Nº 2505 - Outubro de 2010
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL - Defesa, Forças Armadas e Meios
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo
Num novo milénio que se anunciou com mudanças substanciais no estilo de sociedade e suas enquadrantes, como concebidas no nosso mundo do ocidente, também há diferentes visões sob o enquadramento estratégico global e as relações de uns e os outros. Estado, soberania, paz e guerra, relações internacionais e os seus órgãos e mecanismos reguladores de defesa são também parte dos temas em discussão e daqueles que cabem na área de interesse da Revista Militar e que regulam o seu estatuto redactorial há mais de um século. Por respeito dos que nos antecederam e por princípio de coerência não nos podemos alhear dessa discussão.
 
Limitemos o campo de discussão à defesa e o seu instrumento de acção que é a força militar organizada. Discussão que tem de situar-se num ambiente estratégico militar enquadrante, caracterizado por imprevisibilidade, mudanças rápidas e novas ameaças, com origens diversas, de difícil identificação mas de efeitos severos, para as quais ainda não se encontraram defesas consistentes. O que torna difícil e volátil qualquer planeamento da defesa ao tentar responder defender do quê e defender com quê.
 
Ao mesmo tempo que muito se tem debatido sobre as características da guerra do futuro, tentando adivinhar qual a melhor forma de defender e combater, muitos conflitos armados têm proliferado no globo exigindo um empenhamento crescente das forças armadas na prevenção e resolução desses conflitos, levando-as a frequentes empenhamentos em combates onde o poder de fogo e a protecção continuam a ser elementos fundamentais desses combates. O combate entre forças que se opõem, no mar, na terra ou no ar continua a ser o mesmo. Mas tem-se procurado, numa reformulação contínua de conceitos, dotar aquelas forças com capacidades militares que permitam uma vantagem inicial para melhor e mais rápido cumprimento da missão. Vigiar, detectar, localizar com precisão, comunicar, atacar para atingir efeitos desejados, dar mobilidade à força e protegê-la são algumas das capacidades que se mostram necessárias para guerras do futuro, tentando continuamente torná-las mais eficazes, recorrendo à tecnologia e a pessoal mais qualificado e motivado para a missão.
 
De um planeamento militar, tradicionalmente baseado em efectivos e unidades para se atingir aquela vantagem inicial, passou-se a um planeamento mais orientado para capacidades militares que permitam a mesma finalidade. Que, por muito variadas e de custos muitas vezes elevados, são mais conseguidas e equilibradas pelo recurso a alianças e coligações, a uma força mais conjunta entre as capacidades tradicionais dos ramos das forças armadas e a pessoal mais qualificado para o desempenho de missões diversificadas. E para um planeamento, face à variedade e incerteza das ameaças para que se terá de defender, que permita um conjunto de capacidades militares, coerente e equilibrado, que permita à força militar actuar nos seus meios naturais de actuação, oceanos, terra e espaço e, mais recentemente, no meio artificial criado pelo homem: o ciberespaço.
 
O planeamento da defesa em Portugal tem acompanhado esta evolução e as Forças Armadas têm respondido às mudanças, com transformações importantes no seu conceito de emprego, na sua estrutura organizativa e nos seus programas de formação e treino. Transformações que não têm sido acompanhadas pela melhoria atempada das capacidades militares da força. As indústrias de defesa e estabelecimentos fabris foram reduzidas e eliminados, deixando as Forças Armadas totalmente dependentes do exterior (parece que até para rações de combate). As Leis para o reequipamento têm sido constantemente incumpridas (pela entrada de Portugal no euro, pelos deficits dos orçamentos e outras razões) que reflectem, além da debilidade económica do País, falta de estratégia na aplicação dos recursos e a pouca prioridade dada à defesa no tempo em que os recursos eram menos escassos. Como resultado as capacidades militares da força têm-se degradado, pondo em causa a soberania e a segurança dos militares que operam equipamentos e armamentos. As forças em missões em proveito do Estado, fora do território nacional, continuam a operar viaturas blindadas emprestadas e continuam sem mobilidade táctica por falta de helicópteros. Dois programas de reequipamento que estão inscritos nas prioridades do Exército desde o início da década de 90 do século passado. Como devemos qualificar este desinteresse?
 
Desinteresse que é agora acompanhado por grave falta no sentido de Estado, quando se coloca no debate público e político, como uma das causas das dificuldades financeiras desse Estado, o pagamento de um meio para a capacidade submarina da força militar nacional (que há muitos anos, face à mesma capacidade em riscos de se perder foi aconselhado, do ponto de vista estratégico militar, que se devia manter, e decidido politicamente manter). Como devemos qualificar este procedimento?
 
Há uma nova cultura sobre a paz e a guerra que temos tentado acompanhar e que as Forças Armadas estudam e tentam compreender. Gostaríamos de ver na nossa Nação o interesse pela educação para a defesa, a par da essencial educação para a cidadania e outras talvez mais dispensáveis. Talvez preparássemos melhores cidadãos para responsabilidades que poderão ter de assumir, guiando os destinos de todos, não caindo na tentação de confundir responsabilidades de Estado com vantagens pessoais efémeras.
 
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*      Presidente da Direcção da Revista Militar.
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2011-09-19
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by COM Armando Dias Correia