal Contemporâneo, Edições Cosmos, Lisboa, 1994, p. 143, onde é salientado: “O que isto significa, é que o fabrico mesmo do armamento ligeiro deixa de estar ao alcance dos pequenos poderes europeus de forma independente e, por maioria de razão, deixa de estar ao alcance dos países não industrializados fora da Europa. A evolução portuguesa é um excelente exemplo para verificar as consequências deste facto.”
14 O quadro seguinte apresenta os valores do Orçamentos de Estado para o Ministério da Guerra e Ministério do Ultramar e as relativas diferenças nos saldos entre anos para o período estudado (o designado de Ministério da Guerra foi o Ministério dos Negócios da Guerra até 1910 e depois Ministério da Guerra e ao designado de Ministério do Ultramar engloba Ministério da Marinha e do Ultramar e posterior Ministério das Colónias.)
  
15 Discurso de João Franco no parlamento em 1901. João Franco na altura proferia que: “Poderemos ter hoje talvez mais alguns soldados nas reservas, mas temos menos do que tínhamos em 1884 nos efectivos.” dos corpos; não temos um canhão de tiro rápido; temos apenas 80 000 espingardas capazes; não há uma única obra de fortificação completa; e faltaria tudo para a mais rudimentar mobilização...”, neste mesmo discurso João Franco concluía da seguinte maneira: Nestas circunstâncias que acabo de desenvolver rapidamente, julgo não avançar de mais dizendo que o robustecimento, o engrandecimento das nossas instituições militares se impõe ao País como uma questão de salvação pública...”
16 João Franco conhecia a realidade portuguesa e transmitia isso nos seus discursos de retórica radical. Num desses casos João Franco afirma: “...em face da Europa Central e Ocidental, o povo mais atrasado, mais pobre e infeliz…” apresentado em: João Franco, Discursos políticos, ed. Por de Almeida Frazão, Coimbra, 1905, esta foi uma das muitas formas com que João Franco caracterizou o povo português. Desta forma João Franco expressa a sua opinião sobre a complicada situação económica e social do povo português, colocando ao mesmo tempo as suas preocupações o que não ocorria com a maior parte dos políticos portugueses da época.
17 Sobre João Franco, a sua ideologia e forma de governação a obra de Rui Ramos, João Franco e o Fracasso do Reformismo Liberal (1884-1908), ICS, Lisboa, 2001 na página 26 refere: “A “democracia” de Franco era a dos liberais - o seu legalismo pode satisfazer a preocupação procedimental de hoje, mas a sua ética de responsabilidade patriótica não teria cabimento nas actuais versões populistas de democracia. Franco quis reabilitar o estado liberal, não revolucioná-lo. Esperou sempre os caminhos abertos pela tradição liberal: por um lado, tentou reforçar a confiança nas instituições, nomeadamente sujeitando-as ao escrutínio de magistrados independentes; por outro lado, procurou alargar o âmbito da política, quer pela associação de grupos empresariais e sindicais aos processos de decisão, quer através da prestação de serviços do Estado.
   Aquilo que os historiadores têm nervosamente denunciado como o “autoritarismo” franquista não significou uma ruptura com a tradição liberal. O “autoritarismo” documentado reduz-se ao seguinte: Franco utilizou as competências constitucionais do rei para assegurar a preeminência política do governo, e recorreu aos poderes da administração para influenciar eleições, conter a imprensa e evitar manifestações de rua.”
18 Quando João Franco assumiu o poder em 1906 existiam muitas divergências entre os líderes monárquicos que se reflectiam numa alternância no poder entre progressistas e regeneradores e como resultado visível era a instabilidade no regime. Essa mesma instabilidade levou o monarca a apoiar um governo que rapidamente passou de prometer liberdade de imprensa e descentralização para passar a actuar de forma ditadora. Um dos seus expoentes máximos de opressão foi a 12 de Abril de 1907 quando é encerrada de forma violenta uma sessão legislativa parlamentar. O franquismo foi o que o General A N. Ramires de Oliveira designa na obra História do Exército Português 1910-1945, EME, Lisboa, 1993, II Volume p. 42 “o franquismo, de Abril de 1907 até à morte do Rei em 1 de Fevereiro de 1908, constitui a tentativa mais significativa, mas sem êxito, dos que procuravam encontrar ainda uma solução para o Portugal Monárquico.”
19 Um dos casos mais prementes de resolução tinha a ver com a própria alimentação dos soldados que João Franco tenta resolver e faz disso uma estratégia para adquirir um maior número de voluntários, deixando para a imprensa a mensagem de melhoramento das condições, o que pode ser comprovado em declarações como as do Diário Ilustrado de 22 de Janeiro de 1907, onde se referiu à alimentação dos militares da seguinte forma: “Em Paço de Arcos, sabemos que consistiu, para os oficiais inferiores, em carneiro estufado com batatas, café com leite e pão com manteiga; para os soldados, mão de vaca com batatas e grão, seguido de café e pão”.
20 Este oficial detinha o posto de Tenente-Coronel e a mesma idade do primeiro-ministro, nascido em 1855, o Ministro do Exército iria deter a responsabilidade da reorganização das Forças Armadas. João Franco nos seus discursos chegou mesmo a chamar-lhe: “o travesseiro sobre o qual eu dormia tranquilo” declaração mencionada em: Cartas Políticas de João Franco, p. 39 de Jaime Dias.
21 Para além deste importante factor para a reorganização do Exército português, a acção de Vasconcelos Porto também passou pelos exercícios de quadros, regulamentos de campanha de todas as armas, exercícios de quadros, intensifica-se a instrução regimental, compram-se 100 000 espingardas e 75 baterias de artilharia para um exército “completamente desarmado” mencionado em: “As minhas memórias” de Gonçalo Pereira de Castro, Porto 1947, vol. I, pp. 164. Também a maioria das unidades foram dotadas com material de mobilização que até aí não detinham, entre eles carros de munições de infantaria, carros sanitários, carros de bagagens e víveres; na área de cada uma das Divisões militares instalaram-se depósitos de material divisionário, que se adquiriu ou se manufacturou em Portugal.
22 Este regulamento de campanha foi elaborado para movimentar forças no caso de uma agressão mediante as hipóteses de defesa equacionadas nas últimas décadas do século XIX. Sobre estas possibilidades António José Telo na sua obra, Economia e Império no Portugal Contemporâneo, Edições Cosmos, Lisboa, 1994, p. 171, refere: “...Uma nova política de defesa nacional. Essa baseia-se no campo entrincheirado de Lisboa, que é o desenvolvimento de um princípio básico de defesa portuguesa: evitar combates em campo aberto contra forças superiores. A tendência tradicional em qualquer invasão em força pela fronteira terrestre, era a de tentar ocupar Lisboa com um avanço fulgurante, onde se encontravam as forças principais, em regra através do Alto Alentejo, ou pela margem norte do Tejo. Do ponto de vista do invasor, o ideal é que o Exército português procure resistir o mais próximo possível da fronteira, pois tal significa que a superioridade numérica da força atacante pode provocar uma derrota esmagadora susceptível de impedir qualquer tentativa de resistência em Lisboa, ou a chegada de reforços a tempo. A estratégia clássica portuguesa para responder a este cenário é o de fortificar a fronteira; se estes baluartes forem transpostos, retirar ordeiramente para Lisboa, só aceitando combate em terreno previamente preparado ao abrigo de fortifi­cações e em condições escolhidas por si... A zona de Lisboa é o último baluarte...até chegarem reforços dos Aliados - entenda-se Inglaterra.”
23 Foram iniciados em algumas unidades militares, exercícios que visavam o treino contra possíveis motins dos inimigos do regime, sobretudo posteriores a acções de propaganda republicana, que utilizava argumentos retirados de ideologia anti-monárquica.
24 O governo de João Franco provocou rupturas mesmo dentro das orientações dos partidos monárquicos, um exemplo disso foi o 28 de Janeiro de 1908, quando republicanos e alguns elementos progressistas, organizaram uma rebelião, eliminada logo de início originando detecções de muitos republicanos e alguns monárquicos que tinham colaborado com esta insurreição.
25 Muitas vezes a intransigência provocou no campo da política interna, distúrbios e acções violentas contra a Monarquia. Foi o caso da posição do governo na agricultura quando criou diferendos Norte-Sul na questão dos vinhos e também quando apoiou a ocupação desmedida de terras pela Casa de Bragança. Todos estes factores levaram a um aproximar destes contestatários ao republicanismo.
26 Devido aos ataques constantes da imprensa republicana e dissidente-progressista, João Franco fez aprovar uma lei extremamente violenta contra a imprensa. Existia mesmo uma ideia por parte do número dois do partido progressista, Veiga Beirão, depois da saída de Zé Luciano de substituir Franco por um governo progressista, com o apoio dos franquistas ideia expressa no livro de Alexandre Cabral, os Culpados da queda da monarquia, Lisboa, 1946, pp. 350-351.
27 A indignação e a constante opressão fizeram com que as reacções aglomerarem-se, fazendo com que a maioria das pessoas considerasse a mudança de regime como um desejo. A respeito deste facto a obra mencionada neste capítulo do General A N Ramires de Oliveira salienta: “uma meta urgente pois de outro modo as perseguições, torturas e detenções, continuariam cada vez mais intensas.”
28 Independentemente do crescente apoio popular, os republicanos estavam divididos em relação à forma de derrubar o regime monárquico, pois uns acreditavam num processo evolutivo por via eleitoral, outros defendiam acções revolucionárias.
29 Em relação à crítica que se realizou à monarquia constitucional João Ameal na sua obra História de Portugal das origens até 1940, Livraria Tavares Martins, Porto, 1949 salienta na página 637: “Em torno da questão dos Adiantamentos á Casa Real... os deputados republicanos aproveitam o ensejo para se entregarem a diatribes violentas. Afonso Costa agita de novo o Parlamento de D. Carlos...António José de Almeida exorta os soldados que vêm expulsá-lo da Câmara a proclamar a República. Guerra Junqueiro contínua tonitruante, a atirar alexandrinos sonoros contra “o Bragança”. Tudo lhes serve. De tudo lançam mão para atingir o Rei e para tolher a marcha do governo: o caso dos vinhos do sul, o sanatório da Madeira, a greve académica de 1907 transformada num vasto e tormentoso motim”. Todas estas críticas surgiam tendo por base a crítica ao próprio sistema político monárquico constitucional que para os republicanos não era mais do que uma farsa. A respeito deste assunto Amadeu Carvalho Homem na sua obra intitulada, “A ideia republicana em Portugal - O contributo de Teófilo Braga”, Minerva História 2, Coimbra, 1989, salienta na p. 266 que: “Mas já vimos também que toda a propaganda republicana se esforçou por apresentar o constitucionalismo monárquico como a mais pérfida contrafacção do radicalismo liberal: os mecanismos constitucionais seriam meras formas sem qualquer substância, recobrindo a central e omnipresente vocação do absolutismo”.
30 A restruturação do Exército levaria a um sentimento anti-militarista, pois às carências dos serviços de saúde, do ensino, do custo elevado de vida que prejudicava os que menos detinham, juntava a redução do número de trabalhadores no campo devido à incorporação militar, o que iria contribuir para o decréscimo do rendimento familiar aumentando as precárias condições de vivência dos camponeses, uma das maiores fontes de recrutamento para o Exército, para além de Portugal nesta numa fase de crescimento, sobre isto Jaime Reis no seu livro intitulado, “O atraso económico português, 1850-1930, Lisboa, Imprensa Nacional, 1993, escrevera p. 118: “No Alentejo, a expansão da searicultura aumentou o emprego e melhorou os salários” independentemente disso os políticos não falavam na questão social.
31 Por vezes as alianças eram estabelecidas entre forças opostas, como exemplo temos o caso do Porto que desde 1906, republicanos e monárquicos liberais geriam coligados a autarquia, depois de uma vitória sobre os candidatos monárquicos.
32 Quando João Chagas tenta convencer os militares de que se deviam afastar da Alta Venda (Loja Maçónica) esta afirmação vem comprovada no livro de António Machado Santos intitulado “A Revolução portuguesa - Relatório”, Lisboa 1911, sobre esta tentativa os militares respondem com uma clara negação, pois depressa se apercebem das vantagens das associações secretas na organização dos sargentos e praças, esta realidade vem salientada na obra: “Os Relatórios sobre a revolução de 5 de Outubro”, ed. De Carlos Ferrão, Lisboa, Câmara Municipal, 1978.
33 Respeitante ao crescimento do republicanismo em Portugal e consequentemente aumento dos opositores à Monarquia o General A N. Ramires de Oliveira designa na obra História do Exército Português 1910-1945, EME, Lisboa, 1993, II Volume p. 45 um quadro que representa o crescimento da representação republicana nas Cortes:
1878
 
1 (do Porto e 1 Republicano eleito)
 
1892
 
3 de Lisboa
 
1906
 
4 de Lisboa
 
1908
 
7 (4 de Lisboa, 2 de Setúbal e 1 de Aljustrel)
 
1910 (Agosto)
 
14 (10 de Lisboa, com maioria sobre os monárquicos neste círculo, e 4 da província)
 
 
   Ainda sobre este crescimento do PRP o autor refere: “As juntas de Paróquia de Lisboa eram republicanas, a vereação da Câmara de Lisboa era toda republicana desde 1908 e os professores dos diversos graus de ensino também eram na generalidade republicanos. Para a presidência da Sociedade de Geografia foi eleito o republicano Roma Du Bocage, tendo derrotado o monárquico Consiglieri Cardoso”.
   Poderemos dizer que esta orientação política foi determinante na formação de diferentes oficiais do Exército que passaram pela Sociedade de Geografia antes de desempenharem funções de comando. Ver a orientação mencionada na Proposta de Lei de 1913 de como seria a formação de oficiais que iriam desempenhar funções de comando no Território Ultramarino.
   A imprensa que como em outras épocas era um factor de propaganda determinante, assim temos que de 1890 a 1910 quase todos os jornais eram republicanos, pró-republicanos ou neutros, inclusive o de maior tiragem - O Século.
34 O próprio regicídio foi executado à revelia do Directório e dos responsáveis do PRP, embora a Carbonária devido às várias prisões e torturas tivesse por várias vezes decidido eliminar João Franco.
35 Este facto não só ocorre em 1910, antes já existiam claras afirmações de republicanismo como a de um “oficial inferior do Exército” em Agosto de 1906 afirma “Sou monárquico porque sou sargento, mas o sangue que me corre nas veias e a força de vontade tudo é republicano. Viva a república! Abaixo a monarquia” citado na obra: Correspondência política, Afonso Costa, ed., de Oliveira Marques, Lisboa, Editorial Estampa, 1982.
36 Estas ligações são completamente visíveis em 1910 quando existiu a necessidade de criar uma Comissão que fiscalize as diferentes lojas maçónicas “várias carbonárias”. Entre os elementos nomeados foram Machado Santos (Loja Montanha), Miguel Bombarda (Loja José Estevão), Francisco Grandela (Loja Futuro), J. Cordeiro Júnior (Loja Acácia) e Simões Raposo (Loja Solidariedade). Todas as lojas ficaram representadas e ainda a comissão convidou o directório a nomear dois delegados, um militar, Cândido dos Reis e outro civil António José de Almeida. Estas importantes informações servem para se perceber a relação entre o directório e as lojas maçónicas vêm mencionadas na obra de António Maria da Silva intitulada: “O Meu Depoimento”, redigido por volta de 1943, Lisboa, 1974.
37 Com o regicídio surgiu um governo de concentração partidária, com excepção dos apoiantes do franquismo, acabando com o “desgastado rotativismo”. Também existiu uma maior difusão dos conceitos republicanos pelo País, num ambiente onde o rei detinha pouca autoridade devido à escassa experiência. Nesta altura também existiram monárquicos desmoralizados (nomeadamente da aula liberal) que se ligaram ao PRP. Mesmo dentro das forças armadas a desmoralização fez com que muitos soldados e marinheiros aderissem à Carbonária.
38 Esta forma reservada muito tinha ver com a forma como os republicanos controlavam a imprensa, fazendo com que alguns factos importantes decididos por ministros monárquicos não fossem de conhecimento público, mesmo que estes envolvessem o Interesse Nacional
39 Até 1890 a reputação das forças Armadas nacionais era baixa, os militares até essa data eram claramente insultados tanto na imprensa como mesmo na sociedade.
40 Este monumento foi ordenado através do Decreto-lei nº 142, de 27 de Junho de 1907.
41 Desde a vitória dos republicanos na Câmara de Lisboa a contestação tinha aumentado não só devido a esse incentivo, mas também porque a Monarquia não conseguiu uma reforma radical nos seus quadros e processos, o que levou a que ficasse sem capacidade de dar respostas eficazes aos problemas nacionais. Também a corrupção política não ajudou em nada o Rei D. Manuel II. Todos estes factos levaram à instabilidade ministerial, devido a consequentes escândalos na administração pública, empolgados pela imprensa republicana.
42 Era um general proveniente do Estado-Maior, que em 1909 assumia pela primeira vez responsabilidades governativas.
43 Entre os regulamentos publicados durante o tempo de Elvas Cardeira encontram-se os Regulamentos do Arsenal do Exército, o de provas especiais de aptidão para General e Major, informações, serviço de saúde, promoção aos postos inferiores (19 de Dezembro de 1909), continência e honras militares e instrução de tiro. No que diz respeito ao funcionamento foram convocados os praças da segunda reserva para trinta dias de instrução anual e foi realizada uma viagem de Estado-Maior para aprofundar as necessidades reais das unidades portuguesas.
   O regulamento para o acesso a postos inferiores do Exército, consegue de uma forma eficaz separar as questões de campanha, sobre as questões de policiamento realizadas pelo Exército em tempo de paz.
44 Temos em 1910 a derrota dos Imbamelas pela coluna de Dâmaso Marques e consequente tomada de Angoche, que constituiu o termo de ocupação do distrito.
45 Devido à instabilidade social os próprios republicanos recearam colocar em perigo uma república moderada que poderia pôr em risco os apoios do PRP que eram essencialmente oriundos da pequena burguesia e da classe média.
   Dentro das hostes republicanas, o próprio radicalismo preocupava os dirigentes do PRP, que tinha o seu expoente máximo nos estudantes que muitas vezes filiavam-se de forma desordenada na maçonaria e na carbonária, que poderiam pôr em risco com acções isoladas os preparativos de derrube do regime idealizados pelo Directório do partido.
46 Embora tivesse existido um reduzido número de horas de luta para a implantação da República, existiu um grande trabalho de planeamento que se iniciou ainda em 1909 quando no Congresso de Setúbal, foram criados Comités Revolucionários Civis e Militares (presidido por Cândido dos Reis), considerados na época vitais para a condução da estratégia política do PRP. A estratégia seria levar os conceitos do republicanismo através de núcleos revolucionários a quartéis, fábricas, correios, caminhos-de-ferro entre outros.
47 A própria revolta não teve um cunho vincado da esfera militar, pois durante todo o processo que levou à conspiração todos os oficiais que foram contactados, aceitaram em colaborar mas só “para coisas bem-feitas e bem organizadas” segundo João Augusto de Fontes Pereira de Melo no livro A Revolução de 4 de Outubro (subsídios para a sua história). Comissão Militar Revolucionária, Lisboa 1912.
48 Esta adesão à causa republicana muito teve a ver com a forma como a revolução foi preparada. A respeito disso o General A N. Ramires de Oliveira na obra História do Exército Português 1910-1945, EME, Lisboa, 1993, II Volume p. 58 refere: “Pela participação dos elementos militares que a planearam dirigiram e sustentaram e dos efectivos envolvidos, o movimento de 4 e 5 de Outubro de 1910, deve a sua eclosão à decidida intervenção do Exército e da Marinha, com o indispensável apoio de elementos civis cooperantes activos das células revolucionárias (ou núcleos revolucionários) nas unidades militares.”
49 O aspecto das informações seria um vector essencial no combate aos inimigos da República pois teriam como objectivo recolher dados que permitisse “facilitar” a vida aos militares na protecção do recente regime. Os republicanos tinham a noção da capacidade deste vector quando o movimento revolucionário republicano teve a colaboração individual e organizada de certos elementos que através de interferência directa ou indirecta junto às forças monárquicas, fornecendo informações falsas/deturpadas evitaram uma contra-resposta.
50 As aquisições de 1909 eram insuficientes para as necessidades reais de um Exército que carecia urgentemente de equipamentos. As compras de 100 000 espingardas e 75 baterias realizadas ainda durante a monarquia eram claramente insuficientes, além disso o Exército não só tinha necessidade em termos de equipamentos, mas nomeadamente de organização.
51 Esta nova forma de olhar para as forças militares com especial incidência no Exército é traduzida em acções práticas que iriam permitir um melhor funcionamentos dos organismos militares, bem como uma melhor defesa do regime.
   Quando Teófilo Braga, Presidente do ministério, fez a leitura da mensagem do governo à Assembleia Nacional Constituinte realçou mecanismos que levavam à reorganização da Instituição militar (o seu teor foi aprovado) em que temos Regulamento da administração das Províncias Ultramarinas (Princípio político avançado que definia a descentralização - podemos observar este aspecto no capítulo I desta Tese, quando é lançada em 1913 a Proposta de Lei do Exército Colonial). Reforma do Código de Justiça militar e Plano Integral de Reorgani­zação do Exército (Traduziu-se na Lei de 25 de Maio de 1911). Criação da Guarda Nacional Republicana, corpo militar para a segurança pública em todo o país.
52 Quando se analisa a capacidade de defesa dos interesses nacionais, temos que pensar sempre no Estado, só que muitas vezes este tipo de segurança poderá ter aspectos menos bons uma vez que poderá interferir com certos sectores na sociedade. Sobre este aspecto a obra Bringing the state back in, Cambridge University Press, 1985 refere: “… The state’s claim to being a “guardian of universal interests” is intrinsically problematic even if its activities are confined to providing an infra-structure for invidualized competitive activities, but this claim becomes manifestly questionable with broader and deeper interventions.”
53 Abel Botelho um oficial nesta altura e mais tarde reconhecido escritor, escrevia num artigo publicado na Revista Militar em Janeiro de 1911 que a educação teria que chegar à Instituição Militar: “por meio de uma assistência espiritual metódica e constante, nas escolas, em conferências, em leituras na caserna.”
54 Esta aproximação muito teve a ver não só com o papel dos militares no 5 de Outubro que teve como consequência a presença de 48 militares do Exército e da Marinha num total de 234 deputados da Assembleia Nacional Constituinte de 1911.
Exército
 
30 Deputados, equivalente a 13% do total
 
Marinha
 
18 Deputados, equivalente a 7% do total
 
   Este fenómeno de politização do Exército também fez com os elementos militares ficassem dependentes dos líderes partidários, levando ao desgaste da sua imagem e das expectativas do povo nestes indivíduos. Sobre este assunto a obra do General A N. Ramires de Oliveira História do Exército Português 1910-1945, EME, Lisboa, 1993, II Volume p. 101 realça: “A politização dos sargentos e soldados de tão acentuado significado na revolução de 1910, fez com que alguns deles passassem a desempenhar um papel de relevo e confiança nas unidades, integrados até nos grupos civis de vigilância” - Apesar da importância destes elementos para o PRP estas acções retiram alguma confiança depositada nestes elementos pelo povo.
55     Este importante documento, o mais importante para o período cronológico contemplado por esta Tese é publicado como Decreto de Governo no diário nº 122 de 1911 que sai no dia 25 de Maio desse ano.
 
Gerar artigo em pdf
2009-07-01
261-0
6323
18
REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia