Nº 2499 - Abril de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Curso de Doutoramento em Ciências Militares
Coronel
António de Oliveira Pena
Introdução
 
Os normativos em vigor no âmbito da qualificação académica ao nível de ensino superior dos militares portugueses permitem a obtenção dos graus de licenciatura e mestrado em Ciências Militares. No respeitante ao grau de doutor abriram-se portas para se obter em associação com universidades públicas nacionais daqui se inferindo que poderá ser obtido por militares em áreas científicas diversificadas valorizadas pela Instituição Militar. No entanto nas actuais conjunturas nacionais e, sobretudo, globais nos âmbitos da segurança e defesa aconselha-se a criação do curso de doutoramento em Ciências Militares.
 
Este trabalho pretende contribuir para se conseguirem bases científicas e metodológicas que integrem uma proposta que permita a criação do curso de doutoramento em Ciências Militares no Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM).
 
A nossa contribuição orienta-se para três áreas:
- Referência aos conceitos de Guerra no sentido de valorizar a Ciência Militar em termos da exigência de qualificações académicas e profissionais ao mais alto nível do ensino superior, nomeadamente curso de doutoramento e consequente Centro de Investigação Científica.
- Interligação de normativos em vigor, e em desenvolvimento, no Ministério da Defesa Nacional e no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, no âmbito da criação de cursos de doutoramento.
- Forças Armadas como instrumento importante ao enquadramento e desenvolvimento das problemáticas de Defesa e Segurança e colaboração noutros mundos da tecnologia, sociologia, economia, política, ensino e investigação científica, através de quadros militares qualificados na totalidade dos graus de ensino superior, licenciatura, mestrado e doutoramento, em Ciências Militares, facilitando o envolvimento profissional destes agentes ao longo de toda a vida.
 
As propostas e aperfeiçoamento de normativos estão em marcha no ensino superior militar português. As problemáticas com Segurança, Defesa e Guerra, a nível mundial (China, Índia, Rússia e outros), NATO, União Europeia e também Portugal, nomeadamente qualificações académicas e profissionais, estão em permanente evolução, agitando-se as sociedades no sentido de se conseguir motivar os militares e lhes proporcionar prestígio, face às populações.
 
Estas evidências desafiaram-nos para que, com a maior das humildades, apresentássemos na Revista Militar, como trabalho anual de Sócio Efectivo, um artigo emergente da dinâmica vivida no ensino superior público (obtenção dos graus de licenciado, mestre e doutor de 1988 a 1996) e privado [docente numa universidade desde o ano lectivo 1996/1997 (passagem à situação de reserva em Março de 1996) e coordenador de um curso de licenciatura num instituto de âmbito universitário].
 
 
1.  Segurança e Defesa no Século XXI - Realismo e Guerra
 
Para trabalhar esta parte do artigo podíamos estudar obras clássicas e actuais sobre polemologia, envolvendo interligações com guerras, armas, estratégias, tácticas, pactos, poderes, estados, nações, fronteiras e impérios. No entanto a opção consistiu em insistir no estudo dos assuntos de mais interesse ao objecto do trabalho publicados nos números de Janeiro de 2001 a Janeiro de 2010 na Revista Militar. Ao longo da releitura dos oitenta e dois números destacámos 129 peças, distribuídas por 120 artigos do acervo, 27 editoriais e dois comentários e ainda a totalidade dos números especiais de Junho/Julho de 2002 - ENCONTRO DE REFLEXÃO “Que modelo para as Forças Armadas de Portugal”, Outubro de 2003 - GUERRA NA IDADE DA INFORMAÇÃO, Maio de 2005 - ENSINO SUPERIOR MILITAR e Agosto/Setembro de 2008 - OS VALORES DA NAÇÃO E O PAPEL DAS FORÇAS ARMADAS NAS SOCIEDADES DESENVOLVIDAS.
 
Naturalmente, agora, Janeiro/Fevereiro de 2010, seria suficiente estudar o aumento do orçamento militar nos Estados Unidos da América, China e Índia, para justificar a necessidade da investigação, hoje melhor conseguida na interligação com cursos de doutoramento, sobre a problemática da Guerra e suas envolventes (Segurança e Protecção Civil). Estas certezas, só por si, aconselhavam a continuação dos estudos sobre a Guerra de Clausewitz quando, no século XIX, criticou a posição dos militares, que a consideravam uma actividade unilateral, para desenvolver a sua investigação no sentido de explicar a “guerra não é feita de uma vontade exercida sobre a matéria inerte, como acontece nas artes mecânicas, ou sobre um objecto vivo mas passivo, como o espírito e os sentimentos humanos, em relação às artes imaginativas, mas sobre um objecto vivo e activo”.[1]
 
O percurso pelo acervo da Revista Militar dos últimos dez anos encontra, logo em 2003, A Reforma do Ensino Superior Militar em Portugal, da autoria do Tenente-coronel Art João Vieira Borges, onde se apontam caminhos para a mudança, valorização das qualificações académicas, devido a factores de influência, destacando-se: política, economia, ambiente sócio-cultural, militar (neste âmbito o autor salienta a Revolução nos Assuntos Militares), impondo novos conceitos de Guerra, outra interligação entre militares e sociedade, transformação da informação/comunicação em conhecimento, importância do espaço como quarta dimensão da Guerra, nova geração de armamento a provocar revisão de conceitos estratégicos e tácticos. O estudo deste artigo fornece claras pistas para justificar uma formação académica do Oficial das Forças Armadas da actualidade composta pelos três níveis, permitindo propor que se acrescente aos existentes, licenciatura e mestrado, o curso de doutoramento em Ciências Militares a ministrar no IESM como qualificação académica necessária para o ingresso no Quadro de Oficiais-Generais das Forças Armadas Portuguesas.
 
Ainda em 2003 (número de Agosto/Setembro) o Coronel da Força Aérea (Administração), Luís Alves de Fraga, em Universidade das Forças Armadas e Ensino Superior Militar, em especial a partir no ponto 7. Ser oficial no século XXI, demonstra a necessidade da existência de curso de licenciatura em Ciências Militares com currículo apropriado aos tempos actuais, sugerindo que possa ser frequentada por elementos civis. A propósito desta referência respeitante ao âmbito de alunos a frequentar o curso de licenciatura em Ciências Militares sugerido no trabalho do Coronel Fraga, talvez seja oportuno desde já salientar a nossa posição em relação ao curso de doutoramento a ministrar no IESM. No novo curso também se contempla para além dos militares admitidos na sequência da escolha normativa semelhante à actual no conjunto de capitães-de-mar-e-guerra, coronéis, capitães-de-fragata e tenentes-coronéis das Forças Armadas Portuguesas e de países com quem Portugal tem ligações especiais no âmbito da CPLP que reúnam condições de acesso a Oficial General; civis, talvez (10% das vagas) e outros oficiais (também 10% das vagas) que revelem aptidões académicas e profissionais altamente relevantes que aconselhem a sua escolha para conseguirem obter a carta doutoral em Ciências Militares antes do seu tempo normal.
 
Depois surge o número especial, Ensino Superior Militar, Maio de 2005, onde no editorial, o Presidente da Direcção, General Gabriel Augusto do Espírito Santo, aponta caminhos para valorizar a formação académica inferindo-se claramente do exposto a necessidade de investigação no âmbito do mundo militar o que hoje recomenda criação de curso de doutoramento em Ciências Militares ministrado no âmbito do Ensino Superior da Instituição. O General Espírito Santo salienta, “Os comandos militares interrogam-se sobre o melhor caminho para formar comandantes para uma sociedade do conhecimento. Diferente de outros modelos do passado, e ainda não definido, na nova sociedade, valores, crenças, sentimentos, vivências e relações, procuram caminhos. A sua segurança está a ser afectada por diferentes ameaças, os novos tipos de conflitos violentos tornam mais difícil a distinção entre a paz e a guerra, os instrumentos militares do estado, antes de servirem para fazer a guerra, são cada vez mais utilizados para prevenir e manter a paz e nas suas missões, ‘outras operações que não a guerra’, passaram de esporádicas a frequentes”. Neste número especial a maioria dos artigos demonstram a necessidade de valorizar a ciência militar, havendo a proposta de criação dos cursos de mestrado e doutoramento na sequência do nível de licenciatura, na altura único atribuído na Escola Naval, Academia Militar e Academia da Força Aérea.
 
Na continuação do destaque das peças publicadas na Revista Militar que apontam caminhos para alterações na formação e qualificação dos militares, no número de Junho/Julho de 2006, surge o nosso artigo Confluência de Riscos - “Enfrentar riscos globais com soluções globais”, onde, no capítulo referente a Novos Riscos (multiplicação de turbulências) se destacam as complexidades da Guerra, apontando-se claramente em Crises e Guerras, a necessidade de aprofundar a ciência militar. Ainda em 2006, número de Dezembro, o Tenente-general, Piloto-Aviador, António de Jesus Bispo no trabalho, Acerca do choque potencial entre civilizações, analisa uma situação de choque potencial entre civilizações merecedora de cuidada investigação no âmbito militar que poderia constituir uma das áreas de investigação do Centro Científico de apoio ao curso de doutoramento em Ciências Militares.
 
Os novos conceitos de combate centrados em rede e baseados em efeitos, são analisados pelo Major, Piloto-Aviador, João Paulo Nunes Vicente, no artigo Inovação, Revolução e Transformação Militar em Curso: Contributos para um Enquadramento Conceptual, onde se interligam tecnologias emergentes e génio militar no sentido de recomendarem abordagens transdisciplinares sobre a Revolução nos Assuntos Militares com a exigência de transformação na abordagem científica das problemáticas da Segurança e Defesa. O trabalho termina com um apelo ao desenvolvimento científico no âmbito militar, “Nesta época de globalização do conhecimento é mais fácil estimular a criação de pólos de discussão, de uma forma intelectualmente saudável, no sentido de promover a inovação e a mudança, Perscrutando possíveis respostas, os Institutos de Ensino Militar constituem-se como os locais ideais para emancipar o estudo científico da Guerra, estimulando o pensamento estratégico, educando hoje os Guerreiros do Conhecimento de amanhã”.
 
Este percurso pela Revista Militar dos últimos anos no sentido de alertar para a Segurança e Defesa do século XXI - Realismo e Guerra, termina com a referência ao Editorial no número de Outubro de 2009, Segurança Internacional, Defesa Nacional e Capacidades Militares, onde o General Espírito Santo apela a um balanço dos anos de empenhamento de forças militares em operações de apoio, “Quais devem ser as estratégias conceptuais e organizacionais para definir o uso da força, e as capacidades, organização, educação e treino das forças militares nacionais? (…) O crescente envolvimento dos estadistas na condução dos conflitos, sobreponde-se algumas vezes à acção de comando, a que se junta a presença crescente de serviços a desempenharem missões que competiriam à força militar (se dispusesse de efectivos …), levanta a questão tradicional das relações civis-militares. Estaremos num novo tipo de relações?”.
 
A complexidade da problemática militar dos nossos dias e do futuro próximo podia, facilmente, ser pormenorizada e portanto acrescentada, mas neste trabalho, que se pretende curto, apenas alertamos os decisores militares e políticos para a valorização das Ciências Militares no sentido da exigência de aprovação num curso de doutoramento desta área científica, ministrado no IESM, para ter acesso a Oficial-General das Forças Armadas Portuguesas. No entanto ainda se releva, como a exigir estudo científico ao mais alto nível:
- O artigo do Tenente-coronel de Infantaria Luís Barroso, da Guerra: Lições de Conflitos Armados, Revista Militar, número de Janeiro de 2009, “Na sua abordagem, a guerra passou por três gerações evolutivas para chegar à Guerra da 4ª Geração, como modelo que utiliza todos os recursos - informação, cultura, sociedade, religião, política e militares - para mostrar ao adversário que o preço a pagar pela vitória é demasiado elevado, considerando a abordagem assimétrica como resultado de uma acção multidimensional”.
- O editorial, Novo Ano, Novos Desafios: Ciberataques e Ciberdefesas, do General Espírito Santo (número de Janeiro de 2010) onde o Presidente da Direcção da Revista refere, em relação à necessidade de estudar os novos desafios, “Esta é uma área nova para a defesa que a Revista Militar gostaria de desenvolver no ano corrente. Em ligação com iniciativas já existentes, como o Núcleo de Ciberguerra, apelamos aos nossos Sócios e leitores para sugestões e ideias no caminho a prosseguir”. Ainda neste último número da Revista Militar a ser estudado na preparação deste artigo, destacamos, A evolução tecnológica militar na Era da Informação, onde o Coronel de Cavalaria, Luís Villa de Brito, escreve, O factor humano continua a ser de primordial importância pois a tecnologia não substitui o homem como único ser pensante em toda a cadeia. A natureza da guerra será sempre determinada pela interacção entre os combatentes e os meios ao seu dispor”.
- A maioria do trabalho do General, Académico, José Alberto Loureiro dos Santos, respeitante à Instituição Militar, nomeadamente; As Forças Armadas e os Novos Desafios; Transformação Genética e Estrutural das Forças Armadas; Um Novo Modelo de Segurança e Defesa para o Século XXI; Um Sistema de Segurança para a totalidade do Ocidente Geográfico; Reformulação do Conceito Estratégico da NATO: A Experiência e a Mudança. Reordenar a Segurança do Ocidente; artigos publicados nos números da Revista Militar, respectivamente, de Janeiro de 2002, Ago/Set de 2003, Fevereiro/Março de 2005, Outubro de 2008 e Agosto/Setembro de 2009. Ainda do General Loureiro dos Santos, podemos sugerir, para demonstrar a necessidade de valorizar o nível científico da problemática militar criando o curso de doutoramento em Ciências Militares, “A crise económica e financeira, antecipada por todos os reflexos nos EUA do ambiente estratégico-operacional gerado por eles próprios, veio (e está) a confirmar a tendência para o aumento do poder das potências emergentes e reemergentes, e transformou-se num acelerador das mudanças em curso”.[2] E também, do artigo Mullah Omar: futuro presidente eleito do Afeganistão?, publicado no jornal Público de 07 de Fevereiro de 2010 (Pag. 32), “Os grandes problemas a ultrapassar resultam da nova estratégia do comandante norte-americano no terreno. Os poderosos reforços estrangeiros irão provocar recuos dos militantes em muitas áreas. O posicionamento dessas forças, orientadas para a segurança da população, aliado à táctica de restrição dos bombardeamentos susceptíveis de causar mortes civis, pode fazer fugir muita população do controlo taliban para o apoio ao governo de Karzai, à medida que a sua segurança melhorar e o seu bem-estar aumentar”.
- A Introdução do Tenente do Real Corpo de Engenheiros, António Maria de Fontes Pereira de Mello, no primeiro número da Revista Militar (Janeiro de 1849), onde, para valorizar a justeza da nossa proposta, se pode destacar, “As sciencias militares, e as que lhe são accessorias, teem presentemente um desenvolvimento espantoso. Além da strategia, e da grande táctica, que constituem dois ramos de saber, análogos, mas distinctos - além do conhecimento necessário d’uma multidão de regras do serviço, das differentes armas nos exércitos - as mais elevadas operações das mathematicas puras, assim como todos os ramos complicadíssimos das sciencias naturaes, prestam apoio efficaz aos grandes resultados obtidos pelas armas”.
 
 
2.  Considerações sobre Normativos relacionados com a Criação de Cursos de Doutoramento
 
Ao longo de 2009, com base em trabalhos realizados no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, publicaram-se normativos respeitantes a metodologias sobre a criação de cursos de doutoramento em Portugal, mas face ao objecto aqui sugerido importa analisar a questão em termos pragmáticos, tendo em vista tratar-se de assunto específico que embora exija interligação com a lei geral merece, no seu espaço de criação, alguma compreensão por parte do nível superior da decisão final.
 
Em qualquer caso o Instituto de Estudos Superiores Militares, através do Ministério da Defesa Nacional, terá sempre de fundamentar o pedido para a criação do curso de doutoramento em Ciências Militares por meio de pormenorizado dossier donde conste, no mínimo:
- Estrutura curricular do plano de estudos com a sua descrição e fundamentação (objectivos do ciclo de estudos; sua organização; projectos educativo, científico e cultural adequados aos objectivos fixados).
- Descrição e fundamentação da adequação dos recursos humanos às exigências científicas e pedagógicas e à qualidade do ensino. Neste âmbito terão de ser indicados docentes militares não qualificados academicamente com doutoramento, mas com provas dadas em termos profissionais e práticas de ensino, naturalmente havendo cuidado na preparação curricular destes docentes.
- Descrição e fundamentação da adequação dos recursos materiais às exigências científicas e pedagógicas e à qualidade do ensino, havendo nesta rubrica excelentes condições do IESM em comparação com algumas das universidades públicas, concordatária, cooperativas ou privadas, autorizadas a realizar cursos de doutoramento em áreas muito diversificadas.
- Número de créditos por unidade curricular e número total de créditos/duração do ciclo de estudos, aspectos fáceis de resolver tendo em vista a experiência adquirida pela Instituição Militar no processo de criação de cursos de mestrado.
 
Outras questões relevantes à aprovação do curso que importa criar ou aperfeiçoar (talvez melhor divulgação nacional) no IESM:
- Criação ou consolidação do Centro de Investigação em Ciências Militares, mencionando os investigadores, material que o constitui e alguns processos de investigação concluídos e todos os que estão em fase de investigação.
- Relacionar e explicar o objectivo de cada publicação do IESM e do IDN se for considerado de integrar no IESM na sequência da criação do curso de doutoramento em Ciências Militares e correspondente centro de investigação.
- Comunicar as actividades de extensão académica desenvolvidas no IESM a nível nacional e internacional, nomeadamente organização e participação em colóquios, conferências e outras actividades semelhantes.
- Ter sempre presente que importa dar claramente a entender ao decisor que o IESM tem competência, aptidão e métodos de investigação associados ao domínio científico das Ciências Militares e ainda capacidade para conceber, projectar, adaptar e realizar investigação significativa respeitante às exigências normais exigidas pelos padrões de qualidade e integridade académica, naquele domínio.
- O IESM deve demonstrar capacidade para analisar criticamente, avaliar e sintetizar ideias novas e complexas e de promover a sua comunicação à comunidade académica, nacional e estrangeira e à sociedade em geral, no que respeita às Ciências Militares.
- Naturalmente o IESM terá de justificar que ainda não dispõe do corpo científico próprio qualificado com o grau de doutor, mas reúne recursos humanos perfeitamente qualificados nos diversos âmbitos das Ciências Militares que permitem iniciar o processo de criação do grau de doutor, embora com algum recurso de doutorados civis em algumas disciplinas do curso. A existência de recursos humanos e organizativos do IESM é suficiente para realizar a investigação na área das Ciências Militares, embora seja de admitir o recurso a outras Escolas Militares e Civis, nacionais e estrangeiros, num ou noutro caso específico. O IESM ainda não dispõe experiência acumulada de investigação sujeita a avaliação externa, mas pode observar-se produção científica académica relevante em algumas das disciplinas que integram as Ciências Militares.
 
A proposta do IESM poderá orientar-se para a duração do curso ser de seis semestres (três anos) ou 180 ECTS (European Credit Transfer System). Podendo ser prenchido por três áreas curriculares (uma em opção) no 1º Semestre e mais três, igualmente com uma de opção, no 2º Semestre, no 1º ano. No 2º ano o (3º Semestre) poderá ser constituído por uma unidade curricular denominada Seminário de elaboração do projecto da dissertação de doutoramento e o 4º Semestre por Seminário de Investigação em Ciências Militares. O 3º ano (5º/6º Semestre) destinado à dissertação.
 
O IESM, para ter sucesso na proposta, deverá justificar muito bem os objectivos do curso, as suas competências e a articulação do seu programa com o projecto das Forças Armadas Portuguesas em termos educativos, científicos e culturais. A descrição da organização do curso deverá ser apresentada com o máximo rigor assim como a adequação dos recursos humanos e materiais do IESM e outros eventualmente necessários para satisfazer as exigências científicas e a qualidade do ensino ministrado.
 
A distribuição de créditos com base no trabalho dos alunos terá de ser considerada em cada uma das unidades curriculares que devem ser apresentadas para cada disciplina/seminário/outro em termos de avaliação, precedências, descrição e objectivos, programa e bibliografia.
 
Na sequência da conveniente semelhança com as Universidades Portuguesas é conveniente que o Conselho Científico do IESM aprove o Regulamento relativo ao curso de doutoramento em Ciências Militares e prepare as fichas curriculares e os currículos detalhados dos docentes envolvidos no curso.
 
 
 
3.  Forças Armadas, Instrumento relevante para desenvolver Questões de Defesa e Segurança - Quadros Militares Qualificados com o Grau de Doutor em Ciências Militares
 
Na Abertura Solene do ano lectivo 2009/2010 do Instituto de Estudos Superiores Militares, o Vice-almirante Director, Álvaro Sabino Guerreiro, na sequência do tema, “O Mundo vive em INCERTEZA ESTRATÉGICA”, salientou, que “À incerteza estratégica temos também que contrapor CONHECIMENTO.”, seguindo no seu discurso largo conjunto de valências donde facilmente se infere a urgência em “consolidar o IESM como Instituto Universitário Militar (…) uma construção NOVA. Um Instituto Universitário Militar é de facto uma construção nova. (…) Que já trabalha com os conselhos Científico e Pedagógico, em substituição do plenário do Conselho escolar, onde naturalmente se integram ou irão integrar-se alunos e personalidades académicas de reconhecido mérito. (…) Ou, em altura adequada, também de abertura a alunos civis, (…) Aberta também ao mundo empresarial (…) Mas que busca a cooperação dos doutorados militares onde quer que estejam, no activo, reserva ou reforma, para reforço da nossa credibilidade do ponto de vista académico e cumprir com os requisitos legais para a acreditação no âmbito do ensino superior em geral. (…) De uma construção que entretanto implantou novos alicerces na área da Investigação, criando um Centro de Investigação de Segurança e Defesa do IESM, com o seu Conselho Científico e cinco Núcleos de Investigação (Estratégia, Administração e Recursos de Defesa, Estudos Africanos, Arte Operacional e Direito Internacional Humanitário), chefiados, em regra, por professores militares do IESM (…). A terminar, o Vice-almirante Director, dirigindo-se em especial ao Ministro da Defesa Nacional, salientou, “De tudo o que eu disse, sintetizo que gostaria que o IESM fosse um lugar de inquietação. De desassossego intelectual. De onde se traçam os limites do nosso pensar e sentir.
 
Foi de inquietação que se obteve a matéria-prima para se iniciar a construção do IESM.
 
Só com inquietação se defende Portugal e se faz o País andar para a frente”.
 
Discurso inspirador, de excelência, ao objecto da nossa proposta para se criar o curso de doutoramento em Ciências Militares no IESM, exigindo alterações normativas, abertura e mudança (inquietação), nas condições de acesso ao curso de promoção a Oficial General, nomeadamente concurso aberto ao alvo em condições de frequentar o curso donde teriam de constar currículo pormenorizado e resumo da tese que pretendia desenvolver (dissertação de doutoramento). Naturalmente o curso seria frequentado por alunos (estudantes) e não auditores e a sua duração de três anos lectivos em vez de um, como actualmente.
 
Outro aspecto que importa destacar, nesta ocasião, interliga-se com a observação da realidade portuguesa em termos de, embora lentamente e com muita pressão contrária, se estar a valorizar o grau de doutor na sequência da procura dessa qualificação por parte de personalidades de alto valor nos mundos da economia, engenharia, saúde, políticos e outros. Estas pessoas, cada vez em maior número e diversidade, perceberam que Portugal era um país de doutores [licenciados (Dr)] devido a na realidade não existirem doutores suficientes ao desempenho correcto em muitas áreas do conhecimento, não necessariamente apenas no Ensino e na Investigação Universitária, daqui surgir a mudança na procura de mais qualificação académica, realidade em marcha a desencadear gostosas surpresas nos próximos anos.
 
Por fim salienta-se o interesse do acesso à Carta Doutoral como prestígio social e reunião de qualificações académicas que facilitam o processo laboral ao longo de toda a vida, em condições normais muito para além da carreira militar que termina longe dos limites de disponibilidade para o trabalho do ser humano da actualidade. O trabalho realizado na situação de reserva/reforma, para além de nos continuar a dar estrutura, estatuto e até compensação material, facilita a interligação com pessoas mais novas e sequente incorporação de posturas de constante actualidade social, académica e profissional. O conhecimento e a disponibilidade para a aprendizagem, emergentes dos cursos de doutoramento e da sua interligação com a investigação, constituem excelentes ferramentas para o prolongamento da nossa vida laboral, nomeadamente com o ingresso em mais carreiras profissionais.
 
 
Conclusões
 
Este pequeno artigo (23 610 caracteres, sem espaços) destina-se a sensibilizar os principais responsáveis pela Instituição Militar pela conveniência em dotar o Ensino Superior Militar com o curso de doutoramento em Ciências Militares destinado ao acesso a Oficial General. A proposta surge na sequência dos cursos de licenciatura e de mestrado actualmente necessários para ser Oficial das Forças Armadas destinado a altos comandos e elevados serviços (acesso máximo a Almirante e General).
 
O artigo recorda os novos envolvimentos da Guerra e dos conceitos de Segurança e Defesa, referindo a necessidade de preparar os Oficiais das Forças Armadas para enfrentar múltiplas ameaças ao mesmo tempo, ciberguerras, crises de energia, mudanças climáticas e também equilíbrios entre a Guerra e a Paz (intervenção do Presidente Barack Obama ao receber o Prémio Nobel).
No trabalho sugere-se o desenvolvimento da Investigação Científica na área militar como resultado da criação e desenvolvimento do curso de doutoramento em Ciências Militares no IESM, destinado aos militares com possibilidade de aceder a Oficial-General, mas também com hipóteses de poder ser frequentado por civis e oficiais de patentes inferiores nos casos especiais de elevada aptidão académica e profissional.
 
Numa terceira parte analisa-se o impacto da qualificação académica, ao mais alto nível, como ferramenta relevante ao alargamento do espaço de intervenção do cidadão militar de alta patente, Oficiais-Generais, na previsão do prolongamento da qualidade e esperança de vida muito para além do abandono do serviço activo nas Forças Armadas, nomeadamente facilitando o ingresso noutras carreiras profissionais.
 
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*      Coronel TecnManTm (Situação de Reforma). Sócio Efectivo da Revista Militar (1993). Licenciado, mestre e doutor em Ciências da Comunicação (FCSH/UNL, 1993, 1997 e Janeiro de 2006, respectivamente). Docente no Grupo Lusófona (ULHT/Lisboa e ISMAT/Portimão).

 


 [1] Enciclopédia EINAUDI, número 14. ESTADO - GUERRA, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1989. Pag 349
 [2] SANTOS, General Loureiro dos (2009); As Guerras que já aí estão e as que nos esperam - se os políticos não mudarem: Publicações Europa-América, Mem Martins (Pag14).
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